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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Crônica policial - 06
Uma indústria de pirotecnia...

Comerciantes pensavam ter encontrado uma forma de se livrar da ruína...

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No ano em que começaria a Primeira Guerra Mundial, Santos e o Brasil atravessavam uma fase de crise econômica. Empresários, vendo avizinhar-se a ruína, começaram a usar o expediente de contratar vultosos seguros para as instalações de suas empresas e, logo em seguida, provocar o sinistro para receber a quantia segurada. Com a conivência de seguradoras que, mais interessadas em vender as apólices, pagavam antes mesmo que fosse feito o inquérito para apurar as causas do incêndio. Como as fraudes eram preparadas com bem pouca habilidade, e de forma muito constante, logo chamaram a atenção das autoridades, como nos casos registrados pelo jornal santista A Tribuna, em 14 de janeiro de 1914 (página 3 - ortografia atualizada nesta transcrição; 'muscara' = escafedera, fugira; 'cobrinho' = moeda de cobre de baixo valor; 'pataca' = antiga moeda de baixo valor; 'pinola' = farsa):

Imagem: reprodução parcial da matéria original

A indústria dos incêndios

Uma liquidação pomposa que gorou - O Bom Café da Saúde quase ficou torrado - Como foi feito o servicinho

A indústria dos incêndios vai-se desenvolvendo assustadoramente em Santos.

Nestes tempos difíceis de crise comercial, os negociantes atrapalhados e sem escrúpulos tratam de liquidar pomposamente os seus estabelecimentos, a fim de fazer jus ao cobrinho do seguro, que algumas companhias tão apressadamente se prontificam a pagar-lhes, ainda mesmo que a polícia, no relatório do respectivo inquérito, declare que a fogueira teve quem a ateasse.

Mas vamos ao caso da liquidação do "Bom Café da Saúde", de propriedade do português A. Cardoso Loureiro, e sito à Rua General Câmara n. 168.

O Cardoso Loureiro é um homem de ideias extraordinárias.

Há tempos, tendo no mealheiro alguns patacos, chegou à Rua General Câmara n. 163, um prédio recentemente construído, e nele montou um café e casa de petisqueiras a que deu o espetaculoso título de "Ao Bom Café da Saúde".

Alugado o prédio, comprou uma mobiliazinha, adquiriu algumas dúzias de garrafas de cerveja e de outras bebidas e arrumou-as em uma linda armação de pinho brilhantemente envernizada.

Inaugurou em seguida o café e esperou pela freguesia. Esperou muito, alguns meses. A freguesia andava sumidiça, não aparecia.

Ora, essa ausência de compradores para as suas bebidas irritou mestre Loureiro, que um dia, furioso, possesso, teve a desastrada ideia de liquidar o frege.

Antes, porém, de acabar com a pinola, lembrou-se de transferir para uma outra casa a sua família, que residia nos fundos do "Bom Café da Saúde".

Essa mudança deu-se há 8 dias, indo a família Loureiro ocupar o prédio n. 143 da Rua S. Francisco.

Há quinze dias Cardoso Loureiro teve a cautela de pôr no seguro o seu "Bom Café da Saúde" pela quantia de oito contos.

Ele não tinha 500$000 de mercadorias no frege, mas, que diacho! as companhias de seguro gostavam de dar lambugem aos seus clientes e por isso o Loureiro não encontrou dificuldades em realizar a transação.

Ontem, finalmente, enquanto os relógios da cidade badalavam as 24 horas, começou a liquidação do "Ao Bom Café da Saúde".

A fogueira teve início nas extremidades da prateleira que vai de um lado a outro da parede dos fundos do estabelecimento.

Como se ateou o fogo?

De um modo facílimo. O hábil Cardoso, com auxílio de um canivete, cortou o cano de chumbo que se achava ligado a um fogão de gás, colocado poucos centímetros abaixo do lado esquerdo da armação.

