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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Chronica Geral do Brazil
Uma crônica de 1886 - 1800-1883 (14)

Clique aqui para ir ao índice do segundo volumeEm dois tomos (1500-1700, com 581 páginas, e 1700-1800, com 542 páginas), a Chronica Geral do Brazil foi escrita por Alexandre José de Mello Moraes, sendo sistematizada e recebendo introdução por Mello Moraes Filho. Foi publicada em 1886 pelo livreiro-editor B. L. Garnier (Rua do Ouvidor, 71), no Rio de Janeiro. É apresentada como um almanaque, dividido em séculos e verbetes numerados, com fatos diversos ordenados cronologicamente, tendo ao início de cada ano o Cômputo Eclesiástico ou Calendário Católico.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, foi cedido  a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 149 a 167 do Tomo II:

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Chronica Geral do Brazil

Alexandre José de Mello Moraes

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Imagem: reprodução parcial da página 149/tomo II da obra

 

1800-1883

[...]

CLI – Morre no dia 12 de novembro de 1813, no Rio de Janeiro, o marquês de Vagos, Nuno da Silva Tello de Menezes, tenente-general, governador das armas da Corte e província do Rio de Janeiro, saindo o enterro da sua residência, na Rua dos Barbonos, sobrado onde hoje é a Casa dos Expostos. O marquês de Vagos nasceu a 25 de outubro de 1746.

CLII – O príncipe regente, desejando saber a riqueza mineral de ferro que possuía a capitania de Minas Gerais, em 1813 encarregou ao engenheiro barão d'Echwege de as ir explorar, do que efetivamente deu luminosa informação.

CLIII – Cômputo eclesiástico. Áureo número, 10; ciclo solar, 3; epacta, 9; letra dominical, B.

CLIV – Martirológio. Dia 1º de janeiro, sábado; Páscoa a 10 de abril; indicação romana, 2; período Juliano, 6.527.

CLV – Na terça-feira, 3 de janeiro de 1814, pela meia noite falece na Bahia o arcebispo e foi sepultado no Convento de S. Bento, por ser de sua ordem.

CLVI – O famoso poeta lírico e eloquente orador sagrado, Antonio Pereira de Souza Caldas, era natural do Rio de Janeiro e nasceu na Rua dos Pescadores, hoje Visconde de Inhaúma, no dia 24 de novembro de 1814, e faleceu no dia 3 de março de 1862, na Rua do Sabão, no sobrado que faz esquina, do lado direito, com a Rua do Nuncio.

CLVII – No dia 24 de julho de 1814, falece no Rio de Janeiro o brigadeiro Gustavo José da Fonseca, filho legítimo de Manoel José da Fonseca. Assentou praça de voluntário no regimento de artilharia da guarnição de Extremós em 9 de janeiro de 1771, e foi elevado a brigadeiro em 8 de março de 1808. Era casado com d. Ignacia Umbelina de Mello, irmã do tenente-coronel de brigada da Marinha, Francisco Joaquim Lobão.

CLVIII – Na segunda-feira, 19 de novembro de 1814, chega à Bahia o arcebispo d frei Francisco. Faleceu na sexta-feira, 23 de novembro, pelas sete horas da noite, e foi sepultado na igreja da Sé.

CLIX – O dr. Manoel Ignacio da Silva Alvarenga, nascido em S. João d'El-Rei, em Minas Gerais, em 1735, coronel de milícias dos pardos do Rio das Mortes, faleceu no dia 1º de novembro de 1814.

CLX – O conde e depois marquês de Palma, d. Francisco de Assis Mascarenhas, nomeado governador e capitão general da capitania de S. Paulo, tomou posse da administração no dia 8 de dezembro de 1814, e governou a capitania durante quatro anos, quatro meses e dezessete dias.

CLXI – No dia 17 de dezembro de 1814, lança-se a primeira pedra para a edificação da praça do comércio da Bahia.

CLXII – Consolidando-se a paz da Europa neste ano de 1814, parecia que o príncipe regente, com a sua Corte, regressaria a Lisboa, para restituir-lhe a sede da antiga monarquia, já esperado, desde 1808, em que as armas lusitanas haviam derrotado os invasores da península portuguesa; mas, com pasmo de todos, deu a Portugal delegados do seu poder, e conservou no Rio de Janeiro, no Brasil, a capital do reino.

CLXIII – Cômputo eclesiástico. Áureo número, 11; ciclo solar, 4; epacta, 20; letra dominical, A.

CLXIV – Martirológio. Dia 1º de janeiro, domingo; Páscoa a 26 de março; indicação romana, 3; período Juliano, 6.528.

CLXV – No dia 5 de fevereiro de 1815 morre o capitão de fragata Jorge Thompson.
No dia 24, falece o ajudante general Ricardo.

CLXVI – Frei Euzebio de S. Boaventura, degradado para a Índia, vindo de Lisboa, foi recolhido à cadeia do Aljube no dia 3 de março de 1815, de onde embarcou para o seu destino a 29 de janeiro de 1816.

CLXVII – O príncipe d. Pedro tinha uma pequena pensão, que lhe não chegava para suas despesas particulares, e por isso contraiu dívidas; e para melhorar de circunstâncias fez uma sociedade de compra e venda de gado vacum e cavalar, com Placido Antonio Pereira de Abreu.

El-rei d. João VI, sabendo disto, disse que lhe quebraria os ossos com uma bengala se ele continuasse a ter negócios com Placido.

O príncipe negou; e fazendo cessão vocal do que tinha na sociedade em proveito de Placido, este aceitou a oferta, sendo esta a origem da sua fortuna.

Placido Antonio Pereira de Abreu era o barbeiro do príncipe regente e varredor do palácio; pela proteção, porém, que lhe dava d. Pedro, chegou a ser tesoureiro do bolsinho de sua majestade, e d. Pedro o condecorou com muitas ordens honoríficas, e foi valido a tal ponto de ser o espião dos atos da imperatriz, por ordem do imperador, e governar as despesas do bolsinho da mesma senhora.

O príncipe d. Pedro, ainda depois de casado, só tinha um conto de réis mensal para as suas despesas, e por isso via-se na necessidade de pedir dinheiro emprestado a Manoel José Sarmento, que tinha sido oficial da secretaria; mas homem de fortuna, e de quem d. Pedro era muito amigo.

O imperador d. Pedro gostava de uma filha do marquês de Inhambupe, e Placido também gostava muito dela, e a pretendia, e sendo ele o medianeiro dos afetos, em lugar de advogar em favor de seu amo, trabalhava em seu proveito, e tais coisas teceu que, logrando o imperador, casou-se com ela apesar de ser velho, muito feio e grosseiro no trato.

CLXVIII – No dia 6 de junho de 1815, morre Antonio José Pinto da Costa e Souza, governador da fortaleza de Villegaignon.

CLXIX – Por alvará de 10 de agosto de 1815, manda o príncipe regente revogar a carta régia de 30 de junho de 1766, restituindo aos ourives de prata e ouro o direito de trabalharem nestes metais, e de negociarem nas obras que fizerem como melhor lhes convier.

CLXX – No dia 5 de outubro de 1815, uma grande desgraça aconteceu na cidade do Recife, em Pernambuco. A grande ponte da cidade, guarnecida de  um e outro lado de armazéns de mercadorias, desaba e com este desastre morrem algumas pessoas, e causa notáveis prejuízos.

CLXXI – O chefe de divisão Daniel Thompson morre no dia 25 de outubro de 1815.

CLXXII – O aumento da população do Penedo, e a necessidade da boa administração da Justiça, lembrou à Corte do Rio de Janeiro criar o lugar de juiz de fora para o termo do Penedo, por alvará de 15 de dezembro de 1815, sendo nomeado para este cargo o bacharel Luiz Antonio Barbosa de Almeida, que tomou posse do emprego no dia 24 de julho de 1818.

