TERCEIRA PARTE (1906-1910)Capítulo XLV
Renda bruta e balanço
Com efeito, o acordo, em suas bases essenciais, havia sido iniciado sob o Governo anterior; o que não queria dizer que o então no
poder se cobrisse com isso, para ter a responsabilidade dividida.
Bastava, para certeza, a leitura da comunicação que ao então ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, dirigiu seu principal consultor técnico (11 de junho de 1909):
Em cumprimento das ordens de v. excia., e no intuito de facilitar a tomada de contas do tráfego da Empresa Docas de Santos, tive várias
conferências com o sr. Candido Gaffrée, presidente daquela empresa, e, após muita discussão, cheguei com ele a acordo sobre as disposições que, como parte integrante de seus contratos, convém que sejam estabelecidas para aquele objetivo.
Com efeito, é este um dos pontos em que são deficientes os contratos da referida empresa, que não estipulam a forma da prestação de contas de tráfego, para os efeitos da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, e daí se tem originado as conhecidas
dificuldades e questões entre o Governo e aquela empresa, obrigando ambas as partes a recorrerem ao Poder Judiciário.
De fato, a receita anual da mesma empresa pode ser bem conhecida e fiscalizada pelo Governo; mas não sucede o mesmo quanto à despesa, que pode ser livremente feita pela mesma, sem restrições definidas.
Ainda:
Nesses termos, para determinação da renda líquida, que tem um limite máximo para remuneração do capital, fixado pela lei de 1869, se
tornava indispensável não só o exame dos livros da empresa, o que, comercialmente, não é conveniente, como, também, o exame e a justificação das verbas de despesas, com todas as questões que de tal se originariam, quanto à classificação de
algumas despesas nas contas de capital ou de custeio.
Isto representaria, sem dúvida, uma causa perene de contestações e de protelações para a liquidação de cada tomada de contas, pelos recursos de que ambas as partes poderiam lançar mão.
Nas concessões de Belém, Bahia e Rio Grande do Sul, acha-se obviado este embaraço, pela fixação de uma porcentagem da renda bruta para as despesas do custeio, que dispensa a verificação do que, efetivamente, tenha sido gasto em cada ano pelas
respectivas companhias.
Esta providência equivale a uma espécie de ajuste a forfait para o custeio dos portos, de que não podem resultar prejuízos reais para as mesmas companhias, pois que só tem interesse para a redução das taxas, quando a remuneração do capital
exceda de 12%, que é um limite bastante elevado.
Assim estabelecido o princípio geral, deduziam-se as consequências:
Parece, pois, conveniente que se proceda pela mesma forma em relação às Docas de Santos, e foi isso que combinei com o seu ilustre
presidente e ora sujeito à aprovação de v. excia.
As cláusulas que traduzem semelhante acordo e que carecerão de ser estabelecidas por um decreto são as seguintes:
a) Será considerada renda bruta da empresa a soma de todas as rendas ordinárias ou extraordinárias, eventuais ou acessórias, que forem por ela recolhidas.
b) Será considerada despesa da empresa a soma de todas as despesas com a sua administração e custeio de todos os serviços, compreendendo: a conservação e reparação de todas as obras, aparelhos, maquinismos, material fixo, rodante e flutuante; a
dragagem do porto, nos termos do decreto n. 2.411, de 25 de dezembro de 1896; a iluminação da faixa do cais, dos armazéns, edifícios e das ruas de trânsito público, abertas em terrenos da mesma empresa; a conservação dos calçamentos dessas ruas;
o suprimento de água aos navios; a conservação dos calçamentos dessas ruas; o suprimento de água aos navios; a conservação e custeio das obras e serviços para a produção e uso da energia elétrica, e quaisquer outras despesas ordinárias ou
extraordinárias, eventuais ou acessórias, inclusive a contribuição para as despesas de fiscalização do contrato por parte do Governo.
Por fim:
c) Fica fixada a quota de 40% da renda bruta, definida na cláusula a, para as despesas especificadas na cláusula b e a
quota de 60% da mesma renda bruta, para a remuneração do capital empregado pela mesma, até o limite máximo marcado no § 5º do artigo 2º do decreto n. 1.746, de 13 de outubro de 1869.
d) As despesas com obras novas, que forem autorizadas pelo Governo, serão incorporadas ao capital da empresa, e bem assim as de reconstruções ou de consolidação quando, a juízo do Governo, não sejam motivadas por defeitos da construção primitiva
ou por falta de conservação.
