Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/baixada/bslivros08a37.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/04/13 20:52:53
Clique aqui para voltar à página inicial de Baixada Santista

BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 37

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 279 a 283:

Leva para a página anterior

Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

Leva para a página anterior

TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXXVII

Realizações compensadoras

A essas dificuldades, fruto da própria obra nas suas contingências, opunham-se várias compensações, além da fundamental – a construção, no tempo, do cais e de seus acessórios.

Assim a inauguração dos armazéns gerais, realizada a 12 de março de 1908
[111]. Nem por ter sido retardada, diminuía sua relevância para o porto e o Estado.

Telegrafou Candido Gaffrée ao presidente da República, bem como aos ministros da Viação e Fazenda e ao presidente de São Paulo [112]. No Rio, exultou a imprensa. Em Santos, com receio embora que a empresa quisesse abusar "alugando seus armazéns", foi de regozijo o sentimento (Diario de Santos, 20 de março de 1908):

É realmente um grande melhoramento para o comércio em geral, facilitando-lhe os meios para desenvolver as suas transações. Nem se pode negar, seria uma clamorosa injustiça desconhecer os benefícios que as Docas de Santos têm prestado a esta cidade, não só sob o ponto de vista higiênico, mas sob o ponto de vista material e progressivo, transformando o porto de Santos em um porto modelo, com um serviço de carga e descarga que nada deixa a desejar.

Era, na verdade, um grande passo. "A Companhia, disse a diretoria no seu Relatório de 1908, lembrando os esforços feitos, mais uma vez se aparelhou para emitir warrants sobre a imensa fortuna acumulada em seus entrepostos. O resultado foi nulo, reconhecendo-se que uma das causas do malogro era a legislação impossível que regulava a emissão e circulação daqueles títulos".

Já havia o Estado votado a lei n. 1.017, de 19 de outubro de 1906, autorizando o Governo, segundo projeto referido atrás, a garantir juros de 6% ao capital máximo de 4.000 contos para a construção dentro de dois anos, de armazéns. Foi, em consequência, assinado contrato com a Companhia Paulista de Armazéns Gerais, garantindo o juro de 6% sobre o referido capital, durante dez anos – o que punha em mais relevo a obra da empresa, feita sem garantia e, pois, sem ônus para a União ou o Estado. "Não devemos esperar, acentuou a empresa, desenvolvimento imediato da instituição dos armazéns gerais. Podemos mesmo dizer que será um grande melhoramento de futuro. É preciso, entretanto, iniciar, mostrando praticamente os seus resultados. Assim transformar-se-ão velhos hábitos rotineiros e afastar-se-ão injustos preconceitos que têm prejudicado os armazéns gerais".

Registraria, com efeito, o Relatório da Diretoria, 1908:

Os armazéns gerais da Companhia Docas de Santos continuaram a prestar relevante auxílio aos comissários em Santos que, na conformidade do artigo 10 do regulamento interno, puderam obter lugar apropriado para o serviço de manipulação e ensaque do café.

Não foi um serviço novo que a Companhia instituiu. O comércio conhece, desde 1901, as grandes vantagens de tempo, de economia e segurança que oferecem os armazéns da Companhia para o depósito e ensaque do café em consignação.

Quanto aos mais serviços dos armazéns, o resultado foi negativo. A Companhia não se iludiu. No Relatório apresentado aos acionistas na assembleia geral ordinária de 30 de abril de 1908, a sua diretoria previu a dificuldade de se implantar a instituição sem que fossem vencidos hábitos rotineiros e afastados injustos preconceitos.

Estes estorvos então em grande parte atenuados pela propaganda feita pela Companhia Docas de Santos e pelas empresas de armazéns gerais que em São Paulo se instalaram com a garantia de juros deste Estado.

O que embaraça hoje o funcionamento destes armazéns é a falta de estabelecimentos bancários que emprestam sobre os warrants ou que os descontem. Estes empréstimos ou descontos, atenta à grande segurança que os títulos oferecem e facilidade de execução, devem ser a juros módicos.

A verdade é que nem a juro elevado os bancos operam sobre as mercadorias depositadas nos armazéns gerais.

Em condições tais, estes armazéns não prestam ao comércio o principal auxílio, que justifica o seu estabelecimento. O curto espaço de vida dos armazéns gerais da Companhia Docas de Santos não permite afirmar mais do que isso.

