Todos os americanos foram esfaqueados
Sérgio Buaiz (*)
Colaborador
Após
dois dias de pesadelo e informações desconexas, começo
a enxergar os ataques terroristas aos Estados Unidos sob um outro ângulo,
talvez utópico ou futurista demais para o momento. Entretanto, as
reações imediatas do mundo inteiro me fazem acreditar que
estamos diante de um novo paradigma de guerra.
Devemos lembrar que as duas grandes
guerras do século passado e todas as outras que a história
registrou até hoje, eram guerras localizadas. Um país ou
nação reunida geograficamente declarava guerra contra outro
e a resposta era igualmente localizada, restrita às áreas
de ocupação dos participantes do embate.
Aos poucos, esse espaço geográfico
começou a se dispersar, com a migração de grupos étnicos
e religiosos para outros países, sobretudo pela evolução
dos meios de transporte e a integração da política
internacional, que caminhou passo a passo até o atual quadro de
globalização.
Hoje, não apenas Nova York,
como também São Paulo, Paris, Londres, Rio de Janeiro, Tókio
etc, etc, etc, abrigam pessoas de todo o mundo entre os seus habitantes.
A cultura mundial vêm se fundindo ou misturando, bem como a economia,
as religiões, os valores sociais e tudo o que nos cerca.
Por isso, não podemos ver
o dia 11 de setembro como uma data isolada no tempo e no espaço.
Temos, sim, que observar esse dia terrível em uma linha de tempo
histórica, que retrata a situação atual de diferenças,
porém indica uma direção muito interessante de diálogo
e cooperação entre as nações.
A repercussão do atentado
aos Estados Unidos é muito grande e está nos revelando reflexos
inimagináveis há pouco tempo atrás. Cuba oferecendo
seus aeroportos, Moscou de luto e Arafat doando sangue, são indícios
de uma nova consciência coletiva, que está, literalmente,
desarmando os americanos!
Até o momento, ninguém
assumiu publicamente o atentado. Nenhum estadista teve sequer coragem de
apoiar o feito, sob a ameaça de uma represália exemplar americana.
Nem Saddam Hussein, nem Kadafi ou qualquer inimigo declarado quer se comprometer
nesse momento. Contrariando todos os prognósticos, até o
Taleban já disse que vai colaborar, extraditando os culpados, caso
sejam identificados em seu território!
O que isso significa? Ainda não
sei direito, mas algo me diz que podemos aprender uma grande lição
e viver uma nova Era daqui pra frente.
Se os governantes americanos forem prudentes
o suficiente para não ceder à emoção da opinião
pública, evitando qualquer ato de revide inconseqüente, é
provável que não surja um inimigo localizado em que se possa
jogar uma bomba e devolver o mesmo estrago de terça-feira.
Se até o Taleban quer colaborar,
não há nada que justifique aniquilar o Afeganistão
ou qualquer outro país. Cabe aos americanos encontrar os culpados
e puni-los, individualmente, aonde quer que eles estejam.
Morreram 10.000? É uma tragédia,
mas qualquer revide na mesma proporção é injustificável.
Quem organizou o atentado será varrido do mapa, mas seus conterrâneos
nada têm a ver com isso. Até porque, já sabemos que
o terrorismo está espalhado pelo mundo e não é localizado.
Não é uma guerra comum!
No outro artigo que escrevi durante
os acontecimentos de terça-feira, inclui a seguinte observação
que desejo comentar agora:
"Americanos não sabem perder.
Foram treinados para ganhar sempre! Foram educados para serem os melhores
e os mais fortes... não vão deixar isso barato! Por isso,
se não fizerem pelo menos o dobro de estragos no oriente, dos que
sofreram nessa terça-feira negra, jamais serão os mesmos.
Por outro lado, se fizerem algo tão grave, o mundo é que
não será mais o mesmo!" (Artigo Terror
e videogame - Sergio Buaiz - 11 de setembro de 2001)
É importante ressaltar que,
quando eu escrevi isso, o mundo ainda não sabia quem era o mandante
do atentado. Se uma nação como Iraque, Afeganistão
ou outra assumisse publicamente os ataques, os Estados Unidos teriam todo
o respaldo político para revidar com bombas e iniciar uma nova guerra
de dimensões imprevisíveis, considerando sua vocação
natural violenta, amplificada pelo simbolismo dos fatos.
Entretanto, como isso não
aconteceu, nada pôde ser feito ainda. O tempo está passando
e os americanos nada podem fazer além de investigar os culpados
e aumentar sua segurança interna. Ou seja, após dois dias
de angústia, trata-se de uma guerra com apenas um perdedor: os Estados
Unidos.
É claro que todos estamos
chocados e o mundo inteiro sofre as conseqüências que vêm
de lá, mas é importante ressaltar que a maior perda americana
não foi econômica. Perder as torres gêmeas e ter o Pentágono
violado são traumas para todo um povo, que teve sua honra afetada.
Não serão 80, 100, 200 bilhões de dólares que
vão resolver a sensação de insegurança e apagar
as imagens de terror transmitidas pela TV.
Tenho visto alguns comentaristas
falando da força americana para reconstruir os estragos causadas
por tufões, tornados e outras catástrofes naturais. Entretanto,
não falamos agora de um estrago físico! São situações
completamente diferentes!
Ninguém contesta a capacidade
americana de reconstruir Nova York e superar a crise financeira que tudo
isso pode gerar, mas quem vai curar o medo? Quem vai devolver o sono tranqüilo
dos civis? Quem vai tirar a sensação de vitória dos
terroristas?
Não há como prever
a duração e as conseqüências de um trauma como
esse. Não foi um ataque econômico ou físico. Foi um
ataque emocional. Todos os americanos foram esfaqueados em sua auto-estima,
pela derrota implacável em uma guerra com vencedor anônimo
e onipresente.
O terrorismo não tem cara,
nem sentimento. Não há revide capaz de tirar o sorriso do
rosto desses loucos, escondidos em qualquer lugar, treinados para matar
e morrer. Ou seja, nenhuma retaliação bélica vai funcionar
dessa vez!
O que temos, na verdade, é
um tema para reflexão coletiva e inadiável. O mundo inteiro
precisa debater sobre as causas do terrorismo e concluir que não
há bomba capaz de pará-los. Ou curamos nossa sociedade global
doente, ou perderemos todas as guerras daqui por diante.
Os americanos, pela primeira vez,
sentem que sua hegemonia é uma faca de dois gumes. Eles podem negar
isso a todo custo e bombardear quem quiserem, mas a sensação
de derrota e medo vai continuar até que revejam sua postura internacional
e comecem a se preocupar, realmente, com o todo.
Todos sabemos que algo está
errado, mas dependemos dos donos do mundo para que alguma mudança
real seja feita. Agora, eles também sentem as conseqüências.
(*) Sérgio
Buaiz é publicitário
e escritor.
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