Este capital terá direito a remuneração em cada semestre, à proporção que for sendo efetivamente empregado em obras realizadas no semestre, comprovadas pela empresa e aceitas pela comissão de tomada de contas por parte do Governo as respectivas
despesas, de acordo com os orçamentos aprovados e os preços de unidade neles estabelecidos.
Penso também que seria acertado declarar-se em uma cláusula final qual o capital reconhecido pelo Governo até esta data, de conformidade com o que for aceito pela comissão de tomada de contas, atualmente em exercício, e bem assim a data para a
terminação das obras, o que, aliás, não será mais do que se acha parcialmente aprovado por dezoito decretos distintos.
Nada mais claro. O consultor técnico, entretanto, precisou mais seu pensamento:
As porcentagens de renda bruta fixada para as despesas de custeio dos portos acima mencionados são as seguintes:
Para Belém……….....…………35%
Para Bahia….………...…….….30%
Para Rio Grande do Sul.……40%
As despesas de custeio para Belém compreendem a conservação, iluminação e melhoria do canal de acesso entre o Mosqueiro e o porto.
As do Rio Grande do Sul compreendem a conservação das obras da barra e do canal do Norte.
As de Santos compreendem a dragagem mínima de um milhão de metros cúbicos por ano para o alargamento e aprofundamento do porto e do canal de acesso, a conservação dos calçamentos das ruas abertas em terrenos da empresa para trânsito público e
iluminação dessas ruas.
Considero estes ônus superiores aos de Belém e do Rio Grande do Sul, mas suportáveis para Santos, pela importância comercial desse porto.
A cláusula final era a seguinte:
e) O capital da empresa é a soma dos orçamentos aprovados até esta data, na importância de 102.205:344$397, que estiveram representados
pelas respectivas obras, de conformidade com os projetos e tabelas de preços a que se referem os mencionados orçamentos, e a ele será aditado o valor de outras obras que forem executadas até o dia 7 de novembro de 1912, de conformidade com os
planos, orçamentos e preços de unidade que forem aprovados pelo Governo até essa data.
O custo do dique será incorporado a esse capital até o dia 7 de novembro de 1914, fim do prazo marcado para sua construção.
A esse parecer deu o ministro da Viação o seguinte despacho:
Concordo em princípio com o parecer do diretor técnico das Obras do Porto do Rio de Janeiro. M. Calmon, 17-6-909.
Concordar em princípio, seria aqui, como dizia Bismarck, recusar de fato? Não o parecia, nem nada indicava esse desfecho, por parte do Governo de então.
Administração a findar, preferia talvez deixar ao seu sucessor, depois de tão alta campanha, a liquidação desse caso difícil. O fato é que, atacado violentamente pelo acordo, o Governo Nilo Peçanha assumiu inteira responsabilidade na sua
realização, não sem deixar por escrito que vinham as coisas, sem dúvida, de trás.
Não havia vencedores, nem vencidos. Prevalecera o bom senso, que ninguém, sem injustiça, podia contestar. Mas estava escrito que tudo, na vida da empresa, tinha sido e seria tormentoso. Assim, a impugnação de Alfredo Ellis,no
último quartel de 1909, foi veemente, ainda que singular [149]. Coube responder-lhe Victorino Monteiro, o qual, tendo protestado não mais vir à tribuna, a ela subiu depois, tal
a violência do ataque; e também, de preferência no aspecto jurídico, Severino Vieira.
Alegou o representante paulista haver tudo ensaiado para impedir a assinatura do decreto. Teria procurado, para isso, ao ministro da Viação, levando-lhe seus discursos contra a empresa; e solicitado de Francisco Sá a
intervenção junto ao presidente da República, por quem foi ouvido em vão, diretamente depois [150]. Perguntou-lhe Nilo Peçanha se queria fizesse recolher Candido Gaffrée à
cadeia (20 de outubro):
Perguntou-me então s. excia. se eu queria que ele mandasse prender o sr. Gaffrée. Respondi que s. excia. não precisava me conhecer, como
me conhece, para ficar dispensado de formular semelhante pergunta, porquanto nunca, absolutamente nunca tive o intuito de ofender a quem quer que fosse, muito menos meter na cadeia um empresário que havia concorrido, não há dúvida, para um grande
melhoramento do meu Estado.
Acrescentei que o que queria era evitar o abuso; o que eu exigia era o cumprimento da lei, e o fazia em nome do Estado de São Paulo. Ponderei a s. excia. que, em tal conjuntura, o presidente da República nada mais tinha a fazer senão cingir-se às
disposições judiciais e mandar cumprir a ordem do Supremo Tribunal, exigindo que a comissão de contas fizesse o seu trabalho, examinasse os livros da empresa para se ficar sabendo, positiva e terminantemente, qual a soma efetivamente empregada na
construção do cais de Santos.
A sentença do Supremo Tribunal Federal não era obrigatória para a União; armava-a apenas com a faculdade de execução; tanto que não foi executada. Para o
representante de São Paulo, porém, a questão não oferecia dúvida:
O SR. ALFREDO ELLIS – Proposta a ação, o Poder Público não podia desistir mais.
Fica colocado, nesta emergência, nas condições de um juiz de órfãos que não pode transigir, não pode dispor de bens pertencentes a órfãos e entregá-los a um usurpador, nem antes e muito menos depois da sentença final.
Não há mais, para a empresa Docas de Santos, recurso judiciário neste país.
Pois bem; o Governo, triunfante, supremo depositário dos bens nacionais, prevaricou, porque mandou dar à empresa Docas de Santos mais do que ela pretendia. Capitulou depois de ganhar a batalha!
O SR. ANTONIO AZEREDO – Mas não prevaricou.
O SR. SEVERINO VIEIRA – Não houve prevaricação. S. excia. sabe que a sentença mandava submeter a empresa a uma diligência, a um simples processo preparatório, não conferindo nenhum direito sobre a questão.
De modo que, desatendido no seu apelo, não hesitou em retomar a tribuna:
O SR. ALFREDO ELLIS – Não posso, sr. presidente, diante do ato do sr. presidente da República, do dia 4 do corrente, a propósito da
questão das Docas de Santos, deixar de vir à tribuna para iniciar nova campanha.
Seria, de fato, muito mais cômodo para o humilde orador deixar de o fazer; seria muito mais agradável, talvez, abandonar o campo desde que o sr. presidente da República, com uma parcialidade estranha, colocou o seu poderio ao lado dos empresários
das Docas de Santos.
Não fosse, porém, a justiça da causa que defendo nesta Casa há quatro anos; não fosse a convicção íntima que me empolga, talvez o desânimo me avassalasse as energias e eu, despindo a armadura de combatente, envergaria a túnica de faquir
amodorrado, deixaria passar essa onda de lama que ameaça inundar a República, esperaria que viesse um governo mais honesto, que fizesse a justiça pela qual tanto anseia aquele povo de São Paulo, escorchado, esmagado, triturado há dezessete anos
por uma empresa implacável e impiedosa.
Sua campanha teve então por fim provar que o decreto do Poder Executivo só fora aprovado em princípio pelo Governo anterior; que, para sua execução, não se
tinha ouvido o Estado de São Paulo; que eram novas as cláusulas V e VI, relativas ao capital como soma dos anteriores e à apresentação de balancete, em vez da tomada formal de contas; e que, por último, não se tratava senão de um favor sem igual,
fruto dos tempos.
Não faltavam as imagens
anteriores, a ênfase das comparações históricas, como aqueles 25 combatentes da guerra franco-prussiana [151] ou a pesca do coral na ilha de Ceilão [152]. A linguagem não teve meias palavras. Na expressão dela, o decreto n. 7.578 [153] não era mais que "um pedaço de gangrena que
saiu da postema do Palácio do Catete":
Parece que o povo brasileiro vai perdendo a ossificação da espinha dorsal e que vamos ficar reduzidos a um povo de invertebrados.
Se não fosse assim, o honrado sr. presidente da República não teria coragem de lançar sua assinatura neste documento, sem ouvir um só representante de São Paulo. Decidiu-se deste modo a sorte daquele povo, entre quatro paredes.
Entre os 25 representantes de São Paulo, nenhum foi ouvido, porque nenhum daria o seu assentimento a que se chumbasse por toda a eternidade a calceta ao pé do povo paulista, como se fora um galé, tendo, aliás, concorrido sempre com o seu suor,
com o seu sangue e com o seu esforço para o engrandecimento da nação.
Adiante:
O sr. presidente da República, ainda não há muito tempo, presidiu os nossos trabalhos e ouviu desta tribuna as mais terminantes
acusações contra esta empresa e conhecia, portanto, a profundidade do golpe que nos ia ferir mortalmente.
Que caso fez o sr. presidente da República da representação de São Paulo? Que caso fez s. excia. do Senado da República e da outra Casa do Congresso? Suporá s. excia., por acaso, que isto aqui é uma cavalariça e que s. excia. é o único
palafreneiro?
