HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Rancho de tropeiros durou de 1837 a 1920
Ficava na atual Avenida São Francisco, próximo do túnel no Monte Serrat
Para atender necessidades dos tropeiros que transportavam cargas
entre o porto de Santos e a capital paulista, e suas mulas, foi criado em Santos o Rancho Grande dos Tropeiros, ao lado das instalações do
terceiro hospital próprio da Misericórdia de Santos, de 1836, de Capela de Santa Izabel e
São Francisco de Paulo (1775), em local hoje correspondente aproximadamente ao trecho inicial da atual Avenida São Francisco,
junto ao Largo S. Francisco de Paula (onde no século XX foi construída a alça de acesso do túnel Rubens Ferreira Martins ao
elevado Aristides Bastos Machado), e à atual Praça dos Andradas.
Os planos para a construção, em carta do presidente da província de São Paulo à Câmara de Santos, foram noticiados
pelo jornal O Farol Paulistano, da capital paulista, na página 3
da edição 195, de 7 de março de 1829 (acervo Memória da Biblioteca Nacional Digital - acesso em 16/9/2012 -
ortografia atualizada nestas transcrições):
Imagem:
reprodução da página 3 do jornal O Farol Paulistano de 7/3/1829
Tendo o Conselho Geral desta Província em conformidade da lei que incumbe resolver as obras que se
devam fazer na estrada do Cubatão para essa vila, designando as que constam da cópia inclusa do parecer da
Comissão encarregada de as propor, o qual foi aprovado pelo mesmo Conselho, deixando porém este ao meu arbítrio determinar sua execução nos lugares
apontados, quando se verifiquem as propriedades que se diz haver para o fim a que são destinados, ordeno a vossas mercês que executando pontualmente
o que consta do mesmo parecer, me informe circunstanciadamente:
- 1º se o pátio da Igreja de S. Francisco de Paula tem a precisa capacidade para nele se construir
um rancho para acomodação dos tropeiros e para se formarem os pastos necessários aos animais, ou se é preferível o outro que estava projetado junto
ao morro da Pólvora (N. E.: o Morro do Fontana foi também
assim conhecido, por ter em sua encosta a Casa da Pólvora), para o
qual se deveria aproveitar a telha daquele que ali existe, cuja importância se calculou em 300U réis
(N. E.: a notação 300U rs. equivale à forma mais conhecida 300$ ou 300$000 ou 300 mil-réis, 30% do
valor de 1 conto de réis), e isto quando o lugar indicado pelo Conselho não tenha todas as
proporções vantajosas, que se presumem;
- 2º se no caso de fazer-se no mesmo pátio da Igreja de S. Francisco, e junto ao dito rancho o
bebedouro dos animais, pode-se dispensar o outro que também estava projetado próximo ao dito morro da Pólvora para o qual já existe tirada toda ou
parte da pedra precisa, e sua importância orçada em 200U réis, ou se igualmente são ambos necessários;
- 3º Qual o lugar mais apropriado para o rancho que se deve construir entre os rios
de S. Vicente (N. E.: na verdade um braço de mar, hoje conhecido como Rio Casqueiro) e
Saboó (N. E.: erroneamente grafado Sabaó no original),
e o que ocorrer acerca do terreno, que se deve restituir ao uso público para pastagem, seguindo a este respeito o que indica o Conselho Geral, e
preferindo sempre os meios conciliatórios para conseguir-se mais prontamente o fim desejado, sem dependência da execução da Lei de 9 de setembro de
1826; e cuidará da mesma sorte em reservar desde já o que com este destino for preciso nas imediações do pátio da Igreja de S. Francisco, até que se
resolva a construção do mencionado rancho, não consentindo que seja tomado ou fechado;
- 4º Que devendo ser o rancho do largo de S. Francisco de 200 palmos de frente, e necessária
largura sobre pilares de pedra e cal, com tarimbas no centro e mais arranjos necessários, tudo à maneira dos que se achavam servindo no Cubatão, e
aqueles que se tem de construir entre os rios de S. Vicente e Saboó, do comprimento e largura que parecer suficiente,
cumpre que mandem proceder imediatamente ao orçamento de sua importância, bem como do bebedouro que deve ser feito junto ao primeiro, e o remetam
com a maior brevidade possível para que eu possa mandar que estas obras sejam postas em hasta pública, tendo vossas mercês em vista quanto ao
último, que querendo eu que ele sirva também para o acondicionamento das madeiras destinadas à reedificação da ponte do rio de São Vicente, me
informarão se é ou não possível conciliar-se isto com a comodidade pública a que o mesmo se destina, sendo colocado em lugar que não fique muito
retirado da ponte para evitar-se o trabalho de condução das madeiras;
- 5º finalmente poderão vossas mercês, quando lhes pareça, ouvir sobre todos estes objetos ao
atual inspetor da estrada, o tenente Antonio Mariano dos Sanctos, entre os outros meios que devem empregar para se obter o fim desejado.
Deus guarde a vossas mercês. Palácio do Governo de S. Paulo - 21 de fevereiro de 1829. - José
Carlos Pereira d'Almeida Torres. - Srs. presidente e membros da Câmara da Vila de Santos. |
Dois anos depois, o mesmo jornal paulistano registrou, na
primeira página da edição 464, de 17 de março de 1831:
Imagem:
reprodução da página 1 do jornal O Farol Paulistano de 17/3/1831
S. PAULO.
Artigos de Ofício.
