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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 09/13/01 15:57:04
Todos os americanos foram esfaqueados 

Sérgio Buaiz (*)
Colaborador

Após dois dias de pesadelo e informações desconexas, começo a enxergar os ataques terroristas aos Estados Unidos sob um outro ângulo, talvez utópico ou futurista demais para o momento. Entretanto, as reações imediatas do mundo inteiro me fazem acreditar que estamos diante de um novo paradigma de guerra.

Devemos lembrar que as duas grandes guerras do século passado e todas as outras que a história registrou até hoje, eram guerras localizadas. Um país ou nação reunida geograficamente declarava guerra contra outro e a resposta era igualmente localizada, restrita às áreas de ocupação dos participantes do embate.

Aos poucos, esse espaço geográfico começou a se dispersar, com a migração de grupos étnicos e religiosos para outros países, sobretudo pela evolução dos meios de transporte e a integração da política internacional, que caminhou passo a passo até o atual quadro de globalização.

Hoje, não apenas Nova York, como também São Paulo, Paris, Londres, Rio de Janeiro, Tókio etc, etc, etc, abrigam pessoas de todo o mundo entre os seus habitantes. A cultura mundial vêm se fundindo ou misturando, bem como a economia, as religiões, os valores sociais e tudo o que nos cerca.

Por isso, não podemos ver o dia 11 de setembro como uma data isolada no tempo e no espaço. Temos, sim, que observar esse dia terrível em uma linha de tempo histórica, que retrata a situação atual de diferenças, porém indica uma direção muito interessante de diálogo e cooperação entre as nações.

A repercussão do atentado aos Estados Unidos é muito grande e está nos revelando reflexos inimagináveis há pouco tempo atrás. Cuba oferecendo seus aeroportos, Moscou de luto e Arafat doando sangue, são indícios de uma nova consciência coletiva, que está, literalmente, desarmando os americanos!

Até o momento, ninguém assumiu publicamente o atentado. Nenhum estadista teve sequer coragem de apoiar o feito, sob a ameaça de uma represália exemplar americana. Nem Saddam Hussein, nem Kadafi ou qualquer inimigo declarado quer se comprometer nesse momento. Contrariando todos os prognósticos, até o Taleban já disse que vai colaborar, extraditando os culpados, caso sejam identificados em seu território!

O que isso significa? Ainda não sei direito, mas algo me diz que podemos aprender uma grande lição e viver uma nova Era daqui pra frente.

Captura de imagem da TV CNN em espanhol, dos EUA: secretário da Defesa fala sobre retaliação...
Se os governantes americanos forem prudentes o suficiente para não ceder à emoção da opinião pública, evitando qualquer ato de revide inconseqüente, é provável que não surja um inimigo localizado em que se possa jogar uma bomba e devolver o mesmo estrago de terça-feira.

Se até o Taleban quer colaborar, não há nada que justifique aniquilar o Afeganistão ou qualquer outro país. Cabe aos americanos encontrar os culpados e puni-los, individualmente, aonde quer que eles estejam.

Morreram 10.000? É uma tragédia, mas qualquer revide na mesma proporção é injustificável. Quem organizou o atentado será varrido do mapa, mas seus conterrâneos nada têm a ver com isso. Até porque, já sabemos que o terrorismo está espalhado pelo mundo e não é localizado. Não é uma guerra comum! 

No outro artigo que escrevi durante os acontecimentos de terça-feira, inclui a seguinte observação que desejo comentar agora: 

"Americanos não sabem perder. Foram treinados para ganhar sempre! Foram educados para serem os melhores e os mais fortes... não vão deixar isso barato! Por isso, se não fizerem pelo menos o dobro de estragos no oriente, dos que sofreram nessa terça-feira negra, jamais serão os mesmos. Por outro lado, se fizerem algo tão grave, o mundo é que não será mais o mesmo!" (Artigo Terror e videogame - Sergio Buaiz - 11 de setembro de 2001)

É importante ressaltar que, quando eu escrevi isso, o mundo ainda não sabia quem era o mandante do atentado. Se uma nação como Iraque, Afeganistão ou outra assumisse publicamente os ataques, os Estados Unidos teriam todo o respaldo político para revidar com bombas e iniciar uma nova guerra de dimensões imprevisíveis, considerando sua vocação natural violenta, amplificada pelo simbolismo dos fatos.

Entretanto, como isso não aconteceu, nada pôde ser feito ainda. O tempo está passando e os americanos nada podem fazer além de investigar os culpados e aumentar sua segurança interna. Ou seja, após dois dias de angústia, trata-se de uma guerra com apenas um perdedor: os Estados Unidos.

É claro que todos estamos chocados e o mundo inteiro sofre as conseqüências que vêm de lá, mas é importante ressaltar que a maior perda americana não foi econômica. Perder as torres gêmeas e ter o Pentágono violado são traumas para todo um povo, que teve sua honra afetada. Não serão 80, 100, 200 bilhões de dólares que vão resolver a sensação de insegurança e apagar as imagens de terror transmitidas pela TV. 

Tenho visto alguns comentaristas falando da força americana para reconstruir os estragos causadas por tufões, tornados e outras catástrofes naturais. Entretanto, não falamos agora de um estrago físico! São situações completamente diferentes! 

Ninguém contesta a capacidade americana de reconstruir Nova York e superar a crise financeira que tudo isso pode gerar, mas quem vai curar o medo? Quem vai devolver o sono tranqüilo dos civis? Quem vai tirar a sensação de vitória dos terroristas?

Não há como prever a duração e as conseqüências de um trauma como esse. Não foi um ataque econômico ou físico. Foi um ataque emocional. Todos os americanos foram esfaqueados em sua auto-estima, pela derrota implacável em uma guerra com vencedor anônimo e onipresente.

O terrorismo não tem cara, nem sentimento. Não há revide capaz de tirar o sorriso do rosto desses loucos, escondidos em qualquer lugar, treinados para matar e morrer. Ou seja, nenhuma retaliação bélica vai funcionar dessa vez! 

O que temos, na verdade, é um tema para reflexão coletiva e inadiável. O mundo inteiro precisa debater sobre as causas do terrorismo e concluir que não há bomba capaz de pará-los. Ou curamos nossa sociedade global doente, ou perderemos todas as guerras daqui por diante.

Os americanos, pela primeira vez, sentem que sua hegemonia é uma faca de dois gumes. Eles podem negar isso a todo custo e bombardear quem quiserem, mas a sensação de derrota e medo vai continuar até que revejam sua postura internacional e comecem a se preocupar, realmente, com o todo.

Todos sabemos que algo está errado, mas dependemos dos donos do mundo para que alguma mudança real seja feita. Agora, eles também sentem as conseqüências.

(*) Sérgio Buaiz é publicitário e escritor.

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