Imagem: reprodução parcial da última capa da publicação
Japoneses na agricultura
Há setenta anos
(N.E.: portanto, em 1908) chegaram ao Brasil os
primeiros imigrantes japoneses. Para lavrar a terra, praticamente só com a força de seus braços e a vontade de vencer. Para voltar, depois. Muitos
ficaram. Juntaram-se a outras levas. E nunca mais se desfez a corrente de interesses solidários entre os dois países, composta, fundamentalmente,
pelas coisas da agricultura.
Ao longo destes setenta anos, mudou o Japão, mudou o Brasil. E evoluíram, naturalmente, as formas
de cooperação, nos dois extremos do tempo ficando o japonês recém-chegado, trabalhador em fazendas, e os técnicos que hoje participam da execução do
Plano de Cooperação Nipo-Brasileira de Desenvolvimento Agrícola nas extensas terras do cerrado mineiro.
Houve uma saga japonesa no Brasil, aquela dos milhares de famílias que imigraram para participar de
verdadeiras batalhas de conquista de matas e várzeas e transformá-las em terras produtivas. Foi um período épico, em que os japoneses estabeleceram
as primeiras raízes no Brasil. Do issei ao nissei, fundiram-se duas, três gerações de agricultores - ainda que muitos preferissem, mais
recentemente, a vida das cidades - que, ainda hoje, não se encontram tão longe dos dias de pioneirismo dos pais e dos avós.
Agora, porém, quando o japonês e seus descendentes - com suas lavouras em vários Estados
brasileiros contribuindo fartamente para a formação do produto agrícola - têm lugar definitivamente assentado na economia do País, já não se trata
de adentrar a mata, um machado às costas e o coração cheio de sonhos. A questão já não está em conquistar, apesar dos imensos vazios territoriais,
mas de definir o que fazer com o que foi conquistado e com o que se sabe que pode ser conquistado por um simples ato de vontade. Para
alimentar 120 milhões de brasileiros e vender excedentes para o mundo.
A equação fundamental para a resolução do problema começa a ser montada. Pretende-se derrubar
obstáculos que, tradicionalmente, têm dificultado o pleno aproveitamento das reconhecidas potencialidades agrícolas do país. E ganha nova
importância a colaboração japonesa, agora em termos de verdadeiras injeções de tecnologia e disposição de participar de empreendimentos que inovam,
inclusive, na forma de ocupação da terra.
Há setenta anos, tudo era diferente.
Ao imigrante de outras origens talvez interessasse tornar-se pequeno proprietário rural, após o
período de trabalho nas fazendas de café de São Paulo. Para atrair colonos, o governo federal lhe acenava com essa possibilidade, usando como
atrativo núcleos abertos em alguns pontos do Estado, onde lotes podiam ser adquiridos com financiamento oficial.
O japonês, contudo, não pensava ficar. A permanência no país, para ele, era uma contingência a que
deveria se curvar apenas enquanto não dispusesse de meios para voltar. Sua meta era deixar a fazenda de café o quanto antes - não raro sem mesmo que
o contrato de trabalho se vencesse - e dedicar-se a alguma outra atividade, que lhe permitisse amealhar o suficiente para chegar ao Japão em melhor
situação.
Podia, por exemplo, ser "formador" de cafezais. Mediante contrato com o dono da terra, a família
japonesa se dispunha a constituir a lavoura e dela cuidar até que entrasse em produção satisfatória. Enquanto não recebiam sua paga pela finalização
do trabalho, cerca de quatro anos depois (havia os casos em que essa remuneração era substituída pela posse e venda das primeiras duas ou três
colheitas), eram suas as culturas intercalares de feijão, batata, milho e mesmo algodão. Abriam, assim, o caminho para a independência como
produtores.
Por volta de 1912, quarenta famílias japonesas foram contratadas para formar cafezais na fazenda
recém-adquirida pelo administrador de uma outra, a Guatapará, na região de Araraquara. Era a primeira vez que japoneses optavam por essa espécie de
trabalho. E foram bem sucedidos: exatamente seis anos depois, vencido o contrato, as mesmas famílias juntaram seus recursos e compraram terras nas
proximidades, onde já poderiam cuidar de seus próprios cafezais.
