A capoeira
Imagem de Maria Rosa Rodrigues, publicada no livro
Depois dos íncolas e tropeiros, a vez dos nordestinos (II)
A capoeira - A capoeira surgiu em Cubatão trazida por Jorge Afonso de Paula - o
Mestre Carvoeiro. Ela chega até nós, vinda de Santos, onde seus passos e cantos foram introduzidos pelo Mestre Corisco, responsável pelo
aparecimento da capoeira na Baixada Santista em meados de 1970.
Discípulo de Mestre Corisco, Mestre Carvoeiro introduz a capoeira à população
cubatense, que até então não a conhecia praticamente.
Ela, que existe no Brasil desde os primeiros tempos da escravidão, é originada de
Angola e a herdamos dos negros escravos que dela se utilizavam como meio de defesa.
Enraizou-se no País, disfarçada de jogo e brincadeira ou ainda dança de escravos, mas
que objetivava preparo físico e exercícios para defesa em lutas que muitas vezes chegaram a ferir adversários; períodos esses que ficaram
registrados em nossa história (Guerra dos Palmares, durante a invasão holandesa).
Sua prática foi proibida por lei na República de Marechal Deodoro da Fonseca, quando o
chefe de polícia, Sampaio Ferraz, antipatiza-se com sua prática como luta. Mas, é no governo de Getúlio Vargas que a capoeira volta ao cenário
nacional, legalmente, com força maior que a encontrada nas temidas matas do Rio de Janeiro, Recife e Salvador, sob seu domínio no século XIX.
Não somente luta, mas também integrada ao folclore nacional, reconhecida pelo
Ministério de Educação, Saúde e Assistência Social, a capoeira passou a ser ensinada sem precisar de disfarces e sem limitar-se ao gosto somente de
uma classe e de uma etnia (escravos negros - século XIX); já alcançava contudo o reconhecimento dos brasileiros, no início do século XX. É na década
de 30 que aparece a primeira academia para seu ensino, sob a direção do Mestre Bimba (1937). Com isso se deu o incentivo à sua prática e ao
aparecimento de muitas outras academias, locais de grandes visitas turísticas por interessados no folclore brasileiro.
Foi através de uma academia que Cubatão teve acesso à capoeira. É com a bênção do
Mestre Corisco, e o desejo que o "Senhor do Bonfim abençoasse e desse bastante força e capacidade em suas aulas", que Mestre Carvoeiro abriu as
portas de sua academia para a população, em fins dos anos 70.
A capoeira passa a fascinar a população, que sensivelmente se envolveu com a tradição
folclórica. Essa mesma tradição, designada pelos negros escravos, que transformaram sua dança em luta, na ânsia de liberdade.
"Mato que foi cortado, mato rasteiro" - eis o significado da palavra Capoeira, que
Mestre Carvoeiro procura informar, quando passa a seus alunos seus ensinamentos herdados, seus ensinamentos adquiridos, quando soam os berimbaus,
pandeiros, atabaques, ganzás, caxixis e agogôs...
A roda de capoeira é concebida com o berimbau, que marca as cadências, os ritmos, os
compassos, para que os próprios jogadores sintam-se estimulados à luta. Esses toques variam do solene ao sem compromisso, que são definidos por seus
praticantes.
Vale notar que não devemos confundir os "toques dos instrumentos" da capoeira com seus
"estilos", pois definimos como "estilos" o conjunto de golpes e a maneira como eles são aplicados, independente do toque dos instrumentos que
acompanham uma roda de capoeira. Ainda aqui, inserimos os ensinamentos ministrados pelos seus Mestres, que são distintos.
Quanto aos toques instrumentais, estes servem para, além de "ditar o jogo", avisar aos
capoeiristas a hora de entrar na roda, as mudanças de ritmos; há ainda o tradicional toque dos escravos e o dos que praticavam a capoeira
ilegalmente, um ritmo especial, concebido para avisar os jogadores da chegada da polícia.
