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BAIXADA SANTISTA - BIBLIOECA NM - Lendas e Tradições
Lendas e Tradições de Uma Velha Cidade...

Clique aqui para ir ao índice do primeiro volumeEm maio de 1940, era publicada esta obra do historiador santista Francisco Martins dos Santos, reunindo uma série de histórias que ele havia publicado em jornais. Com 254 páginas e tiragem de 2.000 exemplares, Lendas e Tradições de Uma Velha Cidade do Brasil foi impresso na Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, na capital paulista, incluindo ilustrações de Wast Rodrigues e prefácio de Baptista Pereira.

O exemplar pertencente ao professor e pesquisador Domingos Pardal Braz, de São Vicente/SP, foi cedido a Novo Milênio para digitalização em 2015. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 228 a 334:

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Lendas e Tradições

de Uma Velha Cidade do Brasil

Francisco Martins dos Santos

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[23] O vulcão do Macuco

Santos descansava dos fatos agitados da Revolta da Armada e ainda evocava, arrepiada, seus sustos e correrias, a perseguição de Olímpio Lima, a prisão de Martim Francisco, a surgida do "República" lançando um balaço sobre o Forte Augusto, a pressão da polícia contra os antiflorianistas, que eram muitos, e tanta coisa mais, ainda recente, própria das cidades de brio, integradas na vida nacional, e de gente de sangue, que sentia e vibrava com ela.

Estava-se em 1896. A área urbana santista não abrangia senão uma quinta parte da que hoje abrange, mas já era quase o dobro da cidade imperial de 1889.

A antiga Rua Otaviana, depois Avenida Conselheiro Nébias, para além do Rio dos Soldados, só de onde em onde apresentava o sorriso do progresso, aberto na visão de algumas casas escalonadas em seu percurso.

Depois da Vila Nova, de fato a parte nova da cidade, onde o Empório da Vila Nova, do "seo" Maneco, senhor também de vastíssima calva, estadeava a sua importância de fornecedor de todo o bairro, poucas construções se viam pontilhando o caminho novo da Barra, que cruzava lá bem acima com o Caminho Velho, picadão ainda, cheio de mato, caruru, tiririca e trapoeiraba, onde uma pequena locanda marcava o início da futura Avenida Taylor, hoje Conselheiro Rodrigues Alves.

Naquela ocasião, as chácaras mais importantes da Avenida Conselheiro Nébias eram a do velho Ablas, que ia da atual Rua Freitas Guimarães até em frente da Rua Júlio de Mesquita, cheia de arvoredo basto, escondendo a Casa Grande, retirada bem para os fundos, quase a refugiar-se nos mangues do atual Mercado, e sua vizinha, ainda maior, a "dos Macucos", que se estendia para os dois lados da grande artéria santista, perdendo-se nos matos do bairro que teria seu nome.

A grande maioria das famílias, o escol da cidade, ainda habitava da Vila Nova para cima, para os lados do Rinque e do Paquetá.

Foi em meados de dezembro daquele ano que a população santista amanheceu certo dia, alarmada com as notícias do aparecimento na região mais interior do bairro "dos Macucos", de um estranho e aterrador fenômeno.

Um buraco se abrira junto à mata do varjão dos Outeirinhos, vomitando lama e fumaça, intercaladas de apitos fortes que se ouviam à distância. Logo após, grandes chamas amareladas se elevaram também, ameaçadoras, chiantes, como labaredas de fogareiro de pressão, subindo a uma altura de dez metros.

Foi um estouro na pacatez da vida santista. A cidade inteira moviemtnou-se para lá. Os bondinhos de burro da empresa "Água, Gás, Luz e Bondes" desviaram-se todos para aquela zona, e lá se iam ramerrando pela avenida abaixo, apinhados de gente até à tolda, como nos garndes dias de entrudo no centro da cidade. Foi uma procissão. Todos queriam contemplar o ineditismo terrível do espetáculo.

De fato, o fenômeno lá das proximidades do estuário era digno de ser visto, como coisa nova e imprevista, apesar do aspecto possivelmente trágico do seu aparecimento. E era um indagar daqui, um arregalar de olhos dali, e beatas em benzimentos e céticos em sorrisos, e medrosos em caretas, e finalmente, uma indisfarçável preocupação em todos.

Sobre toda aquela amálgama de pensamentos, conceitos, juízos e interpretações, os boatos de terremoto, de fim de mundo, de submersão da ilha etc...

Filas intermináveis de povo seguiam pela avenida, cumprindo a pé toda a distância, por falta de lugar nos bondinhos, enquanto as beiradas do caminho largo que seria pouco mais tarde a Avenida Taylor se apinhavam de gente de toda casta, sem esquecer quitandeiras e crioulinhos, em pregões insistentes, de amendoim, bolinhos, de fubá, pamonhas, munguzás, limonadas, doçarias e pasteizinhos quentes. Todo o caminho largo tornou-se uma vasta feira povoada, cruzada e recruzada de vultos e de vozes e gritos da molecada assanhada.

As interpretações eram as mais diversas possíveis e, enquanto pairavam no ar as dúvidas, choviam promessas a Nossa Senhora do Monte Serrate e enchia-se a sua capela, no alto do morro, de romeiros e penitentes, todos rogando que nada acontecesse ou pleiteando uma entradazinha em seu reino, se tivesse que acontecer...

De São Paulo e do interior, onde a notícia se espalhara como o vento, descia gente todos os dias para ver o "vulcão", e, em redor daquele fato, lá mesmo, no planalto, muita lenda se levantara, fruto da distância e da imaginação, como as que em Santos já haviam nascido da ignorância, do medo ou da exploração de muitos.

Um número infinito de famílias, achando mais fácil, ia para lá em botes de aluguel, e embarcavam então, formando caravanas de dezenas e centenas de pessoas, nas catraias que esperavam os passageiros certos, no Valongo, na Alfândega ou no Paquetá. Iam embarcados e apeavam na atual bacia do Macuco, ainda em seu estado primitivo, seguindo depois, pelo varjão encharcado e daí pela terra firme, até junto ao fenômeno.

Junto ao local do fato espetacular que a natureza proporcionava passageiramente aos homens, extasiavam-se todos à vista do grande penacho de fogo, jalde e rubro, cruzado de fagulhas e tresandando a enxofre, admirado cada um da cara que apresentava o vizinho, amarela cerosa, como de ressuscitados ou cadáveres estranhamente animados.

E o fogaréu grugrulhava nas entranhas da terra, enquanto um ligeiro tremor abalava o piso dos circunstantes, postados respeitosamente a uma distância de seis ou sete metros em derredor. Era a solfatura de Santos, era o "Vulcão do Macuco", como ficou pomposamente denominado na crônica local.

Por mais de um mês foi o espetáculo santista contemplado por milhares de criaturas de todas as distâncias, e só se extinguiu em fins de janeiro de 1897, com a extinção dos gases dos vários elementos em decomposição que ali se acumulavam.

Hoje, sobre o lugar em que o "vulcão" existiu, assentam ruas e casas novas; as novas gerações quase não sabem dele, e ali perto uma grande chaminé industrial vulcaneja para o céu grandes rolos de fumo, com o mesmo apito, com o mesmo tremor em derredor, num singular simbolismo.

...Um buraco se abriu junto à mata do varjão dos Outeirinhos, vomitando lama e fumaça, intercalados de apitos fortes...

Imagem publicada na página 231