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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/14/01 02:06:36
TERROR NOS EUA
Nova guerra é nas telecomunicações 

"Informação é poder"

Carlos Pimentel Mendes

Muito mais que a mera disputa entre a rede de televisão CNN (de Atlanta/EUA) e a rede Al-Jazeera (de Doha, no Qatar), a nova guerra mundial é pelo controle da informação em todas as suas formas. Não por acaso, um dos primeiros alvos dos aviões bombardeiros norte-americanos no Afeganistão foi uma emissora de rádio em Kabul. Imediatamente após sua destruição, sua freqüencia de transmissão foi ocupada por transmissões especiais norte-americanas dirigidas ao povo afegão. E, junto com os alimentos jogados pelos bombardeiros norte-americanos, vão também radinhos especiais de pilha, para que os afegãos possam captar essas transmissões com a "verdade" ocidental. Pelo mesmo motivo, o regime Taliban, que os EUA querem remover do controle da nação afegã, cuidou de proibir (sob pena de morte) que todos os cidadãos tivessem acesso a Internet, televisão ou rádio de ondas curtas. 

Estúdios da TV Al Jazeera, em matéria da rede CNN em 13/10/2001 (captura de tela)
São apenas alguns dos indícios da importância dada por todas as partes em conflito ao poder da informação e à importância de controlá-la. Não basta, por exemplo, o governo estadunidense formar alianças com os governos árabes para "combater o terrorismo", é preciso que a população em geral se convença da seriedade e da validade da proposta; senão, os governos aiados é que podem ser apeados do Emissora de rádio afegã, momentos antes de ser destruída por bombas dos EUA (captura de tela - 11/10/2001)poder. O problema é que nem dá para esconder, manifestações contra a política externa dos EUA pipocam por todas as partes do mundo, quase todo dia acontece - em algum lugar da Ásia, do Oriente Médio, até da Inglaterra - o gesto simbólico da queima em público da bandeira de listas e estrelas.

A batalha das telecomunicações começou nos primeiros anos do século XX, quando foram organizados os principais serviços de rádio de ondas curtas. Pode-se dizer que a Segunda Guerra Mundial foi a guerra da BBC - emissora semi-oficial inglesa que transmitia boletins em diversos idiomas, com antenas para todos os continentes. Já então, possuir receptor de rádio de ondas curtas na Alemanha nazista era altamente suspeito. 

Depois, vieram as rádios dirigidas aos países comunistas (novamente, cidadão soviético ouvindo a Voz da América ou cidadão cubano ouvindo a Radio Martí seria detido sem apelação). No Brasil pós-1964, aparelho sintonizado na Rádio Moscou ou na Rádio Pequim poderia sujeitar o cidadão a se explicar perante a Delegacia de Ordem Política e Social (Dops): provavelmente seria identificado como guerrilheiro ou subversivo, no mínimo como simpatizante dos proscritos regimes políticos de esquerda mais radical.

Liberdade e segurança - Na guerra da informação, a liberdade individual é a primeira sacrificada, sempre em nome da segurança coletiva, nacional. Saber mais do que o governo local permite se transforma em crime imperdoável. E isso não é Posição da rede CNN: submeter às autoridades os vídeos antes de exibi-los (captura de tela em 11/10/2001)"privilégio" de regimes ditatoriais. Na própria terra dos campeões da liberdade, um claro recado foi enviado as emissoras estadunidenses de maior porte, sobrando também para as estrangeiras, como a Al Jazeera ("A Península", em árabe): precisam editar mais cuidadosamente o material que divulgam, para não haver o risco de passar mensagens cifradas da organização terrorista Al Qaeda para seus membros espalhados pelo mundo. 

Novamente, a segurança nacional é invocada, mas há uma leitura complementar nesse recado: o governo dos EUA não está gostando do volume de matérias sobre manifestações anti-EUA e pressiona as emissoras para que mudem o tom da cobertura. Pressão que seria impensável, poucos anos antes, diante das claras normas constitucionais estadunidensese em favor da liberdade de informação sobre tudo o mais.

Na Internet - Surgida no meio militar e logo partindo para uma expansão mundial em mãos civis, a rede mundial de computadores deu a primeira oportunidade a qualquer pessoa de se manifestar, em igualdade de condições com as comunicações oficiais e burlando qualquer tentativa de censura. Assim, os chineses souberam via Internet do massacre na Praça da Paz Celestial em Beijing (Pequim), e um jornalista da Cachemira contou ao mundo o que acontece naquela região em litígio (apesar da censura promovida pelo governo da Índia); durante a conferência Agenda 21 em Istambul, na Turquia, grupos oposicionistas divulgaram seus manifestos via Internet. O grupo guerrilheiro Tupac-Amaru também divulgou seus comunicados pela Web durante a ocupação da embaixada japonesa no Peru, em 1996/97, e no México o grupo zapatista do comandante Marcos age com grande desenvoltura apresentando suas posições e denúncias na Internet.