Enquanto isso, outros grupos descobriram no arroz, cultura a que muitos já estavam familiarizados
desde o Japão, uma oportunidade de produção também rendosa. Como arrendatários, principalmente, ocuparam terras de várzeas às margens do Rio Grande,
na fronteira de Minas Gerais e São Paulo, até então sem nenhuma serventia para seus proprietários. Economicamente, tal atividade era inegavelmente
vantajosa: ao baixo custo do arrendamento juntava-se o bom lucro permitido pela relativa escassez do produto, particularmente acentuada durante a
guerra, pois, na época, faziam-se maciças importações de arroz.
Apesar do risco permanente de contrair malária, doença que se difundia com extrema facilidade na
região, o êxito das primeiras famílias japonesas atraiu outras, que, ali chegando sucessivamente, foram ampliando a rizicultura, a partir de certo
momento uma lavoura que dominava vastas áreas do chamado Triângulo Mineiro.
Seria o arroz, ainda uma vez, que fixaria outros contingentes na região em torno da
Estrada de Ferro Santos-Juquiá, no litoral paulista. De modo preponderante, eram imigrantes oriundos da província de
Okinawa, que, tendo trabalhado na construção da ferrovia (haviam sido estivadores em Santos, muitos deles,
após deixar o colonato), arrendaram terras às suas margens, quando os primeiros trens começavam a correr. A alta do preço do arroz durante a guerra
permitiria que em bom número se tornassem proprietários.
A banana também foi um produto que ganhou impulso na época, naquela região ocupada por japoneses
(ao longo dos anos, essa cultura iria ampliar-se consideravelmente, sob o estímulo, mais tarde, das exportações para os países do Prata, graças à
proximidade do porto de Santos).
Havia aqueles imigrantes que acabavam adquirindo a área antes arrendada. Mas seu número, ainda em
meados dos anos dez, era relativamente pequeno. Afora a motivação, em grande parte subjetiva, que os mantinha presos à intenção de voltar ao Japão,
outros fatores, mais objetivos, contrapunham-se à fixação num mesmo pedaço de terra. Em primeiro lugar, não era fácil encontrar proprietários
dispostos a parcelar suas fazendas. E, nas áreas arrendadas, o solo se exauria, com as seguidas safras de arroz, batata ou algodão, impelindo o
lavrador para novas terras, onde pudesse reiniciar o processo.
Não tardariam, porém, a somar-se circunstâncias que contribuiriam fortemente para fixar o japonês à
terra. Muitos já se preocupavam com a educação dos filhos, por exemplo. Voltar, sem que tivessem um aprendizado regular da língua paterna, não
parecia conveniente. Foi uma razão para as famílias trocarem o arrendamento pela propriedade (às vezes já maiores, próprias para a cafeicultura) em
núcleos onde se instalavam escolas.
E, com essa ou outra motivação, deixaram-se atrair por loteamentos que surgiam na região Noroeste
de São Paulo, então em desbravamento, ao longo dos trilhos da estrada de ferro, que ia avançando pela mata. Essas terras não seriam procuradas para
a abertura de grandes fazendas de café por produtores brasileiros. De um lado, havia poucos anos que a crise de superprodução deixara marcas
profundas, principalmente nas economias das propriedades de maior porte. Além disso, ali não havia a "terra roxa", que constituíra estímulo decisivo
à cafeicultura em outras regiões, pela facilidade do uso sem a preocupação com sua exaustão.
Importante pólo de atração de imigrantes surgiu na região de Biriguí, quando a Companhia de Terras,
Madeiras e Colonização, em 1913, passou a vender em lotes os 125 mil hectares, aproximadamente, que comprara do governo. Dois anos depois, ali
chegavam as primeiras treze famílias japonesas, já encontrando muitas outras, de várias nacionalidades.
Em pouco tempo, outras iniciativas do gênero aceleraram a ocupação da Noroeste e da Alta
Sorocabana, estimulando a aquisição de terras por japoneses que se tornavam cafeicultores ou se dedicavam à cotonicultura.
Enquanto isso, surgiam, no interior das comunidades dessa forma constituídas, aqueles que se
antecipavam na interpretação das necessidades de seus conterrâneos. Assim, ainda na Noroeste, outro núcleo foi criado, em 1915, por iniciativa de
Umpei Hirano. Sub-administrador da fazenda Guatapará, de Araraquara, ele adquiriu cerca de 4 mil hectares em Cafelândia, para onde se dirigiram 82
famílias japonesas que terminavam seus contratos em fazendas. A elas, o próprio Hirano se juntaria depois, para cultivar parte das terras.
