BUG DO MILÊNIO
Por quê não há
recall
em informática?
Prática na indústria
automobilística é normal, quando uma falha é constatada
Carlos Pimentel Mendes
Editor
O que
você faria se descobrisse que seu possante carro último tipo
possui breque de bicicleta no lugar do freio? E que no contrato de compra
há uma cláusula em que o fabricante diz que tal breque nem
sempre vai funcionar e, se isso ele falhar, o problema é seu? A
situação é parecida com a que enfrentamos na área
de computação. Quem leu Informática no
dia 2 sabe que as grandes empresas de hardware e de software
têm conhecimento da falha conhecida como Bug do Milênio há
mais de duas décadas e nada fizeram para resolvê-lo, preferindo
aumentar seus lucros com a venda de produtos defeituosos. Você deve
estar se sentindo como o infeliz motorista do tal carrão...
Quando um defeito de fabricação
é descoberto depois que o veículo começou a ser vendido,
já é comum as montadoras fazerem o recall, a rechamada
dos compradores para uma revisão e troca gratuita do componente
defeituoso. Não é bondade das indústrias, nem manifestação
de um espírito de civilidade, ética e respeito ao consumidor,
que aliás deveria ser a norma no meio empresarial. É que
elas sabem as conseqüências: cada comprador de seus carros,
ao descobrir o defeito, sabe que pode acionar a montadora na Justiça,
reclamando não só o prejuízo como também um
reparo financeiro pelas conseqüências da falha - no caso de
acidentes motivados por ela.
Além do quê, toda a
imagem pública da empresa, cuidadosamente construída com
toneladas de propaganda, vai literalmente para o brejo. Se a própria
empresa não for junto, soterrada por milhares de processos e ações
judiciais, sanções governamentais etc.
Falha intencional – No caso dos
automóveis, admite-se que a falha era desconhecida quando do lançamento
do produto, não tendo se manifestado nos testes que as empresas
são obrigadas a realizar antes de colocá-lo no mercado. Mas,
em relação ao Bug do Milênio, o problema é muito
mais grave, pois a falha já era denunciada há
duas décadas, há anos vem sendo cada vez mais dado o
alerta nas publicações especializadas e pelos meios de comunicação
em geral. Não há como uma multinacional do setor alegar desconhecimento.
E a melhor prova de que essas empresas
sabem o que estão fazendo é encontrada na cláusula
que vêm embutindo nos contratos, onde discretamente informam que
o produto (computador ou software) não é totalmente
compatível com o Bug do Milênio. Só há poucos
meses duas delas começaram a produzir equipamentos com o chamado
Relógio de Tempo Real (Real Time Clock - RTC) corrigido,
pois até então elas preferiam embolsar como lucro o custo
de apenas US$ 0,20 por computador representado pelo uso do processador
correto. No caso do software, as versões 98 - perdão,
1998 - ainda não foram depuradas e também apresentam falhas.
É evidente a caracterização
dessas falhas como defeito de fabricação, sendo o hardware
ou software passível de troca pela versão corrigida
e tendo o consumidor o direito ao reparo financeiro dos prejuízos
causados. Que não são poucos: horas de trabalho perdidas
para localizar e corrigir os defeitos, uso de consultorias especializadas,
trabalho perdido ou prejudicado por essa falha, reorganização
das atividades, lucros cessantes, prejuízo moral e financeiro decorrente
de danos a terceiros e falhas na atividade empresarial causadas pelo Bug
etc. etc. etc.
Da mesma forma como um freio de carro
defeituoso pode causar tragédias, também um computador sob
o efeito do Bug do Milênio pode derrubar um avião, fechar
um aeroporto, prejudicar uma cirurgia, trazer graves problemas ao abastecimento
de uma região ou de um país inteiro. Afora transtornos como
as possíveis falhas nos processamentos financeiros - a história
de um dia de juros virar um século de cobranças.
Momento – Empresas bilionárias
de informática continuam escondendo o problema do público,
com a conivência de autoridades governamentais, pois sabem que, na
hora em que a avalanche de processos começar, ninguém segura
mais, e não terão capital suficiente para reembolsar os prejuízos.
Sabem até que, devido a tais
negligências (qualificáveis facilmente como criminosas, uma
vez provado que tinham conhecimento do problema e meios para solucioná-lo
antes que causasse danos), são passíveis de ações
para interdição de suas atividades. Da mesma forma que um
laboratório farmacêutico pode ser fechado, se permite (intencionalmente
ou não) que pílulas de farinha sejam vendidas como anticoncepcionais.
Calar interessa a certos governos,
porque a falência desses gigantes da informática implica em
grande abalo nas economias nacionais, sentido primeiro nas bolsas de valores,
ao começar a baixa da cotação das suas ações.
Por isso, não se espere que as autoridades tomem a iniciativa, a
não ser sob forte pressão do eleitorado. E, mesmo assim,
é extremamente improvável que os governos forcem as companhias
a ressarcir os prejuízos.
Portanto, cabe aos usuários
de informática se organizarem e pleitearem essa compensação
(o primeiro processo no Brasil pelo Bug do Milênio já foi
ajuizado). É hora de os consumidores de informática entenderem
que cada Bug é um defeito de fabricação, e cabe ao
produtor agir de forma ética, oferecendo reparo imediato e gratuito
do problema, criando também na área de informática
o procedimento de recall, em vez de juntar todas as correções
de falhas num pacote de atualização - e ainda lucrar vendendo
essa atualização ao consumidor.
Ou o dono do carro com breque de
bicicleta aceitaria jogar o breque no lixo e comprar os freios à
parte, dentro de um programa de atualização do veículo
montado pela fábrica, seis meses depois? E mais, um ano após
a compra do carro, adquirir novos freios para atualizar a versão
anterior?
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