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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - C.SANITÁRIA
A campanha sanitária de Santos - Malária (4)


Em 1947, David Coda e Alberto da Silva Ramos, do Serviço de Profilaxia da Malária do Estado de São Paulo, publicaram este estudo, na forma de uma separata dos Arquivos de Higiene e Saúde Pública, publicação da Diretoria Geral do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo – Ano (Vol.) XII – 1947 – Nums. 31-32-33-34 – páginas 63 a 104.

O trabalho foi impresso na Indústria Gráfica de José Magalhães Ltda., de São Paulo, e um exemplar foi cedido a Novo Milênio para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010:

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A Malária na Cidade de Santos

David Coda e Alberto da Silva Ramos - 1947

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III – Malária

a) Diagnósticos empíricos

Com relação à saúde pública nos primeiros séculos da colonização, pouco se conhece, pois os cronistas cuidavam mais em registrar os constantes assaltos de que as populações eram vítimas por parte dos piratas franceses, ingleses e espanhóis e dos índios feros e indomáveis, do que dar tento à mortalidade produzida pelos malefícios do corpo. Naquelas eras, as populações viviam tão assoladas pelas epidemias que somente quando estas atingiam as raias [de] calamidades públicas, é que eram consideradas dignas de registro, quase sempre rotuladas de flagelos ou castigos de Deus.

Muitos documentos desse tempo devem ter-se perdido em naufrágios, caído em mãos dos inimigos da metrópole, ou dormem, ainda, nos arquivos ou em mãos de particulares, de modo que são escassas as notícias sobre a natureza das moléstias reinantes naquela época heróica, principalmente sobre a malária. "Os próprios jesuítas que tanto fizeram pela nossa terra nos dois primeiros séculos da colonização, nada nos legaram a respeito das doenças regionais" [3].

Quanto ao obituário produzido pela malária, segundo A. Souza [4], foram os dados colhidos nos livros de assentamentos da paróquia, então existentes no Arquivo da Matriz e hoje guardados no Arquivo da Cúria Metropolitana.

No fim deste capítulo é apresentado no quadro nº 2, dos anos em que se fizeram as estatísticas, o número de habitantes, o número de óbitos ocasionados pela malária, o obituário geral e a percentagem entre os óbitos ocorridos em conseqüência da malária e o obituário geral.

Em 1858 "o impaludismo se mostra ausente do obituário da terra de que Saint-Adolphe, em 1842, dizia em cada ano morrerem vitimados por ele um décimo de seus habitantes" [3].

Em 1883, "pela primeira vez aparece o impaludismo com mortalidade elevada no obituário santista: 44 óbitos ou o triplo da média de 1850 em diante. Foram casos ocorridos parte nos sítios, parte nos novos arrabaldes da cidade, nas zonas encharcadas que a população ia ocupando, por falta de lugar na antiga planície elevada da velha Santos" [3].

"Nos novos arrabaldes o impaludismo reinava, determinando mortes mais numerosas do que anteriormente sucedia (40 óbitos em 1887), e só com o correr dos tempos, tendo sido drenados os terrenos da Vila Macuco para o mar e para a Vala Grande e os da Vila Matias para o Rio dos Soldados, cujo curso foi melhorado, modificaram-se as devastações da malária naqueles recentes núcleos de população, onde as ruas eram largas e mais bem orientadas" [3].

No ano de "1891, o mês de janeiro não foi bom, porquanto o impaludismo e o tifo mataram, na cidade, 13 pessoas; em fevereiro, as mesmas doenças fizeram 8 óbitos", [3], "afora os causados por várias febres, inclusive uma centena por impaludados e tifo-malária, nos centros urbanos e justamente nos meses em que a doença epidêmica lavrava com maior intensidade" [3].

Em 1893, a "Comissão de Desinfecção, mais tarde Comissão Sanitária, iniciou os seus trabalhos em Santos, foi ativada a limpeza pública, assim como a dos terrenos e quintais, com intimações para o entupimento de poços e de fossas latrinas" [3].

