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HISTÓRIAS E LENDAS DE BERTIOGA
Quando Bertioga passou a decidir sozinha (4)

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Uma radiografia de Bertioga, no ano em que definiu a sua emancipação política, foi apresentada em uma série de matérias do jornal santista A Tribuna. Esta quarta parte foi publicada em 12 de junho de 1991:
 

BERTIOGA E O FUTURO
Uso do solo vai definir nível de preservação

Humberto Challoub e Mário Jorge

Definir um plano de desenvolvimento urbano capaz de assegurar a preservação de parte da fauna e flora nativa do Litoral, que ao mesmo tempo permita a utilização racional do solo, garantindo um futuro econômico próspero e um bom nível de qualidade de vida para a população. Esse é um dos grandes desafios que Bertioga terá de enfrentar a partir da emancipação política-administrativa.

A taxa de ocupação urbana é a menor entre as cidades litorâneas, o que dá a Bertioga o privilégio de ter ainda a possibilidade de escolher um projeto ideal, evitando a repetição dos erros verificados na quase totalidade dos médios e grandes centros urbanos brasileiros.

Definir um modelo de desenvolvimento urbano para Bertioga que se preocupe com as características próprias da região, a partir das possibilidades que os recursos naturais oferecem e de forma compatível com a sobrevivência da flora e da fauna, como também das comunidades existentes.

Essa é a contribuição que a Secretaria de Estado do Meio-Ambiente pretende dar à formação da nova cidade, incluída nos estudos de macrozoneamento que estão sendo realizados na região litorânea de São Paulo sob a coordenação da Divisão e Coordenadoria de Planejamento do Litoral. O trabalho integra o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, definido pela Lei 7.661, de maio de 1988.

O macrozoneamento já foi concluído nas cidades do Litoral Sul. Na verdade, o levantamento visa apresentar a distribuição territorial das potencialidades da região de forma planejada. Ele também servirá de base para a preparação do projeto de legislação referente ao gerenciamento costeiro, que deverá ser votado pela Assembléia Legislativa do Estado para ser transformado em lei.

Para o chefe da Divisão de Planejamento do Litoral, Martinus Filet, Bertioga ainda tem o privilégio de poder evitar os erros cometidos pela quase totalidade dos municípios do Litoral, onde a ausência de planejamento trouxe grandes prejuízos ao meio-ambiente e comprometeu a qualidade de vida da população.

Ele destaca que o território bertioguense é o que apresenta menor taxa de ocupação, se comparado aos demais municípios do Litoral. Nos levantamentos preliminares já disponíveis, realizados em uma área de 48,2 mil hectares (excluído o trecho de preservação permanente da Serra do Mar), pôde-se constatar, segundo ele, que apenas 21% (10,5 mil hectares) estão urbanizados e 0,1% (40 hectares) servem à atividade agrícola.

A vegetação nativa, principalmente formada pela região de mangues, ocupa 36% (17,6 mil hectares), e está protegida por legislação específica. Restam, portanto, 41% (20,1 mil hectares) de áreas disponíveis que ainda não estão ocupadas. Em cidades como Ubatuba e São Sebastião, por exemplo, a parte urbanizada ocupa 59% e 32% do espaço territorial, respectivamente.

Vale ressaltar, ainda, que na área de Bertioga considerada como de ocupação urbana existem, oficialmente cadastrados, 32,4 mil lotes. Destes, apenas 7,7 mil (24%) estão urbanizados. A partir desse dado, Martinus Filet estima que, nos próximos dez anos, não haverá necessidade da implantação de novas áreas de loteamento.

O chefe da Divisão de Planejamento explica que o estudo de macrozoneamento permitirá, também, determinar parâmetros de controle sobre os projetos futuros de urbanização. A idéia consiste em aproveitar as áreas considerando aspectos como a manutenção da cobertura vegetal, a drenagem e a permeabilidade do terreno, além do aproveitamento adequado da água, a partir da definição de um percentual tolerável de uso.

Ele ressalta que esse controle considerará a particularidade da área em questão, dimensionando também o impacto local e dentro do contexto regional.

Bertioga possui grandes áreas de vegetação nativa e a menor taxa de ocupação urbana na comparação com outros municípios do Litoral paulista
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria

O trabalho de macrozoneamento realizado em Bertioga também possibilitou uma avaliação até então inédita: existem áreas nativas no território bertioguense comparadas às existentes no complexo lagunar de Iguape-Cananéia, uma das poucas reservas naturais que ainda preserva a fauna e a flora primitiva da região litorânea.

Essa descoberta reforça a tese do aproveitamento adequado nas vocações turísticas de Bertioga, coma exploração econômica e de caráter preservacionista contida na concepção do turismo ecológico.

Fiscalizar para preservar o que ainda permanece intocado se apresenta como um grande desafio à nova cidade. Apesar de a legislação ter transformado os manguezais e a Serra do Mar em áreas de preservação permanente, a realidade mostra uma situação totalmente inversa.

A presença destruidora do homem já produziu, em várias oportunidades, efeitos maléficos ao meio-ambiente. Em outubro de 1983, 3 milhões de litros de petróleo bruto vazaram de um oleoduto da Petrobrás, atingindo vários quilômetros de manguezais.

