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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - VILA SOCÓ - (19)
A tragédia, em A Tribuna de fevereiro/1984-J

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Uma das maiores tragédias de Cubatão, senão a maior, foi o incêndio de um oleoduto da Petrobrás que passava sob uma favela, Vila Socó, destruída pelas chamas com a morte de cerca de uma centena de pessoas, em 24/2/1984. No domingo, 26 de fevereiro de 1984, o jornal santista A Tribuna publicou extensa matéria sobre a tragédia. As imagens das páginas foram tratadas pelo jornalista Allan Nóbrega, que em 24/2/2014 cedeu cópias a Novo Milênio. Esta é a página 11 dessa edição (ortografia atualizada nesta transcrição):
 

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Página 11 do jornal A Tribuna de Santos, de 26 de fevereiro de 1984

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O barril de pólvora que um dia explodiu

"Os moradores dos bairros das cotas, situados nas encostas da Via Anchieta, e os da Vila Socó, cujos barracos ficam entre dois oleodutos, estão dormindo sobre um barril de pólvora, que pode explodir a qualquer momento. Cubatão está em cima de uma bomba. Se houver um vazamento de um oleoduto ou um deslizamento na serra, teremos tragédia".

Essas palavras, tidas como proféticas agora, depois do incêndio, ontem de madrugada, da metade da Vila Socó, em Cubatão, com a morte de dezenas de pessoas e ferimentos em muitas outras, foram ditas em 26 de agosto do ano passado, naquele município, pelo secretário especial de Meio Ambiente do Ministério do Interior, Paulo Nogueira Neto. Ele veio à cidade para uma reunião na Prefeitura, de que participaram diversos representantes de órgãos, com o objetivo de resolver o problema de risco de desabamento nas encostas da Anchieta, em trechos onde foram construídos barracos.

Má conservação - A tragédia de ontem foi motivada pelo vazamento de gasolina pela tubulação que passa na Vila Socó, lado da Avenida Bandeirantes. Em 20 de outubro do ano passado, o rompimento de uma tubulação do Terminal de Derivados de Petróleo - Tedep -, de Cubatão, na altura do Km 37,5 da Via Anchieta, no Planalto, provocou a queda de gasolina em um dos canais de descarga da Represa Billings, onde a Sabesp capta água para abastecer a Baixada Santista.

Em fins do ano passado, uma tubulação que conduz petróleo bruto para a Petrobrás, vindo do cais de São Sebastião, rompeu-se no Vale do Itapanhaú, região conhecida como Sítio Caruara. O fato foi provocado, segundo a Petrobrás, por uma pedra de cerca de cinco toneladas que rolou de uma pedreira e caiu sobre o oleoduto.

Para os técnicos da empresa que constrói o prolongamento da Rio-Santos - e se utiliza do material da pedreira - o cano só vazou porque está mal conservado, já que a rocha enterrou-se no solo e uma de suas extremidades o levantou, provocando um buraco. Assim, escorreram toneladas de petróleo bruto pelos mangues e mares, causando um inestimável prejuízo ecológico para a fauna da região e abalando a condição econômica de Bertioga, que ainda teve de lutar muito para limpar suas praias e recolher o óleo pegajoso que infestava o seu solo.

Fora esses vazamentos, muitos outros de pequenas proporções já ocorreram, e talvez a tragédia de que se revestiu este último desperte as autoridades federais para que intervenham em sua estatal do petróleo, com a finalidade de apurar responsabilidades pelos canos mal conservados. Sabe-se que, pela lógica, não deveriam existir moradias próximas de oleodutos, mas isso não justifica a incapacidade da empresa em cuidar de seus próprios dutos, que, em última hipótese, são suas próprias fontes de alimentação.

Não se pode admitir que uma cidade como Cubatão não tenha um órgão que verifique constantemente as tubulações que a cortam, formando um emaranhado de tubos em seu subsolo. As autoridades municipais não devem confiar somente em órgãos da Petrobrás de inspeção de oleodutos. Está provado, pelos acidentes que se sucederam nos últimos meses, que realmente não funcionam. E as vidas que se perdem com a ineficiência deles, como ficam?

A empresa pode alegar uma série de coisas para encobrir mais essa sua incapacidade. Dizer, por exemplo, que pessoas não deveriam morar próximo dos tubos. Mas, se não tem capacidade de fiscalizar as condições em que se encontram as canalizações os vazamentos ocorreriam do mesmo modo. Por outro lado, o núcleo da Vila Socó é o mais antigo sob mangue que existe no Município. E foi formado por gente, na sua maioria de pouca instrução, que veio para Cubatão ajudar na construção da própria refinaria e de outras fábricas.

Essa gente humilde, pelas suas deficiências intelectivas, acabou não sendo aproveitada nas indústrias e se viu, de uma hora para outra, desempregada. Como naquela época já se estava formando a Vila Nova, os operários começaram a fazer seus casebres de madeira em uma região que ficava ao lado do novo povoado. Justamente contida entre dois oleodutos, porque lá não precisariam de pagar aluguel, já que os próximos empregos não seriam tão bem remunerados como antes. E assim nasceu a Vila Socó, a Vila São José, como diziam, orgulhosos, seus moradores.