Furando com o canivete o cano, o gás entrou logo a escapar-se pelo orifício. No lado oposto da prateleira, o que fica à direita de quem entra no frege, deixou Loureiro, "por descuido", uma vela de cera, acesa. A chama da vela incendiária lambia a parte inferior da prateleira, sobre a qual o atropelado negociante deixou, "por descuido", uma porção de jornais e panos velhos.

Junto à prateleira, no interior do café, havia um quinto de aguardente, uma lata de querosene, trapos, papéis e mais cera.

Aquilo ali estava também "por descuido".

Um fósforo aceso chegado ao cano de gás furado, foi o autor do incêndio.

O fogo irrompeu ao mesmo tempo nas duas extremidades da armação.

Começava a liquidação.

Aconteceu, porém, que o guarda cívico n. 523, J. Tibiriçá, que se achava de patrulha na Rua General Câmara, notando que um dos portais de ferro do "Bom Café da Saúde" estava apenas cerrado, bateu à porta e chamou um indivíduo que lá se achava e que era o infeliz Cardoso Loureiro.

- Ó seu moço, disse o policial, feche a casa, pois o sr. bem sabe que depois de dez horas não pode estar com o café aberto.

Disse e continuou a sua patrulha, indo intimar mais adiante a um outro negociante.

Não haviam decorrido ainda cinco minutos quando o policial foi alarmado pelos apitos de um guarda noturno que corria para o "Bom Café da Saúde", gritando que ali havia incêndio. E havia mesmo.

Os dois mantenedores da ordem bateram à porta com quantas forças tinham, mas foi tudo inútil.

Loureiro desaparecera, depois de fechar cuidadosamente os portais de ferro ondeado do seu "Bom Café da Saúde".

Afluíram populares ao local e muitos deles, entre os quais se achavam diversos negociantes, um dos nossos companheiros de trabalho puderam ver através do buraco da fechadura da casa de Loureiro, o fogo avançar vagarosamente, lambendo as prateleiras e estourando garrafas de bebidas.

E o Cardoso Loureiro, que se muscara pelos fundos do prédio, saltando muros, dirigiu-se calmamente para a sua residência particular, onde se meteu na cama. Pouco depois dormia e sonhava que estava com oito contos no bolsinho e livre de tal frege que tantos dissabores dava.

Mas o Loureiro as fez e o diabo as desfez.

Após o alarme foi chamado o corpo de bombeiros, que logo compareceu sob o comando do alferes Maurício.

Os portais de ferro, apesar da resistência heroica que opuseram às machadinhas dos bombeiros, foram arrombados e a fogueira extinta com alguns litros de água.

O comandante Sulzer, do Corpo de Bombeiros, acompanhado de agentes de polícia e de repórteres, penetrou no prédio e examinou a armação incendiada.

Descobriu-se então a manobra incendiária do "pobre" Cardoso Loureiro, que, apesar de fazer iscas na profissão, não sabe fazer fogo.

O dr. Bias Bueno compareceu, e como não encontrasse o dono do frege pôs-lhe nas pegadas o inspetor José Monteiro e o agente Deolindo Prado.

Meia hora depois, os dois auxiliares da polícia conduziram à delegacia o "pobre botequineiro", que declarou tudo ignorar.

Dormia o sono da inocência em sua residência; não soubera do incêndio, não sabia que o ateara.

No frege apenas dormia um menor seu empregado, mas esse pequeno não apareceu.

A polícia procura o menor e enquanto faz essas diligências meteu o ardente Loureiro no xadrez n. 3 e nomeou peritos para examinarem o "Bom Café da Saúde", que escapou de ser tomado em uma pomposa liquidação.

E o inquérito continuará hoje.

Na mesma página, o jornal continuava a informar sobre outro rumoroso caso, ocorrido poucos dias antes (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução da matéria original

O incêndio na Camisaria Chic

Na 1ª delegacia policial prosseguiu ontem, sob a presidência do dr. Bias Bueno, o inquérito sobre o incêndio que destruiu, na madrugada de segunda-feira passada, a Camisaria Chic, de propriedade do sr. Francisco Augusto Real.