O segundo juiz de fora foi o bacharel Caetano Maria Lopes Gama, que faleceu senador do Império e visconde de Maranguape, no dia 21 de junho de 1864, no Rio de Janeiro; o terceiro foi o bacharel Gustavo Adolpho de Aguilar Panteja, que tomou posse no dia 7 de setembro de 1823 e faleceu no Rio de Janeiro no dia 8 de março de 1867; o quarto foi o bacharel Antonio Ignacio de Azevedo, que tomou posse no dia 19 de outubro de 1825, e faleceu no Rio de Janeiro em idade de setenta e cinco anos, em 8 de julho de 1873; o quinto, o bacharel Francisco José Coelho Netto, que tomou posse no dia 18 de abril de 1827, e faleceu desembargador aposentado na Bahia; o sexto e último foi o bacharel Firmino Antonio de Souza, que tomou posse no dia 14 de maio de 1830. Este lugar foi extinto com o aparecimento do Código do Processo em 1832.

CLXXIII – Pela carta régia de 16 de dezembro de 1815, o principado do Brasil é elevado à categoria de Reino Unido.

CLXXIV – Cômputo eclesiástico. Áureo número, 12; ciclo solar, 5; epacta, 1; letra dominical, Q F.

CLXXV – Martirológio. Dia 1º de janeiro, segunda-feira; Páscoa a 14 de abril; indicação romana, 4; período Juliano, 6.529.

CLXXVI – Pelo alvará de 21 de fevereiro de 1816, o príncipe regente extingue as ordenanças criadas pelos alvarás de 18 de outubro de 1709 e de 24 de fevereiro de 1764, e as substitui por outras, conforme o novo regulamento desta mesma data que marcou: um coronel em cada distrito; um capitão-mor e um sargento-mor em cada capitania-mor, propostos pelo senado e câmara dos lugares. Um distrito compreendia oito capitanias-mores, e, cada uma destas, oito companhias.

CLXXVII – El-rei d. João VI, depois do falecimento da mãe, mudou em algumas coisas seus hábitos. Em S. Christovão acordava às seis horas e ia rezar o ofício divino, com o visconde de Magé; depois voltava para o seu quarto, onde almoçava os seus três frangos; falava aos filhos que lhe iam tomar a bênção, e conversava alguma coisa com eles sobre objetos gerais, e depois saíam cada um de per si.

Às nove horas da manhã recebia o intendente geral de polícia, Paulo Fernandes Vianna, desembargador do paço e natural do Rio de Janeiro; e com ele se entretinha muito tempo a conversar sobre objetos de polícia.

Este lugar era antigamente de alta importância, e tinha um poder imenso. O intendente geral de polícia era uma autoridade terrível, e muito mais tendo o valimento do rei, como acontecia com Paulo Fernandes Vianna, de quem o rei era muito amigo, e em quem tinha a mais decidida confiança. Era o rei tão amigo de Paulo Fernandes Vianna que, apesar da coação em que estava, por ocasião de se proclamar em fevereiro de 1821 a Constituição, não quis assinar o decreto de sua prisão, quando outros o foram.

Acabada a conferência com Paulo Fernandes Vianna, que era três vezes em cada semana, se retirava para o seu quarto, onde levava a rever os requerimentos e papéis de importância. Depois, iam os filhos, filhas e o neto d. Sebastião, que com ele moravam, acompanhá-lo para a sala de jantar. As filhas e a nora d. Leopoldina se retiravam e iam cada uma para o seu quarto, tendo elas lauto jantar, que sobrava em abundância para as açafatas que estavam ao serviço delas.

Acabado o jantar, que era de três frangos, que os dilacerava com as mãos, d. Miguel pegava no jarro, d. Pedro na bacia e d. Sebastião na toalha, e todos serviam ao pai e avô na lavagem das mãos.

Ao jantar assistiam todos os camaristas, guarda-roupa, viadores, oficiais-mores da casa real, o médico de semana, o físico-mor e os outros que se achavam no paço a essa hora, ou que iam de propósito para assistir ao jantar do rei. Acabado o jantar, dava graças a Deus em pé, assim como os filhos, e ia para o oratório rezar o ofício divino com o visconde de Magé, ou seu irmão Bernardo Lobato.

Acabado o ofício divino, ia deitar-se um pouco; às cinco horas, ia dar o seu passeio de carro descoberto puxado por quatro bestas, um sota ou baleeiro velho de botas grandes, niza e chapéu armado. Levava consigo o neto d. Sebastião, sua guarda de capitão, e todos os mais montados a cavalo à roda do carro, menos o visconde de Magé, que não montava a cavalo.