Que vinha o acordo do Governo anterior, bastava, como prova, o parecer Bicalho. Como, então, se colocou Alfredo Ellis? Negando, em geral, essa filiação para, em
particular, combatê-la na que se referia às mencionadas cláusulas V e VI do decreto n. 7.578:
O SR. ALFREDO ELLIS – Aparteado sobre a responsabilidade que cabia ao Governo passado, não no intuito de defender quem quer que seja –
porque nenhum amigo, ninguém há que possa impedir-me na minha crítica sincera, no sentido, porém, de fazer triunfar a verdade – telegrafei ao ex-ministro da Viação, perguntando se havia sido ele o autor da malsinada proposta.
Acabo, sr. presidente, neste momento, de receber a resposta. Vou lê-la: "Senador Alfredo Ellis – Não fui autor proposta acordo Docas; concordei princípio parecer Bicalho, porém, não termos decreto. Saudações. – Miguel Calmon".
O SR. ANTONIO AZEREDO – Os termos de decreto estão inteiramente de acordo com o parecer do dr. Bicalho.
O SR. SEVERINO VIEIRA – Com o princípio.
O SR. ALFREDO ELLIS – Vou lá. Qual é o princípio?
É, sr. presidente, justamente o princípio pelo qual me venho batendo, não desde 1906, desta cadeira, mas desde a Câmara dos Deputados. O princípio é o seguinte: a obrigação iniludível que tem o Governo de fiscalizar esta grande empresa e outras
empresas, que, por lei, não podem retirar mais de 12% para dividendos dos seus capitais.
A este respeito, leu Victorino Monteiro, na tribuna, uma carta explicativa de Francisco Sá. Dizia, na sua parte essencial, esse documento destinado ao Senado
(25 de outubro):
Muito agradecido te serei se te prevaleceres do ensejo para deixar bem acentuado que a responsabilidade daquele ato pertence inteira ao
atual Governo, que não tem que se abrigar à sombra da resolução porventura tomada pelo Governo que lhe precedeu. É certo que este pensava em pôr termo à situação de conflitos em que se encontrava com a Companhia Docas de Santos; e para isso
ordenara ao engenheiro Francisco Bicalho, diretor técnico do porto do Rio de Janeiro, que se entendesse com o gerente daquela Companhia e com este acordasse o meio de chegar àquele resultado, regulando-se de vez a tomada de contas da mesma
empresa.
Assentadas, porém, e redigidas as cláusulas do acordo, o ministro da Indústria então não se decidiu a pô-lo em prática. Julgava necessário o acordo, mas faltou-lhe a resolução.
O Governo atual, porém, de acordo com as regras de administração que tem adotado, entendeu que o assunto devia ser resolvido; que as questões não são postas senão para terem solução, que a aprovação "em princípio" de um acordo, resultado de uma
deliberação conjunta das partes interessadas, outra coisa não é senão um adiamento, uma hesitação incompatível com a firmeza que deve caracterizar a vontade de quem governa.
E como do cuidadoso exame de todos os antecedentes do assunto chegou à convicção de que a forma das bases elaboradas pelo sr. dr. Bicalho, de acordo com o gerente das Docas de Santos, vinha dar um desenlace definitivo a uma situação de atritos,
discussões e litígios, prejudicial à ordem do serviço, à respeitabilidade do Governo e ao esforço fecundo da iniciativa particular, aprovou o acordo lisamente, francamente, integralmente, reduzindo-o a decreto e a contrato.
As cláusulas neste fixadas permitem conhecer, de modo imediato e preciso, a renda e a despesa da Companhia, facilitando a execução dos contratos anteriores e a verificação dos elementos sobre que tem de basear-se a redução das taxas.
O Governo assume, portanto, a responsabilidade inteira do seu ato. E dela se desvanece, por estar certo de ter bem servido à causa pública.
Procedia a alegação de não ter sido ouvido São Paulo? Ainda uma vez era anômala a posição do Estado. Tinha ministro da
Agricultura no Governo Federal, e, todavia, falava Alfredo Ellis pelo mesmo Estado, duvidando que Candido Rodrigues conhecesse o alcance do decreto [154]; apoiado, de passagem,
na Câmara, por Galeão Carvalhal, líder da bancada ali, para quem a questão não era política [155]. Jornal de orientação sistematicamente contrária, estranhou a situação, que
escolha recente ainda menos explicava (Correio da Manhã, 28 de outubro de 1909):
Já é um tanto esquisito que o sr. Candido Rodrigues deixasse, sem protesto, consumar-se o escandaloso atentado contra os interesses de
São Paulo, sacrificados às atenções e complacências do sr. Nilo à opulenta empresa dos srs. Gaffrée & Guinle. Agora o sr. Albuquerque Lins, quando é ainda tão recente o golpe desfechado contra São Paulo, em benefício daqueles multimilionários,
vai e nomeia advogado do Estado o sr. Carvalho de Mendonça, o guia espiritual das Docas de Santos, o principal instigador da luta travada contra o Governo Federal pelo monstruoso cefalópode, em cujos tentáculos se estorcem as classes produtoras
de São Paulo.