(Pela Secretaria do Governo)
O Conselho Geral comunicou-me ser de
urgente necessidade que se mande construir quanto antes um rancho, aquém ou além da vila de Santos, com 240 palmos de frente, e suficiente fundo
sobre pilares de pedra, e em tudo o mais conforme aos que se acham servindo no Cubatão, com reserva das tarimbas, por não serem necessárias,
demarcando-se na proximidade dele um terreno em grande, que no futuro proporcione pastagem bastante ao acrescimento progressivo dos animais de
transporte, e quando este terreno não seja devoluto, mas sim de propriedade particular, se verifique a sua compra amigavelmente, e por preço
razoável, usando-se do recurso da Lei de 9 de setembro de 1826, uma vez que haja repugnância da parte do proprietário, e que adquirido o terreno
seja imediatamente reduzido a pastagem a parte que for indispensável nas atuais circunstâncias, plantando-se grama e fazendo-se os mais arranjos
necessários, e outrossim, que igual aquisição e pastagem se faça aquém ou além da ponte do Rio de S. Vicente na sua proximidade, e lugar mais
próprio: e tendo em vista que o mesmo Conselho resolvera no ano próximo passado que o rancho que se construísse junto ao dito rio deveria ter 120
palmos de frente, sendo feito pelo mesmo risco dos que existem no Cubatão, à exceção também das tarimbas, e que quanto ao outro próximo à vila já se
exigiu a informação inclusa da respectiva Câmara:
Ordeno a vossa mercê que procedendo aos exames necessários no lugar proposto pela dita Câmara,
informe se ele tem todas as proporções, que ora indica o referido Conselho, ou se existe terreno adjacente que se possa unir, e do contrário se há
outro lugar que ofereça todas as vantagens que se desejam, informando da mesma sorte sobre aquele em que parecer conveniente a construção do rancho
e formação de pastagem junto à ponte de S. Vicente; e quando os lugares que tenham as comodidades exigidas sejam de propriedade particular, entrará
desde logo em convenção com os respectivos proprietários, para verificar-se a sua compra por preço razoável, ao que não anuindo eles, dará conta
imediatamente, declarando a quantidade do terreno que for precisa, sua qualidade e mais circunstâncias necessárias, para usar-se do recurso da Lei,
quando deva ter lugar; outrossim deverá proceder ao plano e orçamento da importância dos referidos ranchos, e enviá-los com a brevidade possível,
para que tais obras sejam postas em hasta pública.
Deus guarde a vossa mercê. Palácio do Governo de S. Paulo - 25 de fevereiro de 1831. - Aureliano
de Souza e Oliveira Coutinho - Sr. sargento-mor josé Joaquim da Luz. |
Esse rancho foi concluído em 1837, no governo do conselheiro Gavião Peixoto (na então
Província de São Paulo), cujo relatório oficial citava: "Ali encontravam enfim o abrigo de que tanto necessitavam os pobres tropeiros".
Com a instalação da ferrovia São Paulo Railway e os melhoramentos feitos no Caminho do Mar,
tal instalação começou a perder suas funções, até ser desativada no princípio do século XX. Sobre o fim desse Rancho Grande, o falecido jornalista Olao
Rodrigues cita, em sua obra Veja Santos! (edição do autor, 1975, 2ª edição, Santos/SP, pág. 260):
Na Rua São Francisco situava-se o famoso Rancho Grande
que, em 1919, em ruínas, foi vendido pela Prefeitura Municipal, segundo autorização da Câmara Municipal, através do parecer nº 95, da Comissão
de Justiça e Poderes, aprovado na sessão realizada a 15 de outubro de 1919, sob a presidência do dr. B. De Moura Ribeiro.
Aliás, na sessão que a Câmara Municipal realizou a 25 de abril de 1917, sob a presidência
do dr. B. de Moura Ribeiro, foi apreciado o parecer nº 174, da Comissão de Obras e Viação, segundo o qual a firma Domingues Pinto & Cia.
propusera à Câmara Municipal permuta de parte do terreno de frente para a Rua São Francisco, que estava necessitando de espaço para seu
alargamento, pelo terreno da Municipalidade onde se situava o Rancho Grande, transformado em armazém de sal da firma
Bento de Sousa & Cia. Esse parecer, que se manifestava desfavoravelmente à pretensão da firma Domingues Pinto & Cia., foi aprovado naquela
sessão do Legislativo.
Todavia, pela lei nº 633, de 16 de agosto de 1920, foi o prefeito municipal autorizado a
permutar o Rancho Grande, já em ruínas, por uma faixa de terrenos de propriedade do sr. Manoel Domingues Pinto.
Venda do Rancho Grande da Rua São Francisco - Edital da Prefeitura Municipal
Publicado no jornal santista A Tribuna em 8 de janeiro de
1920 (e em datas próximas)
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Veja mais:
Rancho
Grande
Tentativa
de melhorar o caminho do Mar
Antiga
Santa Casa, no sopé do Monte Serrat
O Rancho Grande, em tela de Benedito Calixto
Imagem in CD-ROM Benedito Calixto -150 anos,
editado em 2003 pela Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, Santos/SP |
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