Receita para manjar de escrever
Mário Persona (*)
Colaborador
Existe uma
receita para se escrever na Web? Sim, existe. Para quem lê com pressa
na tela. E quem hoje lê, tem pressa. Escrever assim é como
fazer manjar. A receita é simples, rápida e barata. Mas adoça
a vida de quem prova, e traz no nome a fama de iguaria indescritível.
Escreva como quem prepara um manjar dos deuses. E sirva acompanhado do
néctar da paixão.
A gostosa crônica, que se lê
com o paladar, é um manjar das letras. Linguagem informal, frases
curtas, parágrafos breves, uma séria conversa fiada. Quer
escrever assim? Então comece untando a fôrma com metáforas
cômicas. O humor é o atalho mais curto para o cérebro.
Escreva para anistiar os gostos de forma ampla, geral e irrestrita. Diversifique
seus temas, pois não há dois leitores iguais. Nem mesmo em
um só leitor.
Consistência - Manjar
do assunto é condição de consistência para seu
manjar. Se faltar, sobra o buraco da fôrma. Familiarizado, você
brinca com as palavras, usa trocadilhos, evita polemizar mas não
poetizar. Pois rimas ocultas estimulam os neurônios. São qual
libélulas, graciosas sinapses em infindas células.
Abuse do corriqueiro e deixe os tecnicismos
para terceiros. Crie um texto seminal, que invada o cérebro de seu
leitor em busca do óvulo comum das emoções humanas.
E o fertilize com uma mensagem que crie empatia. Seu leitor pensará
que sua mensagem é de concepção familiar. Uma intrusa,
porém amada. Que não se quer abortar.
Mas não se esqueça
do relevante. Conhecimento, "pero no mucho", para evitar o fastio nauseabundo.
Arrebate seu leitor da mesmice letárgica do vocabulário cotidiano,
ousando alfinetar nele uma palavra pouco usual. Que exale um leve aroma
de erudição e desperte um apetite mental de novas descobertas.
Seja sincero, seja simples. Mostre
que não sabe tudo. Pois o aprender é uma experiência
conjunta, e seu leitor é seu tutor. Chame-o de você, leve-o
para viajar junto. Por uma senda tão dourada quanto a calda de ameixas
que, preguiçosa, desliza por seu manjar. Irresistível. De
dar água na boca. Se funciona? Pergunte à saliva.
Suspense - Crie o suspense
da próxima colherada. Termine um parágrafo com um desafio
que o leve ao próximo. Algeme o leitor ao seu compasso, para não
parar de ler. Seja dinâmico, tenha cadência, esbanje charme.
Abuse dos verbos no presente para grudar sua atenção na ação.
Ouse romper com regras gramaticais. Sem machucar a língua.
De vez em quando, derrame uma citação
de adorno. Mas evite Benjamin Franklin, pai das frases órfãs.
Na falta de um autor, costumam atribuir a ele. A justificativa, dos que
lhe são íntimos, é que o raio que caiu em sua pipa
fez Ben dizer tanta coisa que pode ter dito aquilo também.
Use a Internet. Abuse do meio, mas
não do fim. Não perturbe seu leitor com o inesperado inoportuno
de uma intrusão bandida. Mas crie disseminadores para sua mensagem.
Que a multipliquem. Para que o aroma de seu manjar chegue a quem chegar.
Algo tão delicioso, que leve você a acreditar que todos irão
pedir a receita.
Em Portugal - Aconteceu comigo
em uma casa-portuguesa-com-certeza. Branca, emoldurada em rua de amendoeiras
em Loulé, sul de Portugal. Sentado à imaculada mesa de uma
cozinha cirurgicamente limpa, senti derreter na boca o delicioso manjar
branco de dona Isaura.
"Delicioso!", comentei, sacando do
bolso caneta e agenda. Lembrava-me de algo que iria discutir na reunião
em Lisboa no outro dia. Era escrever ou esquecer. Mas dona Isaura pensou
que o assunto era o seu manjar. E começou a ditar: "Um litro de
leite, oito colheres de açúcar...". Para não desapontá-la,
anotei mecanicamente, enquanto me esquecia do compromisso.
Voltei ao Brasil com uma agenda de
compromissos resolvidos e uma receita de manjar a resolver. O que nunca
tentei. De nada adiantaria tentar a receita, se me faltava a mão
de dona Isaura para transformá-la em manjar.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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