O arraiá
Imagem de Maria Rosa Rodrigues, publicada no livro
Aspectos folclóricos das festas de origem européia de cunho religioso e pagãs (I)
Festas juninas - No inverno em Cubatão, como em todo o Brasil, são realizadas
as festas juninas: Santo Antônio (13 de junho), São João (24 de junho) e São Pedro (29 de junho).
As festas juninas de Cubatão passaram a chamar maior atenção da população local a
partir de 1959. Elas - que, além do significado natural e do comportamento profundamente humano da festa de São João, onde revivem-se rituais do
fogo, no culto a um santo da Igreja Católica (São João Batista, o precursor de Cristo) - deixam florescer as quadrilhas (dança antiga de origem
francesa) e a encenação dos casamentos da roça (representação do casamento realizado na zona rural, onde se usa trajes alusivos à época do
coronelismo brasileiro), como também (já existentes e presentes em todas as áreas culturais) os costumes de tirar sorte, prever futuro, casamento,
viagem, beber muita cachaça, o quentão, muitas comidas assadas nas fogueiras ou nos fornos caipiras...
Há fogueiras que geralmente são acesas pelo dono da festa, o dono da casa ou por uma
entidade, logo que o sol se põe, aquecendo assim a noite de inverno. Soltar balões - único costume que fora amenizado pela tecnologia, porém, não
desincentivado -, soltar balões que sobem levando recados, pedidos para o santo, que serão atendidos se o balão subir...
E a alegria espoca em foguetes no céu da cidade. São as festas caipiras que surgem por
todo lado, no centro, nos bairros e nas vilas. E há somente um, entre os três santos festejados, que está com suas festas quase extintas pelo Brasil
afora e em Cubatão também: são as festas de Santo Antônio. Mas, no entanto, a devoção a Santo Antônio é muito grande. Ainda hoje é invocado para
achar casamentos e coisas perdidas. Reza-se assim:
Meu querido Santo Antônio
Feito de nó de pinho
Com vós arranjo o que quero
Porque eu peço com jeitinho
Meu querido Santo Antônio
Feito de nó de pinho
Me arranje um casamento
Com um moço bonitinho
Tudo isso temos para falar das festas juninas que apareceram em Cubatão. Embora o
desenvolvimento econômico florescesse, não se apagaram os sedimentos culturais herdados, em uma cidade cuja população fora outrora voltada para uma
vida rural, onde em seus campos, suas roças, cresceram muitas bananas, muitos milhos e pastorearam muitos animais em rebanhos.
Hoje Cubatão, com um desenvolvimento econômico voltado não mais para a agricultura e
sim para a industrialização, onde a cidade não mais abriga significantes plantações em sítios e fazendas, mas o maior parque industrial da América
Latina, deixa sobreviver o culto das festas juninas. Todos comemoram, tal é o contágio do acontecido, outros recordam com ternura, e é nesse
ambiente que ainda hoje, até sem saber, comemoramos a passagem do ano cósmico com a fartura de alimentos que nascem da terra: o milho, a banana que
cresceu nas roças, nos cercados, certo dia...
É num ambiente tecnológico que aparece uma das figuras mais relevantes para os
festejos juninos desse novo período econômico e socialmente definido, já no então município de Cubatão, e as festas juninas adquirem novo colorido
além do habitual. Nesse período, surge no Bairro da Água Fria a primeira festa junina com casamento da roça, sob o apoio da Cia. Santista de Papel e
Funcionários da Vila Fabril, liderada por pessoas de São Vicente.
Em movimentos gradativos e crescentes eclode, nessa época, profundeza ao culto das
festas, com Mário de Oliveira Moreira (o Marinho) que em 1959 exercia o cargo de diretor social do Comercial Santista Futebol Clube, e que no
intuito de divertir as crianças do bairro, deixa nascer seus primeiros passos da Quadrilha, incentivando grandiosamente as festas da época. Suas
primeiras apresentações no Arraiá Biscoito Duro tiveram muito sucesso, e sua quadrilha infantil deixa a Vila Fabril para mostrar-se no Clube
Atlético Usina de Cubatão (Light) e no Clube 2004, da Refinaria Presidente Bernardes.
Iniciaram-se aí os tradicionais convites para marcante e cantador de
quadrilhas para Marinho, já responsável pela cultivação dos costumes e usos das festas caipiras, passando a ser elemento integrante formador
desse comportamento, que é considerado aqui como folclórico.
O envolvimento social que se verifica no decorrer dos anos é marco primordial do
tradicionalismo hoje reconhecível no seu trabalho, feito no primeiro convite fora do bairro onde residia (Água Fria), para ensaiar quadrilha. Esse
foi feito pelo Arraiá Bambuzal, localizado na Light, ocorrido há 23 anos (1960), e foi organizada a quadrilha com integrantes adultos.
Dois anos mais tarde, a quadrilha chega ao centro de Cubatão e é no Esporte Clube
Cubatão que ela cresce sem limites de idade, sendo apresentada no Arraiá Piriquito, nos bailes juninos, extinguindo-se em 1968.
Nesse período que a quadrilha chega ao centro da cidade e cultivou-se o crescimento
das festas locais, surge como incentivo o Concurso de Quadrilhas, sendo o primeiro patrocinado pela Congregação Mariana (hoje Conselho Paroquial) da
Paróquia Nossa Senhora da Lapa, onde o evento trouxe quadrilhas de Santos e São Vicente para participar das festas.
Aparecem em Cubatão mais dois ensaiantes: Sebastião G. Oliveira e Jorge Oliveira, os
novos responsáveis pelas quadrilhas do Arraiá Biscoito Duro.
No evento acima citado, a quadrilha do Arraiá Bambuzal sagrou-se campeã em festas
juninas consecutivas, sempre ensaiada por Marinho, e fora agraciada com troféus e muitos festejos com pratos típicos das quermesses, que vibravam ao
som da gaita e sanfona. Participaram nesses concursos, levadas por Marinho, as quadrilhas dos seguintes arraiás: da Capela de Santo Antônio (do
Bairro da Olaria), e a Piriquito, sendo que, somente depois de dois anos instituído o concurso, cria e leva também a quadrilha Congregação Mariana,
também ensaiada por ele.
Nesse período ainda (em que chegou ao centro de Cubatão), as escolas estaduais
descobrem o trabalho de Marinho, e ele é mais uma vez o responsável pelas coreografias, agora de alunos, e a quadrilha passou a ser veículo de
formação educativa dentro das escolas. A preparação da festa folclórica é dada por ele às professoras e organizadores dos festejos juninos nos
estabelecimentos até os dias atuais. Fez a primeira marcação de quadrilha para o Grupo Escolar "Júlio Conceição", em meados da década de 60, nesse
mesmo ano também foi marcante das do Arraiá da Congregação Mariana, do Arraiá da Capela de Santo Antônio, do Arraiá Piriquito e do Arraiá
Bambuzal.
A quadrilha do Arraiá da Congregação Mariana durou 4 anos, o Arraiá da Capela de Santo
Antônio - que tinha uma quermesse beneficente, cuja renda era em prol da capela - também se extinguiu com o término das quermesses e o
desaparecimento da mesma no bairro. A do Arraiá Piriquito durou 6 anos, enquanto que nesse período de existência pode apresentar-se no Clube Oswaldo
Cruz, na Associação Atlética Portuguesa Santista (vencendo seus concursos) e no Grupo Folclórico Tricanas de Coimbra (também vencendo seus
concursos), e na praia do José Menino, todas em Santos.
A única quadrilha a sobreviver até nossos dias é a do Arraiá Bambuzal, que nesses anos
de existência só deixou de apresentar-se em duas festas juninas.
As quadrilhas, os casamentos da roça, ganham um significado especial, entre brinquedos
e brincadeiras. É uma poderosa e salutar arma educativa, uma completa forma de preparar para a vida real, pois brincando forma-se o caráter integral
da criança, do adolescente. E, nesse meio de brincar dançando a quadrilha, muitos pais confiam a educação de seus filhos à tradição convencional
ditada pelos costumes herdados por nossa sociedade. Um dos pontos mais altos é a socialização provocada, a realização de contatos humanos, o
desenvolvimento do espírito de solidariedade, verificado no decorrer de sua existência.