Foram tomados os depoimentos de três testemunhas: Abrahão José Alith, ex-sócio de Real; Miguel Alith, irmão de Abrahão e estabelecido com loja de fazendas num prédio vizinho ao incendiado; e Joaquim Soares, empregado de Francisco Real.

Esses depoimentos pouco ou quase nada adiantaram acerca das causas do incêndio.

Assistiu ao inquérito o dr. Souza Dantas, como advogado da Companhia de Seguros "Alliança da Bahia". Esse advogado requererá hoje a nomeação de mais um perito para examinar os escombros, assim como outras diligências.

Estiveram na delegacia com o dr. Bias Bueno o sr. João Gonçalves Moreira, representando a Companhia de Seguros "Equitativa", e o diretor da agência dessa companhia, em São Paulo.

Em 6 de julho de 1917, na página 2, o jornal santista A Tribuna noticiava mais um caso (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução da matéria original

INCÊNDIO

O proprietário do Hotel Savoia lança-lhe fogo

Hoje, às 2 horas da madrugada, o material do Corpo Municipal de Bombeiros rodava, célere, pelas ruas da cidade em direção à Rua 24 de Maio, vibrando o clarim com as notas agudas e estridentes do alarme de incêndio.

Apesar do adiantado da hora, grande número de curiosos se ajuntou no local a fim de assistir ao fogaréu.

Na Rua 24 de Maio n. 87, funciona o Hotel Savoia, de propriedade do italiano Francisco Luppin.

Ao chegarmos ali, notamos que no interior da sala de jantar, do pavimento térreo, lavrava o fogo que se comunicava já com o andar superior, pondo-o na iminência de um violento incêndio.

O serviço de extinção, feito com uma mangueira, foi rápido e obstou que os intentos de Luppi passassem para a realidade dos fatos.

Concluídos os trabalhos, penetramos no prédio e então aos nossos olhos desenrolou-se, patentemente, a ação criminosa do proprietário do hotel.

Nos fundos do restaurante, junto ao vão da escada que dá comunicação para o andar superior, via-se, junto de uma escrivaninha, um montão de farrapos que estavam embebidos em querosene e ao lado a lata que comportava o referido líquido.

Pela parede, até ao sobrado, seguia uma mecha embebida em éter que se comunicava com várias garrafas, que continham o mesmo líquido.

No alto da escada, encostada à parede, via-se um velho armário e como "guarda de honra" ladeavam-no várias garrafas também com éter, envoltas em grande porção de jornais.

Os aposentos do hotel estavam todos hermeticamente fechados para assim melhor auxiliar a ação do fogo.

Luppi, certamente de acordo com seus auxiliares - pois de outro modo não pode ser compreendido o abandono do estabelecimento - não permitira que ninguém ali pernoitasse, fazendo-o no prédio n. 86, da mesma rua, e também a seu cargo.

Ao ser dado o alarme de incêndio, compareceu rapidamente o Corpo de Bombeiros, que com a sua imediata intervenção não permitiu que a obra do incendiário se realizasse.

Luppi, ao ver assim caído por terra o seu "trabalho", foi atacado de uma... síncope.

O inspetor Monteiro, acompanhado do agente Godofredo, imediatamente deteve o "doente", que continuava a estrebuchar sobre o leito.

Reclamado o auto-ambulância, aquela autoridade fê-lo transportar para a Santa Casa, acompanhando-o até ali.

Feita a intervenção médica, esta depois de examinar o estado do incendiário, declarou que não necessitava de socorros, pelo que foi levado sob prisão para a Central.

Os estragos causados pelo incêndio montam apenas a umas centenas de mil-réis.

Ao que nos consta, Luppi tinha o estabelecimento no seguro.

No local do incêndio compareceram todos os oficiais do Corpo de Bombeiros, sob o comando do sr. tenente Maurício, comandante-interino.

Os serviços de extinção, pela maneira rápida e segura como foram dirigidos, merecem os nossos elogios.

O prédio ficou guardado por vários policiais.

Hoje, na Central, deve ser iniciado o respectivo inquérito.

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