Este trecho de diálogo era ilustrativo (Senado, 29 de outubro):
O SR. ALFREDO ELLIS – Sendo o sr. Candido Rodrigues ministro de uma pasta técnica, naturalmente não se podia oor. Protestando contra um
ato praticado por um ministro de outra pasta.
O SR. FRANCISCO GLYCERIO – A responsabilidade é do sr. presidente da República e do ministro da Viação. O dr. Candido Rodrigues nada tinha a dizer sobre o caso.
Victorino Monteiro não deixou de esclarecer, referindo-se expressamente ao ministro da Agricultura (28 de outubro):
Mas, de preferência – dirá o Senado e dirá muito bem -, devia ser ouvido, por gentileza, embora não se tratasse de assunto da sua pasta,
o honrado sr. ministro da Agricultura.
Posso afirmar que o honrado sr. presidente da República e o ilustre sr. ministro da Viação assim procederam, tratando-se de interesses do Estado de São Paulo, do qual s. excia. é representante direto perante o Poder Executivo da República, e s.
excia. achou o acordo magnífico, achou que ele se baseava no interesse público e que, de modo nenhum, feria os interesses do nobre, do grande, do elevado Estado de São Paulo.
Queria, porventura, o honrado senador ser de preferência ouvido pelo sr. presidente da República, s. excia. que com tanta paixão tem tratado deste assunto? Por que, então, s. excia., que o agrediu com armas oxidadas, que poderiam infeccionar-lhe
o organismo, não se voltou contra o seu patrício, contra o representante direto de seu Estado?
Com ministro seu no seio do Governo Federal, não era possível que o decreto, por este assinado, se fizesse sem ciência de São Paulo. Feria acaso ele o combinado
anteriormente? A negativa estava expressa no próprio parecer Bicalho. Mas a oposição, já estribada também em motivos políticos, não se deu por satisfeita. Assim, quanto às porcentagens de 40 e 60, fixadas para a renda bruta e líquida. A
Companhia, no seu memorial, havia pedido 5t0% para aquela; e o tempo ia dar-lhe razão. Falou Alfredo Ellis:
O SR. ALFREDO ELLIS – Declaro agora que até neste ponto a parcialidade do sr. presidente da República se manifestou às escâncaras,
desabusadamente. O porto da Bahia tem 30% para custeio; o do Pará 35% e as Docas de Santos 40%.
O SR. SEVERINO VIEIRA – E o porto do Rio Grande do Sul quanto tem?
O SR. ALFREDO ELLIS – Lá não há porto ainda.
O SR. SEVERINO VIEIRA – É o que acontece em relação à Bahia.
O SR. ALFREDO ELLIS – Em relação a esta distribuição de porcentagens para custeio, o sr. presidente da República revelou desídia ou abandono no cumprimento de seus deveres.
O SR. SEVERINO VIEIRA – Não apoiado.
O SR. ALFREDO ELLIS – Vou demonstrar que se cortou largo ou a olho, ou então atendeu-se somente à solicitação dos empresários. Com esses senhores o Governo não discute: cumpre ordens.
Adiante:
O SR. ALFREDO ELLIS – Apanhei os dados de 27 anos para tirar o coeficiente do custeio da Paulista durante tão largo prazo. Pois bem: a
média que encontrei foi de 39,73%, menos, portanto, que os 40% que haviam sido folgadamente dados à empresa das Docas, que tem o seu custeio limitado a uma pequena faixa de cais.
Fui também examinar o coeficiente do tráfego da São Paulo Railway, da poderosa, da riquíssima estrada de ferro inglesa, uma das mais ricas e das mais poderosas do mundo.
O SR. SEVERINO VEIRA – Em condições especialíssimas.
O SR. ALFREDO ELLIS – Se a Estrada de Ferro Paulista é uma estrada de penetração, a Sâo Paulo Railway, não o sendo, tem, como o Senado sabe, e como muitos dos srs. Senadores conhecem, uma despesa pesadíssima de custeio, porque tem de vencer a
Serra do Mar.
O SR. SEVERINO VIEIRA – É a convergente de todas as estradas de São Paulo.
O SR. ALFREDO ELLIS – Pois bem, sr. presidente, o coeficiente do tráfego da São Paulo Railway, correspondente a 32 anos, é de 37,65%. De forma que estas duas estradas de ferro têm menos de 40% de sua renda bruta destinada a fazer face ao seu
custeio.
