O nome como interpretação da realidade
A História de Cubatão é rica em peripécias, bastante pitoresca e
de grande interesse para os estudiosos da História paulista.
Desde suas remotas origens até hoje, encontramos ao longo da História de Cubatão fatos que
nos atraem a atenção e que ainda aguardam explicações mais claras e detalhadas.
Um desses pólos de interesse é o próprio nome da cidade e Município.
De fato, o topônimo Cubatão é de origem e significação controvertida, permanecendo ainda
hoje como objeto de discussão entre os estudiosos do assunto. Há muitas interpretações possíveis, embora nenhuma seja definitiva ou irrefutável.
No caso da atribuição deste nome à cidade de Cubatão, praticamente todas as interpretações
condizem com a realidade histórica e geográfica do local.
Na realidade, Cubatão, até o século XIX, é:
porto - rio mar;
lugar de embarcação
estrada - ponto de
encontro;
enseada;
despenhadeiro;
lugar de cachoeiras na
escarpa da serra;
fralda de
despenhadeiro;
lugar de cubatas -
cabanas de negros;
pequenos morros no sopé
de cordilheiras;
pé-de-serra.
Qual destes fatos terá sugerido o nome do lugar?
Por que foi dado o nome de Cubatão a esta região? À serra, ao rio, ao povoado?
Estas questões permanecem em aberto até o momento.
Os nomes interpretativos da realidade costumam ser atribuídos aos lugares, espontaneamente,
entrando para o consenso geral.
Cubatão parece ser um desses nomes, nascidos sem justificativas históricas. A realidade
geográfica e topográfica o justifica. Cabe ao pesquisador tentar saber qual o aspecto que teria motivado a atribuição desse nome ao lugar.
Um trabalho desta natureza, para ser completo, exigiria uma pesquisa mais profunda no campo
da linguística, filologia, semântica, história, economia e sociologia. Se conseguirmos decifrar tal questão em todas essas dimensões, teríamos base
mais sólida para enfocar o ponto de maior interesse em determinada época.
Infelizmente, por falta de fontes, não temos condições para desenvolver uma pesquisa de tal
amplitude. No entanto, faz-se mister tratarmos desses aspectos, embora sem a profundidade científica necessária. Limitar-nos-emos apenas a formular
algumas hipóteses.
Embora não se possa identificar exatamente qual o aspecto que teria servido de força motriz
para a atribuição deste nome, parece certo que ele foi realmente motivado.
Na verdade, as diversas hipóteses formuladas são válidas diante da primitiva realidade
física, geográfica e histórica do povoado.
O topônimo Cubatão aparece empregado não somente para designar acidentes geográficos da
Baixada Santista, mas é conhecido também em outras regiões do país, como por exemplo no Paraná e Santa Catarina.
É ele utilizado no entanto para nomear regiões geográficas semelhantes, isto é, região de
baixada litorânea próximo à escarpa das montanhas; local onde forçosamente o meio de transporte precisava ser totalmente mudado. Nas baixadas
podia-se utilizar a navegação através dos diversos cursos de rios, enquanto nas serras o trajeto era feito inicialmente a pé.
Esse fenômeno provocou a denominação de cubatões aos portos de
pé-de-serra. Temos então: cubatão de Santos, cubatão de Paranaguá, cubatão de São Francisco [1]
Contudo, só em São Paulo o topônimo adquiriu maior importância, passando a ser utilizado para
designar o Rio, a Serra, o Porto, a Cidade e finalmente o Município paulista.
Apresentamos em seguida algumas tentativas de interpretação, selecionadas entre aquelas que
nos pareceram mais significativas.
Para Frei Gaspar da Madre de Deus, Cubatão significa simplesmente porto
[2].
Azevedo Marques, nos seus apontamentos históricos, vai um pouco além
e explica: "Cubatão, nome que os indígenas davam aos portos de mar morto nas fraldas das serras e montes" [3].
João Mendes de Almeida, em sua obra Dicionário Geográfico da Província
de São Paulo, dá duas versões para o vocábulo cubatão: uma em se tratando de serra marítima deste nome, cujo significado seria "empinado
em escadaria", sendo corruptela de Gu-bi-itã; a outra falando de dois rios que nascem na serra, o autor dá a seguinte tradução: "empinado,
dependurado e caído", havendo a corruptela Gui-pai-ta-ã [4].
