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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Matadouro - Biblioteca NM
Histórias do Matadouro Municipal (2-a)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEscrito apenas dois anos após a entrada em funcionamento do Matadouro Municipal de Santos, este raro livro reúne uma série de editoriais publicados pelo autor, o jornalista Alberto Sousa, no jornal santista A Tribuna, em outubro de 1917. A obra foi publicada em 1918, com impressão na Typographia Piratininga, da capital paulista.

O exemplar foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela biblioteca pública que leva o nome desse jornalista, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 3 a 8):

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O Matadouro Modelo de Santos

Alberto Sousa

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I - Exame geral de seus propósitos e suas vantagens

A inauguração, há poucos dias verificada, das câmaras frigoríficas do Matadouro Modelo, ora em construção - constitui um dos sucessos culminantes da história do progresso local nas duas últimas décadas. Pelo valor das obras que acabam de ser inauguradas, e cujo acabamento, de acordo com as mais rigorosas prescrições técnicas, é um atestado a enaltecer a perícia profissional dos seus ilustres construtores - pode-se fazer uma idéia cabal antecipada do que será aquele Matadouro, ao qual as câmaras frigoríficas são anexas.

Há duas faces essenciais a considerar e aplaudir calorosamente nessa arrojada iniciativa dos nossos capitais privados: o edifício, e a instituição a que ele vai servir; a obra d'arte, na maravilhosa beleza de suas linhas monumentais, e o estabelecimento de uma nova e poderosa indústria em nossa terra, nas suas relações diretas com o nosso porvir econômico e social.

O exame das plantas do edifício, e a leitura dos relatórios e discriminações especiais que as acompanham, patenteiam-nos, de modo sugestivo, concludente e insofismável, o escrúpulo científico que presidiu à elaboração criteriosa de todos os planos indispensáveis à execução dessa obra, por todos os motivos digna da invejável posição que Santos ocupa no estado de S. Paulo e no Brasil.

Ela é, incontestavelmente, depois das Docas, o mais importante lavor de engenharia que se leva a efeito nesta cidade, pela força exclusiva da vontade e da energia individual.

Custeada por capitais particulares, pertencentes a uma companhia genuinamente nacional, ela é, também, desde os estudos iniciais até à sua conclusão final, que não está longe, o fruto exclusivo e o resultado feliz da competência de profissionais brasileiros, que honram o seu nome, dignificando a sua pátria; e a testa deles encontra-se, para desvanecimento e legítimo orgulho dos santistas, um conterrâneo nosso, que ali tem congregado sinergicamente as suas grandes qualidades organizadoras e diretivas, já largamente comprovadas, aliás, noutras circunstâncias, noutros tempos e noutras atribuições. Cremos escusado citar nominalmente o dr. Roberto Cochrane Simonsen.

Só esse conjunto de motivos seria suficiente para que os esforços da Companhia Frigorífica de Santos se vissem publicamente amparados, não apenas pelo apoio incondicional e convergente das opiniões esclarecidas, se não também pela franca simpatia geral da população de todo o município.

É preciso ter um forte e sincero amor pela terra natal, e a mais viva e destemerosa confiança no desenvolvimento de suas forças futuras, para perseverar na execução de uma obra de tal grandeza e de tamanho porte, quando o momento atual obriga o capital a retrair-se e, pelos obstáculos de todo o gênero opostos a todas as tentativas, desanima as têmperas mais resistentes e acovarda os mais robustos corações.

Não é só o capital que se retrai, desconfiado e suspeitoso; não é só o dinheiro que se recusa a fomentar as iniciativas mais brilhantes e mais sedutoras: é o custo excessivo de todos os materiais, é a dificuldade de adquiri-los nos centros produtores e transportá-los prontamente para o nosso país; é a oscilação brusca e desmarcada dos preços da produção, impedindo as previsões orçamentárias, imprescindíveis a quaisquer obras, principalmente às de grande vulto, como aquela de que nos ocupamos.

Pois bem: os corajosos empreendedores santistas não se detiveram diante desses obstáculos, não retrocederam diante dessas dificuldades, prosseguindo, sem vacilações nem fraquezas, na execução de seus esplêndidos projetos, cujo primeiro resultado prático tivemos ocasião de aplaudir e admirar na passada sexta-feira, com a inauguração oficial das câmaras frigoríficas.

Mas não é só o adiantamento em que vai a construção material do edifício, em suas peças principais e nos seus acessórios, que provoca a nossa justa admiração. É a instituição a que ela vai servir, que, pela sua utilidade indiscutível e pela sua importância excepcional, atrai neste momento a nossa atenção de jornalistas, preocupados com a solução racional dos problemas ligados à vida e à civilização de nosso povo.