À Ave Maria voltava do passeio, que não passava da Ponta do Caju, ou ia pela Rua de S. Christovão, e voltava por Maracanã. Ao chegar ao pátio de S. Christovão o encontrava entulhado de gente, que o esperava para lhe beijar a mão, custando a subir a escada, e atravessava até a sala, onde o esperavam os filhos, que o seguiam até o quarto, onde lhe tomavam a bênção, e despiam-no; e ele ia merendar seus três frangos.

Acabada a merenda, partia para a sala do trono, a dar audiência, e aí se repetia o mesmo que fazia no paço da cidade: recebia os requerimentos, e os dava ao conde de Paraty, que os punha em um saco. No outro dia, os lia e os remetia aos diversos ministérios, durando a audiência, como já contei, até as dez ou onze horas da noite.

Acabada esta, ele dava outra particular, em outra sala, sendo em um dia ao regedor das justiças José de Oliveira Pinto Botelho Musqueira, natural de Minas Gerais, o qual ia participar tudo o que tinha havido naquela semana na Relação.
Em outro dia, ia o chanceler-mor do reino, Thomaz Antonio de Villa Nova Portugal, que depois foi ministro de Estado, passando a chancelaria para monsenhor Miranda, que também lhe ia dar parte do que havia.

O tesoureiro-mor do erário, Francisco Maria Targini, que depois foi conde de S. Lourenço, ia no outro dia; o escrivão do erário, Manoel Jacintho Nogueira da Gama, que depois foi marquês de Baependy, ia no dia imediato.

Estes dois indivíduos eram inimigos capitais, apesar de servirem na mesma repartição. O rei ouvia a todos, e com benignidade atendia a todos, mas não dava importância ao que Targini e Manoel Jacintho diziam um do outro.

A Targini fez barão e visconde de S. Lourenço; e a Manoel Jacintho deu-lhe alguns despachos, e o tratava com muita atenção.

Por este modo, o rei estava sempre em dia de tudo o que se passava nas repartições públicas.

Nos outros dias da semana, recebia às oito horas da manhã o general das armas, que ia receber o santo do dia, da mão do próprio rei; e como ele não podia conversar com o general das armas, nos dias em que lhe aparecia o intendente geral de polícia, se reservava para outras ocasiões falar-lhe sobre o que pertencia à sua repartição.

Depois disto, o rei ia para o despacho, que principiava às dez horas, e não dava audiência. Quando não podia, mandava dizer que estava incomodado e ficava o despacho transferido para o outro dia.

CLXXVIII – Era com as audiências particulares, entre o rei e os chefes das repartições do Estado, que o rei estava sempre ao fato de tudo o que se passava nas repartições; e às vezes ele picava o amor próprio do indivíduo chamando a outro empregado para ouvir tudo e saber das menores circunstâncias dos negócios das repartições. Com esta política palaciana, ninguém o iludia.

CLXXIX – Às audiências do rei concorria a maior parte das pessoas, não só pretendentes, cortesãos, empregados públicos, mas até a maior parte do corpo do comércio.

Era moda ir às audiências do rei, bem como dos ministros de Estado, pela dependência dos escrivães dos negócios. A porta dos ministros estava sempre entulhada de carros, de cavalos e de muita gente a pé.

De tarde, todos voltavam para S. Christovão, e todos queriam ir ao beija-mão, e ao mesmo tempo aparecer ao rei. Havia verdadeiro entusiasmo por d. João VI, muito embora, durante os tempos revolucionários, lhe achassem mil defeitos.

CLXXX – D. Maria I, adoecendo, levou de cama dois meses completos; e apesar dela não querer, fizeram-lhe conferências. Constantemente gritava, dizendo que não queria ver ninguém; mas nisto não era atendida, por ser forçoso observar-se a etiqueta e cerimonial do paço, assistindo a camareira-mor, mordoma-mor, damas e todos os médicos da câmara.

D. João VI, durante o tempo que a mãe esteve de cama, não saía de casa: ia repetidas vezes ao aposento da rainha, mostrando-lhe os maiores cuidados e desvelos que eram possíveis. A mãe gritava que não queria ver ninguém, que a queriam matar; e o filho, cheio de ternura para com ela, debalde se esforçava em convencê-la de se curar; e ela o não atendia; e por fim deixou de viver na terra, expirando no dia 20 de março de 1816, com mais de oitenta anos de idade.