Francisco Martins dos Santos expressou sua opinião na obra História de
Santos da seguinte forma: "Embora atribuam ao vocábulo Cubatão a significação de pequeno porto para canoas, a verdade é que chamam
cubatões a pequenos e fundos remansos de alguns rios. Esta denominação, que pode ser notada em escrituras e papéis de 1540, 1552 e 1557, é
simples corruptela do tupi Cui-pai-ta-ã contraído em cui-pai-tã e transformado por assimilação portuguesa em Cubatão, alusivo à
formação do rio que cai do alto [5].
José de Souza Bernardino, no seu Dicionário da Terra e da Gente do
Brasil, sem se preocupar com a origem do vocábulo, explica: "Cubatões, usado no plural, significa na região oriental de São Paulo os pequenos
morros nas vertentes, ou melhor, no sopé das cordilheiras. É o significado popular, talvez o melhor" [6].
Diferindo dos autores citados e atribuindo origem africana ao vocábulo,
Antenor Nascente faz a seguinte afirmação: "Cubatão serra e rio de São Paulo. Do aumentativo de cubata, substantivo de origem africana (cubata,
casa)" [7].
Essa afirmação é corroborada por Renato Mendonça em seu livro A
Influência Africana no Português do Brasil [8].
Chegam alguns historiadores a afirmar que o topônimo é de origem hebraica "Kábataom",
que em português significa precipício, tendo penetrado no Brasil provavelmente através de João Ramalho. Contudo, esta hipótese nos parece a menos
válida de todas anteriormente expostas.
Uma leitura não muito apressada das várias opiniões deixa claro que a maioria delas
considera o topônimo Cubatão de origem indígena.
A antigüidade de seu uso também sugere sua origem autóctone. Embora o termo
africano cubata esteja mais próximo do nosso vocábulo Cubatão e a etimologia tupi da palavra nos pareça um pouco forçada, não diminui a
probabilidade da origem indígena, uma vez que ela é certamente anterior à dominação tupi no litoral [9].
Notas bibliográficas:
[1]
Para maiores detalhes veja-se A Baixada Santista - Aspectos Geográficos, sob a coordenação de Aroldo de Azevedo, vol. II, cap. III de autoria
de Pasquale Petrone, p.53
[2]
Frei Gaspar da Madre de Deus - Memória para a História da Capitania de S. Vicente, hoje chamada de São Paulo, São Paulo, 1953, p. 87/89.
[3]
Manuel Eufrásio de Azevedo Marques - Apontamentos Históricos, Geo., Biog., Estat. e Noticiosos da Província de São Paulo, São Paulo,
publicação do IHGB, Livr. Martins Ed. (1954), tomo I, (1879), p. 208.
[4]
João Mendes de Almeida - Dicionário Geográfico da Província de São Paulo.
[5]
Francisco Martins dos Santos - História de Santos in O Reformador ed. Especial de 9/4/1952 (periódico cubatense já extinto).
[6]
Euclides da Cunha - Carta a José Veríssimo em 6.9.1904, Revista da Acad. Bras. de Letras nº 108, dezembro de 1930. O mesmo vocábulo é
utilizado para nomear outros acidentes em outras regiões do Brasil.
[7]
Antenor Nascentes - Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, tomo II - (nomes próprios), Pref. de Serafim Silva Neto, Rio de Janeiro,
Livrar. Francisco Alves, 1952, p. 84.
[8]
Renato Mendonça - A Influência Africana no Português do Brasil, Rio de Janeiro, 1933, Gráfica Sauer, p. 99. Veja-se ainda: Orlando de
Albuquerque - O homem que tinha a chuva, Lisboa, 1968, onde o termo cubata é usado com o sentido de casa, choça de formato
arredondado.
[9] É
sabido que as tribos dos Miramomis e dos Caingangue habitaram a Capitania de São Vicente antes da dominação dos tupi. O vocábulo provavelmente teve
origem na língua dessas tribos, embora não seja possível ter certeza, pois tal língua não chegou até nós. Este fato que confirma nossa
hipótese foi-nos oportunamente lembrado pelo prof. Dr. Eduardo de Oliveira França, diretor da FFLCH da USP, antes da entrega dos originais deste
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