Respondeu Victorino Monteiro:
Sr. presidente, os 40%, conforme foi proposto no acordo firmado pelo dr. Francisco Bicalho, profissional competentíssimo, para as Docas
de Santos, são os mesmos 40% que tem o porto do Rio Grande do Sul, e ele mesmo, examinando esta taxa ou esta porcentagem, declarou no parecer, que acabo de ler, que a considerava ainda mais pesada para o porto de Santos do que para o do Rio
Grande do Sul, mas que julgava que aquele a poderia suportar, por motivo da importância comercial da praça.
Como vem, pois, o honrado senador agredir, de modo tão insólito e revoltante, o Governo da República, porque praticou um ato de justiça e equidade? Onde o favoritismo? Onde o patronato? Onde o escândalo? Porventura as condições do porto de Santos
eram menos onerosas do que as do Rio Grande do Sul, quando este é apenas obrigado à conservação de uma extensão muito maior de cais, tem obrigação de abrir ruas, de tratar do seu calçamento e da sua iluminação, a fim de facilitar o trânsito
público, de dragar um milhão de metros cúbicos anuais?
Adiante:
Sobre a questão dos 40%, para o custeio do cais, julgada excessiva pelo honrado senador, s. excia. não respondeu à interpelação que lhe
foi feita pelo honrado senador pela Bahia, quando lhe perguntou qual era a quota do Rio Grande do Sul. S. excia. lançou mão de uma tangente, dizendo que não era porto; não respondeu, portanto, à pergunta formal, clara e precisa, quando é sabido
que o Rio Grande tem os 40% estabelecidos pelo Governo passado, quota que, como já afirmei, não representa os mesmos ônus a que está sujeita a mesma quota de 40% concedida às Docas. S. excia. achou excessiva esta quota, mas não achou excessiva a
do Rio Grande do Sul, não achou excessiva a do Pará, não achou excessiva a da Bahia.
Preciso ainda fazer uma declaração ao Senado para a qual estou devidamente autorizado. Para fixar a porcentagem já mencionada o sr. dr. Bicalho examinou todos os documentos da empresa, mesmo os de caráter mais íntimo e reservado. Nada lhe foi
ocultado, de modo que teve ele todos os elementos para firmar a sua convicção exarada nas cláusulas do acordo que formulou, por ordem do ex-ministro Calmon.
Ainda:
O honrado senador por São Paulo, para impressionar o Senado, chegou mesmo a figurar uma comparação inaceitável entre o custeio de
estradas de ferro e o da empresa Docas de Santos.
S. excia. afirmou aqui que a Companhia Sâo Paulo Railway, que aliás é uma companhia de administração modelar, primando sobretudo pela rigorosa economia, despendia com o seu custeio quase tanto quanto as Docas de Santos, pois que o seu custeio
consome 37 por cento.
Peço vênia ao Senado para afirmar que s. excia. se enganou e, implicitamente, para contestar sua afirmação.
Infelizmente não tenho dados sobre a Companhia Paulista; mas pelas notas que possuo sobre a São Paulo Railway, fácil é ao Senado aquilatar da veracidade das informações que s. excia. trouxe ao Senado.
A quota do custeio, sr. presidente, da São Paulo Railway, é muito superior, como provo com os dados a cuja leitura vou proceder:
Ministério da Indústria e Viação – Tarifas Móveis: Central – 96,31; Oeste de Minas – 96,45; Paraná, 90,20; Viação Férrea Rio Grande do Sul – 6t3,22; Leopoldina – 75,48 a 34,8,79; São Paulo Railway – 48,64; Sorocabana – 69,35; Mogiana – 69,00; São
Paulo-Rio Grande – 135,97; Quarahy Itaquyy – 99,22.
Quanto às cláusulas VI e VII (capital e balancete), se aquela era explícita, esta não havia dúvida que se redigiu depois, mas deduzida toda do espírito do
parecer Bicalho, à semelhança de outros portos. Confundindo o balancete social da empresa com o balancete para a fixação da renda bruta, orou Alfredo Ellis:
Assim, sr. presidente, não era de estranhar, não merecia censura que, ao passo que o Código Comercia e a Lei das Sociedades Anônimas
mandam levantar balanço, tivesse o Governo se contentado com um mero balancete?
E se o Código Comercial e a Lei das Sociedades Anônimas já mandam, como reconhece s. excia., que a Companhia levante balanço, porque é que o Governo mandou que ela levantasse também um balancete?