CLXXXI – Depois de vestido o cadáver da rainha, esteve exposto e depositado por três dias na sala mortuária, para todo o povo ver, pois sendo ela a rainha reinante, era de costume abrirem-se as portas do paço, para que o povo visse estar morto o rei.

A rainha estava vestida com uma túnica branca bordada de ouro e manto real de veludo carmesim, bordado também de ouro. Foi encerrada em três caixões, como é costume, fazendo-se pontifical e encomendações. O caixão foi sobre rolos empurrado até a escada principal do paço, e daí carregado por criados de galão até o coche, acompanhado pela dama mais moderna do paço, com uma palmatória, com uma vela de cera amarela.

El-rei d. João VI, como filho e herdeiro da coroa, seguia o caixão, com d. Pedro e d. Miguel, com tochas acesas até ao topo da escada.

O enterro da rainha foi como o da nora d. Leopoldina; porém mais concorrido, porque a Corte de d. João VI tinha muito mais nobreza que a de d. Pedro I; e ela, como rainha, foi acompanhada de todos os oficiais-mores de sua casa, indo muitos a cavalo, sendo os animais da casa real. O cadáver foi para o convento das religiosas da Ajuda, onde já estava depositada sua irmã d. Marianna. Depois foram ambas trasladadas para Lisboa.

D. João VI sentiu muito a morte da mãe; e depois que a viu sem vida chorava como um perdido, abraçado com o cadáver dela; e quando a acompanhou até ao topo da escada, ia em soluços, que a todos comovia.

A todos os ofícios a que ele assistia, tinha os olhos banhados em lágrimas. Ia amiudadas vezes ao convento da Ajuda ouvir missa por ela.

No aniversário do seu falecimento, quebravam-se os escudos reais nas praças públicas pela Câmara da cidade; e o mesmo se fez em todo o Reino Unido.
D. João VI decretou um luto rigorosíssimo, sendo seis meses a vestimenta de lã, e outros seis de seda. Nos dias de gala não se tirou o luto, caso novo, porque o luto pelos reis, em dias de gala não tem lugar.

Quando el-rei d. João VI foi para Lisboa, mandou preparar uma nau para conduzir os cadáveres da mãe e da tia, sendo forrada de preto e iluminada a câmara, indo criados de guarda, e de Estado o marquês de Bellos, que havia sido seu camarista, e outros que eram do rei, também foram servindo à rainha.

Como guarda do corpo foi a camareira-mor, a dama viscondessa do Real Agrado, as açafatas e todas as pessoas que a serviam em vida.

CLXXXII – A rainha d. Maria I acordava às oito horas da manhã, pouco mais ou menos; e depois do almoço assentava-se em um canapé. A maior parte das vezes sem dizer uma palavra, aí esperava as visitas do filho e da nora, de quem não gostava.

O filho ajoelhava-se, para beijar-lhe a mão; mas a nora beijava-lhe a mão em pé, perguntando-lhe simplesmente como passa vossa majestade? Ao que ela respondia bem ou mal.

D. Carlota assentava-se imediatamente, sem esperar que ela lh'o ordenasse, porque a rainha não o fazia, porque era seu costume não mandar ninguém assentar-se em sua presença, nem mesmo suas próprias irmãs.

D. Carlota Joaquina tinha muito orgulho, e sustentava a sua posição, não se humilhando à sogra, ainda que muito a respeitava, como soberana, e como mãe de seu marido. A conversação com a rainha era sobre chuva ou sol, prática que não excedia de vinte minutos, e se retirava. À noite lá não ia; e quando morava fora do paço da cidade, só vinha cumprimentar a sogra nos dias de Corte.

As netas iam todas juntas beijar-lhe a mão pela manhã, e à noite, quando estavam no paço da cidade.

Não dava uma palavra sequer às netas; e só dizia para as mais velhas, quando via as duas últimas pequenas: o que vem aqui fazer estes cupinhos! Outras vezes dizia: para que trazem cá estas pequenas!

