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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CITY
Santos e a City (5)

Uma empresa que ajudou a transformar a cidade...
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Matéria publicada no jornal santista A Tribuna de domingo, 6 de maio de 1956, na página 22 (ortografia atualizada nesta transcrição):
 

Imagem: reprodução da página com a matéria original

 

A "City" abriu novos capítulos na história dos melhoramentos locais

Há 75 anos, o Governo Imperial concedia à "The City of Santos Improvements Co. Ltd." permissão para funcionar no Brasil - Trágico era então o panorama sanitário de Santos - Absorção da "Melhoramentos" pela Cia. inglesa - A elevação do preço do "barril" de água causa de efervescência popular em 1884 - Fracassos sucessivos das empresas exploradoras de linhas de bonde - Estréia da luz elétrica, no Boqueirão - A "City" toma conta de todas as linhas existentes em Santos e em São Vicente - O primeiro bonde elétrico correu, oficialmente, em 1909 - A Cia. perde, a favor do Município e do Estado, os serviços de transportes e o de água

 

Texto de Francisco de Marchi

Registra amanhã 75 anos de vida legal no país a "The City of Santos Improvements Co. Ltd."; festeja bodas de brilhante com a cidade eleita em 1881 (para investimento de capitais) por alguns corajosos ingleses, que não se assustaram com a má fama sanitária deste centro, agravada de ano para ano.

A Cia. nasceu em Londres, em 1880, mas foi a 7 de maio de 1881 que um decreto do governo imperial lhe concedeu permissão para funcionar no Brasil. Portanto, para nós, passou a existir legalmente em 1881 embora um de seus primeiros atos, logo no mês seguinte à obtenção da citada permissão, fosse o de chamar a si o patrimônio da "Cia. de Melhoramentos de Santos", sucedendo-a na exploração, nesta cidade, dos serviços de água, iluminação e transporte de carga e passageiros sobre trilhos, serviços que haviam sido contratados com a Municipalidade em 21/2/1870.

Ao eleger Santos para sede das pretendidas operações, revelaram-se ainda numa época em que as epidemias se tornavam assustadoramente mortíferas, afugentando muita gente do porto e paralisando inúmeras atividades. Em 1881, quando a "City" começou a operar, a cidade devia ter seus 12.000 habitantes, contra 9.191 registrados em 1870. Fora em 1850 que se anotara o primeiro óbito causado pela febre amarela; em 1873 a terrível doença fazia 143 vítimas; em 1889, 750; em 1892, 1.762; em 1893, 1.642. Num decênio apenas (1890-1900), ante a horrenda frente comum de doenças inexoráveis: febre amarela, disenteria, impaludismo, varíola, tifo, peste bubônica e outras, morriam 22.500 pessoas, ou seja, o equivalente a metade da população de Santos no início do século atual (N.E.: portanto, século XX).

Em que pesem todos os fatores negativos já apontados, a "City" e outras empresas a ela incorporadas (inclusive sua antecessora, a "Melhoramentos de Santos"), responderiam valentemente por empreendimentos que fariam esta cidade ombrear-se com centros mais populosos e adiantados.

A capital da Província de São Paulo, por exemplo, fizera a primeira experiência para iluminação de ruas, a gás, em 1872; em 1881, já sob a administração da "City", 416 combustores públicos varriam as trevas de nossas ruas e levavam animação a 174 estabelecimentos particulares. Os bondes de burro surgiram em Santos e em São Paulo quase na mesma época. Foi em 1882 que Édison montou uma estação geradora de luz e força, em Nova York: São Paulo conheceu a lâmpada incandescente no princípio do século, e, em 1902, pela primeira vez em Santos, por obra de João Éboli - um médico italiano ativo, que explorou o funcionamento de linha de bondes e uma organização bancária - a luz elétrica se fazia presente na praia do Boqueirão.

A seu turno, a "City", que protestara contra a iniciativa de Éboli, prejudicadora de seus privilégios, instalava em 1904 nova estação geradora, em Vila Matias. Se o primeiro bonde elétrico, em São Paulo, foi oficialmente movimentado em 1902, em Santos a instalação da rede elétrica especial se iniciava em 1907, em 28/4/1909 dava-se a inauguração do tráfego eletrificado. No mesmo ano da inauguração, transportavam os "elétricos" santistas mais de 8 milhões de pessoas.

