Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/baixada/bslivros08a16.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/04/13 20:51:29
Clique aqui para voltar à página inicial de Baixada Santista

BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 16

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 109 a 116:

Leva para a página anterior

Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

Leva para a página anterior

SEGUNDA PARTE (1896-1905)

Capítulo XVI

O desfecho de 1896

À proporção que o fim do ano se aproximava e a lei de receita ia vencendo as deliberações legislativas, mais se animaram os debates.

Morta estava a Alfândega de São Paulo, embora reaparecendo eventualmente, aqui e ali
[46]. Presidente do Estado ao tempo da maior paixão na luta, sucessor depois de Rodrigues Alves na pasta da Fazenda, Bernardino de Campos ia assinar o atestado oficial de óbito [47].

Era, não obstante, devido à Alfândega que a Companhia se viu contrariada, já se disse, na prorrogação de prazo para conclusão das obras e na autorização para a dragagem.

A preliminar levantada foi, já se escreveu, que ao Congresso faltava autoridade para prorrogar; o que lhe cabia era autorizar a prorrogação. A custo desistiam os paulistas dessa arma de grosso calibre. Versou o debate, a este respeito, sobre os motivos pelos quais não fora, no quadriênio anterior, assinado o decreto referente à dragagem. Uma coisa, porém, era certa – apelava a empresa para o Legislativo pela hostilidade que o Executivo mostrava a seu respeito. Este diálogo no Senado (21 de novembro de 1896) foi elucidativo:

O SR. RAMIRO BARCELLOS – O Senado vai ouvir a carta que o ministro da Viação daquela época, o sr. Costallat, me dirigiu há pouco, e assim fica terminada a argumentação que tenho a apresentar ao honrado senador (lê):

"Srs. diretores da Companhia Docas de Santos. – Em resposta à carta que me dirigiram, com data de ontem, cabe-me declarar-lhes, em bem da verdade, que é certo haver sido a diretoria dessa Companhia convidada por mim, quando em exercício do cargo de ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, a comparecer no meu gabinete, a fim de tomar conhecimento das modificações que julguei convenientes fazer, de acordo com as informações e estudos realizados pela secretaria da mesma repartição, na proposta que, por ordem do Governo, foi apresentada pela referida Companhia, para a dragagem e desobstrução do porto de Santos.

"Que tendo sido aceitas por essa diretoria tais modificações, mandei lavrar o competente decreto, nos termos combinados, o qual deixou de ser assinado, como outros, por não querer o exmo. sr. marechal Floriano, nos últimos dias do seu governo, resolver sobre questões de administração, relativas ao Estado de São Paulo.

"Podem vv. Ss. Fazer desta o uso que lhes convier. – Bibiano Sergio M. Fontoura Costallat".

A questão ficou pois neste pé. Veio o novo governo e este não assinou o contrato; não disse nem sim, nem não; tudo ficou parado há dois anos. Aqui está, portanto, a história do tal presente, que s. ex. julga que se faz à poderosa Companhia de Santos.

Tinha o ministro da Fazenda mantido seu despacho anterior, negando isenção de direitos para materiais destinados à construção, o que provocou de um lado e outro recriminações. "Mas no caminho do peditório, escreveu O Paiz, a Companhia é insaciável…" Prefaciando a transcrição dos artigos de Adolpho Pinto, em 1894, havia rematado (24 de abril):

Se porventura os seus privilégios, concedidos menos legalmente, sacrificam direitos e interesses da coletividade paulista, nada mais natural do que decretar sua nulidade, tendo em muito particular atenção o valor da lei de 13 de outubro de 1869, em que a Companhia das Docas de Santos firma todos os seus argumentos e faz apoiar o célebre regulamento de 17 de fevereiro de 1893.

"Não está toda a gente vendo, inquiriu, por sua vez, a Gazeta de Noticias, que os despachos do sr. ministro da Fazenda nos requerimentos da Companhia Docas de Santos representam a perseguição sistemática e odiosa a uma empresa que levou a cabo a obra mais grandiosa e mais útil deste país, e realiza, só ela, em todo o nosso vasto domínio administrativo, alguma coisa que se pareça com uma fiscalização de serviço?"

Ouvira o Senado pareceres de Lafayette, Ouro Preto, Carvalho de Mendonça, Ferreira Vianna, unânimes em afirmar que estava de pé o contrato, pois, contra a inexecução das obras no prazo regular, a providência que cabia era a multa.

A prorrogação, pura e simples, do contrato, por sua vez, ia debater-se, prevalecendo afinal. Com o das Docas de Santos, seriam prorrogados,na lei da receita, contratos para várias obras – Estrada de Ferro Ceará-Mirim, Estrada de Ferro Mogiana, Central da Bahia etc.
[48]. Mas nenhum com a impugnação que teve aquele.

Relator da Comissão de Finanças na Câmara, defendeu Lauro Muller a integridade do contrato e o direito de prorrogação, explicando "que não houve o espírito de encartar no orçamento nenhuma disposição que não pudesse ser defendida à luz da Justiça, das conveniências da União e dos Estados a que ele afeta, porque a União não pode esquecer os Estados". Sobre o segundo ponto, sua afirmativa foi formal (21 de outubro de 1896):

O SR. LAURO MULLER – Não há um orçamento nos últimos anos – sendo o mesmo o regimento – que não contenha prorrogação de prazo, ou sob a forma de autorização ao Governo ou sob a forma taxativa em que está redigida.

O SR. CINCINATO BRAG – São precedentes a respeito dos quais não tem havido reclamação.

O SR. LAURO MULLER – São precedentes de acordo com o espírito do regimento e esta é a primeira reclamação que se levanta, apesar de haver neste mesmo orçamento muitas outras disposições semelhantes, relativas a companhias situadas em outros Estados.

Adiante:

Apenas o orador quer tomar conhecimento da doutrina do nobre deputado, de que a prorrogação de prazos é atribuição administrativa, que não pode ser exercida pelo Congresso Nacional. Ora, isto é a negação de tudo quanto se tem feito neste Congresso depois da República.

O que as nossas leis orçamentárias dizem é absolutamente o contrário: vedam ao Poder Executivo conceder prorrogação de prazo e ainda este orçamento manda continuar em vigor as disposições que já vêm de 1891.

Ora, se o Congresso, anualmente, concede essas prorrogações, é porque elas são vedadas ao Poder Executivo! E, no entender do orador, esta é a boa doutrina, porque a prorrogação de prazo pode acarretar ônus que só o Congresso pode conceder.

No mesmo dia, em idêntico sentido, falou outro deputado:

O SR. SERZEDELLO CORRÊA – Qual a empresa neste país que se tem constituído por aí e que vive onerando os cofres públicos, que não tem tido duas, três, quatro, cinco e mais prorrogações de prazo para concluir as suas obras? E o que nós temos feito aqui, durante anos, senão prorrogar prazos a várias empresas estrangeiras? Porventura o capital estrangeiro é melhor, é mais sagrado do que o nacional?

O SR. CINCINATO BRAGA – Há alguém que seja contrário a esta prorrogação? Este alguém com certeza não é filho de São Paulo.

O SR. SERZEDELLO CORRÊA – Vv. eex. não são contrários totalmente à prorrogação, mas entendem que essa prorrogação não deve ser concedida no orçamento.

O SR. CINCINATO BRAGA – Porque é um ato de administração.

O SR. SERZEDELLO CORRÊA – Entretanto, os nobres deputados aceitam o aditivo autorizando o Executivo a prorrogar o prazo; se o Congresso pode autorizar, pode dar a prorrogação; quem dá autorização em em si latente o direito de fazer esta prorrogação.