Quando o príncipe d. Pedro se ajoelhava para lhe beijar a mão, ela coçava-lhe a cabeça, esfregava-lhe os cabelos e dizia às vezes para Joanninha: para este há de ser a minha coroa.

D. Pedro Carlos, quando lhe beijava a mão, e lhe perguntava como havia passado, respondia em ou mal, e continuava dizendo: tu não tens pai, nem mãe; és meu filho e de João.

CLXXXIII – Quando se tratou do casamento do infante d. Pedro Carlos, com a princesa d. Maria Thereza, que o filho príncipe regente lhe foi participar, e saber se era de seu gosto, a rainha d. Maria I lhe respondeu: eu não governo e nem faço casamentos; ao que o filho lhe respondeu: Dize à Joanninha que te leve as minhas joias; escolhe as que quiseres, porque para mim já não servem.

D. João pediu as joias de sua mãe a d. Joanna, viscondessa do Real Agrado, e mandou a filha escolher um adereço, tirando ela um dos melhores, com grandes rubis e brilhantes, peça de grande valor; e lhe participando Joanninha ter a neta escolhido o adereço de rubis e brilhantes, ela respondeu: deram a Maria Thereza um tal presente; e o que se há de dar à mulher de Pedro quando ele casar!

Quando a neta veio com o marido tomar-lhe a bênção, ela lhe disse: estão casados! Sejam muito felizes.

Passados meses, teve a princesa d. Maria Thereza o infante d. Sebastião; e lhe vindo mostrar o bisneto, ela lhe disse: O que vem fazer este desgraçado no mundo!

CLXXXIV – D. Maria I perdeu a razão em 1792, depois da morte do filho, o príncipe d. José, a quem amava extremosamente; e foi dessa época em diante que lhe principiaram a aparecer os desarranjos mentais; - dizendo que estava no inferno, que via o diabo, não querendo confessar-se, e nem ouvir missa, e nem falar em religião.

Tinha ocasiões em que gritava, atirando com os pratos, e dando bofetadas nas criadas. Algumas de suas criadas, mesmo as mais validas, se retiraram do seu serviço, com o pretexto de doentes, para nãose exporem a levar pancadas. Quem se conservou constante ao lado da rainha, sofrendo maus tratos, puxões e descomposturas, foi d. Joanna Rita de Lacerda, a quem a rainha chamava Joanninha, que bem pouco servia, visto que a dona da câmara era d. Margarida Sophia de Castello Branco, irmã de Joanninha, e mãe de d. Francisca Lucia, marquesa de Itaguaí.

D. Joanna Rita de Lacerda teve o título de baronesa e depois o de viscondessa do Real Agrado, com sobrevivência a seu irmão e a seu sobrinho, que lhe ofereceu d. João VI, quando príncipe regente, em reconhecimento aos serviços prestados à sua mãe; bem como uma fazenda no Rio Grande do Sul, com muitas terras e muito gado. Deu-lhe uma boa pensão, que recebia do erário público. Depois da morte da rainha d. Maria I, el-rei uniu-lhe ao título as honras de grandeza com a mesma sobrevivência, e lhe ofereceu uma carruagem para o seu serviço. D. Carlota Joaquina, em vida da sogra, deu a d. Joanna Rita de Lacerda a Ordem de Santa Izabel, e depois da morte dela, a nomeou sua dama.

CLXXXV – D. Maria I era formosa e elegante, tendo ar altivo e distinto. Foi casada com o tio, d. Pedro III, muito mais velho que ela, e assaz ignorante e pobre de espírito, e por isso incapaz de ser amado de uma bela mulher espirituosa, e com o prestígio de rainha; e no entanto ela portou-se sempre com honradez e dignidade, respeitando-o como seu esposo.

CLXXXVI – Quando em 1816 estiveram as tropas, vindas de Portugal, na Praia Grande (Niterói), o príncipe regente foi morar na casa de Thomaz Soares, que lhe fez presente dela; e em retribuição o príncipe lhe fez mercê da comenda da ordem de Cristo.

