A gente simples de Caiubura e Caroara pretende continuar ligada diretamente a Bertioga
Foto: Roberto Konda, publicada com a matéria
BERTIOGA E O FUTURO
Crença no futuro atrai moradores de outras cidades
Humberto Challoub e Mário Jorge
Ajudar
na construção da nova cidade, preservando a tranqüilidade comum dos pequenos lugarejos, mas criando o leque de oportunidades encontrado nos grandes
centros. Esse, sem dúvida, é um dos principais objetivos dos novos habitantes de Bertioga, que chegam atraídos pela possibilidade de transformar
aquela região no novo eldorado, um lugar onde a esperança ainda é uma das boas razões para se viver.
Desse sentimento também compartilham os antigos moradores de Caroara e Caiubura, que
habitam justamente a área que atualmente é motivo de disputa judicial envolvendo questões limítrofes. Para eles, voltar a pertencer ao
Município-sede já não faz nenhum sentido.
Carlos Roberto e Míriam: vida tranqüila
e desejo de participar do processo de construção da nova cidade
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria
A possibilidade de poder viver com tranqüilidade e
dispor, ao mesmo tempo, dos prazeres proporcionados pelas atividades culturais e de lazer oferecidas pelas cidades próximas, principalmente por
Santos e São Paulo. Esse foi um dos principais fatores que atraiu, para Bertioga, o jovem casal Míriam e Carlos Roberto Caticipis.
Apesar de ambos terem nascido em Santos, eles já viveram experiências em localidades
distantes, como em Florianópolis e na vila residencial do Projeto Jari, no trecho da Floresta Amazônica que pertence ao Estado do Pará. "Talvez seja
por isso que pegamos gosto de vier em lugares tranqüilos, onde a natureza ainda se mostra forte", diz Míriam.
A "vida cigana", como eles mesmos definem, foi motivada em função da profissão de
Carlos Roberto. Formado em Engenharia Elétrica, ele teve que cavar oportunidades em outras regiões do País. Hoje, no entanto, ele exerce a função de
gerente do setor de Água e Esgoto da Riviera de São Lourenço, enquanto Míriam trabalha na administração do shopping
(N.E.: centro comercial) instalado no local.
Além da atividade dentro da Riviera, Carlos Roberto também presta serviços de
instalação e manutenção de redes elétricas em residências e estabelecimentos comerciais. O que ganham é suficiente para garantir uma rotina de vida
saudável.
Morando na casa que antes só era utilizada para abrigar a família durante os finais de
semana, Carlos Roberto e Míriam se sentem como pioneiros e mantêm viva a esperança de ver Bertioga ser transformada em uma cidade modelo, "que
poderá servir de exemplo a outros lugares".
O planejamento e a preservação do meio-ambiente são fatores considerados por eles como
imprescindíveis para garantir qualidade de vida às novas gerações de bertioguenses. "Não podemos deixar que ocorra com Bertioga o que aconteceu com
as cidades da Baixada".
A vontade de participar no processo de construção da nova cidade também está traduzida
no interesse de conhecer as propostas dos políticos que disputarão vagas na futura Câmara e Prefeitura. Para tanto, inclusive, ambos estão
providenciando a transferência dos títulos de eleitor, para que possam ter o direito de escolher os próximos governantes.
O amor por Bertioga já exorcizou o espírito cigano do casal, que pretende fazer da
futura cidade a morada definitiva.
Conceição e Stanley: trocando o conforto do centro urbano
pela vida pacata junto à fauna e flora nativas
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria
Trocar um apartamento de cobertura na movimentada
Avenida Adhemar de Barros, em Guarujá, dispondo de conforto e ampla rede de serviços públicos, por uma chácara num bairro tipicamente rural de
Bertioga, foi a alternativa encontrada por Stanley Leal de Castro e sua mulher, Conceição Ramos, a fim de encontrarem a tranqüilidade necessária
"para quando chegar a velhice".
Stanley e Conceição estão juntos há 17 anos e há três resolveram morar no bairro do
Caiubura, no Distrito. Ali, convivem diariamente com a natureza plena, com imensas áreas verdes, morros e até o pequeno Rio Caiubura.
A área da chácara tem 10 mil m², onde Stanley e Conceição criam galinhas, patos,
coelhos, pássaros e cachorros, além das diversas plantações (cana, maracujá, mexerica, abacaxi e outras). Quatro empregados auxiliam na limpeza e
manutenção dos animais e hortas.
Stanley foi sargento-enfermeiro do Exército durante pouco mais de 18 anos, quando saiu
para cuidar apenas da farmácia que possuía. Ele diz que a mudança de cidade teve um outro motivo: implantar uma espécie de creche no local, para
crianças carentes, com ensino profissionalizante. "É preciso tirar esses meninos da rua e ensinar-lhes uma profissão".