A antiga estação de bondinhos de burros da "City", em Vila Matias. Um escritório funcionava na parte assobradada e o relógio que a encimava ainda hoje existe, cumprindo a tarefa de dar horas certas ao santista. O prédio sofreu modificações, inclusive o acréscimo de telheiros que lhe escondem a parte inferior da antiga fachada. Ao lado da antiga estação foi, anos depois, construído outro prédio, para recolhimento dos bondes elétricos. Note-se o calçamento do larguinho coberto de areia alva, por certo tangida pelo vento de áreas próximas, não pavimentadas. Ao fundo, notam-se as chaminés da estação geradora de eletricidade, que era a vapor, e serviu para movimentar os primeiros bondes elétricos, em 1909

Foto publicada com a matéria

A água encanada afugentou a disenteria - As longas caminhadas, para buscar água nas fontes locais, constituíam nos dias quentes um castigo para o povo. Somente em 1871 é que a água passou a ser fornecida a domicílio, mediante canalização.

O serviço fora contratado com a Municipalidade pelos engenheiros Thomas Cochrane e Everett Bennett (da "Melhoramentos de Santos"); deviam levar água para reservatórios, completando os dos 7 já existentes na Vila Matias, no Itororó, nas Duas Pedras (Rua Tiro Naval), no morro de São Bento, no Largo da Imperatriz, no Largo da Coroação (Praça Mauá) e na Banca do Peixe (Praça Azevedo Júnior), colocar quatro chafarizes no Porto do Bispo, Largo do Carmo, Campo da Chácara (Praça dos Andradas) e Rua do Quartel (Xavier da Silveira) e manter o abastecimento de mais 6 já existentes em outros pontos da cidade.

O preço da água a fornecer a domicílio seria de $020 por "barril" (26 litros). A água até então captada era pouca; procedia das fontes da cidade ou da cachoeira do José Menino; do José Menino vinha através de canos estendidos pela Rua do Encanamento (atual Floriano Peixoto) e depois pelo "Caminho da Barra" (Av. Conselheiro Nébias). Entretanto, a grande tarefa de abastecer suficientemente a cidade, com boa água e pressão, recairia sobre a "City"; já em 1881 ia ela buscar o líquido em "Boa Vista", na Serra Grande, instalando mais 17 quilômetros de tubos.

O número de consumidores ia crescendo e, se em 1882 havia 175 ligações de água, em 1884 subia a 792. Em dezembro de 1884 registrava-se o episódio do "Quebra-Lampião", movimento popular, explosivo, com Miguel Ferreira e Henrique Brugmann à frente, contra o pretendido aumento do preço da água fornecida (o preço do "barril" iria, ao que parece, a $040) e que objetivava, também, demonstrar o desagrado geral ante a colocação de medidores de água, pleiteada pela Cia.

A agitação findou com a quebra de inúmeros combustores e com bondinhos atirados ao mar. Em 1889, porém, eram instalados os primeiros hidrômetros e concluído o reservatório do Rio das Pedras; posteriormente entrou em atividade o reservatório do Saboó.

A tarefa era gigantesca; basta referir que em 1899 o número de consumidores já se elevava a 4r.656 e não há espaço para citar aqui tudo quanto se fez daquela época para cá; a construção de novos reservatórios de elevação, serviço de tratamento de água em Pilões, aumento do número, capacidade e quilometragem dos troncos principais e secundários de distribuição de água, levando esta a todos os cantos da cidade.

A água de Santos passou logo a ser elogiada fora dos limites da cidade; constituiu um título de ufania para o santista, sendo apontada como a mais pura do Estado. Atualmente, o abastecimento de água à cidade é atribuição do Estado; debatemo-nos, porém, em certas zonas, com a escassez do precioso líquido.

A "City", ao abastecer de boa água a cidade, a partir do fim do século passado (N.E.: século XIX), prestou-lhe assinalado serviço. Podia-se admitir que a iluminação, na época, não fosse excelente; aturar-se-ia a morosidade dos bondinhos de burros, mas a água não podia faltar. Estava em jogo a higiene de um centro cheio de casas acanhadas, infestado de cortiços, em que havia contágios de toda a espécie.

A água encanada veio acabar com a tirania das tinas imundas, das lavagens de roupas em tanques públicos. Ajudou a afugentar a disenteria e a assear uma cidade onde os ribeiros do centro se transformavam em sentinas, em depósitos de tudo quanto pudesse putrefazer-se a céu descoberto.

