NOTÍCIAS 2002
Você já ouviu a história do...
Mário Persona (*)
Colaborador
...Severino? Ouvi numa viagem à Amazônia. No sobrado
travestido de hotel, Severino estava feliz. Bamburrou no garimpo em Serra Pelada e agora só queria dormir. Nunca vira tanto
dinheiro. Enquanto o sol nascia, o sono amigo enxotava a enxaqueca da noite regada a uísque barato. Não durou muito sua paz. Nem a
cera dourada dos ouvidos conseguiu bloquear o som das marteladas que vinha da funilaria vizinha. Reverberava dentro de sua caixa
craniana, querendo liquefazer o que restava de cérebro.
Vivemos num mundo cheio de ruídos. Qual cornucópia grávida de promessas, o mercado vomita
uma torrente de sons, imagens e sensações disputando cada nanosegundo de nossa atenção. Enquanto nós mesmos tentamos chamar a
atenção de outros, despejando nossa mensagem na mesma confusão. Rádio, TV, jornais, revistas, Internet, e-mail - a funilaria
da informação funciona 24 horas.
Como conseguir chamar e prender a atenção do mercado para a sua mensagem num ambiente assim?
Só saindo do lugar que ficou comum para o seu público. O livro "Quem mexeu no meu queijo", mostrou isto. Quem se atreveria a falar
de gestão de mudanças na empresa usando ratinhos e duendes perdidos num labirinto em busca de queijo? Spencer Johnson se atreveu e
agora deve estar comendo foundue em panela de prata.
Retornando... - A centenária técnica de reunir a tribo ao redor da fogueira para
transmitir conhecimento está de volta. Alan Kay, vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento da Disney, diz que sob a superfície
de um grupo de executivos há homens das cavernas esperando que algum sábio lhes conte histórias. Histórias que prendam a atenção,
endereçadas menos ao cérebro e mais ao coração. As mesmas capazes de entreter homens e mulheres, ricos e pobres, velhos e crianças.
Ninguém fica indiferente a uma boa história.
O poder de retenção das mensagens contidas nas histórias está no apelo à emoção. Além da
carona que pegam em elementos comuns já arraigados na mente de quem ouve. Piadas são histórias tão boas que viajam o mundo. Filmes
são histórias. Até canções são histórias, embaladas em rimas que aderem ao pensamento. Como você retém uma piada que ouviu uma vez
só? Ou a canção do rádio? Ou aquela historinha da avó? Tendo seus bloqueios racionais desarmados pela palavra, a ferramenta mais
poderosa já inventada para a comunicação de idéias.
Um dos grandes enganos é acreditar que as pessoas compram usando a razão. Perceba que não há
muito de racional numa propaganda de automóvel na TV. Ela mostra liberdade e velocidade, mas sua razão avisa que o trânsito está
parado e tem radar na estrada. Uma modelo maravilhosa viaja ao lado, mas você sabe que sua acompanhante está longe daquela escultura
grega. A cena dá um close na juba esvoaçante do motorista, e justo você, que nem abre o vidro com medo de perder os últimos
fios. Apesar de tudo, você dá de ombros para a razão e compra a liberdade, a modelo e a peruca. Ah, sim, e o carrão.
Negócios culinários - Histórias são maleáveis e cabem em qualquer roupa. Eu mesmo
vesti negócios com uma roupagem gastronômica em meu livro Receitas de Grandes Negócios. Comunicação empresarial virou
Manjar de Escrever, excelência em prestação de serviços virou Lanche Sensação,
marketing pessoal ganhou sabor de Banana Flambada e novas tecnologias terminaram como
Sobremesa Quebra-Gelo. No cardápio há outros pratos, como Salada Americana, Sorvete Expresso, Funcionário à
Caçarola ou Torta Hollywood.
Num mercado em que o que mais se busca é atenção, quem conta a melhor história é quem leva.
Seja para comprar, vender ou na comunicação corporativa. Quando tecnologia virou commodity, a capacidade de se diferenciar no
mercado fica por conta da criatividade, ou é difícil vencer o volume de ruído que vem da oficina ao lado.
Severino não tinha criatividade, mas o dinheiro sobejava. Desceu até a oficina de funilaria
vizinha ao hotel e, em menos de meia hora, os carros estavam todos na rua e Severino tinha a chave do imóvel na mão e um contrato
rabiscado em papel de pão. Voltou ao hotel, entregou tudo à dona e foi incisivo: "O barracão ao lado agora é seu. Pode fazer o que
quiser com ele. Só não faça barulho." E voltou a dormir.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão,
Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas
apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém
endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |