TERROR NOS EUA
Nova guerra é nas telecomunicações
"Informação
é poder"
Carlos Pimentel Mendes
Muito
mais que a mera disputa entre a rede de televisão CNN (de Atlanta/EUA)
e a rede Al-Jazeera (de Doha, no Qatar), a nova guerra mundial é
pelo controle da informação em todas as suas formas. Não
por acaso, um dos primeiros alvos dos aviões bombardeiros norte-americanos
no Afeganistão foi uma emissora de rádio em Kabul. Imediatamente
após sua destruição, sua freqüencia de transmissão
foi ocupada por transmissões especiais norte-americanas dirigidas
ao povo afegão. E, junto com os alimentos jogados pelos bombardeiros
norte-americanos, vão também radinhos especiais de pilha,
para que os afegãos possam captar essas transmissões com
a "verdade" ocidental. Pelo mesmo motivo, o regime Taliban, que os EUA
querem remover do controle da nação afegã, cuidou
de proibir (sob pena de morte) que todos os cidadãos tivessem acesso
a Internet, televisão ou rádio de ondas curtas.
São apenas alguns dos indícios
da importância dada por todas as partes em conflito ao poder da informação
e à importância de controlá-la. Não basta, por
exemplo, o governo estadunidense formar alianças com os governos
árabes para "combater o terrorismo", é preciso que a população
em geral se convença da seriedade e da validade da proposta; senão,
os governos aiados é que podem ser apeados do poder.
O problema é que nem dá para esconder, manifestações
contra a política externa dos EUA pipocam por todas as partes do
mundo, quase todo dia acontece - em algum lugar da Ásia, do Oriente
Médio, até da Inglaterra - o gesto simbólico da queima
em público da bandeira de listas e estrelas.
A batalha das telecomunicações
começou nos primeiros anos do século XX, quando foram organizados
os principais serviços de rádio de ondas curtas. Pode-se
dizer que a Segunda Guerra Mundial foi a guerra da BBC - emissora semi-oficial
inglesa que transmitia boletins em diversos idiomas, com antenas para todos
os continentes. Já então, possuir receptor de rádio
de ondas curtas na Alemanha nazista era altamente suspeito.
Depois, vieram as rádios dirigidas
aos países comunistas (novamente, cidadão soviético
ouvindo a Voz da América ou cidadão cubano ouvindo a Radio
Martí seria detido sem apelação). No Brasil pós-1964,
aparelho sintonizado na Rádio Moscou ou na Rádio Pequim poderia
sujeitar o cidadão a se explicar perante a Delegacia de Ordem Política
e Social (Dops): provavelmente seria identificado como guerrilheiro ou
subversivo, no mínimo como simpatizante dos proscritos regimes políticos
de esquerda mais radical.
Liberdade e segurança
- Na guerra da informação, a liberdade individual é
a primeira sacrificada, sempre em nome da segurança coletiva, nacional.
Saber mais do que o governo local permite se transforma em crime imperdoável.
E isso não é "privilégio"
de regimes ditatoriais. Na própria terra dos campeões da
liberdade, um claro recado foi enviado as emissoras estadunidenses de maior
porte, sobrando também para as estrangeiras, como a Al Jazeera ("A
Península", em árabe): precisam editar mais cuidadosamente
o material que divulgam, para não haver o risco de passar mensagens
cifradas da organização terrorista Al Qaeda para seus membros
espalhados pelo mundo.
Novamente, a segurança nacional
é invocada, mas há uma leitura complementar nesse recado:
o governo dos EUA não está gostando do volume de matérias
sobre manifestações anti-EUA e pressiona as emissoras para
que mudem o tom da cobertura. Pressão que seria impensável,
poucos anos antes, diante das claras normas constitucionais estadunidensese
em favor da liberdade de informação sobre tudo o mais.
Na Internet - Surgida no meio
militar e logo partindo para uma expansão mundial em mãos
civis, a rede mundial de computadores deu a primeira oportunidade a qualquer
pessoa de se manifestar, em igualdade de condições com as
comunicações oficiais e burlando qualquer tentativa de censura.
Assim, os chineses souberam via Internet do massacre
na Praça da Paz Celestial em Beijing (Pequim), e um jornalista
da Cachemira contou ao mundo o que acontece naquela região em
litígio (apesar da censura promovida pelo governo da Índia);
durante a conferência Agenda 21 em Istambul, na Turquia, grupos oposicionistas
divulgaram seus manifestos via Internet. O grupo guerrilheiro Tupac-Amaru
também divulgou seus comunicados
pela Web durante a ocupação da embaixada japonesa no Peru,
em 1996/97, e no México o grupo
zapatista do comandante Marcos age com grande desenvoltura apresentando
suas posições e denúncias na Internet.
A própria televisão que,
durante muito tempo se limitou a um noticiário pasteurizado e a
programas de entretenimento, percebe que precisa se engajar mais na cobertura
dos acontecimentos, para não perder o espaço informativo
para a Internet. No mesmo dia em que apresenta manifestações
em lugares tão distantes como New Delhi e Londres, Berlim e Peshawar,
Caracas e Islamabad, também mostra (TV 5, da França, em 13/10/2001)
uma reportagem especial sobre as populações do Oriente Médio,
especialmente os curdos, sofrendo com o isolamento econômico imposto
ao Iraque, com o represamento pela Turquia dos rios da região, a
repressão usando armas fornecidas a governos ditatoriais pelas potências
do Ocidente.
Aliás,
é significativo como, nesta guerra, os meios de comunicação
estão no centro dos acontecimentos: o milionário terrorista
Osama Bin Laden envia imagens para as emissoras de televisão, os
alvos dos atentados com aviões são ícones dos cartões
postais e dos filmes (como as torres do World Trade Center de New York),
e quando o envio de imagens por meios normais é impossibilitado,
entra em ação um novo aparelho que as envia por telefone:
o videofone. Nesta nova guerra, os computadores são usados para
rastrear a movimentação econômica dos grupos terroristas,
pessoas no Brasil reclamam de que suas linhas telefônicas foram pirateadas
para uso em telefonemas ao Afeganistão e até cartas contendo
bactérias de antraz são endereçadas a empresas jornalísticas
(editora de tablóides American Media, Rede de TV NBC, The New
York Times).
Percebendo o perigo que a Internet
representa para o poder dos governantes, estes tentam - em vão -
submetê-la ao controle: a China constrói uma gigantesca intranet,
pretendendo bloquear o acesso de seus cidadãos a endereços
estrangeiros na rede; governos ocidentais como Inglaterra e Estados Unidos
desenvolvem grandes sistemas de monitoramento das telecomunicações,
dos quais os mais conhecidos são os norte-americanos Echelon e Carnivore.
A primeira guerra do terceiro milênio
proporciona aos governantes uma oportunidade de ampliar esses controles,
e essa tendência é liderada ironicamente pelo país
que mais prega a liberdade da informação. O uso do correio
eletrônico pelos terroristas - passando ao largo do glossário
de palavras e expressões usados pelo Echelon - permite que, em nome
da segurança nacional, a Justiça conceda ao FBI o direito
de obrigar provedores de Internet a instalar aplicativos para monitoramento
das mensagens por aquela agência de investigação. E
a possibilidade de terroristas incluírem mensagens cifradas em vídeos
distribuídos à televisão mundial abre espaço
para que governantes aumentem os controles sobre as transmissões
televisivas.
Ao mesmo tempo, começa uma
campanha de melhoria da péssima imagem dos EUA nos países
árabes/islâmicos, através do aumento do intercâmbio
de estudantes árabes com os países ocidentais e, principalmente,
pela ampliação das transmissões de rádio e
televisão dirigidas àqueles países.
Dez anos antes, quando da invasão
do Iraque, o mundo viu pela rede CNN um grande jogo de computador, com
mísseis riscando o céu de Bagdá e orientados por satélite para
atingir alvos específicos, dando a idéia de uma operação
"limpa", uma guerra de ficção, em que apenas os prédios
são destruídos, sem perda de vidas humanas. Mais fácil
de justificar que as carnificinas ocorridas no Vietnã, no Laos e
no Camboja.
Agora, no Afeganistão, os
islâmicos contam com uma poderosa arma: câmeras de televisão
árabes transmitindo, de Kabul, imagens de crianças feridas,
pessoas morrendo e populações inteiras fugindo famintas e
doentes. A emissora de Atlanta mostra apenas um céu verde com alguns
clarões. A nova "CNN árabe" (como a revista Time apelidou
a emissora fundada em 1996 em Doha, no Qatar) mostra ao mundo as bombas
caindo sobre vilas e cidades já arrasadas por 20 anos de guerra
interna, e as pessoas protestando contra isso nas principais cidades. Dando
novo sentido à expressão "Informação é
poder".
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