Adiante:

O SR. CINCINATO BRAGA – Não o convenceu a argumentação do seu distinto colega deputado por Santa Catarina, porque s. ex. se baseou na parte principal, pelo menos, na sua infelizmente resumida oração, em considerar, segundo o seu modo de ver, que provavelmente é o da Comissão, em considerar atribuição do Congresso prorrogar os prazos dos contratos.

Em primeiro lugar parece que s. ex. não tem essa convicção tão arraigada, porque, se a tivesse, relator da Comissão não divergiria do modo de apresentar medidas dessa natureza, ora autorizando o Governo a prorrogar contratos sujeitos à apreciação do Congresso, ora decretando a prorrogação por força da própria lei.

O SR. LAURO MULLER – Eu não nego que o Congresso possa, quando entender conveniente, autorizar o Governo.

O SR. CINCINATO BRAGA – Basta isso para observar que a explicação do nobre relator não o convenceu, porque se s. ex. entende que o Congresso pode autorizar o Governo no sentido de fazer-se uma delegação, s. ex. então entende que a Câmara pode praticar uma invasão de poderes.

Bastava isso,portanto, para a Câmara ficar suficientemente convencida de que a defesa do parecer da Comissão tinha pontos vulneráveis
[49].

Como na Câmara (Cincinato Braga tinha requerido, e fora rejeitado, que a emenda aditiva passasse a constituir projeto em separado), os dois aditivos, prorrogando o prazo e autorizando a dragagem, tinham tido no Senado parecer favorável da Comissão de Finanças [50], aprovando-se afinal.

A 19 de novembro ali se renovou a emenda restritiva por Bernardino de Campos, João Pedro, Justo Chermont, Paula e Souza. Em vão. A 26 seguinte, Moraes Barros e Paula e Souza ainda propuseram que ficasse o Governo autorizado a prorrogar simplesmente, acautelando os interesses públicos. Também sem resultado
[51].

Na Câmara, por ocasião da aprovação dos dois aditivos, fizeram declaração escrita de voto contrário os deputados Adolpho Gordo, Cincinato Braga, Costa Junior, Edmundo da Fonseca e Vieira de Moraes. Francisco Glycerio, deputado federal, declararia mais tarde ter votado em 1896, com seus companheiros, pelas Docas.

No Senado, os mesmos aditivos se aprovaram, em votação nominal, requerida por Moraes Barros, por 26 votos contra 15, entre os quais Moraes Barros e Paula e Souza. Com estes Pinheiro Machado, prova a mais de que a presunção das bancadas rivais, como ia dizer, aliás, não era exata.

De 23 e 24 de novembro foram os últimos discursos trocados. Titão agastado, a voz de Moraes Barros parecia fazer as últimas contas. "Peço-vos atenção – dissera a título de prefácio, pondo em guarda a assembleia contra a extensão de seu discurso -, a matéria é árida, o orador desagradável, áspero e brusco; mas trata-se de interesses de São Paulo e precisamos estudá-los e conhecê-los para providenciarmos a respeito com critério e acerto". Depois:

O SR. MORAES BARROS – Sr. presidente, estou pronto a reconhecer e confessar que o honrado senador pelo Rio Grande do Sul tem competência para dar-me lições em quase todas as coisas sujeitas ao conhecimento humano. Reconheço essa competência, que s. ex. acaba de proclamar alto e bom som, mas há uma coisa sobre a qual s. ex. não pode dar-me lições: sobre a delicadeza de trato, sobre o modo de tratar seus colegas, sobre o tratamento que nos devemos uns aos outros, a delicadeza que cada um de nós deve ter.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Eu também não peço lições.

O SR. MORAES BARROS – Sobre isto, o nobre senador não pode dar lições.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Nem eu as recebo de v. ex.

O SR. MORAES BARROS – E eu não as aceito.

A 23 já nada esperava das deliberações legislativas:

O SR. MORES BARROS – Sr. presidente, a Empresa das Docas de Santos é tão poderosa neste país que pode lavrar pela boca do honrado senador pelo Rio Grande do Sul esta formidável sentença: a Alfândega de São Paulo não funciona, não pode funcionar e jamais funcionará.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Isto não tem nada com as Docas.

O SR. MORAES BARROS – V. ex. é que me está chamando para esse terreno.

O SR. RAMIRO BARCELLOS dá um aparte.

O SR. MORAES BARROS – V. ex. lavra esta formidável sentença pela confiança que deposita no poder da Companhia das Docas, como se esta sentença fosse lavrada pela própria Companhia.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Não, senhor, está enganado; é pela confiança que tenho na lei e no Poder Judiciário do país, que é independente e é o defensor dos direitos alheios.

Ainda:

Tão grandes são os favores concedidos a esta empresa, com sacrifício de altos interesses do Estado de São Paulo, tão formidável é a cadeia de tributações com que ali ela envolve o comércio importador, que já estranho não tivesse sido incluída uma disposição dando-lhe também o governo político daquele Estado.

Nada concorrera mais para irritar o debate do que o sentimento de que, interesse de São Paulo, fosse a Alfândega combatida pelo Rio Grande do Sul. Mais ainda, que se desconhecessem pelos paulistas as obras e sua relevância. Este diálogo na Câmara o provava (23 de outubro):

O SR. COSTA JUNIOR – V. ex. pensa que os deputados por São Paulo não conhecem o cais de Santos?

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Tenho certeza, porque sei que não visitaram as obras, não as estudaram e, por consequência, não podem avaliar a soma de sacrifícios ali empregados. E pergunto a v. ex.: conhece as obras do cais de Santos? Ora, se v. ex. não as visitou, admira que seja o primeiro a vir interromper-me.

O SR. COSTA JUNIOR- Porque não as visitei, não deixei de prestar atenção à emenda de v. ex. Peço a palavra.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – É estranhável a atitude dos nobres deputados diante da nossa emenda, e só a poderei compreender admitindo que ss. eex. aqui representam, não direi interesses feridos, mas os despeitos da parte do comércio da Capital de São Paulo por ainda não haver conseguido o funcionamento de sua Alfândega.

O SR. COSTA JUNIOR – V. ex. deve modificar a sua linguagem, pode ter resposta; e isto não é bom.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Estou cumprindo um dever e prestando um serviço ao próprio Estado de São Paulo.

No Senado, igual sentimento:

O SR. MORAES BARROS – Foi anômala a origem, senhores, porque, como bem vedes, trata-se do interesse de quase todo o Estado de São Paulo, porque quase todo o comércio daquele Estado entra e sai pelo porto de Santos; entretanto, os dois aditivos nasceram, foram propostos pela ilustre bancada rio-grandense, sofrendo imediata oposição da bancada paulista.

É profunda e radical a divergência entre as duas bancadas, a proponente sustentando os dois aditivos, a paulista repelindo-os a todo o transe, procurando emendá-los.

Nesta divergência, senhores, pergunta-se: quem tem razão? Estou longe de desconhecer o talento e o patriotismo que ornamentam a bancada rio-grandense.

O SR. PINHEIRO MACHADO – V. ex. está equivocado, nem foi toda a bancada rio-grandense que subscreveu os aditivos, nem também foi a unanimidade da banca paulista que os repeliu.

O SR. MORAES BARROS – Não falei em unanimidade, nem de uma, nem de outra.

E a resposta imediata:

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Mas, senhores, labora em grave erro o ilustre representante por São Paulo se supõe que das alfândegas, dos portos da República, de tudo o que diz respeito à arrecadação das rendas da União, pertence a cada Estado o cuidado de tratar em particular no seu território. Não; esses assuntos são gerais, são nacionais, são da União. A iniciativa neles cabe aos representantes de qualquer dos Estados da república.

Nem há razão para que a defesa dos interesses da União caiba melhor aos representantes do Estado em que se acham vinculados esses interesses. Pelo contrário, se estudar bem a questão, há de reconhecer que o representante desse Estado deve, como é natural e até louvável, considerar o assunto mais sob o ponto de vista do interesse geral.