A Companhia Docas de Santos acompanha com o máximo interesse a instituição ainda rudimentar desses armazéns e aguarda o resultado do ano de 1909 para melhor apreciar as causas de entorpecimento dos armazéns gerais.

Educando o meio comercial no sentido da reforma, distribuiu Álvaro Ramos Fontes uma circular na qual se lia (12 de março de 1908):

A Companhia recebe em depósito gêneros ou mercadorias de produção nacional ou estrangeira, quer em simples guarda, quer emitindo sobre eles conhecimentos de depósito e warrants.

Emite, outrossim, os referidos títulos sobre mercadorias de exportação, recolhidas a seus armazéns, ainda mesmo sujeitas a direitos aduaneiros.

Duplo é o fim dos armazéns gerais: guardam e zelam as mercadorias recebidas em depósito, qualquer que seja a sua proveniência e destino, e mobilizam-nas, emitindo sobre elas os títulos mencionados, negociáveis na praça e transferíveis por endosso.

Considerando o primeiro destes fins, vê-se que os armazéns gerais concorrem para diminuir as despesas que faz o comerciante com o aluguel de armazéns e com a manutenção de numeroso pessoal de empregados, e também as despesas com o transporte urbano, podendo a mercadoria ser objeto de diversas operações sem se deslocar do depósito.

Mais:

Atendendo ao segundo, aprecia-se como as mercadorias podem trabalhar como se fora capital.

Assim, se o depositante quer levantar dinheiro sobre elas, transfere o warrant ao mutuante. O endosso desse título, por si só, separado do conhecimento de depósito, importa uma garantia e confere ao mutuante sobre a mercadoria depositada, todos os direitos de credor pignoratício sobre a coisa dada em penhor. Este direito de penhor acompanha o warrant por todas as mãos pelas quais passar em virtude de negociações sucessivas.

Se quer vender ou dispor das mercadorias depositadas, o processo é simplíssimo também: se a mercadoria estiver gravada com penhor, em virtude de endosso do warrant, o depositante transfere ao comprador o conhecimento de depósito que conservou consigo e o comprador se torna proprietário da mercadoria, mas com a obrigação de pagar a importância do crédito garantido pelo endosso do warrant; se a mercadoria não estiver onerada com penhor, isto é, se o depositante tiver consigo os dois títulos unidos, transfere-os ao portador, endossando o conhecimento de depósito, passando para este comprador a propriedade da mercadoria depositada.

Por fim:

A lei federal n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, oferece sólida e perfeita garantia ao depositante e ao banqueiro que negociar o warrant.

O decreto n. 6.644, de 17 de setembro do ano passado, que aprovou o regulamento interno e a tarifa para o serviço de emissão de conhecimentos de depósito e warrants da Companhia Docas de Santos, completa todas essas garantias.

A Companhia mantém ainda uma sala de vendas públicas, na qual os depositantes poderão expor amostras.

Inaugurou também a empresa a matriz do Rio de Janeiro, objeto de tão viva polêmica nos anos anteriores. Celebrando esse acontecimento, que se realizou quando se festejava o primeiro centenário da abertura dos portos do Brasil, escreveu, no Rio de Janeiro, o velho órgão, entre outras considerações (28 de janeiro de 1908):

Este edifício é um dos principais ali construídos e constitui um padrão de honra tanto para quem o mandou levantar, como para os que o delinearam e se incumbiram da sua construção. A sua fachada, uma das melhores lançadas e do mais belo efeito da Avenida, foi projetada pelo engenheiro paulista dr. Ramos de Azevedo, autor do avant projet do edifício, de cujos detalhes e construção foi incumbida a conhecida firma de arquitetos srs. Antonio Januzzi, Filho & Companhia.

Em assembleia geral extraordinária (23 de abril de 1907), aprovou-se uma reforma dos estatutos, elevando-se a cinco o número de diretores. Estes passaram a ser, além de Candido Gaffrée e Eduardo P. Guinle, Guilherme Benjamin Weinschenck, Gabriel Osorio de Almeida e José Xavier de Carvalho Mendonça. Membros do Conselho Fiscal continuaram a ser Paulo de Frontin, João Evangelista Vianna e Olympio Frederic Loup; elegendo-se como suplentes Jorge Street, Americo Firmiano de Moraes e F. Sattamini [113].

A reforma consistiu também na elevação do capital social para 60.000 contos, divididos em 300.000 ações de 200$000 cada uma, sendo 200.000 nominais e 100.000 ao portador [114].