Por sua vez, Shuei Uetsuka, funcionário da Companhia de Imigração Imperial, que chegara ao Brasil
como uma espécie de chefe e guia da primeira leva de imigrantes, loteou e vendeu terras de que era proprietário a famílias que, depois,
constituiriam parte importante da população dos atuais municípios de Lins e Promissão.
O fortalecimento econômico desses núcleos guardava relação direta com a rentabilidade proporcionada
pelo café e pelo algodão como produtos de exportação, enquanto as demais culturas permaneciam como acessórias, de utilidade praticamente local.
Somente com a expansão industrial de São Paulo, que ampliou consideravelmente o mercado interno, e a melhoria da rede de estradas, é que tais
lavouras, quase de subsistência, apenas, experimentariam crescimento significativo, inclusive em função do aumento regional do consumo.
Quase simultaneamente, ainda antes de 1920, a região do Vale do Ribeira, próximo do litoral
paulista, começava a receber famílias que saíam do Japão com a finalidade de cultivar seus próprios pedaços de terra, obtidos a partir do
fracionamento de uma gleba de 50 mil hectares recebida gratuitamente do governo paulista pelo Tokyo Sindicate, depois Companhia de Colonização
Brasileira. A introdução da cultura de chá no local daria origem às grandes plantações que, hoje, se completam com instalações de beneficiamento do
produto, destinado ao consumo interno e à exportação, num conjunto de atividades que permanece praticamente todo em mãos de descendentes daqueles
primeiros imigrantes.
A continuidade da imigração - particularmente no período posterior à Primeira Grande Guerra, que
encontrou o Japão econômica e socialmente desarticulado - levou imigrantes ao Paraná, também, por iniciativa de companhia de colonização subsidiada
pelo governo japonês. Nesse Estado, o rami seria mais tarde introduzido por lavradores japoneses, seguindo-se ao café e ao algodão, culturas,
principalmente a primeira, que conduziriam a caminhada da agricultura desde São Paulo para o Norte paranaense.
É da mesma época, por volta de 1927, a ocupação de cerca de um milhão de hectares doados pelo
governo do Pará a outra companhia colonizadora, que dirigiu a ocupação das localidades de Acará, Monte Alegre e Castanhal. No Amazonas aconteceria o
mesmo, com a colonização centrada em Maués e Parintins. Nesses Estados, a juta e a pimenta-do-reino, respectivamente, constituiriam os itens da
produção de maior peso entre os colonos de origem japonesa.
Um capítulo à parte foi escrito pelos japoneses que, juntamente com outros imigrantes,
localizaram-se desde cedo como agricultores suburbanos, nas cercanias de São Paulo. Algumas famílias logo para ali se dirigiram, após o período de
colonato, fundando em Juqueri, a uns 35 quilômetros da capital, aquele que, na verdade, seria o primeiro núcleo de japoneses com produção agrícola
independente, no Brasil. Era 1913. Dedicavam-se ao cultivo da batata, em 50 alqueires, aos quais, naquela mesma região ou em outras, sempre próximas
de São Paulo, foram-se somando novas propriedades de imigrantes, que vinham da própria capital, onde haviam exercido ofícios artesanais, ou de
outras partes do Estado, como uma primeira opção após o vencimento do contrato em fazendas ou porque não obtivessem êxito em lavouras de café e
algodão.
Essa agricultura suburbana seria fortemente estimulada, com o passar dos anos, pelas cooperativas
de produtores, forma de associação adotada por imigrantes japoneses em outras localidades, mas que somente em São Paulo frutificaria
verdadeiramente. A primeira sociedade do gênero surgiu em Cotia, em 1927, cerca de 30 quilômetros da capital, dela participando 83 japoneses que
cultivavam batata nas terras da antiga fazenda Morro Velho. Era o embrião da Cooperativa Agrícola de Cotia, à qual logo se seguiriam outras, como a
Sul-Brasil, a Bandeirante, a de Moji das Cruzes, sempre com o objetivo de defender os agricultores dos grupos de especulação que permanentemente
aviltavam os preços.
Parece fora de dúvida que se deve ao cooperativismo, em grande parte, a expansão das lavouras
pertencentes a japoneses e seus descendentes, num processo de diversificação geográfica e de produção, baseado na melhoria constante de técnicas
agrícolas, que hoje alcança praticamente todo o Centro-Sul e o Sudeste do País e lhes dá a preponderância no cultivo de morango, pêssego, chá,
tomate, ovos, hortelã, rami, verduras, batata. Sem falar em participação significativa na produção de quase todas as demais lavouras.
Na verdade, hábitos de consumo se modificaram graças ao extraordinário crescimento daquela
agricultura suburbana. Foi pelas mãos das famílias de sitiantes que se introduziram na dieta brasileira muitas verduras, legumes, frutas, que, ou
eram consumidos por estreitas faixas da população ou nem sequer se produziam em escala apreciável. Novas espécies foram criadas, outras foram
trazidas do Japão e aclimatadas.
Do empirismo dos primeiros tempos passou-se ao investimento regular em pesquisa, sempre como parte
do esforço cooperativo, que permitiu a instalação de estações experimentais onde se desenvolvem novas técnicas e aperfeiçoam-se outras,
freqüentemente em colaboração com institutos de pesquisas governamentais.
Evidentemente, não foram apenas os japoneses e seus descendentes, isoladamente ou reunidos em
cooperativas, que procuraram atender, em anos mais recentes, ao chamamento do governo em favor da modernização da agricultura brasileira.
Praticamente uma imposição, ditada pelo crescimento do mercado interno e pela necessidade de aproveitar as oportunidades de comercialização externa.
Mas, não parece improvável que os empreendimentos das cooperativas de origem japonesa constituam exemplos do que poderia ser ao menos parte de uma
nova estrutura de produção e comercialização agrícolas, inclusive no que se refere aos negócios de exportação.
De um modo ou de outro, as cooperativas estão hoje presentes em cada segmento da economia agrícola
brasileira. Com um pormenor importante: o sentido de racionalização que constitui o substrato de toda a atividade dessas entidades não as dirige
apenas para o aumento da produção mediante simples ocupação de novas terras, mas, sim, como o simultâneo aprimoramento do uso de todos os fatores de
produção.
Para ficar num exemplo: a Cooperativa Agrícola de Cotia partiu para programas de assentamento
dirigido, de comum acordo com órgãos oficiais, que, a um só tempo, permitem a utilização de novas terras e abrem oportunidades à melhoria de
técnicas de cultivo, com sua adaptação a micro-climas diferenciados. É o que se começa a fazer numa área de 10 mil hectares, ao Sul da Bahia, para
cultivo de melão, melancia, maracujá, mamão e outras frutas, além de hortaliças. Um projeto que visa, também, a permitir produção que compense a
escassez sazonal de outros Estados. Em Santa Catarina iniciou-se, nos mesmos moldes, a produção de maçãs. Em Minas Gerais, a CAC foi pioneira na
ocupação de terras de cerrado, tradicionalmente desprezadas por sua baixa fertilidade. Com resultados que constituíram estímulo para os governos
japonês e brasileiro se unirem na idealização e execução do Plano de Cooperação Nipo-Brasileira de Desenvolvimento Agrícola.
No Brasil, o processo de conquista de novas terras, que desde o início teve participação decisiva
do imigrante japonês e seus descendentes, ainda está longe de terminar. De fato, apenas 322 milhões de hectares, de 851 milhões identificados como
disponíveis, acham-se incorporados à produção agrícola. Assim, nada impediria, em princípio, supondo-se que interessasse a ambos os governos, que se
repetissem ainda por muitas vezes iniciativas como as da Jamic - Imigração e Colonização Ltda., que, não faz muito - exatamente em meados da década
de cinqüenta - adquiriu terras em Mato Grosso e mesmo em São Paulo, assim como no Pará, para revenda a novas famílias de imigrantes japoneses, que
também no Nordeste foram encontrar áreas à sua disposição, oferecidas pelos governos da União e dos Estados.
Contudo, não apenas o Japão deixou de ser um país de emigrantes que procuravam o exterior como
simples forma de sobreviver a uma economia nacional em desagregação, com períodos curtos de crescimento mais ordenado e estabilidade. No Brasil, se
a terra ainda é farta, esse já não é um trunfo que possa balizar uma política econômica (e agrícola) realista, como se requer depois de tão
claramente identificados e estudados os problemas da agricultura.
Sem dúvida, o volume da produção agrícola brasileira tem crescido bastante, mas, ainda assim, não
com a regularidade necessária para atender ao mercado interno sem oscilações violentas de quantidade e preço. Em parte, naturalmente, o problema se
explica pela ainda algo rígida distribuição da renda nacional. Mas, também é fundamental a rigidez da própria estrutura fundiária: dados do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) referentes a 1972 (os últimos disponíveis) mostram que 71,9% dos imóveis rurais tinham
área inferior a 50 hectares (minifúndios) e contribuíam com 22,2% do produto agrícola comercializado. Enquanto isso, as chamadas empresas rurais
(imóveis rurais explorados econômica e racionalmente, com área maior) representavam apenas 4,8% do total de propriedades e respondiam por 43,7% do
produto comercializado.
No primeiro caso, é a agricultura de subsistência que se faz presente de modo acentuado. Mas
importante, porém, talvez seja o fato de que as propriedades rurais de até 100 hectares (incluídos os minifúndios, portanto) contribuem com não mais
de 58,9% do café, 66,2% do milho, 17,9% da cana, 34,7% do arroz, 45,9% do algodão, 48,8% do trigo e 71,8% do feijão colhidos no País.
Certamente, tal situação não sofreu modificações ponderáveis até hoje. Assim como não deve ter
mudado significativamente esta outra proporção: em 1970, de 3,4 milhões de propriedades rurais exploradas, em apenas 25% encontrava-se um arado
motorizado ou de tração animal. E cerca de 80% dos tratores e outros implementos concentravam-se na região Centro-Sul.
A concentração dos recursos do crédito rural em certas áreas privilegiadas e nas lavouras maiores
(voltadas para a exportação, sobretudo) não tem contribuído para elevar, como seria de se desejar, os índices de produtividade média. Menos ainda
nas culturas dirigidas para o mercado interno, típicas das propriedades menores.
Aos especialistas parece claro que, abstração feita da rigidez da estrutura fundiária, uma das
chaves para a racionalização da agricultura brasileira como um todo estaria na utilização do crédito rural como veículo indutor de aumento da
produtividade, se ligado a programas de assistência técnica que abrangessem de modo ordenado todos os estratos de propriedades agrícolas.
Atualmente, admite-se que não mais de 10% do crédito rural esteja conjugado à assistência técnica regular.
Nessa ordem de idéias, faltaria ainda definir, como decisão de política agrícola em termos amplos,
onde começa e onde termina o interesse em se estimular esta ou aquela lavoura, nesta ou naquela região, para fins de consumo interno ou de
exportação, numa linha de prioridades que também é considerada, por especialistas, de primeira importância pra dar melhor aplicação aos recursos do
crédito rural.
Talvez seja realmente impossível tomar tais decisões enquanto a estrutura fundiária for o que é.
Por isso mesmo, considerando-se que mudanças nesse sentido poderiam retardar a execução de políticas de prazo menor, uma saída parece estar na
conjugação de esforços em dois planos justapostos: aqueles da expansão da fronteira agrícola e da modernização das técnicas de produção. É o que já
se vem fazendo, inclusive na Amazônia, e é onde a cooperação com o Japão poderá dar resultados palpáveis em prazo relativamente curto. No momento, o
epicentro dessa nova fase de colaboração entre os dois países encontra-se, de certa forma, pela magnitude do projeto em curso, na zona do cerrado de
Minas Gerais.
Os entendimentos iniciais para o equacionamento do Plano de Cooperação Nipo-Brasileira de
Desenvolvimento Agrícola, como se denomina o programa do cerrado, se fizeram quando da visita do então primeiro-ministro Kakuei Tanaka ao Brasil, em
1974. Já no ano seguinte, missão organizada pela Agência de Cooperação Internacional do Japão chegava a Minas Gerais para estudar o local e retomar
contato com autoridades brasileiras.
Em 1976, por ocasião da visita do general Ernesto Geisel ao Japão, os termos da cooperação para
execução do plano já estavam definidos. E, na declaração conjunta assinada pelo presidente brasileiro e pelo primeiro-ministro japonês, o
aproveitamento do cerrado figurava em segundo lugar como proposta concreta de investimentos bilaterais, logo após o projeto da Albrás (produção de
bauxita e alumínio no Pará).
Explica-se o destaque: foi justamente o projeto do cerrado que mais interesse popular despertou
entre os japoneses, por suas implicações com o futuro fornecimento de alimentos ao país. Ainda que não se trate de vincular a produção futura da
região a fornecimentos exclusivos ou preponderantes ao mercado japonês, a verdade é que, mesmo deixando-se a comercialização ao livre arbítrio dos
lavradores, o simples aumento da oferta deverá contribuir para a estabilização dos mercados internacionais de alimentos, com benefícios indiretos
para o Japão, tão dependente dos fornecimentos externos.
Até o final deste ano, ao que tudo indica, estará constituída a empresa de desenvolvimento agrícola
que cuidará da execução do plano, com capital subscrito por duas holdings: uma japonesa, reunindo a participação do governo e de 49 das mais
importantes empresas já com interesses no Brasil; outra, brasileira, com recursos provenientes das maiores empresas e bancos, oficiais e privados,
do país.