Passada a batalha, não restaria ressentimento. Os contendores retirariam as expressões que acaso pudessem haver melindrado. Nenhum dos opositores deixou, aliás, de prestar homenagem ao que vinha a empresa realizando. Assim, naquele ano, o maior deles:

O SR. MORAES BARROS – Ao proferir pela primeira vez o nome desta empresa, sinto a obrigação de reconhecer e confessar com toda a boa vontade os importantíssimos serviços que prestou e está prestando ao Estado de São Paulo. Isto não há ninguém que possa negar. Construído se acha o primeiro trecho de um magnífico cais, a este acostam-se os navios do mais alto calado, e de bordo descarregam sobre os vagões da Estrada de Ferro Ingleza ou recebem carga dos vagões diretamente para o porão. Em nenhum porto da República, nem no desta cidade existe igual facilidade de carga e descarga dos navios.

O SR. QUINTINO BOCAYUVA – Apoiado; o que é uma vergonha para a Capital Federal.

O SR. MORAES BARROS – Esta vantagem enorme só a tem o Estado de São Paulo, com o seu porto quase único, e deve-se à Empresa das Docas de Santos. Senhores, isto é justiça que ninguém lhe pode negar.

Há outro serviço muito importante que também resulta da mesma obra; é que a parte da cidade fronteira ao cais está saneada e aquela zona da praia que era ocupada pela maré quando subia, e que, quando esta baixava, ficava exposta aos rigores do sol, exalando miasmas, infecciosos, desapareceu. Hoje é o cais limpo e seco, por um lado, e o mar profundo, por outro; o foco de infecção desapareceu.

Portanto, o saneamento do porto de Santos está também começado; e estando começado o saneamento de Santos, está também começado o saneamento de todo o Estado de São Paulo, porque é deste porto que as epidemias são importadas para o interior onde têm causado tantos estragos.

Na sessão de 5 de dezembro de 1896, às portas da votação final, consignou ainda a ata o diálogo abaixo. Não perdia o parlamento brasileiro as tradições em que sempre vivera:

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Julgo ter cumprido meu dever e peço desculpa a s. ex. se vir qualquer palavra mais viva que nos escapou no correr da discussão e que possa ter melindrado o espírito de s. ex.; desde já fica retirada qualquer palavra que possa tê-lo ofendido.

O SR. MORAES BARROS – Antes de sentar-me devo dizer que no vivo debate que entre nós se travou, mas que felizmente só teve vivacidade no primeiro dia em que s. ex. encetou a discussão, era bem possível ter-me escapado qualquer palavra que magoasse s. ex., que melindrasse sua suscetibilidade.

Sou naturalmente brusco e muitas vezes as palavras saem-me bruscamente, sem intenção alguma ofensiva, e na vivacidade do debate era possível que algumas dessas palavras me escapassem. Eu também as dou como retiradas, e peço desculpa a s. ex. e à Casa de qualquer excesso que nesse sentido cometesse. Na continuação do debate, creio que não houve de minha parte, nem da parte de s. ex., excesso de qualidade alguma.

Na lei número 429, de 10 de dezembro de 1896, que fixou a receita para 1897, leu-se (artigo 6º, número 11):

§ 10. Ficam prorrogados: … Por mais cinco anos, a contar de 7 de novembro de 1895, os prazos fixados na cláusula V do decreto número 966t, de 7 de novembro de 1890, que autorizou a Companhia Docas de Santos a prolongar o cais, de que é cessionária, no porto de Santos, até Paquetá, e na cláusula V do decreto número 942 de 15 de julho de 1892, que autorizou o prolongamento do mesmo cais de Paquetá a Outeirinhos.

