SEGUNDA PARTE (1896-1905)Capítulo XI
A segunda campanha
O
decreto n. 149-A, de 20 de julho de 1893, havia criado uma Alfândega em São Paulo, capital do Estado do mesmo nome, e outra em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Era de seu teor que o provimento dos respectivos empregos não fosse feito antes que o governo dos dois Estados oferecesse ao Federal um edifício com a capacidade, a mobília, os maquinismos e utensílios necessários à instalação do serviço
aduaneiro, nem antes que se incluísse no orçamento da União a despesa do pessoal.
Na sua singeleza, esse decreto, que tinha a assinatura de Floriano Peixoto e de seu ministro da Fazenda, Felisbello Freire, ia dar origem, dois anos depois, a uma das primeiras batalhas parlamentares da República. Para
assegurar-lhe a passagem, com a adesão da bancada mineira, criou-se também a Alfândega de Juiz de Fora [01]. E, apesar disso, as duas ficariam letra morta.
Foi da sessão de 8 de janeiro de 1892, na Câmara dos Deputados, este diálogo:
O SR. JOSÉ CARLOS – No entanto, sr. Presidente, esta Alfândega está condenada…
O SR. JOÃO PENIDO – Por v. ex. só.
O SR. JOSÉ CARLOS - … e condenada pelo próprio delegado do Governo Federal. É o mesmo sr. Luiz R. Cavalcanti de Albuquerque, que sustenta a Alfândega de São Paulo, quem condena a e Juiz de Fora.
O SR. JOÃO PENIDO – Ele não é Papa.
O SR. JOSÉ CARLOS – Papa ou não, o certo é que a Alfândega de Juiz de Fora encalhou e não vai adiante e não irá porque diz o sr. dr. Luiz Rodolpho à página 14 do seu relatório: "Ficou provado que o serviço aduaneiro de Juiz de Fora não pode
atualmente contar com os imprescindíveis recursos de que carece para o seu completo desempenho no litoral do Rio de Janeiro, no que afeta às descargas, estadias marítimas e depósitos terrestres das mercadorias diretamente importadas com aquele
destino, como ainda ao seu transporte para o interior sob a presteza e segurança em tais exigidas, consoantes os intuitos da citada lei (lei n. 194-A, de 20 de julho de 1896)".
Aparelhados em São Paulo o edifício e os maquinismos, pelo Governo do Estado, no valor aproximado de 600 contos de reis, foi a inauguração realizada a 15 de novembro de 1895. A 3 de agosto de 1893 expusera o diretor das Rendas Públicas do Tesouro
Nacional, Luiz R. Cavalcanti de Albuquerque, ao ministro da Fazenda, o resultado de seus estudos preliminares para o funcionamento dessa Alfândega, donde os avisos de 12 e 20 de agosto seguintes, encarregando o referido funcionário da execução.
Dizia-se a Alfândega uma velha aspiração da Capital, festejando-se entre aplausos sua inauguração. Como motivos maiores da criação, citavam-se
a necessidade de libertar-se o comércio da dominação de Santos e a necessidade de ficar ele fora, nos despachos aduaneiros, do ambiente ultimamente denunciado com escândalo público. Havia outros [02]. A deturpação dos direitos, obrigações e fins da empresa do cais, na campanha de 1894, não era das menos importantes. Em seu relatório de 1892, escreveu a Junta Comercial da capital do Estado:
Uma das necessidades palpitantes do comércio de São Paulo é a criação de uma Alfândega nesta capital, já pela falta de
armazéns e dificuldades de despachos em Santos, já porque desenvolve o movimento comercial, pela facilidade de transações, já também porque aquele porto é sempre invadido pela febre amarela, que afugenta e dizima o pessoal encarregado dos
despachos e conferências e dos transportes de mercadorias [03].
Por sua vez, o deputado Almeida Nogueira orou, depois de argumentar longamente com o exemplo de Porto Alegre e Paraíba (Câmara, 28 de maio de 1892):
O comércio importador, o comércio internacional transportou-se de Santos para a capital do Estado. É ali que se faz, que se realiza hoje
esse comércio e de tal modo que todo o comércio que existe em Santos, todas as casas importantes de Santos têm necessidade de manter na Capital uma casa filial. Muitas, mesmo, transportaram a sua sede para a Capital, deixando em Santos uma casa
filial. O porto de Santos não constitui no Estado de São Paulo senão um entreposto comercial. As mercadorias transitam por ali e procuram a Capital. É para a Capital que afluem os negociantes do interior para se proverem e se abastecerem.