Tudo começa com um projeto-piloto, cuja realização servirá ao desenvolvimento de tecnologias
agrícolas específicas para a área, mediante direcionamento das atividades de 40 famílias de colonos, que ocuparão módulos de 500 hectares cada um, e
duas empresas de produção, cada qual com outros 10 mil hectares. Os financiamentos serão distribuídos aos produtores pelo Banco Central do Brasil.
Os investimentos necessários estão estimados em 15.575 milhões de ienes (aproximadamente 71 milhões
de dólares). Naturalmente, esse capital não terá um retorno imediato, nem se espera que assim seja, pois se trata de um projeto experimental. De
todo modo, ainda que a rentabilidade se mantenha limitada pelas condições peculiares ao empreendimento, prevê-se que a produção anual chegará, sem
maiores dificuldades, a 50/70 mil toneladas de cereais e perto de 30 mil sacas de café, a partir do momento em que as safras se estabilizarem em seu
melhor nível. Interessa, contudo, o que poderá ser a irradiação dos resultados do projeto-piloto em termos regionais de produção e desenvolvimento
econômico-social.
Mas, a cooperação Brasil-Japão em programas de modernização agrícola não pára aí. No Vale do
Ribeira, em São Paulo, uma das primeiras regiões procuradas, no começo do século, por lavradores japoneses independentes, já funciona um centro de
desenvolvimento de várzeas, através de convênio entre o governo japonês e o Estado.
Ali, onde, até agora, foram identificados 65 mil hectares de várzeas potencialmente agricultáveis
(para rizicultura e olericultura, principalmente), sete especialistas japoneses trabalham, com brasileiros, numa estação experimental que é a mais
bem equipada de São Paulo. O objetivo dessa equipe é o desenvolvimento da tecnologia que possa ser oferecida a agricultores dispostos a participar,
através de cooperativas e com apoio de crédito dirigido, do esforço de soerguimento econômico e social da região, uma das mais atrasadas do Estado.
É um começo, iniciativa da qual se espera extrair subsídios para, numa outra época, se induzir a utilização de mais 800 mil hectares de várzeas
atualmente inaproveitadas, fora do Vale do Ribeira. Um primeiro polder já está construído e funcionando ali, permitindo o cultivo de arroz em
1.250 hectares pertencentes a 19 pequenos lavradores.
Por razões que se encontram nos primórdios da colonização agrícola por imigrantes japoneses, teria
que se fazer em São Paulo, quase inevitavelmente, parte substancial dos empreendimentos que assinalam a fase "tecnológica" da cooperação
Brasil-Japão. Assim, além do que se realiza no Vale do Ribeira, vários acordos encontram-se em fase final de negociação ou em princípio de
implantação, a começar por aquele que se refere ao manejo de bacias hidrográficas - mais um setor em que o Japão desenvolveu conhecimentos
avançados, por imposição de suas próprias condições naturais e exigências ecológicas.
Ainda há mais. Por exemplo, como utilizar a madeira acumulada com o desbaste de árvores plantadas
em larga escala, sob o estímulo dos incentivos fiscais ao reflorestamento? Japoneses têm a resposta, da mesma forma que sabem como transformar
florestas tropicais em fontes de madeiras de valor comercial. Tudo isso interessa a São Paulo e ao Brasil e deverá conduzir à assinatura de
convênios tecnológicos e a novos empreendimentos econômicos.
Sem nunca esquecer o alcance social das iniciativas resultantes, na mesma linha de entendimento que
permitirá a volta da pesca artesanal em grande parte dos 3 milhões de hectares de represas das usinas hidrelétricas construídas em São Paulo. Nesses
imensos lagos artificiais poderá ser francamente ativada a piscicultura implantada com tecnologia japonesa e para benefício de grande parte das
populações ribeirinhas. Na Baixada Santista, um colégio técnico de pesca ensinará brasileiros a lidar com sofisticados equipamentos de captura de
peixes marinhos.
Em suma, foi longe a cooperação brasileiro-japonesa na agricultura, a partir da chegada do
Kasato Maru com os primeiros imigrantes. E poderá ir ainda mais adiante, se ambos os governos continuarem a procurar, juntos, novas
oportunidades de investimento que permitam não apenas atender às necessidades mais imediatas de cada povo, mas, sobretudo, àquelas de gerações
futuras. |