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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
O cordel dos nordestinos

A população cubatense foi várias vezes renovada, ganhando a cada vez características marcadamente diferentes, como lembra o livro Antologia do Folclore Cubatense, de Luzia Maltez da Guarda (edição da autora, 8/1985, Cubatão/SP):

Literatura de cordel
Imagem de Maria Rosa Rodrigues, publicada no livro

Depois dos íncolas e tropeiros, a vez dos nordestinos  (I)

O folclore de Cubatão não é apenas, ou puramente, isto ou aquilo, ao contrário: resulta da criatividade de nossa gente, no amálgama mais expressivo da criação cultural. Podemos dizer que nosso folclore tem raízes lusitanas, ou podemos apontar nele traços africanos, o fato é que nem um aspecto nem outro é puramente lusitano ou africano, mas sim resultado do contato intercultural que aqui se verificou, forjando novas criações e alimentando, já agora com marcas brasileiras, a expressão do processo transculturativo que o Brasil presenciou e de que fomos parte integrante.

Já no século XX - Cubatão emancipado - a população é composta por jovens de correntes migratórias nordestinas, que trazem em sua bagagem os traços da cultura de origem, quando vêm tentar a sorte, quando vêm em busca de melhor emprego.

Adaptam-se à vida urbana daqui, mas não deixaram apesar de tudo apagarem-se os sedimentos da cultura original de cada indivíduo.

Daí surgem as mais diversas manifestações folclóricas: os artesanatos, as esculturas, trabalhos em rendarias, as festas folclóricas religiosas, festas juninas, as brincadeiras infantis, jogos populares, a capoeira, os usos e costumes domésticos etc., tudo como relevante carga simbólica do Nordeste, ao mesmo tempo incorporados a símbolos culturais da nova terra, desse seu novo universo.

Cubatão tem atualmente ricas, recentes e muito importantes manifestações de folclore dos nordestinos, entre elas a literatura de cordel e a capoeira.

Literatura de cordel - A literatura de cordel que aparece em Cubatão traz uma apresentação poética baseada no cordel dos jornalistas do povo do Nordeste, onde a tradição recomenda as cantigas do Nordeste acompanhadas por choro de violões ou de rabecas. Na falta desses instrumentos musicais, esses textos correm livres, conforme a imaginação do leitor. Aqui, ela surgiu nas primeiras semanas de fevereiro de 1976, logo após a tragédia que assolou Cubatão: As enchentes que desabrigaram quinze mil pessoas, em 29 de janeiro de 1976.

Manuel Raimundo da Silva e João Fernandes de Oliveira, chamados de jornalistas do povo, foram os autores do livrinho de capa verde que circulou na Cidade quando a população ainda se preocupava em limpar a soleira das portas, a remover a lama das chuvas que inundaram a Cidade.

Esses livretos, que eram vendidos a Cr$ 5,00 (cinco cruzeiros), continham 34 (trinta e quatro) versos que contavam de uma forma direta e simples, sem pontuação, todo o fato ocorrido em 29 de janeiro de 1976. O início da tragédia, as providências tomadas por autoridades para atender ao povo, serviços prestados por órgãos de Assistência Social e até sobre profecias religiosas que coincidiam com o fato.

Os livrinhos tiveram boa receptividade até por outras camadas da população, distintas pela classe social, por sua pureza de linguagem e também por ser uma grande novidade. Muitas pessoas da Cidade nunca tinham ouvido falar em Literatura de Cordel.

Eis agora os trinta e quatro versos de cordel:

Voltou agora o poeta
Com uma nova inspiração
Surgiu nas páginas do livro
Fazendo declaração
Porém, ninguém me desmente
Falando sobre a enchente
Que assisti em Cubatão

Aqui senhores escrevo
O caso que foi passado
Vi o povo em desespero

Correndo para todo o lado
Vendo esta cena fiquei
Bastante contrariado

Se eu pudesse dava jeito
Com a máxima atenção
Abrigava com prazer
O povo de Cubatão

Fazer o bem isto é
De nossa obrigação
É minha satisfação
Ajudar esta Cidade
Vejo que o povo
Tem grande necessidade

Quem puder faça agora
O seu ato de bondade
O Capitão Erasmo
Muito colaborou
Trabalhando a noite inteira
Vendo o que se passou

E o Corpo de Bombeiros
Grandes serviços prestou
Ninguém se afogou

Foi uma felicidade
As águas eram demais
Enchendo esta cidade
Só Deus pode ter
Deste povo piedade

O Dr. Delegado
Uma grande autoridade
Nosso ilustre prefeito
Comandante da cidade

Todos prestaram serviços
Com grande capacidade

Nosso prefeito tomou
Ótima deliberação
O povo estava
Em grande precisão
E trouxe ao Centro Esportivo
Leite, Coberta e Colchão

Dentro do Centro Esportivo
As criancinhas chorando
A Mãe com dó de seus filhos
Iam a eles consolando
Pareciam sertanejos
Quando vão se arretirando

Com meu lápis escrevendo
É grande o meu sentimento
Ver o povo em amargura
Sofrendo ali no relento

Uns choravam outros diziam
Estou nas asas do vento
Fazia pena se vê.
A triste calamidade
Do povo em alarido
Que abalava a cidade
Muitos pediram a Deus
Tenha de nós piedade

O prejuízo foi grande
Com cheia demasiada
Foi um grande prejuízo
De soma elevada

Vimos a Vila Parisi
Completamente inundada
Porque as águas chegaram
Fazendo destruição
Levando tudo do eito
Cadeira, mesa e colchão
Deixando um grande pânico
No povo de Cubatão

Um senhor dizia assim
Valha-me Nossa Senhora
Pelo amor de Jesus
O que é que eu faço agora
Toda riqueza que eu tinha
Nas águas foram embora

Foi grande destruição
Eu fiquei horrorizado
Vendo ali naquela hora
O povo desabrigado
Chorando porque perderam
O que já tinham ganhado

Vi uma mulher chorando
Com a maior desventura
Dizendo meu Deus do Céu
É castigo da natura
Porque as águas subiram
Metro e meio de altura

Com esta calamidade
Milhares de flagelados
Deixaram suas moradias
Ficaram desabrigados
As enchentes vieram
Muitos maus resultados

Agora eu vou falar
No que certo aconteceu
Um velho disse agora
Vou perder o que é meu
Quando disse isto
Deu colapso e morreu

Este morreu logo
E não teve outro assunto
Porque mudou logo o nome
De vivente para defunto
Está residindo agora
Na cidade do pé junto

As águas faziam danos
De nos causar pena e dó
Muitas casas estremeciam
Dentro da Vila Socó
Chorava Pai, Velho e Neto
Chora Mãe, Primo e Vó

Se ouvia o povo dizendo
É um acabar de vida
Outros chamariam dizendo
Toda causa está perdida
Pediam força a Deus
À Senhora Aparecida

O prejuízo foi grande
Nas casas comerciais
O povo diziam assim
Eu não posso sofrer mais
Outros corriam dizendo
Vamos salvar nossos pais

Toda Baixada Santista
Foi enorme lamaçal
Vila Nova parecia
Um grandioso canal
Muitos pobrezinhos sofrem
Debaixo do temporal

Eu confesso que fiquei
Tristonho e penalizado
Vendo Cubatão
Por completo inundado
Ergui meus olhos ao céu
E rezei humilhado

A correnteza era forte
Por toda a avenida
As casas baixas
Estavam destruídas
Muitos consideraram
As esperanças perdidas

C.F.S.C.
Chefe de nossa cidade
Por ser prefeito de honra
De muita capacidade
Agiu com manutenção
A quem tinha necessidade

Porém em todas as ruas
Muitas canoas
Livrando o pessoal
Do enorme aguaceiro

Se via em plena rua
Centenas de forasteiros
Um prefeito justiceiro
Um coração de bondade
Se viu muito aflito
Com esta flagelidade

Registrou em Cubatão
Dia de Calamidade

Media um metro e 50
A enchente em Cubatão
Em todas as avenidas
Causando admiração

Prejuízo foi grande
Ante esta destruição.

Esses livrinhos, folhetos circunstanciais ou de ocasião, como são chamados, relatam fatos históricos, maravilhosos, religiosos, cômicos e satíricos, e o ciclo circunstancial. Ainda hoje continuam levando ao povo a notícia de muitos acontecimentos.

Recentemente, em colaboração com a Semana do Folclore, patrocinada pela Prefeitura Municipal de Cubatão, João Fernandes de Oliveira escreveu 54 (cinqüenta e quatro) versos sobre o ilustre cubatense Afonso Schmidt, onde ele focaliza algumas de suas obras e salienta aspectos de sua vida.

Alfredo Vieira dos Santos escreveu quão trágico foi o acidente na Via Anchieta tempos atrás, e também surge a mais nova literata de cordel da cidade, a artista plástica Selma Bandini, que até pôde mostrar num encontro de artistas em Diamantina (MG) o seu cordel As Inesquecíveis, onde fez uma sátira às vogais A, E, I, O, U, teve muito sucesso em Minas Gerais e também em Cubatão.

Dentro de nossa língua de dez
palavras nove e meia são vogais
Exemplo AUTORIDADES
Que de cinco consoantes seis são vogais
E aqui no caso a minoria é que
Manda e vence

E aí fica a expressão:
Ah a é é... E mesmo três
horas mais tarde não
conseguirá uma resposta

Etimologia
Etnia
Ética

Ensaio e tem gente que
não passa disto

O infeliz do I
Sempre um Idiota
Um Imbecil, um improdutivo
está sempre introduzindo e
sempre negando
E com impulso é sempre
induzido a qualquer coisa

Oh! ô, ô, oia, oi, Oooo...
Oh - na exclamação
Ô - qué saí daí?
Ó - apontando
Oia - só pra ver
Oi - pra cumprimentá
Oooo... pra parar burro

Agora é vez do U e
o negócio fica feio quando este mesmo U aparece
Que quando não é vaia
sempre com um tal consoante
... poder mandar muita gente
- e aí ninguém bebe
só toma.

Na Literatura de Cordel os autores dos livretos apenas não refletem em seus versos a individualidade, mas resumem elementos formadores da coletividade, sendo esse o ponto alto da receptividade pelo povo, pois fato e opinião se misturam, ou seja, junto com a informação, o leitor ou ouvinte recebe também uma carga de elogio ou crítica, sobre o assunto, e como é sabido, ninguém gosta de um fato seco, sem comentários.

Diz-se que os livretos dos jornalistas do povo de Cubatão circulam nas feiras do Nordeste, sendo seus versos cantados por cegos violeiros no Mercado de Água de Meninos, por repentistas de João Pessoa, na Feira de Santana, em Salvador, em Sergipe, no Recife, além da Vila Nova, um bairro de Cubatão onde eclodiram os primeiros versos dos que aqui introduziram a Literatura de Cordel, não mais nordestina, mas cubatense, fazendo com que nossas manifestações figurem também nos cenários do Folclore Nacional.

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