A reação da praça litorânea, inevitável diante da mutilação que a reforma importava para a sua vida comercial, se exasperaria diante de tais alegações. Aí, a
explicação da luta na qual, sendo presidente da República um paulista, paulista o ministro da Fazenda, e tendo por amparo a representação do Estado na Câmara e no Senado, a Alfândega perderia, afinal, a partida.
Órgão da reação, a Companhia das Docas estribaria suas razões na letra de contratos; mas, em essência, o que havia era a defesa contra a ameaça
de redução do porto a simples entreposto comercial da Capital, e a mutilação, senão anulação de uma empresa, cuja razão de ser, já materializada em obras e capitais consideráveis, só subsistiria se Santos fosse o empório que se esperava e depois
foi [04].
Escreveu o Jornal do Commercio (4 de maio de 1896):
O que é preciso declarar, como uma das causas originárias da pretensão aduaneira da capital do Estado vizinho, é que
ali se nota uma rivalidade, que ninguém oculta, contra a cidade de Santos. Pelas condições especiais de seu porto e do sistema de viação paulista, esta tornou-se um empório comercial de primeira ordem, que toda boa política deve se esforçar por
desenvolver.
Ao contrário disso, devemos dizê-lo com franqueza, fala-se de Santos como de um porto a sacrificar e sugere-se sempre a ideia de abrir
outros portos, de libertar o Estado da concentração santista. Esse sentimento que a cada momento se revela, procura justificar-se pelas más condições sanitárias da cidade marítima. O que é verdade, porém, é que as obras do cais têm concorrido
muito para saneá-la e que o dever do Estado deve ser antes completar o trabalho iniciado [05].
Para o serviço da nova Alfândega, havia o referido diretor das Rendas organizado um regulamento (5 de outubro de 1895) que se publicou no Diario Official
de 12 do mesmo mês e a 5 de novembro seguinte foi aprovado por decreto do Poder Executivo. Para o serviço de descarga das mercadorias e seu encaminhamento à Alfândega de São Paulo, a 10 de dezembro seguinte, havia baixado outras instruções,
modificando em parte o referido regulamento, e que tiveram execução a 2 de janeiro de 1896. Foi nestas instruções que baseou a Companhia a resistência, por julgá-las ofensivas a seus direitos.
Com efeito, a 4 de janeiro de 1896, negou-se ela a dar execução a uma das primeiras requisições, entre as várias de mercadorias destinadas a São Paulo. Segundo o superintendente do cais, não poderia este autorizar a saída dos volumes sem que
fossem primeiramente pagas a armazenagem e as capatazias.
Ordenou, em consequência, o diretor das Rendas à Alfândega de Santos que verificasse a situação desse empregado, argumentando, ao mesmo tempo,
que o regulamento da empresa, por isso que era um simples regulamento e não contrato, não estava acima do Governo, para providências aduaneiras, que este julgasse tomar [06]. O
tom era já de beligerância. Ele ia se agravar diante da Companhia, para chegar até à crítica da concessão e de seus decretos:
Foram do diretor das Rendas estas palavras, entre outras:
A Alfândega de São Paulo não vinha oferecer ensejo à expedição de mais uma série de decretos, tão facilmente promulgadas, como os que
decorreram de 1889 a 1893, destinados ao serviço do porto de Santos, e menos ainda criar maiores proventos a quem quer que fosse contra o comércio importador do Estado e violação dos preceitos fundamentais da lei de 13 de outubro de 1869 e
contratos celebrados.
Ou, ainda:
Conhecendo cada um dos contratos da Empresa de Melhoramentos do Porto de Santos, derivados da lei de 13 de outubro de
1869, e as profundas e extravagantes alterações por que haviam passado, sob o influxo de uma larga cópia de decretos, cada qual expedido em favor da |Companhia Docas de Santos… [07].