§ 11. O Governo autorizará a Companhia Docas de Santos a dragar e desobstruir o canal e porto de Santos, fixando o prazo para retirada de todos os navios afundados ou abandonados, bem como o mínimo da dragagem a executar anualmente, que será de 1.000.000 a 1.500.000 metros cúbicos até que o canal e porto atinjam a profundidade normal de 8 metros, profundidade esta que será conservada durante o prazo do seu contrato, tudo conforme a proposta já apresentada pela mesma Companhia e modificações que tenham sido propostas pela Secretaria da Indústria, Viação e Obras Públicas.

O decreto relativo à dragagem, sob o número 2.411, assinou-se alguns dias depois (23 de dezembro). Haveria um mínimo de dragagem – um milhão de metros cúbicos por ano, com escavações constantes que garantissem, pelo menos 8 metros de profundidade. Como remuneração, foi elevada a taxa de 1 ½ reis, estabelecida no decreto número 1.072, de 5 de outubro de 1892, para 2 ½ reis, por quilograma de mercadoria carregada ou descarregada no cais.

Do relatório da diretoria da empresa (1896) constam estas palavras, que mal escondiam o ocorrido:

Com os atos ultimamente votados n Congresso, e os expedidos pelo Governo Federal, cessaram as dúvidas levantadas contra os direitos desta Companhia, e, aprovando as plantas e orçamentos dos seus prolongamentos e obras, mostraram os altos poderes do Estado o empenho que têm de ver progredir as nossas obras, das quais já há o país colhido benéficos resultados, que serão enormes se, em outros portos da República, forem executadas obras semelhantes.

De tais obras depende a solução da mais grave questão administrativa do nosso país – a regular arrecadação das rendas aduaneiras – pois que, só com elas, se pode exercer a preciosa fiscalização.

O futuro desta Companhia vai servir de exemplo: se for animador, outros aparecerão, que se encarreguem de melhorar, pelo menos, os portos dos nossos grandes empórios comerciais, como os da Capital Federal, Bahia, Recife, Belém e Rio Grande, com o maior proveito para a Federação e os Estados e enormes vantagens para o comércio, indústria e lavoura.

Consignou, por sua vez, o Relatório do Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, do referido ano de 1896:

As obras oferecem presteza, comodidade e segurança para o carregamento e descarga dos navios, arrecadação, acondicionamento e entrega das mercadorias, produzindo aumento de renda pública, que passou de 11.000 contos em 1891 a perto de 40.000 em 1895, reduzindo de muito o custo dos fretes dos navios, as despesas feitas com cada tonelada de mercadoria de importação ou exportação, quando comparadas com os mesmos elementos daquele porto em outros tempos ou com os custos atuais no porto do Rio de Janeiro.

No ano de 1895 foram continuadas as obras que, embora não se tenham traduzido em grande aumento de extensão linear do cais, foram, entretanto, energicamente ativadas. Tive ocasião de examinar pessoalmente as obras e verificar a sua importância em setembro último. O estado atual dos trabalhos já permite efetuar-se o comércio importador e exportador de Santos em condições de facilidade superiores às de todos os outros portos da República.

Imagem: reprodução parcial da página 109


[46] A 8 de junho de 1896 pediu o deputado José Carlos de Carvalho a supressão, num projeto que justificou com várias razões, entre as quais a de que o porto de Santos, servido como estava pelas Docas, tinha as condições de exata fiscalização e guarda, constituindo-se no futuro "o mais seguro e bem servido porto do Brasil", condições que "algumas faltavam à cidade de São Paulo e não poderia adquirir ainda o risco de maior dispêndio de capital".

[47] Decreto número 2.960 – de 28 de julho de 1898. – Revoga o decreto número 2.291, de 28 de maio de 1896. – O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo a que, com a supressão da Alfândega de São Paulo, cessaram as razões que motivaram a expedição do decreto número 2.291, de 28 de maio de 1896, resolve revogar o mesmo decreto. – Capital Federal, 26 de julho de 1898, 10º da República. – Prudente J. de Moraes Barros. – Bernardino de Campos.