Em nossa época, é ainda Marinho o responsável não somente pelas quadrilhas, como
também pelo desenvolvimento social verificado e citado acima. Depois de trazer seu trabalho para o centro da cidade, e de fortalecer a tradição,
esta se ramifica atingindo o Bairro da Vila Nova.
Com sua participação como membro Construtor da Igreja São Francisco de Assis no Bairro
da Vila Nova, onde agora reside, criou a primeira quadrilha da Vila Nova (ela apresentou-se na quermesse ao lado do local onde hoje é igreja, 1980 e
1981), em prol de sua construção. Sempre com objetivos filantrópicos e de lazer, o grupo era composto por vários membros, eram casais casados,
residentes locais, todos com relevantes e influentes atuações sociais - entre eles destacamos o sr. José Oswaldo Passarelli e sra. Cecília
Passarelli -, entre outros, que também muito fizeram e fazem benefícios à Igreja de São Francisco de Assis.
Com o término da construção da igreja (1981), surge o Grupo da Rua 1 (atual Rua XV de
Novembro), o Arraiá da Rua 1, onde - com o apoio e sede para os ensaios na residência do casal sr. Sebastião e sra. Cecília Faria - são organizadas
as festas e as quadrilhas, até a data de hoje.
É ainda o sr. Mário, com sua criação coreográfica que difere da dança feita no
Nordeste, que canta e marca sua tradicional Estrela, seu Trocadilho, que diz assim:
Pessoal, este é o passo do Trocadilho
Todos à procura de um novo amor
Mas no final
Todos ficam onde começou...
São quadrilhas de jovens e de casais casados que se apresentam no Arraiá da Rua 1, com
data marcada, um único dia do mês de junho, onde se dança a noite toda na rua, come-se e bebe-se tipicamente até apagar-se a fogueira, ao som da
sanfona e do triângulo. Sempre objetivando o lazer e a filantropia, esse grupo reúne por ano a média de 30 pares de jovens e 18 pares de casais
casados.
Com a criação do concurso de quadrilhas da Prefeitura Municipal de Cubatão, a
população teve novo incentivo à formação de novos grupos além dos citados literalmente, reforçando assim essa manifestação do folclore local.
A Quadrilha da Rua 1 participou 2 anos (1982 e 1983) do concurso da Prefeitura
Municipal, sagrando-se bicampeã, revivendo os antigos concursos e revelando mais uma vez o trabalho do marcante Marinho.
Porém, o mais relevante trabalho e resultado desse grupo foi a campanha mobilizada na
cidade em prol dos desabrigados nas enchentes que assolaram o Sul do País, onde cada jovem, cada adulto, cada ser humano, em gestos solidários com
os órgãos assistenciais do Município, entre eles os da Prefeitura Municipal, puderam participar, mostrando, nesse trabalho, a dança antiga de amor,
que ainda tem seu lugar numa cidade industrial, arrecadando não mais pratos típicos, mas, sim, todos os tipos de alimentos e agasalhos. Nesse dia, o
sr. Mário marcava a "ajuda aos nossos irmãos do Sul".
O mais recente e importante prêmio que o sr. Mário recebeu por suas quadrilhas nesses
longos anos de trabalho é o que dizia assim: "Muito obrigado pela sua paciência, inteligência... Eis o fruto do
Espírito: Amor, Alegria, Paz, Doçura, Bondade..."(N.A.: cartinha anônima escrita por um dos participantes da quadrilha
da Rua 1, endereçada ao sr. Mário).
As festas juninas em Cubatão deixam saudades e, por isso, não
terminam em junho: muitas vezes elas crescem pelas férias, no inverno de julho até o reinício das atividades escolares. São vários os Arraiás,
sempre com fins filantrópicos às entidades de assistência social do Município. Vale citar aqui os Arraiás do Parque Anilinas (até 1982) e o De Trás
do Passos (1983/4/5), que deixam-nos à espera do próximo inverno, e levando de volta ao departamento de Estrada de Rodagem (DER) o sr. Marinho.
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