História - A Vila Socó começou a ser formada na década de 50, quando para Cubatão vieram centenas de trabalhadores, em sua maioria nordestinos, despertados pelo início da implantação do polo industrial. As moradias da época foram aumentavam e somavam, até antes do incêndio, cerca de duas mil. A população, de aproximadamente 9.500 pessoas, cresceu muito nos últimos anos, devido ao alto índice de desempregos que se estabeleceu na região. Diversas tentativas foram feitas para deslocar o pessoal da vila, como as casas do Projeto Cotia-Pará, cuja construção foi prometida há muito tempo e faz cerca de oito anos que se arrasta em entraves burocráticos.

Se o novo núcleo residencial, que ia ser formado ao lado contrário da Via Anchieta, houvesse sido construído, a tragédia de agora poderia não ter ocorrido. Estima-se que 900 barracos foram destruídos pelo fogo, causando a morte de dezenas de pessoas. O que farão as autoridades agora?

A denúncia ignorada

Alarmista. Subversivo. Comunista. Essas foram algumas das definições iradas utilizadas contra o vereador Romeu Magalhães (PDS), a cada vez que, nos últimos oito anos, ele se pronunciava sobre os problemas ambientais de Cubatão e total falta de segurança de seus moradores. Foi chamado de louco quando, pela primeira vez, disse que Cubatão era um barril de pólvora e também quando afirmou que "o povo está como dentro de um avião, num voo cego, suicida".

Desesperado diante dos escombros, Magalhães declarou: "Agora eu sei, vão ser tomadas providências. Mas por que é preciso acontecer a desgraça para que as autoridades percebam que a situação daqui é grave?" E concluiu: "Só sei que passei aqui às 19 horas (sexta-feira) e o cheiro de gasolina era fortíssimo. Pelo amor de Deus, que levem esse pessoal que ficou, para as residências vazias da Usina Henry Borden. E que as autoridades saibam que o Morro do Piche está para cair. Mas vão esperar acontecer. O povo não tem qualquer valor, parece".

Os muitos planos de desfavelamento

A primeira vez em que se falou de desfavelamento, em Cubatão, tinha-se, em mente, erradicar a Vila Socó. Foi no governo do segundo prefeito nomeado da cidade, Zadir Castelo Branco, um engenheiro sanitarista, cuja gestão foi dos anos de 1972 a 1976. A cidade não contava com outro núcleo em tais condições e, por isso, desfavelar, em Cubatão, era sinônimo de acabar com a Vila Socó.

De lá para cá sucederam-se estudos, gestões nas esferas de governo federal e estadual, gastos com novos projetos, preparação de áreas e a Vila Socó continuou crescendo. Ao final, ficou a triste realidade de que foi preciso uma tragédia para que a área fosse erradicada.

Agora, dificilmente o núcleo ficará ali. As providências, como uma janela que se fecha após a entrada dos ladrões, deverão ser adotadas com vistas ao remanejamento dos moradores. Muitos deles sairão espontaneamente, traumatizados com o ocorrido. E a Vila Socó dará por encerrado seu ciclo de tragédias, marcado também por enchentes e surtos de moléstias contagiosas.

Planos - Em 1974, o ex-prefeito Zadir Castelo Branco reuniu a imprensa e políticos locais para anunciar um plano ambicioso: transferência de todos os moradores da Vila Socó - cerca de três mil, na época - para outra área, que não chegou a ser definida. Seriam construídas casas, as quais seriam, posteriormente, dadas aos favelados.

Considerados utópicos, os planos nunca foram aplicados e o Executivo foi severamente criticado por ter gasto vultuosa quantia na realização de tais estudos. Os mesmos projetos foram retomados na administração posterior, de outro prefeito nomeado, Carlos Frederico Soares Campos, afastado em 1982, por envolvimento em denúncias de corrupção.

Mais sofisticado, o novo plano, denominado "Projeto Zanzalá", previa a recuperação de uma extensa área no Sítio Cotia Pará, separado da favela apenas pela Via Anchieta. Chegou-se até a iniciar a dragagem dos terrenos, nas imediações da Ilha Caraguatá. Os trabalhos, entretanto, não passaram disso, parando totalmente com o afastamento do chefe do Executivo.

Na época, desfavelamento, em Cubatão, não significava mais erradicar a Vila Socó. Outros núcleos, como a Vila Siri, favela do Miranda e Sítio do Pica-pau Amarelo, passaram a exigir as mesmas atenções da municipalidade. E a Vila Socó caiu no esquecimento, com suas palafitas, agora numerosas, espremidas entre a Via Anchieta e a Via Bandeirantes, ocupando um solo de marinha, parte dele aforado pela família de um certo Conde Siciliano.

FOTOS:

Não faltou alerta sobre o risco de explosão

Falava-se em desfavelar; as crianças cresciam

 

 

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