Foi nesse período, tendo contra si a sentença do juiz federal do Rio de Janeiro mandando devassar sua correspondência, que a empresa resolveu lançar na praça do Riode Janeiro, a fim de atender às necessidades crescentes da construção e acabamento do cais, um empréstimo de 60.000 contos, para o qual havia sido autorizada a diretoria em assembleia de 30 de dezembro de 1907. Aberta a inscrição a 10, fechou-se dois dias depois, a 12 de fevereiro de 1908.

Apesar de se escrever então que o êxito se explicava pelo valor do privilégio explorado e do favoritismo, então estancado
[115], a cobertura quase total foi a resposta. "Não é muito comum entre nós, assinalou no dia seguinte ao da abertura o Jornal do Commercio, lançar-se um empréstimo de 60.000 contos ou £ 3.750.000. Mas é isto que fez ontem a Companhia Docas de Santos, por intermédio do sr. corretor Eugenio José de Almeida e Silva…"

"Não é fato vulgar, acrescentou a Imprensa no dia do encerramento, que possa passar despercebida no noticiário dos jornais a importante operação que essa poderosa empresa nacional assim acaba de levar a efeito. Temos, porém, que é sem precedentes o empréstimo como o que as Docas de Santos acabam de lançar na praça". Nas mesmas águas escreveu a Gazeta de Noticias (10 de fevereiro de 1908):

Apesar de suas largas proporções, o empréstimo é nacional. Ele representa uma soma de tal importância, que não nos consta tenha jamais sido, nem aproximadamente, oferecido à subscrição por qualquer empresa particular.

Quando se observa a cifra colossal de algarismos como este; quando se considera que o valor das obras e do aparelhamento definitivo do cais chegará ao algarismo espantoso de cerca de 200.000 contos; é que se compreende bem o que há nisso de energia, de tenacidade e dessa sagrada confiança que só é produzida pela consciência do próprio merecimento, pela constância da tarefa que se executa. E tem-se o consolo de que monumentos desta ordem ficam sempre de pé, superiores, tranquilos, intangíveis a quaisquer grotescas ojerizas, nervosas, pequeninas e – felizmente! – ocasionais.

Um jornal do Estado, cuja denúncia contra a empresa ia ser despachada negativamente na velha e sempre renovada taxa de descarga sobre água, escreveria (São Paulo, 27 de agosto de 1908):

O Estado de São Paulo conhece, por longa e dolorosa experiência, a soma inaudita de sacrifícios que lhe tem custado a empresa do cais de Santos.

Outro, um ano antes, não escrevera menos (A Platéa, 19 de agosto de 1907):

A Companhia que nos trouxe o cais, com grandes melhoramentos para o porto de Santos, acarreta ao mesmo tempo um enorme rosário de desgostos e de imposições que absolutamente não têm cabimento.

Seria, talvez, preferível Santos sem cais, a Santos sob o jugo férreo dessa poderosa empresa que aniquila todos os ramos da nossa vida com o seu inqualificável procedimento.

Mas havia o reverso (Imprensa, 12 de fevereiro de 1906):

Tudo que aqui está, capital e trabalho, é brasileiro. Nós, em regra, entregamos ao capital e ao trabalho estrangeiros todas as obras que concorrem para o nosso progresso material. Agravamos assim, cada vez mais, a nossa situação, meramente colonial.

Estradas de ferro, portos, minas, seguros, tramways, iluminação, até as próprias empresas agrícolas são concedidas ou vendidas a estrangeiro, o trabalho, ao menos sua direção superior, é estrangeiro, e para o estrangeiro emigram naturalmente os lucros dessas explorações.

Melhor que o depoimento nacional foi então o de fora. Manoel Bernardez, que depois seria ministro do Uruguai no Brasil, dando-nos belo livro sobre o nosso país, passara por Santos. Vale a pena transcrever o que lhe saiu dos dedos, diante da cidade que se renovava:

Dois filhos do Rio Grande do Sul, os srs. Candido Gaffrée e Eduardo Guinle, prestaram ao seu país o incalculável serviço de lhe abrir uma grande porta sobre o mar e de destruir o estigma da febre amarela em seu centro mais intenso e temível, dando uma lição que foi aproveitada no Rio de Janeiro para expulsar, também aí, do passivo nacional, a coluna negra do flagelo. Esta obra tem ainda o mérito de ter sido uma obra de tenacidade e de energia… Agora mesmo terminam uma usina elétrica a 40 quilômetros de Santos, em plena serra, utilizando uma cascata de 630 metros de altura; farão com ela todo o trabalho do porto e armazéns, que hoje é hidráulico ou a vapor, e o resto, que serão cerca de 10.000 cavalos, o fornecerão a baixo preço para bondes, moinhos e fábricas da cidade.