No Gonzaga, ermo, impregnado de melancolia, com a praia coberta de mato (ainda não existiam os jardins que deviam transfigurá-la), dois dos ônibus que pertenceram à "City' aguardam a chegada de eventuais passageiros. A "City" foi a primeira empresa, em Santos, a tentar manter ônibus em tráfego. Sucedeu isto no período de 1928-1930, mas havendo farta condução, à conta dos bondes, e não permitindo o estado das ruas, naquele tempo, a observação de itinerários mais interessantes, o novo sistema de transporte não logrou êxito.

Foto publicada com a matéria

A luz elétrica transfigura a cidade - A iluminação a gás alegrou regulares áreas da cidade, onde as antigas lanternas projetavam clarão pouco mais que agônico. Na época em que a "City" assumiu esse serviço, foram consumidos 280.000 metros cúbicos de gás (num ano). Hoje, essa quantidade não bastaria para uma semana.

A iluminação das ruas absorvia a maior parte do gás produzido e a luz era barata, à razão de $023 por bico equivalente a 9 velas. Cada lampião custava à Câmara 21$590 por mês. Uma cláusula contratual obrigava a Cia. a iluminar as ruas "mesmo nas noites em que houvesse luar".

Em 1891, Vila Matias passou também a ser iluminada a gás, o que elevou o número dos combustores públicos espalhados na cidade a 671 e a 592 os focos de luz instalados em estabelecimentos particulares. Alguns anos depois, passariam as casas residenciais a adotar este sistema de iluminação, até que em 1909 chegar-se-ia ao máximo de ligações gerais - 3.170. A seguir, o uso do gás para iluminação declinaria progressivamente: a luz elétrica desbancava-o, fazendo-o procurado apenas para a alimentação de fogões.

A luz elétrica, Santos a conheceu no começo do século presente (N.E.: século XX). Embora em estudos por parte da "City" desde 1898, foi João Éboli o primeiro a explorá-la, ferindo interesses da cia. inglesa. Contudo, em 1904, quando a "Ferro-Carril Santista" pertencia a Éboli e Cia., entrou em colapso e foi incorporada ao patrimônio da "City", os geradores também mudaram de mão. Na ocasião, encontravam-se dotadas de luz elétrica apenas as avenidas Cons. Nébias e Ana Costa, as ruas Lucas Fortunato e Senador Feijó e a praia do Boqueirão. No ano seguinte, a City construía nova estação geradora, em Vila Matias (usina termelétrica, de 250 HP). Essa estação geradora chegou a movimentar os bondes elétricos.

Mas, a solicitação crescente do novo processo de iluminação e o aumento do número de cinemas verificado em 1908-9, levou a "City" a substituir a luz em arco pelas revolucionárias lâmpadas de filamento, e a buscar suprimento de corrente junto à Cia. Docas. Por muitos anos, esse suprimento satisfez as exigências da cidade: depois, a "City" teve que voltar-se para a "Light", que passou a ser sua grande fornecedora.

A eletricidade, é evidente, transfigurou a cidade; as lâmpadas de filamento fizeram desaparecer os círculos de luz trêmula, deitada pelos bicos de gás, entristecedores das ruas. As indústrias, que pomposamente se anunciavam como "tocadas a vapor", passaram a adotar o novo agente produtor de trabalho, que não exigia compartimentos para ser guardado, não deixava resíduos e multiplicava o rendimento e duração das máquinas.

A nova fonte de iluminação abria também outros capítulos na vida mundana santista, favorecendo reuniões e multiplicando os centros de diversões noturnas. E como referência curiosa, devemos acrescentar que o "Cia. City Atlético Clube", formado por funcionários da "City", foi a primeira agremiação esportiva a iluminar um campo de futebol no Brasil.

A estréia dos bondes elétricos, no dia 28-4-1909, foi um grande acontecimento, levando à Vila Matias pessoas das mais influentes na vida da cidade. A presente fotografia, apanhada no prédio ainda existente, e que fora construído em complemento ao da antiga estação de bondinhos de burros, mostra um punhado de personalidades da época, posando para a posteridade, graças ao fotógrafo Marques Pereira. Entre outras figuras, identificamos nessa chapa os srs. Cândido Rodrigues, na ocasião secretário da Agricultura, e que descera a Santos acompanhado de seu oficial de gabinete; Aristides Paula do Amaral, Azevedo Júnior, cel. Francisco de Almeida Moraes, Moura Ribeiro, Sotter de Araújo, Bias Bueno, João Carvalhal Filho, Benedito Calixto, Alberto Veiga, Benigno Antônio Pimenta, Antenor de Campos Moura, Augusto Filgueiras e Laércio Fortunato