Foi resposta da Companhia (18 de janeiro de 1896) que não desistira, no seu regulamento, do direito de nomear e conservar os empregados enquanto bem servissem;
e quanto à essência da questão, que, acordo contratual, esse regulamento, aprovado pelo decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893 e desde então vigente, não podia alterar-se unilateralmente; sendo-lhe, além disso, impossível dar saída às
mercadorias, sem que estivessem quites com a armazenagem e capatazias:
As dúvidas suscitadas pela diretoria geral das Rendas Públicas procedem da inexata compreensão da lei n. 1.746, de 13 de outubro de
1869.
Assim é que a Diretoria Geral das Rendas Públicas entende que o decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893, não é contratual quando o § 8º da lei de 1869 expressamente dispõe em cada contrato etc.
Nem era possível congregar capitais tão consideráveis, como os indispensáveis para as construções das Docas de Santos, com reversão gratuita para o Estado, se ficasse a empresa sujeita às alterações e modificações de regulamentos pela só vontade
de uma das partes contratantes.
A mesma lei de 1869, § 7º, no caso do Governo encarregar o serviço de capatazias e armazéns das alfândegas, às companhias de docas
determinou: "Expedirá regulamentos e instruções para estabelecer as relações da Companhia com os empregados encarregados da percepção dos direitos da Alfândega".
Se as Docas, quando encarregadas do serviço de armazenagem e capatazias, se devessem reputar armazéns alfandegados, escusada se tornaria
a 2ª parte do § 7º da lei de 1869 citada.
E, depois de outras considerações:
Quanto à saída de mercadorias dos armazéns da Companhia para a Alfândega de São Paulo, sem estarem quites de armazenagem e capatazias,
tampouco podia o superintendente nela consentir, por quanto compete à Companhia das Docas, como depositária, o direito de hipoteca tácita e de retenção, reconhecido pela legislação geral (arts. 96 e 97 do Código Comercial, artigo 17 do decreto n.
1.024, de 14 de novembro de 1890) e especialmente pelo regulamento contratual de 17 de fevereiro de 1893, artigos 13 e 15, além de outras disposições, inclusive a do artigo 19, § 1º, do regulamento da Alfândega de São Paulo.
Deste direito real e retenção das mercadorias em seus armazéns, em garantia da armazenagem e capatazias, a Companhia Docas de Santos não
pode desistir porque, além de outras razões, sobre ele assenta certeza e pontual arrecadação de sua renda e o crédito dos debêntures que emitiu.
A Companhia não tem motivos para recear que sejam desrespeitados os seus direitos e tampouco que o Governo Federal falte a seus contratos e que por modo tão arbitrário, como lembra a diretoria geral das rendas públicas, se viole o espírito e a
letra da sábia lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, anulando seus benéficos efeitos de que o Brasil começa a gozar e largamente são colhidos pelos povos cultos.
Se, porém, fora de suas previsões, a exigência da Diretoria Geral das Rendas Públicas não for revogada, a Companhia empregará todos os meios legais em defesa de seus direitos.
Era definitiva a decisão de defesa, dentro dos recursos legais. A 29 de janeiro de 1896, o ministro da Fazenda aprovou a atitude de seu preposto. Quando o
regulamento preceituava que não desse a Alfândega de São Paulo livre trânsito às mercadorias sem que estivessem quites com a Companhia – este o argumento principal da decisão -, queria referir-se aos artigos desembaraçados para consumo e não aos
que se destinassem àquela Alfândega para ali se despacharem. Não se pretendia dar saída, o caso era de transferência sob a garantia do fisco. Escreveu Rodrigues Alves ao diretor das Rendas:
Não se trata, no caso controvertido, de dar livre trânsito a mercadorias depositadas nos armazéns da Alfândega de Santos, mas sim de
transferi-las para os de São Paulo, sob a garantia do fisco e entrega por guardas daquela Alfândega, nos termos do já citado regulamento de 5 de novembro de 1894.
A entrega da armazenagem devida à Companhia das Docas em vista da conferência em São Paulo está suficientemente garantida nas instruções que expedistes em 10 de dezembro de 1895, em vista da autorização minha em ofício de 28 de outubro do mesmo
ano, pois declaram os artigos 12 e 13 dessas instruções que – a importância das taxas a que estiverem sujeitos os volumes despachados em São Paulo, será ali escriturada em depósito, à custa da empresa e entregue semanal ou quinzenalmente, por
intermédio da Alfândega de Santos, à vista das demonstrações e boletins que lhe serão enviados.
