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HISTÓRIAS E LENDAS DE BERTIOGA
Quando Bertioga passou a decidir sozinha (2)

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Uma radiografia de Bertioga, no ano em que definiu a sua emancipação política, foi apresentada em uma série de matérias do jornal santista A Tribuna. Esta segunda parte foi publicada em 10 de junho de 1991:
 


A arrecadação tributária de Bertioga é semelhante à de outras cidades litorâneas, segundo avaliou o Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria

BERTIOGA E O FUTURO
Perfil econômico definirá rumos para o progresso

Humberto Challoub

O volume de receitas tributárias arrecadado pelo Distrito se assemelha ao de pelo menos 200 municípios paulistas. O dinheiro captado, no entanto, nunca retornou do Município-sede na mesma proporção. Esse foi um dos principais argumentos utilizados na luta pela emancipação. A essa tese ainda se acrescentaram os argumentos de que, a partir da autonomia, Bertioga terá suas receitas elevadas em 50%, em função das transferências federais e estaduais a que têm direito os municípios.

Passado o período de luta pela emancipação, as atenções se voltam agora às questões fundamentais de sobrevivência de qualquer cidade. Dentre essas questões, uma em particular preocupa os bertioguenses: o perfil econômico e a capacidade de arrecadação tributária serão suficientes para manter os serviços essenciais e para a realização das obras de infra-estrutura básica?


No ramo de construção civil, a maior fonte de captação de receitas tributárias
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria

A realidade financeira de Bertioga só poderá ser conhecida efetivamente quando o governador do Estado, Luiz Antônio Fleury Filho, assinar a lei permitindo a criação do município. A partir daí, conforme estabelece a Lei Complementar nº 651, a contabilidade do Distrito emancipado passará a ser feita em separado pelo Município-sede. Com isso, além do acesso ao quadro real da relação receita-despesa, os bertioguenses poderão dimensionar investimentos, seguindo critérios de prioridades.

Estudos preliminares, desenvolvidos pelo Escritório Regional de Planejamento do Estado e pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam), avaliaram a potencialidade econômica do Distrito. Os indicadores de atividade revelaram a hegemonia do setor de serviços sobre os outros segmentos, uma vez que se pôde constatar um grande número de profissionais que prestam serviço na área da construção civil, seja de forma direta ou por meio de empresas que comercializam gêneros do ramo.

É certo que ambos os estudos, que colheram informações no período de 88 e 89, foram influenciados pela expansão imobiliária promovida pela implantação da Riviera de São Lourenço. O reflexo disso aparece na divisão do mercado de trabalho do Distrito. Das cerca de 10 mil pessoas que trabalhavam em Bertioga no referido período, aproximadamente 6,5 mil atuavam na construção civil, enquanto 2,8 mil exerciam atividades da indústria, comércio e outros serviços, 1,4 mil na pesca e 300 na atividade rural.

O ramo pesqueiro dentro desse contexto ainda figura como um setor de grande importância para a economia de Bertioga. A atividade vem sendo desenvolvida por empresas de grande porte e também por grupos autônomos de pescadores.

Já as atividades industriais e de agricultura não têm peso significativo na economia global. Na indústria, das poucas existentes (35 no total), muitas estão ligadas à construção civil, que inclui a extração de areia, usina de concreto e blocos e artefatos de cimento. O setor agrícola, por sua vez, compreende apenas os plantios de subsistência onde se destaca o cultivo da banana.

O comércio também contribui pouco e está concentrado basicamente no centro do Distrito, sobretudo ao longo das avenidas Tomé de Souza e Anchieta. A exceção fica por conta dos estabelecimentos que comercializam material de construção, postos de gasolina e restaurantes, situados ao longo dos principais eixos viários.


Ilustração: Seri, publicada com a matéria

As cidades litorâneas de pequeno e médio portes, ao contrário do que ocorre com a maioria dos municípios paulistas, têm na arrecadação de taxas e tributos próprios a fatia maior da composição orçamentária. Enquanto que, em outras cidades, os recursos provenientes das transferências estaduais (ICMS, IPVA, Adicional do IR e imposto sobre transmissão de causa mortis representam, em média 50% do bolo arrecadado, eles significam, para uma cidade como Ubatuba, por exemplo, apenas 16%.

O Distrito, conforme projeções feitas pelo Cepam, não foge à regra. A simulação orçamentária feita pelo órgão, considerando Bertioga como uma cidade constituída, apontam as receitas próprias (IPTU, ISS, IVVC, ITBI, e outras) como a principal fonte de arrecadação (66,5%).

As transferências estaduais, por sua vez, representariam 20%; as federais (Fundo e Participação dos Municípios, Imposto Territorial Rural e IR na Fonte), 9,9%; enquanto que as receitas diversas equivaleriam a apenas 3,6% do total.