Foto publicada com a matéria

Os bondes na dança das transferências - Os transportes em Santos merecem detido estudo. Quem o fizer, mesmo que se dedique apenas aos bondes, retirará curiosíssimas conclusões. O espaço que decorre da circulação do primeiro bondinho à tração animal, verificado em Santos em 7-7-1873, segundo Azevedo Marques, até o funcionamento do primeiro carro elétrico, em 1909, porá em realce um evolver de hábitos e da fisionomia da cidade a que não se alheou o trilho como grande agente estimulador.

Santos, que antes tinha a sua vida comercial e o núcleo residencial estirados nas imediações do que viria ser a longa muralha do cais (somente em fevereiro de 1892 se inauguraria o primeiro trecho, de 260 metros), arreceava-se de estender o casario para lá de Vila Matias ou do Ribeiro dos Soldados (citado em velhos mapas da Repartição do Saneamento como Ribeirão dos Seixas).

O bonde foi o instrumento para essa expansão, a comodidade que levou muita gente a construir em áreas anteriormente tomadas por infindáveis matagais; o bonde faria também dos filhos de Santos "turistas" em seus próprios domínios, levando-os a "descobrir", em passeios mais amiudados, as belezas da praia da Barra, a calma bucólica da Ponta da Praia, as amenidades de S. Vicente.

Como expressão de regozijo, serviu o bonde para alegres convescotes; como auxiliar de luto, para a realização de enterros; como veículo de carga, para o transporte da mobília de quem se mudava para bairros mais distantes. E tempo houve que, junto à linha do bonde, eram erguidos pela "City" dois coretos, um na praia do José Menino, outro em S. Vicente; a ia. mantinha então uma banda de música que alegrava aqueles dois pontos, com a intenção única de atrair o público para passeios junto à orla do mar.

E teria havido uma única concessão para o funcionamento dos bondes, em Santos? Não. Domingos Moutinho obteve uma, pelo prazo de 50 anos, em 27-5-1870, a mesma que transferiu à "Cia. de Melhoramentos de Santos", antecessora da "City"; houve a de 10-5-1887, a favor de Matias Casemiro Alberto da Costa e dr. João Éboli, por 35 anos; em 10-11-1875 Jacob Emmerich e Henrique Ablas firmavam contrato com o presidente da Província, dr. João Theodoro Xavier, para ligação Santos-S. Vicente. A Câmara Municipal de S. Vicente, por sua vez, concedia a Antonio Freitas e outros concessão para a instalação de uma linha de bondes ("Cia. Ferro-Carril Vicentina") em 29-3-1905, para ligação do porto das Naus, em S. Vicente, ao José Menino.

É de justiça assinalar-se que os serviços de bondes não constituíram róseas operações para seus exploradores: em 1890 a "City" vendia à "Cia. de Melhoramentos de São Paulo" a linha que lhe fora transferida pela "Cia. de Melhoramentos de Santos". No mesmo ano (7-6-1890), era leiloada a linha estabelecida por Matias Costa em direção à praia e comprada pelo riquíssimo conselheiro Francisco de Paula Mayrink que, ainda em 1890, se tornara proprietário da linha explorada por Emmerich e Ablas. Mayrink, ao que parece, englobou as linhas citadas num consórcio, inclusive a que a "City" havia vendido à "Melhoramentos de São Paulo", e fê-las explorar sob a denominação de "Cia. Viação Paulista". Mas esta empresa não foi bem sucedida e veio a quebrar, tendo mais tarde, em 6-5-1901, sido arrematada pelo dr. João Éboli, por 530 contos de réis, incluída na importância uma hipoteca não paga de 270 contos (a avaliação oficial do acervo fora de 3.373:410$000!).

Éboli constituiu então a "Ferro-Carril Santista"; fracassa também e em fevereiro de 1904, por estranha predestinação, sua empresa passa ao patrimônio da "City", que completa a rede de transportes comprando a "Ferro-Carril Vicentina". Sabe-se o que a "City" fez com essa magnífica rede; renovou-lhe o material rodante, fazendo enorme compra de carros; estendeu novas linhas e eletrificou-as. E um dia, após tantas mudanças de maus, em autêntica dança de transferências, a rede de linhas de bonde que a "City" chamara a si e a que dera vida e eficiência, passou definitivamente para o controle e propriedade municipais, constituindo hoje o Serviço Municipal de Transportes Coletivos. isto ocorreu em dezembro de 1951.