Adiante:
Disse e repito que esse poder era superior ao Poder Legislativo, que havia feito a lei; ao Poder Judiciário, que havia sustentado e
mantido a lei.
Agora, resta-me afirmar que é superior também ao Poder Executivo, porque o Poder Executivo, abrindo mão de todos os seus direitos e obrigações, dá-se por satisfeito se a empresa lhe manar no mês de março um balancete das quantias arrecadadas e
dos serviços feitos no ano anterior. É caso de se dizer que este decreto não é um ato oficial, é um epitáfio; ou então que s. excia. o sr. presidente da República foi de uma crueldade inaudita: exigir balancete da Companhia Docas de Santos!
Realmente é uma iniquidade, é uma crueldade extraordinária! Sua excelência o sr. presidente da República devia ficar satisfeito com um recado, com um boletim, com um memorando da empresa, dizendo que a arrecadação foi de tanto e que não tinha que
lhe dar mais satisfações.
Mas era fácil desfazer o equívoco:
O SR. VICTORINO MONTEIRO – O balancete a que se refere este ato e que a Companhia está obrigada a apresentar em março de cada ano é o da
renda bruta do ano anterior.
Não é esse o balanço anual do ativo e passivo que o nosso Código Comercial e a lei das sociedades anônimas mandam a diretoria organizar e apresentar à assembleia geral dos acionistas.
Nem o decreto de 4 de outubro, como aqui foi dito, revogou a lei das sociedades anônimas, quando determinou que a Companhia ficava obrigada a apresentar esse balancete.
O Governo nada tem com o balanço anual da sociedade anônima; é um documento que pertence a esta sociedade nas suas relações com os acionistas, que o aprovam ou não.
Mais:
O balancete a que se refere o decreto de 4 de outubro, que é o da renda bruta da empresa do cais, é apresentado ao Governo para que este
conheça o quantum dessa renda, e, também conhecido o capital da empresa, facílimo é ter sob suas vistas a sua renda líquida, aplicando as porcentagens a que se refere aquele decreto, e assim exigir incontinente a redução de tarifas, se
esta renda líquida for superior a 12% do capital de construção.
Balancete quer dizer balanço parcial, providência jurídica do maior alcance, e eu não compreendo, sr. presidente, como um espírito culto como o do nobre senador possa compará-lo a um "recado", a um "bilhete", a um "memorandum", a um
"boletim". Confusão de tal natureza por parte de um espírito culto como o de s. excia., é irrisória.
Mas, tudo se poderia ter conciliado afinal. Eram até aceitáveis em globo as bases do parecer Bicalho:
O SR. ALFREDO ELLIS – Não há dúvida, sr. presidente, que as bases elaboradas pelo dr. Bicalho, por ordem do dr. Calmon, são aceitáveis.
Salvo quanto à porcentagem para as despesas de custeio, e não é propriamente contra elas que eu tenho clamado e continuarei a clamar, porém, contra as cláusulas V e VI desse decreto, as quais não constavam absolutamente do parecer aceito pelo dr.
Calmon, mas que também o ilustre ministro procura fazer crer que aí se acham incluías, dizendo que o Governo aprovou o acordo integralmente.
Para, no mesmo dia, retomar a ofensiva, também em globo:
O SR. ALFREDO ELLIS – Temos, pela Constituição, três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O legislador constituinte,
porém, sr. presidente, esqueceu-se de incluir outro poder superior a esses três, poder onisciente, empolgante, ilimitado, tremendo -: a Diretoria das Docas de Santos! Perante este poder todos os outros poderes ficam rebaixados, anulados,
suprimidos.
Eduardo P. Guinle
Foto: reprodução da página 338-a
[149] "Outra questão que determinou censuras ao Governo foi o acordo
que fez com as Docas de Santos. Essas foram censuras limitadas quase que exclusivamente a um ilustre senador por São Paulo, há muitos anos empenhado na campanha contra essa benemérita empresa nacional. Por isso, porém, que foram singulares,
foram, são ainda veementes". Alcindo Guanabara, Câmara, 28 de novembro de 1909.
[150] "Procurei, eu próprio, o sr. ministro da Viação, s. excia. pediu-me, interessado, como se revelou para apurar a verdade, exemplares dos discursos dos
pobres discursos que tenho pronunciado nesta casa sobre este assunto. Imediatamente fui ao encontro do desejo de s. excia., lançando na primeira página uma dedicatória que corresponde à admiração que sempre tributei a s. excia.