E porque decisão em contrário nulificaria os intentos do Congresso quando resolveu a criação de uma Alfândega em São Paulo, pois paralisado o respectivo expediente, ver-se-ão os comerciantes daquela Capital obrigados a despachar suas mercadorias
em Santos, dou por aprovadas as vossas decisões a tal respeito, do que fareis comunicação à Alfândega de Santos e à Companhia das Docas para os devidos efeitos.
Se assim se mandava, melhor se cumpria. Era preciso, no depoimento do mesmo diretor das rendas, que as Docas deixassem de regalias de Estado no Estado, que
delas se libertasse São Paulo, que se lhe pusesse freio aos abusos e ambições. Até os balanços da empresa lhe sugeriam comentários menosprezativos. Sob a pena do funcionário via-se bem o efeito da campanha Adolpho Pinto. Estas foram suas palavras
ao resumir a questão para o ministro da Fazenda (8 de janeiro de 1896):
Esta atitude da Companhia Docas de Santos, criando a mais difícil e melindrosa situação no regime da administração pública aduaneira do
Brasil, simplesmente porque se julga aparelhada de todos os recursos materiais, aliás importantíssimos e exclusivos no porto de Santos, para desempenhar um dos mais consideráveis serviços do comércio de importação e exportação, a que se prendem
interesses internacionais no país, tais como o da navegação de longo curso, os de seguros etc., etc., que afeta a estadia das embarcações; abusando, por isso mesmo, da boa fé das concessões que lhe foram feitas e dos contratos que assinou,
modificados de mês para mês, se pode assim dizer, sem a previsão de quanto agora ocorre; repito, esta atitude vem colocar o Governo na obrigação de meditar profundamente sobre a necessidade de salvar o Estado de São Paulo da contingência em que
se acha e de libertá-lo da Companhia Docas de Santos, que pretende fazer depender de si todos os interesses do grande Estado, tais os que se relacionam com o seu importantíssimo comércio, de onde deriva a receita pública federal e estadual.
Hoje é a cobrança de capatazias e armazenagens que serve de pretexto à situação criada no momento em que essa Companhia pretende a prorrogação de seus contratos para a execução das obras do porto de Santos, na região de Paquetá a Outeirinhos; e
amanhã se socorrerá de quaisquer outros pretextos para uma nova crise como esta, na esperança de que o Governo se entibie e se submeta a entregar-lhe de uma vez, não o porto de Santos, que já é quase sua propriedade, mas o Estado inteiro de São
Paulo.
Executando as ordens do Governo Federal [08], não lembrou o diretor das
Rendas Públicas, como pena, menos que o fechamento das Docas, pois se assimilavam aos trapiches e armazéns alfandegados. Intransigente foi a resposta, uma semana depois. Não poderia a empresa ceder nesse ponto fundamental:
As decisões, para cuja execução v. s. exorta esta Companhia por conveniência de seus próprios interesses, violam abertamente as
condições 15, 16 e 17 estipuladas no contrato de 17 de fevereiro de 1893, suprimindo o direito de retenção da mercadoria depositada nos estabelecimentos da Companhia, até que esteja quite, e estabelecendo instruções sobre o modo de contar o prazo
de 48 horas de estadia livre, distinções que não existem no contrato.
A supressão do direito de retenção da mercadoria afeta radicalmente o contrato e abala o fundamento em que assenta o crédito da Companhia. Deste direito não pode renunciar, e respeitado, como deverá ser, a Companhia não só aceitará qualquer
alvitre razoável como até se antecipou em lembrar dois modos de solução ao exmo. Sr. ministro da Fazenda, porque sobretudo a Companhia quer desvanecer intenções, que a malevolência lhe atribui, de embaraçar o funcionamento regular da nova
Alfândega de São Paulo.