Pescadores em Bassorah, Sul do Iraque, perguntam pelos direitos humanos, em reportagem da TV francesa (captura de tela em 13/10/2001)
A própria televisão que, durante muito tempo se limitou a um noticiário pasteurizado e a programas de entretenimento, percebe que precisa se engajar mais na cobertura dos acontecimentos, para não perder o espaço informativo para a Internet. No mesmo dia em que apresenta manifestações em lugares tão distantes como New Delhi e Londres, Berlim e Peshawar, Caracas e Islamabad, também mostra (TV 5, da França, em 13/10/2001) uma reportagem especial sobre as populações do Oriente Médio, especialmente os curdos, sofrendo com o isolamento econômico imposto ao Iraque, com o represamento pela Turquia dos rios da região, a repressão usando armas fornecidas a governos ditatoriais pelas potências do Ocidente.

Videofone estréia nas reportagens em que não há como enviar imagem de TV normal (captura de tela em 22/9/2001)Aliás, é significativo como, nesta guerra, os meios de comunicação estão no centro dos acontecimentos: o milionário terrorista Osama Bin Laden envia imagens para as emissoras de televisão, os alvos dos atentados com aviões são ícones dos cartões postais e dos filmes (como as torres do World Trade Center de New York), e quando o envio de imagens por meios normais é impossibilitado, entra em ação um novo aparelho que as envia por telefone: o videofone. Nesta nova guerra, os computadores são usados para rastrear a movimentação econômica dos grupos terroristas, pessoas no Brasil reclamam de que suas linhas telefônicas foram pirateadas para uso em telefonemas ao Afeganistão e até cartas contendo bactérias de antraz são endereçadas a empresas jornalísticas (editora de tablóides American Media, Rede de TV NBC, The New York Times).

Percebendo o perigo que a Internet representa para o poder dos governantes, estes tentam - em vão - submetê-la ao controle: a China constrói uma gigantesca intranet, pretendendo bloquear o acesso de seus cidadãos a endereços estrangeiros na rede; governos ocidentais como Inglaterra e Estados Unidos desenvolvem grandes sistemas de monitoramento das telecomunicações, dos quais os mais conhecidos são os norte-americanos Echelon e Carnivore.

Página Web da TV Al Jazeera, em árabe
A primeira guerra do terceiro milênio proporciona aos governantes uma oportunidade de ampliar esses controles, e essa tendência é liderada ironicamente pelo país que mais prega a liberdade da informação. O uso do correio eletrônico pelos terroristas - passando ao largo do glossário de palavras e expressões usados pelo Echelon - permite que, em nome da segurança nacional, a Justiça conceda ao FBI o direito de obrigar provedores de Internet a instalar aplicativos para monitoramento das mensagens por aquela agência de investigação. E a possibilidade de terroristas incluírem mensagens cifradas em vídeos distribuídos à televisão mundial abre espaço para que governantes aumentem os controles sobre as transmissões televisivas.
 
Receptores de rádio enviados aos afegãos pelos aviões dos EUA (captura de tela em 11/10/2001 Ofensiva de comunicação e melhoria da imagem pública que os EUA iniciarão no Oriente Médio (captura de tela - 13/10/2001)

Ao mesmo tempo, começa uma campanha de melhoria da péssima imagem dos EUA nos países árabes/islâmicos, através do aumento do intercâmbio de estudantes árabes com os países ocidentais e, principalmente, pela ampliação das transmissões de rádio e televisão dirigidas àqueles países. 

Dez anos antes, quando da invasão do Iraque, o mundo viu pela rede CNN um grande jogo de computador, com mísseis riscando o céu de Bagdá e orientados por satélite Kabul bombardeada: imagem da TV Al Jazeera, do Qatar, mostrada pela TV ART, da Arábia Saudita (captura de tela - 11/10/2001)para atingir alvos específicos, dando a idéia de uma operação "limpa", uma guerra de ficção, em que apenas os prédios são destruídos, sem perda de vidas humanas. Mais fácil de justificar que as carnificinas ocorridas no Vietnã, no Laos e no Camboja.

Agora, no Afeganistão, os islâmicos contam com uma poderosa arma: câmeras de televisão árabes transmitindo, de Kabul, imagens de crianças feridas, pessoas morrendo e populações inteiras fugindo famintas e doentes. A emissora de Atlanta mostra apenas um céu verde com alguns clarões. A nova "CNN árabe" (como a revista Time apelidou a emissora fundada em 1996 em Doha, no Qatar) mostra ao mundo as bombas caindo sobre vilas e cidades já arrasadas por 20 anos de guerra interna, e as pessoas protestando contra isso nas principais cidades. Dando novo sentido à expressão "Informação é poder". 

Revista 'Time' apelida a emissora do Qatar de 'CNN árabe'

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