Nesta mesma ocasião da estada das tropas na Praia Grande, d. Carlota Joaquina morava na casa da esquina do Largo de S. Domingos, defronte da casa do príncipe. Ela ia à casa do marido com as filhas pela manhã, e à tarde iam ver os exercícios da tropa, que os fazia todos os dias. O príncipe ia na sua carruagem, e d. Carlota em outra. Juntos, ninguém os via.

O príncipe andava em uma carruagem descoberta, bem como d. Carlota, com as filhas. Os filhos passeavam a cavalo. D. Carlota e as filhas assistiam aos exercícios quase sempre em uma barraca.

Ela passeava muitas vezes a pé pela praia, com as filhas acompanhadas de muitos oficiais lusitanos. S. Domingos e Praia Grande, nesse tempo, eram lugares de divertimentos, porque, além da tropa vinda de Lisboa, estava ali a Corte, e todos os tafuis e elegantes do Rio de Janeiro.

Era um contínuo passeio e constante divertimento ir-se a Praia Grande, onde se faziam bailes em casas particulares, havia salas de danças, porque o príncipe não queria teatros e festas públicas por ter a sra. d, Maria I falecido no dia 20 de março do mesmo ano.

CLXXXVII – D. Carlota, quando o marido estava de saúde, não passava da antecâmara, porque ele não a queria ao pé de si; porém, quando enfermo, entrava no quarto com as filhas, e em presença de todas as pessoas que aí se achavam.

Nunca ninguém os viu a sós, depois de certo tempo, porque ele a aborrecia. Jantaram juntos quando o filho d. Pedro de Alcantara se casou no dia 12 de outubro de 1817 e quando houveram as festas reais por ocasião do casamento da filha, com o infante d. Pedro Carlos.

Em carruagem só andaram juntos no dia do casamento do filho; e nas festas reais, porque tinham de ir juntos com os noivos no coche real. Se ela adoecia em palácio, ele a não visitava; e nem nas chácaras onde ela morava.

Quando estiveram em Santa Cruz, por ocasião da moléstia de el-rei, ela foi para a fazenda, e dormia em um quarto separado com as duas filhas; e em outro quarto mais pequeno os dois filhos. Viviam do mesmo modo ali que na cidade.

D. Carlota ia visitar o marido pela manhã, e ao cair da noite, de modo que se não assentava no quarto, limitando-se ambos a poucas palavras. Ele comia no quarto quando adoentado, e ela em outro lugar com as filhas, filhos e sobrinho.

Nos últimos tempos da estada deles no Rio de Janeiro, d. Carlota ia algumas vezes a S. Christovão, com as últimas duas filhas,porque as outras não estavam no poder dela. D. Maria Thereza e d. Izabel Maria moravam com o pai, e as duas outras tinham ido para a Espanha.

Nesta ocasião, os filhos, filhas e nora iam-na buscar na porta do paço, e seguiam com ela para o aposento do rei, onde pouco se demorava. Daí se encaminhavam para o quarto de d. Pedro, onde ficavam até às duas hora da tarde, e depois se retirava.

CLXXXVIII – Na quarta-feira, pelas onze horas da manhã do dia 20 de março de 1816, faleceu no paço da cidade a sra. d. Maria I, rainha de Portugal, com oitenta e um anos e quase três meses de idade. Foi pela meia noite do domingo seguinte depositada no convento das religiosas de Nossa Senhora da Ajuda,onde se achava já sua irmã a infanta d. Maria Anna, falecida em maio de 1813, com setenta e dois anos de idade.

CLXXXIX – Em virtude de um aviso da secretaria de Estado dirigido ao intendente geral da polícia, foi o reverendo Bernardo Maria de Vasconcellos, vigário da Cachoeira, recolhido à cadeia do Aljube no dia 30 de março de 1816, conduzido pelo desembargador Penna. Em 30 de junho de 1817 foi-lhe concedida a cidade por menagem.

CXC – No dia 4 de maio de 1816 nasceu Joaquim de Saldanha Marinho.

CXCI – Tendo el-rei d. João VI unido os reinos de Portugal, Brasil e Algarves, mandou, pela carta régia de 13 de maio de 1816, incorporar em um só escudo real, as armas dos três reinos, e dá armas ao reino do Brasil, sendo a esfera armilar de ouro em campo azul.