A Companhia Docas de Santos não reputa as garantias dos artigos 12 e 13 das instruções de 10 de dezembro de 1895, equivalentes às que tem pelo contrato de 17 de fevereiro de 1893, e, em nenhum caso, o Governo da União, como parte contratante, tem
competência para alterar o contrato substituindo garantias sem acordo da outra parte.
Sobreleva ainda notar que a Companhia Docas de Santos não é, como quer fazer crer o diretor das Rendas Públicas, concessionária de depósito, armazém ou trapiche alfandegado; foi encarregada pelo Governo, em virtude do § 7º da lei de 13 de outubro
de 1869, do serviço de capatazias e armazenagem da Alfândega de Santos, estipulando-se as condições no contrato de 17 de fevereiro de 1893.
Não podendo o contrato ser alterado senão por mútuo acordo das partes contratantes, as decisões tomadas pelo diretor das Rendas Públicas e aprovadas pelos avisos supracitados do Ministério da Fazenda excedem de sua competência, e, como tais, são
atos de abuso de poder.
Ao poder judiciário compete decidir o conflito entre a União, como parte contratante, e a Empresa das Docas (letra B do artigo 60 da Constituição de 24 de fevereiro de 1891 – letra A, artigo 15 do decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890). A
espécie de que se trata não é de polícia interna, mas de violação de contrato em que o Governo é parte contratante.
O artigo n. 244 da Nova Consolidação das Leis das Alfândegas é absolutamente inaplicável e só por injúria a esta Companhia podia ter
sido citado. Por este meio violento e arbitrário, sem dúvida, não se convencerá a Companhia Docas de Santos de renunciar aos seus direitos.
Santos primitivo: Rua Xavier da Silveira em 1893
Foto: reprodução da página 73-a
[01] Já senador, Coelho Rodrigues, a quem a interpelação de 1888 não fizera
perder de vista o cais de Santos, diria à Gazeta de Noticias (25 de março de 1896): "Nas mesmas condições, com pequena diferença, foi simultaneamente crida a Alfândega de Juiz de Fora, não tanto porque esta fosse um bonde comum ligado a um
elétrico, segundo a expressão mais espirituosa do que justa do sr. senador João Cordeiro, quanto porque sem ela o projeto substitutivo não seria aprovado pela outra Câmara do Congresso".
[02] Dirá o relatório da Associação Comercial de São Paulo, de 1896: "As
despesas ocasionadas pelos despachos das mercadorias em Santos são grandes demais para deixarem de ter uma interferência também grande nos respectivos preços. Há casas que pagam ordenados até 40 contos de reis anuais, aos seus despachantes; e
outras sujeitam-se a pagar uma porcentagem sobre o valor oficial das mercadorias despachadas, as quais são assim agravadas por um novo imposto especial, que afeta unicamente os consumidores paulistas".
E, depois de aludir a outros fatores de menor relevância, como a necessidade de fiscalizar os despachos, escreveu a Associação: "Foram essas razões que, depois de uma série de tentativas infrutíferas, entre as quais citaremos as que foram
realizadas pelo ilustre paulista sr. Elias Antonio Pacheco Chaves e pelo negociante sr. Victor Nothmann, para a criação de armazéns alfandegados que obviassem, pelo menos em parte, as dificuldades do comércio no despacho das mercadorias
importadas diretamente dos mercados estrangeiros, que levaram a Junta Comercial desta cidade, corporação cuja respeitabilidade ninguém ousa pôr em dúvida, a representar aos poderes públicos, pedindo a criação de uma Alfândega em São Paulo 'como
uma das necessidades palpitantes do comércio', pelas razões que então expôs.
"Começou então a propagar-se a ideia, a qual, lançada ao
estudo dos entendidos, pelo ilustre deputado sr. dr. José Luiz de Almeida Nogueira, então redator do Correio Paulistano, que publicou as respectivas respostas e, abraçada por um ilustre paulista, o sr. dr. Alfredo Ellis, que apresentou o
projeto na Câmara, foi, afinal, corporizada na lei n. 149-A, de 20 de julho de 1893".
[03] Exposição de factos lida na Associação Commercial de São Paulo, a 20 de Janeiro de 1896, pelo 1º secretário, conselheiro José Duarte Rodrigues. Ver
também A Alfândega de São Paulo e a Companhia Docas de Santos. Relatório apresentado pelo diretor das Rendas Públicas do Tesouro Nacional, Luiz Rodolpho Cavalcanti de Albuquerque, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1896, anexo 18.