Velhos preços, inflação e custos de serviços - Curiosos são os termos da transferência feita à "City", pela "Cia. de Melhoramentos de Santos", autorizada pela Câmara Municipal. Verificada em 2-6-1881, citava o valor total da venda como sendo de 700:000$000, assim distribuídos: a) um terreno com sobrado e mais dependências de uma fábrica de gás na Rua Marquês de Herval e um terreno na Rua Otaviana (Conselheiro Nébias), por 26:000$000; b) Materiais, mobílias e outros objetos, 24:000$000; c) Empresa de Transportes de cargas e passageiros, 200:000$000; d) Empresa de  Iluminação a gás, 200:000$000; e) Empresa de Abastecimento de Água, 200:000$000. O pagamento fora estipulado em moeda brasileira, com a libra esterlina reduzida ao câmbio de 24 dinheiros.

Barato? Muito mais nos parece a compra efetuada por João Éboli, 20 anos depois, em 1901, quando rematou os bens da falida "Cia. Viação Paulista", por 530 contos. Entre o enorme ativo da empresa, constavam-se dezenas de quilômetros de linha, estações no Boqueirão, na Vila Matias, na Rua Itororó, em Santa Maria e em São Vicente; um terreno com 150 m de frente para a Av. Conselheiro Nébias, fazendo fundo com a hoje Av. Epitácio Pessoa; outro de 53 m de frente para o mar, com 185 de fundo, onde seria edificado o "Miramar", tradicional centro de diversões já desaparecido; uma extensão de terra com 159 m de frente para a Conselheiro Nébias, com 180 m de fundo, confinando com a Av. Ana Costa; outro na Vila Matias, com 34 m de frente por 109 de fundos; instalações, animais para tracionar os carros etc. A "City", três anos depois, compraria esse mesmo acervo (20-2-1904), mas desembolsaria importância bem maior: 2.800:000$000.

Na época em que o serviço de bondes mantido pela "City" passou para o Município (dezembro de 1951), o total da venda foi considerado caro por algumas pessoas. Qual seria, porém, em data de hoje, o valor dos imóveis transferidos ao "SMTC", somente para falar destes bens e não em outros igualmente cedidos? A citação dos velhos preços servirá para avaliarmos o movimento inflatório ocorrido nos últimos anos, acentuado após a 2ª Guerra Mundial de forma avassaladora.

Os que achavam caras as passagens de bonde, no tempo da "City" - e ela os manteve imutáveis, por decênios - pagam, agora, obedientemente Cr$ 1,50 (na área municipal, e estão sempre à espera de prováveis majorações. Os ônibus (a "City" também os manteve sem êxito, nos anos de 1928 a 1930), impõem hoje na zona municipal passagem de Cr$ 2,50 e todos a aceitam.

O serviço de águas passou para o Estado e, ao menos na capital do Estado, os consumidores acabam de ser sobrecarregados com um aumento gritante. Vê-se pois que as queixas contra o alto custo de alguns serviços, operados em favor da coletividade, não devem ser dirigidas apenas contra empresas particulares; cobranças sucessivamente majoradas são também efetuadas pelas empresas pertencentes à União, ao Estado, ao Município, e decorrem, geralmente, do empobrecimento contínuo de nossa moeda.

Uma conclusão, porém, pode ser apresentada: a "City", embora pagando-se pelos melhoramentos que patrocinou, sempre teve o que dar à cidade, em retribuição; tem sido um fator de progresso e deu a este porto a água mais pura que tivemos e um serviço de bondes que foi considerado o mais regular do país. Hoje, com três quartos de século de existência, não está envelhecida; os 75 anos de vida servem para evidenciar-lhe a esplêndida estrutura e a certeza de que irá a idade matusalênica. Limitada no presente à exploração de dois dos quatro serviços que sempre manteve - opera apenas com o gás, luz e força - é de esperar-se, entretanto, que no futuro possa integrar como agente de vanguarda, como sempre o fez no passado, a história ativa dos crescentes melhoramentos locais.

NOTA - Parte dos elementos que serviram à realização do presente trabalho foram pelo autor colhidos diretamente de notas e documentos existentes no arquivo da Cia. City.

Imagem: detalhe de uma das fotos da página