No ano de 1894 "o impaludismo continuou a figurar com cifra elevada, 104 no obituário..." [3]. Referências ao obituário pelo impaludismo passam a ser encontradas somente em 1904. Apesar das notícias que, em 1887, já se esboçavam obras de saneamento, mais tarde ampliadas pela criação do Saneamento de Santos, o obituário não decresce, mantendo-se ora elevado, ora em um nível equivalente de ano para ano. Explica-se facilmente esse fenômeno pela expansão da população sempre crescente na cidade de Santos, e que avança para as zonas malarígenas, sofrendo e pagando o tributo devido por todos os desbravadores.

Guilherme Álvaro [3] diz: "O impaludismo aparece com 54 óbitos na estatística de 1904; julgamos que se fôssemos apurar os casos, nem metade deles poderia conservar-se naquela rubrica mortuária, porquanto no coração da cidade, onde nunca chegar podiam os anofelinos transmissores, ocorreram mortes causadas por tal doença".

"Foi sempre vezo de toda gente em Santos, dos médicos inclusive, proclamar a intercorrência palustre em todas as doenças. Ainda há pouco tempo conversando com distinto colega, clínico daquela época em Santos, ele nos confessou que assim era, e que ninguém tinha a ousadia de contrariar a opinião corrente no tempo em que chegou a esta cidade e que era a referida".

"Qualquer que fosse a doença diagnosticada, acrescentou aquele colega, o tratamento era sempre acompanhado da administração de quinina, e ninguém se admirava, tal a força do hábito, diante dos acessos perniciosos surgidos no centro da cidade. O impaludismo naqueles tempos era o rótulo de todos os casos clínicos indecifráveis ou complicados como a gripe hoje o é para os análogos. A própria febre tifóide, na maioria dos casos, era tida como tifo-malária, sendo o tratamento misto de desinfecções intestinais e de quinino".

"Nos arrabaldes distantes de Santos, principalmente na Ponta da Praia, onde aliás os anofelinos não são raros ainda hoje, havia o impaludismo, como também ele existia nos limites de Santos e São Vicente, além do Saboó, e na Ilha de Santo Amaro, quer no lado do Porto, na Bocaina, quer nas praias ladeantes da Vila Balneária de Guarujá".

Este autor [3] teceu uma série de comentários sobre a existência de casos de malária no perímetro central da cidade, procurando insinuar que uma triagem rigorosa poderia reduzi-los à metade.

Os autores estão de acordo no que diz respeito ao fato de serem catalogados, naquela época, como malária, todos os casos febris surgidos no centro da cidade. Esse deslize é cometido ainda hoje em cidades que não dispõem de laboratórios de análises, pois muita confusão se faz em matéria de diagnósticos clínicos da malária, principalmente em se tratando de localidades situadas em zonas malarígenas.

Quanto ao fato, porém, de achar "impossível que os anófeles transmissores chegassem ao centro urbano", os autores discordam, pois certamente, não possuindo o autor, naquela época, elementos para pesquisas entomológicas, foi levado a fazer tal afirmativa pela falsa impressão de segurança que lhe dava o afastamento da referida zona, das partes alagadiças e propícias à existência dos criadouros.

Uma das finalidades do presente trabalho é, justamente, provar a existência desses criadouros disseminados na zona urbana de Santos e apontar os diversos modos de penetração dos vetores da malária.

"Em 1915, o coeficiente da  mortalidade geral aumentou também, indo a 16,92 por mil, quando tinha sido 16,09 em 1914. Foi o impaludismo que, produzindo 71 óbitos no município, avolumou o seu obituário; a doença lavrou durante vários meses em sítios distantes, na Bertioga, nas margens dos rios e nas praias da Ilha de Santo Amaro, chegando a vir causar estragos na entrada do canal de Santos, nas proximidades da Ponta da Praia. Não houve explosão local intensa que chamasse logo a atenção, e só com o correr do tempo a Sanitária teve conhecimento do mal e procurou imediatamente combatê-lo pelos meios a seu alcance, o tratamento e profilaxia pela quinina, já adquirida na Europa e nos Estados Unidos com dificuldades.

"Além dos referidos meios, de outros não se podia lançar mão, porquanto a topografia das zonas  infestadas exigia largos e custosos trabalhos de engenharia sanitária, para livrá-las da doença reinante nelas há muito tempo".

"Apesar da farta distribuição de quinina às populações contaminadas, este surto de impaludismo só terminou de vez em 1917, inclusive na Ponta da Praia, onde imprudentes se estabeleceram, levados pela crise, em lugares desde muito abandonados por insalubres".