Esse desejo somente não foi levado adiante devido aos problemas que enfrentaram com
uma enchente, logo no segundo dia de residência fixa em Bertioga. É que antes da nova casa, o casal possuía uma outra chácara a cerca de 100 metros
da Rodovia Rio/Santos, no mesmo bairro.
Os dois mudaram-se em 20 de fevereiro de 88 e, um dia depois, foram surpreendidos com
fortes chuvas que inundaram toda a chácara. Perderam livros, alguns móveis e quase a vontade de permanecer no Caiubura.
Mas não desistiram. Eles trataram de juntar as economias que guardavam e ergueram
outra chácara perto do morro. Conceição fazia trabalhos ligados à assistência social nas áreas carentes de Guarujá e hoje é a presidente da
Sociedade de Melhoramentos do Caiubura. Ela afirma que mesmo com a "dureza" de cuidar da casa, aliada às dificuldades estruturais do local, não
troca a região por áreas mais desenvolvidas.
Conceição, de 45 anos, tem uma filha de 25 do primeiro casamento, que reside com o
pai, em Santos, enquanto Stanley, de 54, tem três filhos, "já criados e encaminhados". Quando bate a saudade, diz Stanley, "os meninos aparecem por
aqui".
Ilustração: Seri, publicada com a matéria
A questão dos limites territoriais entre Santos e
Bertioga pode comprometer o processo plebiscitário de maio último. Isso devido à ação direta de inconstitucionalidade que a Prefeitura de Santos
ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado, contra o Artigo 2º da Lei Complementar Estadual nº 651.
A ação ainda não foi julgada e, segundo fontes da própria Administração Municipal,
quando houver a manifestação dos juízes e se o resultado for favorável à sede, o plebiscito corre o risco de ser anulado.
A polêmica está em torno dos eleitores dos bairros situados na área pretendida pela
Prefeitura, que participaram da consulta popular. Itatinga, Caroara e Caiubura situam-se no território abrangido pela Lei Municipal 607, de outubro
de 89.
Pelo dispositivo, a área de Santos passou de 271 km² para 474 km², enquanto que o
Distrito teve sua região reduzida de 842 km² para 279 km². O limite, então, passaria a ser o Rio Itapanhaú, desde o ponto em que adentra o
território do Município, na divisa com Biritiba Mirim, até sua foz, no Canal de Bertioga. No entanto, com a Lei Complementar 651, o Distrito
recuperou seu traçado original anterior à promulgação da Constituição Federal, em 88.
Ao ingressar com ação no Supremo, a Prefeitura argumenta que a legislação estadual não
pode interferir na autonomia do Município. O secretário municipal de Assuntos Jurídicos, Nelson Fabiano Sobrinho, chegou a afirmar várias vezes que
a votação no STF deveria acontecer antes do plebiscito "a fim de não comprometer a legitimidade da consulta".
Em Bertioga, líderes emancipacionistas não acreditam na anulação do plebiscito. Eles
entendem que o número de votos dos moradores dos três bairros, se excluído, não seria suficiente para prejudicar o resultado favorável à autonomia.
A consulta teve 3.698 votos a favor da separação contra 179.
À parte a polêmica sobre a possibilidade de anulação do plebiscito, moradores do
Caroara e Caiubura, que votaram pela autonomia do Distrito, manifestaram o desejo de permanecerem vinculados ao território bertioguense.
Em geral, eles olham com desconfiança a real disposição de a Administração santista em
promover melhorias nos respectivos bairros. Argumentam, por exemplo, que os três núcleos ficariam em segundo plano pela Prefeitura de Santos.
A comerciante Gilda Batista Raymundo mora há três anos no bairro do Caiubura e diz
lamentar as poucas obras realizadas no local pela Subprefeitura de Bertioga. "A nova cidade, ao contrário, vai implementar serviços e providenciar
as condições de que o bairro precisa".
O aposentado Manoel Vieira Silva reside em Guarujá e possui uma chácara na região. Ele
defende a continuidade de ligação do Caiubura com Bertioga. Manoel Vieira cita que os impostos aumentaram muito na área, "sem que houvesse qualquer
benefício aos moradores".
Como eles, Joaquim do (N.E.: trecho faltante no original)
definida, ele acha o bairro dará "um salto no tempo", recebendo o tratamento adequado pelo futuro ocupante da Prefeitura.
No Caroara, também, a opinião de moradores é semelhante. O aposentado Nelson Pinto
Machado reconhece que a Subprefeitura fez "coisas boas" no bairro. Porém, observa que a distância entre Santos e a região dificultaria a locomoção
de homens e máquinas para as obras necessárias.
Os caseiros Eduardo Pinheiro e José Rodrigues da Silva defendem a mesma idéia. Resumem
seus argumentos, lembrando que Caroara tem ligação territorial com Bertioga e não há motivos para haver separação. |