Sempre acompanhados por ladainhas e cantos, que evocam, por vezes, lendas do passado
de luta ou mesmo as realidades de nosso meio social, harmonizando-se melodia e ritmo com os movimentos do "Sinal da Cruz", quando os capoeiristas se
benzem para entrar na roda, utilizando-se dos seguintes toques:
Angola - é o toque de abertura, lento, onde o Mestre da Roda inicia uma
ladainha-saudação, servindo para o capoeirista mostrar toda a flexibilidade e malícia;
São Bento Grande - é o toque para o jogo violento, onde se procura atingir o
adversário e o capoeirista tem que mostrar que é bom em seus reflexos e agilidade;
São Bento Pequeno - é o toque usado em demonstração, onde os golpes são
"segurados" a poucos centímetros do alvo;
Amazonas - é o toque usado na chegada de um visitante; é o hino da capoeira;
Cavalaria - esse toque originalmente fazia parte da comunicação entre o
capoeira que estava de vigia e os que estavam jogando, quando aquele avisava a estes que a polícia estava chegando;
Iuna - é um toque que procura imitar o canto essa ave; é usado para jogo entre
Mestres de Capoeiras, ou então no enterro de um deles;
Santa Maria - toque fatalista, para jogo com navalha na mão ou no pé;
Benguela - toque para jogo com pau;
Idalina - toque para jogo com faca;
Barravento - toque para jogo rápido, que exige grandes reflexos.
Há também o chefe da roda, que canta a sua toada lenta em versos e o coro responde:
Atruandê
ê, ê
Aruandê
Camarada
Falando dos "estilos" dessa luta marcial, convém salientar os golpes rápidos e
decisivos de seus grandes mestres, assim definidos pelos capoeiristas cubatenses:
1 - A Cocada - que esborrachava o queixo do camarada ou, quando acertava no
estômago, deixava o coitado quase em síncope, estatelado na rua, de boca aberta e olhos brancos;
2 - O Grampeamento - lanço de mão aos olhos; com o indicador e o anular em
forquilha, que fazia qualquer um ver estrelas;
3 - O Cotovelo - em aríete no peito do adversário;
4 - A Joelhada;
5 - O Rabo-de-Arraia - tão famoso e conhecido de todos;
6 - Rasteiras - desde a de arranque, ou tesoura;
7 - As Canelas e os Pontapés - em que alguns eram tão ágeis que chegavam
com o bico quadrado das batidas no queixo do antagonista;
8 - As Bolachas - desde o tapa-olho que fulminava, até de beiço, que
arrebentava com a boca do inimigo.
Assim descritas, as rodas de capoeira são assistidas pela população de Cubatão, em
forma de shows, objetivando ilustrar essa informação cultural e o enriquecimento das manifestações folclóricas locais. Chegou às escolas, às
praças, ao centro e aos bairros, realizando apresentações nos centros esportivos, no Parque Anilinas, nas escolas de samba e avenidas.
A população participa e preserva a tradição e o folclore, a riqueza da capoeira, que
cresce dia-a-dia na região, no canto do Mestre Corisco:
Quem tem 10 tem 20
Quem tem 20 tem 50
Capoeira de ASCAB (*)
Os paulistas não agüentam
Se quiser provar esta história
É o mestre Corisco que sustenta.
(*) ASCAB: Associação de Capoeira da Baixada
Hoje, os integrantes da roda de capoeira cubatense têm uma associação e, em homenagem
ao símbolo da Autoridade Portuguesa, ela recebeu o nome de Associação de Capoeira Pelourinho de Cubatão, onde ainda hoje Mestre Carvoeiro, o
responsável pelos ensinamentos (recebidos de Mestre Corisco, quando ainda menino, barrigudo, com muita vontade de dançar a capoeira), deixa passar
sua sabedoria de luta a seus discípulos pelos quatro cantos de Cubatão e de todo o País, no trabalho do Barba, Carlos Alberto, e no trabalho
do baiano Marrom, Luiz, os irmãos na sabedoria da Capoeira em Cubatão.
Onde ainda ecoam os gritos do Rei Zumbi, "Deus Negro de Alma Branca", onde ainda
brilham o sol, as estrelas, a liberdade e a igualdade entre as etnias, onde surgiu a capoeira engrandecendo-nos culturalmente, mesmo sabendo que seu
aparecimento deu-se em tristes dias que antecederam o 13 de Maio de 1888, quando nas senzalas cantavam assim:
Zumbi, Zumbi, Zumbi
Oi, Zumbi, a mochicongo
Zumbi, Zumbi, Zumbi
Oi, Zumbi ganga Zumbi
|