"Em geral, bastaria que os moradores das zonas referidas abandonassem os terrenos baixos alagadiços, em que por comodidade se fixaram, e procurassem ponto mais alto e distante dos brejais, para que escapassem às devastações dos hematozoários. É verdade que, na Ponta da Praia, a população que ali foi se fixar contava com os benefícios do canal de drenagem nº 6 ainda este ano, mas a interrupção dos trabalhos da Comissão de Saneamento, logo no início da Guerra Européia, veio desfazer-lhes a esperança que nutriam, de poder ficar impunemente no referido ponto do litoral santista. Este fato veio mostrar a  necessidade da continuação das obras de saneamento realizadas pelo governo do Estado, para bem da grande massa de população, pobre quase toda e que foi procurar aqueles sítios confiada no seu próximo beneficiamento, compensador de sacrifícios motivados pelas dificuldades da vida  no centro da cidade".

Como adiante se pode verificar, as condições da Ponta da Praia, apesar da construção do canal nº 6, permanecem sensivelmente as mesmas, inerentes às condições locais e estranhas ao próprio terreno.

Sobre o passado malárico de Santos, "em 1917 o impaludismo causou 31 óbitos, dos quais 20 determinados pela forma aguda da doença. Foram menos 23 mortes do que em 1916 e por certo diminuirão daqui por diante, principalmente na Ponta da Praia, onde o canal com que contavam em breve, começou a prestar serviços, dessecando grande extensão de terrenos, nas proximidades dos lugares infestados pelo hematozoário. Ao mesmo tempo, o Código Sanitário Rural, por que nos batíamos desde 1909, sendo realidade, a Delegacia de Saúde ficará armada para providenciar sobre focos de anofelinos, de que venha ter conhecimento".

Em 1918 "o impaludismo, que lavrou ainda nas zonas rurais e na Ponta da Praia, foi causa de 11 falecimentos" [3].

QUADRO 2:

Obituário por malária 1854-1919 (+)

Ano População da cidade Obituário por malária Obituário geral %
1854  7,855 4 255 1,5
1855   1 248 0,4
1856   3 268 1,1
1857   3 329 0,9
1858   (+) (+) --
1859   6 249 2,4
1860   3 290 1
1861   (+) (+) --
1862   9 304 2,9
1863   8 532 1,5
1864   5 383 1,3
1865   4 350 1,1
1866   6 251 2,3
1867   3 239 1,2
1868   6 268 2,2
1869   12 420 2,8
1870   7 364 1,9
1871   (+) 388 --
1872 9.191 (+) 386 --
1873   8 572 1,1
1874   5 581 0,8
1875   5 418 1,2
1876   (+) (+) --
1877   (+) (+) --
1878   6 554 1,08
1879   12 460 2,6
1880   12 462 2,59
1881   10 384 2,6
1882   10 428 2,33
1883   44 538 8,17
1884   29 543 5,34
1885   16 422 3,79
1886 15.605 49 554 9,02
1887   40 787 7,08
1888   34 --- --
1889 20.000 107 1.712 6,25
1890   41 896 4,57
1891   81 2.473 3,27
1892   66 4.173 1,58
1893 30.000 78 3.561 2,19
1894   104 1.440 7,22
1895   141 2.574 5,47
1896 35.600 143 1.780 8,03
1897   110 1.331 8,26
1898   128 1.625 7,26
1899   121 1.336 9,05
1900   119 1.369 8,6
1901 45.000 78 1.312 5,9
1902   74 1.371 5,4
1903   91 1.490 6,1
1904   60 1.507 3,9
1905 50.000 40 1.391 2,8
1906   33 1.404 2,3
1907   42 1.609 2,6
1908   41 1.636 2,5
1909   20 1.544 1,2
1910 75,000 16 1.469 1,1
1911   15 1.514 1,0
1912   5 1.639 0,3
1913   11 1.637 0,6
1914   (+) 1.603 --
1915   71 1.692 4,1
1916   54 1.833 2,8
1917 65.000 31 1.533 2,0
1918   11 2.607 0,4
1919   10 1.105 0,9

(+) Obituário por  malária 1854 a 1919: corresponde aos óbitos catalogados pelo autor [3] com a causa mortis: febres intermitentes, malignas, palustres, malario-tifo etc.