[04] A Etoile du Sud, órgão dos interesses franceses, ia explicar tudo como resultante de bairrismo: "Os representantes de São Paulo, no Congresso,
obtiveram, há dois ou três anos, a criação de uma Alfândega na cidade desse nome, à qual Santos serviria de porto, e, por consequência, completamente inútil no ponto de vista geral. Ora, a Companhia Docas de Santos em virtude mesmo de seus
serviços, é um argumento vivo contra a inutilidade dessa Alfândega". 5 de fevereiro de 1896.
[05] O Diario de Santos, por seu lado, havia escrito: "Sufocar a autonomia da praça de Santos, aumentar os vexames por que passa o nosso comércio, pode
não estar nos planos dos reformadores improvisados e irrefletidos mas é campanha que não será vencida sem protesto nosso e daqueles que já começaram a experimentar os absurdos de um regulamento que estabelece a obrigatoriedade de não poderem as
mercadorias já despachadas na Alfândega daqui, onde pagaram os respectivos direitos, seguir para o interior, sem novo despacho na da capital".
[06] "A empresa das Docas tem aí a seu cargo serviços distintos, o de armazéns alfandegados e descargas aduaneiras e os de construções e obras de melhoramentos
do porto de Santos. É preciso, pois, que se apure o valor jurídico da responsabilidade dessa superintendência da empresa como mero empregado da diretoria, ou como seu procurador devidamente constituído, visto como a administração fiscal não pode
continuar à mercê dessas hesitações apresentadas pelos empregados das Docas e menos ainda expor o serviço público e interesses do comércio a contingências de consultas e resoluções no Rio de Janeiro para onde até se remete o rendimento diário das
taxas de capatazias e armazenagens como vos foi declarado e informastes.
"Ainda com referência a este incidente constante do vosso aludido ofício e documentos que o acompanham, é mister que a diretoria da empresa Docas de Santos atenda a que, tratando-se da transferência de mercadorias dos armazéns alfandegados de
Santos para armazéns da Alfândega de São Paulo por esta custeados e sob sua responsabilidade administrados, não lhe é lícito opor-se à remessa das mercadorias sob o pretexto da falta de pagamento de armazenagens a que se refere o artigo 17 do
regulamento de 17 de fevereiro de 1893, visto como o decreto n. 1.866, de 5 de novembro de 1894, e seu regulamento, bem como as instruções de 10 de dezembro do ano passado, sobremodo garantem a arrecadação das taxas devidas e a fiscalização desse
serviço não pode ser posta em dúvida pela empresa ocas de Santos, que tantos favores e concessões tem recebido do Governo". Ofício ao inspetor da Alfândega de Santos, 8 de janeiro de 1895.
[07] Relatorio ao Ministro da Fazenda, cit., págs. 14 e 16.
[08] "A infração ou desobediência das ordens do Governo no regime dos serviços cometidos aos trapiches ou armazéns alfandegados e entrepostos, como são os da
Companhia Docas de Santos, por força daquelas disposições gerais e contratuais, sujeita à penalidade estatuída no artigo 244 da Consolidação, o que convém à Companhia evitar em bem da fiel execução dos deveres que a legislação impõe e do bom
andamento do serviço público confiado à sua atividade industrial a troco dos vantajosos favores de que goza; portanto, não é lícito admitir-se que tão claros preceitos consignados na lei, contratos e regulamentos citados, nenhuma execução tenham
por parte da Companhia Docas de Santos e ali fiquem para coonestar os proventos que derivam dos favores em larga cópia concedidos a essa empresa e envolvem interesses da mais alta valia que ao Governo cabe defender.
"Desatendidas as conveniências do serviço público, os mais
respeitáveis interesses do fisco e do comércio a que se prendem muitos outros, é claro que nada justificaria a resistência oposta a tão claras disposições legais com menoscabo da boa fé e vantagens porventura oferecidas pela empresa à obtenção de
tais favores". Ofício ao inspetor da Alfândega de Santos, 31 de janeiro de 1896.
[09] Número de nota inexistente no texto original.