A especulação imobiliária também já deixou sua marca. Uma área de mangue de 290 mil metros quadrados, na confluência do Rio Itapanhaú com o Canal de Bertioga, chegou a ser devastada para a implantação de uma marina e um condomínio náutico. A obra foi embargada.

A extração de areia, de forma desordenada como vinha sendo realizada, também atingiu o ecossistema daquela região. São exemplos que poderão ser repetidos, mas que podem ser evitados a partir de uma participação mais efetiva da comunidade, quer seja como agente de controle e fiscalização, quer seja na escolha do modelo ideal de desenvolvimento urbano.


O ecossistema local já foi duramente atingido no passado
Foto: Rafael Herrera/Arquivo, publicada com a matéria

A questão do uso do solo em Bertioga, além de ser tema de exaustivos debates, ainda é objeto de análise em pelo menos cinco trabalhos: Lei do Uso do Solo, Plano Diretor, Área de Proteção Ambiental (APA), Macrozoneamento do Litoral Norte e Parque do Itapanhaú. Os quatro últimos ainda não estão totalmente concluídos.

Esses trabalhos, no entanto, quando prontos, poderão auxiliar na elaboração da futura legislação ambiental de Bertioga, que deverá estar incluída na Lei Orgânica.

Com um vasto território (482 km²), Bertioga apresenta características geofísicas privilegiadas, com imensas áreas verdes, representadas pelo Parque Estadual da Serra do Mar, e 44 quilômetros de praias. O temor pelo avanço dos loteamentos e demais construções, em detrimento do meio-ambiente, despertou uma conscientização preservacionista em técnicos e moradores comuns do Distrito.

A ocupação desordenada da região, materializada com o aumento da chamada segunda residência, também instigou a necessidade de se elaborar leis específicas que regulamentem o uso racional e ordenado do solo.

Hoje, o que se discute é a compatibilização das legislações ambientais como forma de não coibir o desenvolvimento natural do Distrito, ao mesmo tempo que sugere quais locais são passíveis de ocupação, sem conseqüências prejudiciais às características da região.

Os três órgãos envolvidos nesses trabalhos, Prefeitura de Santos, Subprefeitura de Bertioga e Secretaria Estadual do Meio-Ambiente, vêm mantendo reuniões periódicas a fim de analisar os resultados parciais dos levantamentos.

Um estudo realizado entre agosto de 89 e julho do ano passado, pela arquiteta Ana Maria Sala Minucci, da empresa de consultoria e planejamento JNS, apontou duas características de desenho urbano em Bertioga: o esquema em grelha (tradicional) e o cul-de-sac (dispositivo em fundo cego, usado para coibir o movimento de trânsito veicular).

Conforme o estudo, o esquema em grelha representa 69,2% da área parcelada do Distrito, situando-se nas praias da Enseada e Boracéia.

A adoção do cul-de-sac, abrangendo aproximadamente 30,8% da área parcelada, localizada nas praias de São Lourenço, Itaguaré e Guaratuba, tem por objetivo garantir isolamento, segurança e tranqüilidade nas zonas residenciais.


Fonte: Secretaria do Meio-Ambiente
Ilustração: Seri, publicada com a matéria

Alguns modelos de zoneamento e ocupação do solo bertioguense foram temas de trabalhos de vários técnicos. Em geral, os estudos enfatizavam a preocupação em criar uma harmonia entre o conjunto de construções e a preservação ambiental.

Outro dado contido nas análises dos profissionais refere-se à condenação dos tipos de ocupação em cidades litorâneas. Usando o município de Santos como parâmetro, os técnicos citam que foram privilegiadas as construções de edifícios na orla marítima, enquanto que as edificações de menor altura ficaram restritas às áreas centrais, afastadas da praia, ocasionando problemas principalmente de ventilação.

O arquiteto autônomo Pierre França Correia sugeriu a instituição de um novo zoneamento com os conceitos de macro e microzoneamento. No primeiro caso, ele observa a necessidade de uma integração plena entre o contingente populacional e o ambiente urbano, já que a densidade ocupacional, no caso, se mostra mais claramente definida.

Já o microzoneamento propõe a ocupação escalonada do espaço útil, "rompendo com construções sempre junto às praias", e criando uma divisão territorial em quadriláteros, com edificações baixas e melhor distribuídas.

A arquiteta Ana Maria Sala Minucci, da empresa de consultoria e planejamento JNS, qualifica a área junto à praia como a única que permite uma urbanização efetiva e, desde que seja feita de "maneira adequada", não causaria sérias restrições à ocupação.

O presidente da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Bertioga, João Alberto Tiosso, durante os debates do Plano Diretor, no ano passado, salientou que a ocupação desenfreada da região, com as casas de temporada, teve início com a implantação das atuais vias de acesso ao Distrito.

Na ocasião, Tiosso lembrou que a mão-de-obra utilizada nas construções, por não ter onde residir, passou a constituir favelas e gerou as invasões de terra. Como sugestão, ele citou a necessidade de repensar e incentivar loteamentos populares, dotados de infra-estrutura mínima para acomodar esses trabalhadores.