Imagem: reprodução parcial da matéria original
O VELHO CONTO
Quatrocentos e sessenta mil réis por um pacote de jornais velhos
O dr. Bias Bueno,
terminando o expediente na 1ª delegacia, se dispunha a sair, quando lhe foram anunciar que um cidadão lhe desejava apresentar uma queixa.
A autoridade policial fez entrar o queixoso.
Um homem alto, moreno, vestido com um certo apuro, adiantou-se então, ostentando garbosamente sob
o mento umas falripas negras, que formavam o mais gaiato cavanhaque que jamais os olhos argutos dos sherlockes policiais viram na delegacia.
- Que deseja, cavalheiro?
- Saiba vossoria que eu acabo de cair no conto do vigário.
Abafou-se uma gargalhada prestes a estalar.
- No conto do vigário? Pois ainda há neste tempo quem caia no conto do vigário?!
- Ah! mas da maneira que eu caí, qualquer um cairia!
- Conte lá isso.
E o cidadão das impagáveis barbichas desenrolou a fita.
Estava a espairecer um bocado próximo à Praça José Bonifácio, quando foi abordado por um velho
simpático e bem falante que lhe pediu para indicar-lhe a Avenida Conselheiro Nébias.
Precisava lá ir a essa avenida procurar um engenheiro do Saneamento, a fim de conversar sobre
negócio importante.
O amável cidadão das barbichas ralas prestou-se logo a acompanhar o velho até a Praça José
Bonifácio, onde tomaria o bonde para a avenida.
Foram. Em caminho, um rapaz louro, simpático e de pequenos bigodes aproximou-se do gajo.
O velho repetiu-lhe a pergunta: - Conhecia acaso um engenheiro do Saneamento que morava à Avenida
Conselheiro Nébias?
O louro recém-chegado conhecia. Dava-se até com o engenheiro.
- Pode indicar-me a casa desse engenheiro?
- Para quê?
- Negócio importante. Um sobrinho seu, ex-empregado da Comissão de Saneamento, deu, há tempos, um
desfalque de 50 contos naquela repartição e fugiu para [...] (N.E.: trecho dilacerado) ...nho
uma fazenda.
Arrependido, muitos anos depois do crime, arranjou o dinheiro e entregou-mo agora para que eu o
restituísse à Comissão.
Ora, eu não conheço a cidade...
O moço louro interrompeu-o:
- Isso é de menos. Eu lhe indicarei a residência do doutor, mas acho que vai perder o seu tempo.
Ele não está em casa. Deixei-o há pouco na cidade. O melhor é entregar-lhe amanhã o dinheiro.
O barbichas ouvia a conversa, calmo e sorridente...
O velho achou aquilo uma terrível maçada. Ter de guardar 50 contos no hotel era um perigo. Havia
em Santos muita gente má; poderiam roubar-lhe o dinheiro...
O moço louro empinou o busto, arregalou os olhos, engrossou a voz e disse:
- Uma idéia! Nós dois (e apontou para o barbichas) somos homens sérios. Eu sou negociante à Rua
Marquês de Herval n. 44, e este cavalheiro, este cavalheiro...
O barbichas altivamente alteou o queixo ornado das engraçadas falripas e declarou solenemente que
também era um homem sério e empregado na casa Mandarim.
Chamava-se Manoel Rodrigues e por sinal que viera da terra há cinco anos.
- Nós dois, continuou o moço louro, somos homens sérios. Podemos, portanto, prestar-lhe um
serviço: guardar-lhe o dinheiro até amanhã.
O velho, como bom matuto ingênuo, aceitou a proposta e entregou ao jovem louro o pacote dos 50
contos.
Deu o nome do hotel onde se achava hospedado e retirou-se.
Pouco depois, o rapaz louro disse ao bom do Manoel Rodrigues:
- Ó seu Manoel, e se você ficasse a guardar o dinheiro até amanhã? Eu tenho que ir à Barra e posso
perdê-lo.
O Manoel achou a idéia excelente.
O outro pediu-lhe o lenço e embrulhou nele o pacote com os 50 contos.
Depois pediu ao barbichas que lhe desse como garantia algum dinheiro.
Barbichas sacou do bolso toda a sua fortuna, 460$000 e deu-a ao rapaz louro.
Separaram-se. No Itororó, o barbichas, curioso, abriu o pato. Nem
uma pelega de 1$000! Apenas três pedaços da Tribuna muito bem embrulhados em uma reclame da companhia Previdência.
Só então, o ingênuo Manoel Rodrigues lembrou-se que caíra no conto do vigário.
O delegado riu-se.
- Pois você caiu nesse conto?
O Manoel coçou a barbinha e desculpou-se.
- Caí, porque eles me fizeram fumar um cigarro que me tonteou de tal modo a cabeça, que se me
mandassem tirar toda a roupa eu tirá-la-ia!...
A polícia, enquanto procura os contistas, vai mandar pregar uma bela medalha ao peito do Manoel,
para que todos saibam que ele é um águia com 09. (N.E.: a citação remete às regras do
jogo do bicho, em que - nos números apostados - as dezenas de final 05 a 08 são referidas como sendo da águia. 09 é uma dezena relacionada a
outro animal, o burro...) |