"Pois bem, sr. presidente, fiz mais; pedi ao meu honrado e nobre amigo, companheiro de bancada, o sr. general Glycerio, que grande responsabilidade tem nesta questão, porque foi justamente quem sobre os meus ombros lançou a pesada carga, pedi a
s. excia. que se dirigisse ao sr. presidente da República e s. excia. o fez com a dedicação de Paulista e com o coração de brasileiro. Alfredo Ellis, Senado, 20 de outubro de 1909.
[151] "Esses 25 heróis escreveram nessa herdade a epopeia da defesa de Bazeilles. Isolados, completamente isolados sobre aquele pequeno reduto, e quando já
mais de metade havia caído, os sobreviventes tiraram das patronas dos mortos os últimos cartuchos; e quando, afinal, o último tiro foi disparado, aquela casa foi transformada em monte de escombros pelas bombas que estouravam, sendo os 25 heróis
nela sepultados. Não houve capitulação! Os representantes de São Paulo não capitularão também nesta questão!" Alfredo Ellis, 18 de outubro de 1909.
[152] "Se perscrutarmos as enseadas umbrosas da ilha de Ceilão, onde se faz a pescaria de pérolas e de corais, que se vê? Dois pobres malaios, tão inferiores
na escala étnica da raça humana, entretanto, irmanados por um princípio, arriscam a vida. Um desce às profundezas do Oceano, outro fica velando contra o perigo das surpresas do Aquilão que, súbito, costuma aparecer naquelas regiões, fulminante e
mortífero, aniquilador.
"O que desce leva consigo apenas a confiança que deposita no que, velando, em cima, guarda a barca, e vigilante lhe garante a vida, fornecendo-lhe o ar, o oxigênio, no modesto e primitivo escafandro, para que a asfixia não o fulmine nas
profundezas em que vai trabalhar.
"Enquanto um moureja com risco de vida, no fundo tenebroso do mar, arrancando das rochas marítimas a riqueza que é o coral, que são as ostras perlíferas, o outro, o companheiro, vela. Um é o povo, o outro o Governo!" Alfredo Ellis, Senado, 21 de
outubro de 1909.
[153] "O sr. Alfredo Ellis – E a propósito, sr. presidente, devo dizer que ao médico incumbe a defesa da vida do doente, mas nem sempre, por mais ciência que
tenha, por mais critério, por melhor que seja o seu preparo, consegue triunfar da morte. Uma obrigação imperiosa tem ele, entretanto: morto o doente, é obrigado a desinfetá-lo..
"E é o que eu farei, porque, para mim, este decreto representa um pedaço de gangrena que saiu da postema do Palácio do Catete.
"O sr. Victorino Monteiro – Saiu do Governo passado; resta saber quem é o defunto". Senado, 18 de outubro de 1909.
[154] "Se s. excia., porém, conhecesse o alcance desse
decreto – faço a justiça que s. excia. merece – absolutamente não poderia ter dado assentimento ao escandaloso ato de 4 de outubro, profundamente lesivo, como é, ao Estado de São Paulo, clamorosamente lesivo, como é, aos interesses nacionais.
"E, sr. presidente, digo isto e afirmo sem ter ouvido o nobre ministro da Agricultura, porque s. excia. não pode estar em desacordo consigo mesmo. Foi s. excia. quem enviou ao Governo passado um pedido do ilustre e íntegro presidente de São Paulo
para a concessão de um cais em Santos; foi justamente o sr. Candido Rodrigues quem entendeu que era preciso obter do Governo da União uma concessão no sentido de libertar, de afrouxar um pouco a golilha de ferro que nos prende". Alfredo Ellis,
Senado, 31 de outubro de 1909.
[155] "Sr. presidente, aproveitando a oportunidade de nos achar na tribuna, afirmamos que a
representação de São Paulo na Câmara dos Deputados está perfeitamente identificada com a atitude do ilustre senador sr. Alfredo Ellis, que, no Senado da República, com tenacidade louvável, com patriotismo, com amor à terra paulista, tem advogado
os grandes e elevados interesses que estão presos, naquela zona do nosso território brasileiro, à Companhia Docas de Santos.
"Não se trata de uma questão política, mas sim, de questão de alta administração,na qual é lícito ao Congresso, e sobretudo a nós outros que representamos o Estado de São Paulo, intervir, promovendo seu debate, seu conveniente estudo para
tirarmos as consequências necessárias do novo decreto de 4 de outubro do corrente ano, que significa um acordo feito pelo Governo com a Companhia Docas de Santos, tendo este abandonado o terreno judiciário em que a questão tinha sido posta, sem
dar motivos justificáveis, que possam explicar a procedência do novo decreto". Galeão Carvalhal, Câmara, 24 de outubro de 1909.