O aspecto econômico e o aspecto social de que se reveste o empreendimento de que Santos está sendo dotada, não podem ser indiferentes às nossas cogitações. Economicamente, ele abre ao Município uma era industrial auspiciosíssima, pela exportação, em grande escala, de carnes frigorificadas, o que, além de contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da criação de gado nos campos do interior, estabelecerá uma corrente comercial contínua com os mercados estrangeiros, já não mais limitada simplesmente à exportação do café e a alguns produtos cerealíferos cultivados em pequenas proporções.

Sob o ponto de vista social, ele concorre para a solução prática do problema da alimentação, que é um dos que mais dominam, em toda a parte, o espírito dos homens de governo, dos pensadores e dos fisiologistas.

Salvo em certos casos pessoais singularíssimos, a carne, especialmente de vaca, é um alimento indispensável aos organismos ativos. Ela é formalmente prescrita, sobretudo, às populações dos países quentes, onde as forças se exaurem mais rapidamente, exigindo também rapidamente uma reparação completa. As estatísticas demonstram a decadência da natalidade e a elevação da taxa da mortalidade nas épocas de crise em que a alimentação carniceira sofre uma redução sensível na sua quantidade.

Ora, se a diminuição da quantidade de carne consumida redunda em prejuízo da vitalidade da população, é claro que a melhor qualidade desse alimento - que é o mais rico em princípios plásticos e reparadores - compensa o desfalque que a carestia acaso possa determinar na porção adquirida por cada um.

É o que o Matadouro Modelo, com o seu processo de frigorificação a seco, vem proporcionar às classes menos abastadas tirando ás carnes sua umidade exterior, mas conservando no interior dos tecidos os princípios vitais necessários à nutrição humana. Assim, pois, quando a vida está cara e a subsistência custa muito dinheiro, não é indispensável que a mesa do pobre tenha carne diariamente, desde que a que lhe é fornecida seja tipicamente superior.

A carne que se come atualmente, não só em Santos como em outras localidades paulistas, é de péssima qualidade, como ninguém ignora; quer dizer que, para produzir o efeito alimentar que se procura nela, torna-se preciso ingerir uma quantidade maior do que a que seria bastante se a sua qualidade não fosse má, inconveniente que, sobre onerar pecuniariamente o consumidor, vai forçar-lhe o estômago a um trabalho de digestão mais demorado e fatigante.

Além disso, as influências atmosféricas, as tempestades, o contato das moscas, produzem na carne alterações graves, fermentações putrecentes, de que ela escapará nos frigoríficos, sujeita a uma temperatura regular, uniforme e constante, ao abrigo das variações do ar e da umidade.

O Governo Municipal de Santos, contratando, pois, com a Companhia Frigorífica, a construção, arrendamento e exploração do Matadouro Modelo, e indústrias anexas, atingiu a altura das administrações mais previdentes, e trouxe o poderoso contingente de seu esforço para a solução de um dos aspectos importantes do problema social entre nós, porque se relaciona com a própria robustez e integridade física do nosso povo, que precisa crescer e se desenvolver forte, a fim de tomar parte ativa na grande luta econômica que se vai travar depois da guerra (N.E.: a I Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918).

Os espíritos ponderados, os homens de peso, os cidadãos compenetrados de suas responsabilidades perante o público, só têm tido para essa admirável iniciativa palavras ardentes de apoio, de solidariedade, de entusiasmo e de simpatia.

Mas, algumas pessoas que se comprazem em desnaturar a verdade, para satisfação de móveis subalternos, em que não entram absolutamente preocupações de natureza cívica, destoara, dos aplausos gerais, promoveram uma agitação estéril e passageira nas colunas da imprensa facciosa e da imprensa venal, e levaram a sua petulância ao ponto de subir até aos altos poderes do Estado com um recurso vazado em forma gramatical anárquica, baseado em fatos positivamente falsos e apoiado em argumentos que seriam inverossímeis pela sua estupidez, se não fossem revoltantes pela sua requintada, pela sua insigne má fé.

Aproveitando-nos da circunstância de terem sido inauguradas as câmaras frigoríficas do Matadouro Modelo, vamos fazer uma análise minuciosa, metódica e sistemática das várias acusações que foram argüidas contra os beneméritos arrendatários do grande estabelecimento, que é um dos padrões de glória do Partido Municipal e da administração pública surgida de suas fileiras.

Imagem: trecho do livro O Matadouro Modelo de Santos, de Alberto Sousa (página 5)