[48] Ficam prorrogados:

Por dois anos, o prazo para a final terminação das obras de construção da estrada de Ferro do Ceará-Mirim, no Estado do Rio Grande do Norte;

Por um ano, o prazo para a Companhia Industrial de Construções Hidráulicas iniciar as obras de melhoramentos do porto de Jaraguá, no Estado das Alagoas;

Por dois anos, o prazo concedido à Companhia Industrial de Construções Hidráulicas para iniciar as obras de melhoramentos da barra e porto da Laguna, em Santa Catarina;

Por dois anos, o prazo estipulado para serem iniciados os trabalhos de construção da Estrada de Ferro de Caxias ao Araguaia, no Estado do Maranhão;

Por três anos, o prazo concedido à Companhia Férrea Mogiana para conclusão dos seus trabalhos entre Araguari e Catalão;

Por mais dois anos o prazo concedido à Companhia Estrada de Ferro Central da Bahia para o início da construção do prolongamento da linha principal de Olhos de Água até o Rio das Contas e do ramal de Sítio Novo ao Mundo Novo. – Lei número 429, de 10 de dezembro de 1896. – Fixa a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1897 e dá outras providências.

[49] O Diario de Santos não deixou em silêncio esse ponto: "O próprio governo do sr. Prudente de Moraes, escreveu a 27 de maio, tem concedido prorrogações de prazo para conclusão de obras entregues a outras empresas. Citaremos, para exemplo, o decreto número 2.105, de 23 de setembro de 1895, que prorrogou por três anos o prazo para a terminação das obras de saneamento da Lagoa Rodrigo de Freitas, e o decreto número 2.218, de 16 de janeiro deste ano corrente, que prorrogou por dois anos o prazo concedido à "Ceará Harbour Corporation", para a conclusão das obras do porto de Fortaleza.

[50] "A Comissão entende que deve ser mantida a disposição do projeto como foi aprovado, por julgar que o Congresso, como tem feito e repete neste orçamento para outras empresas, pode prorrogar prazos, uma vez convencido da utilidade. Quanto à segunda parte, em que se deixa ao Governo autorizar a Companhia Docas de Santos a fazer o serviço de que trata, mediante cláusulas e condições que entender convenientes ao interesse público, pensa a Comissão que já está providenciado com a dita emenda da Comissão, que foi aprovada, mandando adotar a modificação proposta pela Secretaria da Indústria, que a não fez senão no interesse público". Diario Official, 29 de outubro de 1896.

[51] "O sr. presidente declara que vai ses proceder à chamada para a votação nominal da emenda, devendo responder – sim – os srs. Senadores que a aprovarem e – não – os que a rejeitarem.

"Procede-se à chamada e respondem – sim – os srs. Francisco Machado, Antonio Baena, Justo Chermont, Manoel Barata, João Pedro, Pires Ferreira, Abdon Milanez, Rosa e Silva, Rego Mello, Domingos Vicente, Thomas Delfino, Paula e Souza, Moraes Barros, Frota e Pinheiro Machado (15), e – não – os srs. Joaquim Sarmento, Costa Azevedo, Cruz, J. Catunda, João Cordeiro, Almino Affonso, José Bernardo, Almeida Barreto, João Neiva,Joaquim Pernambuco, João Barbalho, Leite e Oiticica, Messias de Gusmão, Rosa Junior, Severino Vieira, Virgilio Damazio, Gil Goulart, Quintino Bocayuva, Lapér, Lopes Trovão, E. Wandenkolk, Joaquim de Souza, Aquilino do Amaral, Gustavo Richard, Estevão Junior e Ramiro Barcellos (26).

O sr. presidente declara que a emenda foi rejeitada por 26 votos contra 15. É rejeitada a seguinte emenda:

"Ao § 11. Acrescente-se, intercalando no lugar conveniente, o seguinte: - ou a quem maiores vantagens oferecer. – Moraes Barros. – Paula Souza". Senado, 25 de novembro de 1896.