Imagem: reprodução da matéria original
Um encontro desastroso
Rank Bjonford, puro
marujo noruego e gajeiro do mastro grande de uma galera que está ancorada ao largo, vindo ontem pela Rua Xavier da Silveira,
metido numa vistosa farpela comprada em Christiania, esbarrou, ao dobrar a esquina da Praça Teles, com o seu patrício
Glatz Strampjeld, também marujo, mas de um vapor. Do encontro resultou discussão para os dois, dizendo Rank a Glatz que tratasse de acender os
faróis, para enxergar.
- Acenda você os seus! - exclama o Glatz, retrucando. - Se não sabe navegar, aprenda, seu marujo
das lagostas!
Nem o Rank esperava por aquela, ao cabo de vinte anos de navegação a vela e com temporais de levar
cabrestantes e raposas pela popa fora. E retrucou-lhe também:
- Olha lá, seu marinheiro de fornalhas: veja bem que quando você limpou a primeira vez os
tubos da caldeira, já eu arriava joanetes, rizava gáveas (N.E.: rizar é reduzir a área da vela
exposta ao vento. Gávea é a vela central num barco com três) e envergava polacas
(N.E.: tipo de vela triangular latina, usada durante mau tempo)
à fúria dos vendavais. E prepare essa carranca para receber um golpe de mar grosso.
E mal terminava a frase, aplicava tamanho murro na cara do Glatz que este soçobrou ali
mesmo na sarjeta. Dois minutos depois andava um soldadinho à procura do Rank, que já ia a meio do estuário à popa do escaler, de vela em cima e
amurado por bombordo, com rumo ao portaló da galera.
O Glatz foi à Santa Casa e voltou para bordo com a cabeça arroteada, e
à tarde lá estava sobre o castelo de proa do vapor a fazer sinais ameaçadores de vingança contra Rank, que se ria a bom rir empoleirado sobre o
guincho da galera. |