Mais:

Com este enorme impulso, Santos, que começou sendo somente o porto de São Paulo e que tem já 50.000 almas, tornar-se-á uma grande cidade fabril e uma bela cidade marítima e balneária, excelente para uma temporada invernosa de sossego e restauração fisiológica.Suas praias são esplêndidas, sua vida fácil, sua paisagem aprazível e risonha. A Municipalidade moderniza o antigo casario, abrindo febrilmente longas avenidas, de uma e outra costa do mar, aterrando terrenos baixos, construindo esgotos e fazendo toda uma custosa rede de canais de drenagem, à qual se tem de juntar, como elemento essencial de saúde e de vida, uma água de consumo deliciosa, que cai, cantando, fresca e alegremente, das alturas das montanhas. Sente-se ali circular uma população enérgica, confiada em seu destino. Quando há quem, por fantasia, imagine estas cidades tropicais meio amodorradas na enervante placidez de uma contínua sesta, comendo bananas e fazendo rimas, sem penas nem ambições, tortura a alma este anelo de progresso que a nós outros atormenta como uma sede.

Imagem: reprodução parcial da página 279


[111] "A essa solenidade estiveram presentes, além da diretoria da Companhia, os diretores da Associação Comercial de Santos, o presidente da Câmara Municipal, o inspetor e guarda-mor da Alfândega, o fiscal interino das obras hidráulicas, comissários e ensacadores de café, importadores e exportadores daquela importante praça. Foram designados os armazéns n. 6 para as mercadorias de importação e n. 14 para as de exportação, sendo que este último provisoriamente, enquanto não se concluírem os armazéns externos ns. 3 e 4, destinados ao depósito de café". Relatório da Diretoria.

[112] "12 de março de 1908. Presidente da República. Rio de Janeiro. A Companhia Docas de Santos tem a satisfação de comunicar a v. excia. que inaugurou hoje seus armazéns gerais de conformidade com a lei n. 1.102 de 1903 e decreto n. 6.644 expedido por v. excia., facultando ao comércio, à indústria e lavoura de São Paulo o instrumento de crédito por excelência qual o warrant. Saudações – Candido Gaffrée".

[113] Na assembleia de 30 de abril de 1908 Candido Gaffrée comunicou "que tendo de proceder à mudança do escritório central para o novo edifício, entendeu que devia aproveitar a ocasião para prestar uma homenagem a dois beneméritos auxiliares da Companhia, mandando colocar os seus retratos na sala de reunião das assembleias gerais. Refere-se aos srs. Drs. G. B. Weinschenck e Alfredo Silverio de Souza; o primeiro, que hoje ocupa também o cargo de diretor da Companhia, foi o engenheiro chefe à cuja competência absoluta, à cuja dedicação se deve o início e continuação das obras do cais; à constância, ao zelo, à tenacidade do segundo, na qualidade de ajudante, mas que tombou infelizmente quando ainda não estava finda a jornada, a Companhia deve igualmente a remoção das enormes dificuldades que se antolham sempre à execução de obras como as que constituem hoje justo motivo de orgulho nacional".

[114] Toda a ação era indivisível com relação à sociedade; e a diretoria, a pedido dos acionistas, procederia à conversão das ações nominativas em ações ao portador, até completar o número 100.000. Preenchido esse número, não se permitiria mais conversão.

[115] "Nunca, porém, a submissão de um ministro da República à vontade imperiosa dessa empresa se manifestou mais nitidamente do que durante a administração do sr. Lauro Muller, ministro da Indústria do governo do sr. Rodrigues Alves. Este, que era um paulista e pelas posições oficiais antecedentes e pelo conhecimento pessoal da questão, estava como ninguém no caso de saber os males sofridos pela lavoura e pelo comércio de São Paulo em consequência dos abusos das Docas de Santos, não quis ou não ousou enfrentar os felizes desfrutadores desse incomparável monopólio. O sr. Rodrigues Alves nisto continuou as tradições de inércia e relaxamento do seu antecessor, Campos Salles.". Correio da Manhã, 18 de fevereiro de 1908.