CXCII – Por decreto de 12 de agosto de 1816, fundou-se a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, no lugar onde ela se acha.

Por decreto da mesma data concedeu-se pensões aos artistas franceses que vieram fundar no Rio de Janeiro uma Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios.

CXCIII – No dia 24 de setembro de 1816, as nossas armas ganham uma esplêndida vitória no Passo do Chafalote, sobre os espanhóis.

No dia 3 de outubro do mesmo ano, o tenente-coronel José de Abreu derrota Artigas em S. Borja.

No dia 19 do mesmo mês e ano, o brigadeiro João de Deus Mena Barreto derrota as forças de Artigas na vizinhança de Inhanduhy e Paipasso.

No dia 19 de novembro do mesmo ano, o marechal-de-campo Sebastião Pinto de Araujo Corrêa derrota completamente a Frutuoso Rivera, que comandava para mais de dois mil gaúchos.

CXCIV – No dia 24 de novembro de 1816 falece na Bahia o marechal Galvão, do regimento de artilharia.

CXCV – No dia 16 de dezembro de 1816, o sargento-mor José Ignacio Borges toma posse do governo da capitania do Rio Grande do Norte, em substituição ao sargento-mor Sebastião Francisco de Mello e Povoas. Sendo eleito senador pela província de Pernambuco, é escolhido por decreto de 22 de janeiro de 1826, e faleceu em 7 de dezembro de 1838.

CXCVI – Cômputo eclesiástico. Áureo número, 13; ciclo solar, 6; epacta, 12; letra dominical, E.

CXCVII – Martirológio. Dia 1º de janeiro, quarta-feira; páscoa a 6 de abril; indicação romana, 5; período Juliano, 6..530.

CXCVIII – No sábado, 4 de janeiro de 1817, o marquês de Alegrete ganha vitória sobre os caudilhos La Torre Verdum e Mondragan, em Catallan.

O general Lecor entra triunfante em Montevidéu, em 20 de janeiro de 1817.

CXCIX – Na sexta-feira, 24 de janeiro de 1817, morre no Rio de Janeiro d. Fernando José de Portugal, marquês de Aguiar, com sessenta e quatro anos, um mês e dezenove dias, que foi governador e capitão general da Bahia e vice-rei do Brasil. D. Fernando nasceu a 4 de dezembro de 1752 e foi sepultado na tarde do dia 25, em um dos carneiros da ordem de S. Francisco de Paula, saindo o préstito da Rua dos Barbonos, da casa de sua residência, onde é atualmente a Casa dos Expostos.

CC – Na terça-feira, 28 de janeiro de 1817, pelas cinco horas da tarde, foi inaugurada a Praça do Comércio da Bahia, com grande solenidade e grande concorrência de povo, com assistência do governador, capitão-general conde dos Arcos, e mesmo por ser dia aniversário daquele em que el-rei, na mesma cidade da Bahia, abriu as portas do Brasil a todas as nações amigas, trancadas há mais de três séculos.

Os comerciantes mandaram tirar o retrato de grandeza natural do conde dos Arcos, e o colocaram na sala de honra do edifício da Praça do Comércio. Por ocasião da inauguração, muitos discursos e poesias análogos se fizeram, que correm impressos.

O edifício achava-se revestido com o maior luxo possível. Além do ornato, com que estava a casa toda forrada de cetim e sedas de cores, com riqueza admirável, havia uma varanda também ornada, onde se despendeu para mais de sete mil cruzados. Os convidados, ricamente vestidos a corte de seda e veludo; as senhoras convidadas para o copo de água (N. E.: forma antiga de se referir a um coquetel) trajavam com máximo luxo e riqueza.

O plano da festa foi dado pelo conde dos Arcos; achando-se o retrato do conde a que pertencia a honra da festa, pelos muitos serviços prestados à província e ao povo agradecido.

Neste mesmo dia houve o oferecimento dos cem contos de réis com que os negociantes projetavam fazer um palácio no Rio de Janeiro para a residência do conde dos Arcos, e como o conde não quisesse aceitar, depositaram a quantia no banco, para que ele gozasse da renda principal, quando ele quisesse. A festa terminou às duas horas da manhã do dia seguinte.

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