Mônica Baum e Darci Merck Heinz, nora do fundador da casa, brindam com chope tirado a 1 grau
Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria
Pai do chope, Heinz chega aos 50 anos
Sobrevivendo ás crises e mudanças políticas, bar do Boqueirão une tradição e intimidade com
clientela a um cardápio moderno
Tadeu Ferreira Jr.
Da Redação
Sem notar o passar dos anos, o Heinz, bar que vende o chope
mais tradicional de Santos, completa neste mês 50 nos de vida com a característica de unir diferentes gerações de freqüentadores. O segredo para
alcançar o Jubileu de Ouro atravessando crises e mudanças políticas ao longo de cinco décadas? Manter um relação de intimidade com a clientela e se
reinventar sempre que preciso.
"Alguns períodos não foram nada fáceis, mas sobrevivemos", testemunha um das sócias, Mônica Baum
dos Santos. O Heinz tem hoje um trio em seu comando. Além de Mônica e o irmão Alexandre, há a nora do fundador da casa (o imigrante alemão Karl
Heinz), Darci Merck Heinz, que além de filha de alemães é a mais antiga entre os três, no batente há 25 anos.
"É um sacerdócio. Exige todo um comprometimento, uma rotina. Divido os dias no escritório
resolvendo pendências, negociando com fornecedores e fazendo compras para repor o estoque", resume ela. Aos finais de semana e feriados, Darci e
Mônica ficam no salão e fazem questão de beber e comer ao lado dos clientes mais antigos. É como um ritual.
As companhias são pessoas como o economista aposentado Luiz Carlos Moreira Junqueira, o mais
antigo cliente do bar. Às vésperas de completar 71 anos, ele conheceu a casa em julho de 1960, um mês depois da inauguração. "Em média, freqüento o
Heinz três vezes por semana há 50 anos. ONde vou comer caranguejo em Santos?", indagou o aposentado, se referindo a uma das iguarias do cardápio.
Como os sócios originais - o outro era o alagoano José Anastácio dos Santos - faleceram há mais de
20 anos, seu Luiz mostrou ser a autêntica memória viva do Heinz. "O velho Heinz começou isso sozinho, tinha apenas o José atendendo e mis um
funcionário. Ele reconheceu a dedicação do José e um dia o levou ao cartório, onde transferiu metade do bar para seu nome", relembrou o aposentado,
sem precisar puxar pela memória.
"O velho Heinz não era capitalista e eles se conheciam havia muitos anos. Foi justo", tratou de
explicar, diante do semblante estupefato do repórter com tal demonstração de desprendimento. Luiz lembrou da origem do chope que viria a fazer do
Heinz um bar famoso também fora de Santos.
"Logo após a inauguração, o Heinz constatou que a coisa não ia bem. Àquela altura, o bar era uma
casa de drinks onde a idéia do happy hour não funcionava. Bom alemão que era, ele correu para São Paulo e fez parceria com uma
fabricante de chope", lembrou.
O sucesso - A partir daí, veio a consagração do chope do Heinz. Conta seu Luiz que mesmo
quem não estava bebendo pedia um copo ao ouvir o estrondo vindo dos velhos barris de madeira ao serem abertos. "Ao acoplar a torneira, saía um
barulho, por causa da pressão interna. Todo mundo pedia correndo. Chegava a ser romântico".
Logo em seguida da morte do velho Heinz, faleceu também o sócio José Anastácio. "Ele sentiu a
morte do Heinz. Não agüentou", rememorou. Dessa forma, entraram em cena o filho do fundador, Egon Heinz, e a viúva de Anastácio, Osmilda, ainda viva
mas afastada dos negócios. "Egon não tinha vocação e o negócio não ia bem. Até que conheceu Darci".
Mesmo casada com Egon Heinz, Darci não se envolvia diretamente na administração do bar. Assim foi
até ficar viúva, há 25 anos, quando não teve outra opção. "Peguei isso aqui mal das pernas e com problemas de estrutura. As paredes estavam podres".
Uma boa reforma - que preservou o ar retrô de boteco antigo, em sua própria definição - foi o
suficiente para renovar o Heinz e torná-lo forte para superar crises financeiras, planos econômicos e oscilações inflacionárias.
A última grande reformulação foi no cardápio. Darci percebeu que precisaria aprimorar os petiscos
e comidas para depender menos do chope. Deu certo: "Hoje, vendemos tantos chopes quanto comidas. Achamos o equilíbrio".
Mesa 12, freqüentada por clientes assíduos e politizados, é uma das peculiaridades do
estabelecimento
Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria
Brasileiros e alemães, petiscos são atração
Com a segurança de quem confia no seu principal produto, Darci Merck Heinz não
esconde o segredo do chope mais famoso de Santos: temperatura a 1 grau e espuma cremosa com três dedos de espessura, sai por R$ 4,80. Cerca de 8 mil
litros são comercializados por mês.
Mas, como ninguém faz sucesso sozinho, bons petiscos são recomendados. Os mais
pedidos são iguarias alemãs como o canapé de rosbife (R$ 25,00) e a porção de salsichão (R$ 17,00). O toque brasileiro está presente no cardápio.
Além do caranguejo, há o marisco lambe-lambe e o risoto de palmito com filé de pescada.
A Mesa 12 - Uma das peculiaridades do Heinz é a Mesa 12. Redonda e de frente
para a porta, ela é capaz de reunir de seis a oito pessoas. Desde que sejam freqüentadores assíduos e politizados. "É o senadinho. Em época
de eleição as discussões pegam fogo", destacou Darci.
Quem senta na Mesa 12 tem de seguir preceitos, gravados numa pequena placa. Em suma,
ela prega a liberdade de expressão e a política do saber ouvir. Coisas que só se encontra no Heinz. "Conheço gente que comprou apartamento em Santos
por causa do Heinz", garantiu Luiz Carlos Junqueira.
Canapé de rosbife e salsichão são as iguarias mais pedidas
Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria
O VETERANO
Em julho próximo José Bernardino completa 57 anos de Heinz. É o funcionário mais
antigo da casa, entre 16. Pai de quatro filhos, sendo um menor de idade, orgulha-se de ter formado uma pedagoga e dois advogados com seu único
emprego. Já serviu gente famosa, como o Rei Pelé, a Rainha Hortência, o governador José Serra, a atriz Irene Ravache, entre vários outros. "Tenho
muita saudade da turma antiga que já faleceu, médicos da Santa Casa, o pessoal do café. São muitas recordações boas", disse.
José Bernardino da Silva - 65 anos, garçom
Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria
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