O IPTU, dentro desse contexto, aparece como fonte prioritária. Esse fato poderá criar distorções no futuro, tendo em vista que a arrecadação proveniente do pagamento do Imposto Territorial corresponde a dez vezes o valor captado com o recolhimento do Imposto Predial.

Isso se deve a uma política tributária que visa o incentivo à construção em detrimento da especulação imobiliária, ao mesmo tempo em que favorece o desenvolvimento urbano.

Em um cenário de ocupação plena, a parcela de Imposto Territorial será bastante reduzida e o total arrecadado com o IPTU será inferior ao valor atual, visto que a alíquota referente ao Imposto Predial é muito menor.

Além disso, com as construções concluídas, os atuais proprietários de terrenos que atualmente não utilizam os serviços públicos passarão a fazê-lo, gerando mais gastos ao município. Em contrapartida pagarão, proporcionalmente, um imposto inferior ao de hoje, o que resultará na redução da capacidade de investimentos.

Essa política, obrigatoriamente, terá que ser revista a médio prazo, a partir do quadro de ocupação urbana e da criação de meios que permitam a alteração do perfil tributário de Bertioga.


Ilustração: Bar, publicada com a matéria

O impacto da população flutuante sobre as finanças públicas de Bertioga foi medido, no ano passado, por meio de um levantamento desenvolvido pela JNS Engenharia, Consultoria e Gerenciamento, por solicitação do Governo Estadual. O trabalho, na verdade, teve como principal objetivo contribuir para o macrozoneamento ambiental do Litoral Norte, a partir de um diagnóstico sobre a qualidade de vida da população que habita aquela região.

Com base na realidade verificada em municípios do Litoral paulista, o estudo considerou várias hipóteses para avaliar a representatividade desse segmento nas receitas municipais, definindo dois itens como fatores básicos: renda e sazonalidade. A conclusão, definida através de simulações, foi de que a população flutuante é responsável por 65% dos recursos arrecadados.

A participação nas despesas também foi medida pela empresa de consultoria, que fez a avaliação considerando Bertioga já emancipada (foram incluídos custos da administração direta, legislativo e outros serviços públicos essenciais). Observou-se que a parcela referente à população flutuante, também considerando aspectos de sazonalidade e renda, situa-se em torno de 50%, favorecendo os cofres públicos com um superávit médio de 15%.

Se a diferença a maior pode ser considerada como um aspecto positivo, o mesmo não se pode dizer da participação da população flutuante no pagamento das tarifas públicas. O problema causado por esse tipo de habitante, conforme aponta o estudo, está na recuperação dos investimentos municipais realizados por meio de tarifas, que são cobradas em função do uso de determinado serviço.

Nessas condições, o valor da tarifa é calculado por meio de uma parcela referente ao investimento já caracterizado, e outra parcela relativa ao custo de operação. Como a utilização dos serviços ocorre de forma sazonal, na maior parte do ano o consumo é mínimo.

Contudo, como o investimento foi projetado em função do consumo máximo, que só ocorre em alguns períodos do ano, a população fixa arca com parte das despesas geradas pelos habitantes flutuantes.

Estimativa de população

Período/ano

Fixa

Flutuante

Total

1990

16.506

41.884

50.390

1991

16.915

43.720

60.635

1992

17.358

45.673

63.031

1993

17.829

45.752

65.581

1994

18.330

49.963

68.293

1995

18.863

52.316

71.179

1996

19.430

54.819

74.249

1997

20.033

57.483

77.516

1998

20.676

60.318

80.994

1999

21.359

63.333

84.692

2000

22.086

66.541

88.627

Fonte: ERP e Engevix

O sucesso financeiro de qualquer município também está diretamente ligado à sua capacidade de atrair novos investimentos, a partir da adoção de políticas de incentivos fiscais ou da exploração de atividades econômicas geradas por suas aptidões naturais.

Ao se observar a situação das cidades situadas no entorno do Porto de Santos e do pólo industrial de Cubatão, pode-se concluir que os municípios têm uma vocação totalmente diferenciada, ou seja, o turismo é apenas uma das atividades e hoje, com certeza, não é a mais importante. Já para as cidades fora desse perímetro, a única base econômica importante é a exploração da atividade turística.

O Cepam qualifica o turismo como uma vocação econômica "natural" de Bertioga, seja pela beleza das praias e regiões nativas que atraem principalmente os turistas de um dia, seja pela presença marcante da população flutuante, estimada em mais de 60 mil pessoas até o ano 2000 (ver quadro).

Para a exploração desse setor, no entanto, serão necessários grandes investimentos na criação de infra-estrutura, visto que Bertioga não dispõe sequer de uma rede de hotéis adequada para abrigar novos visitantes.

As idéias para o incremento econômico são muitas, e vão desde a criação de um distrito industrial, para empresas que lidam com materiais não poluentes (como a de montagem de equipamentos eletrônicos, por exemplo), até a transformação de Bertioga em uma cidade propícia à instalação de universidades e institutos de pesquisas marinhas.