General Bandeira: a Prefeitura paga tudo?
Foto: publicada com a matéria
Oito acusações contra o general interventor
Uma delas: a Prefeitura de Santos paga suas despesas particulares
Reportagem de Carlos Brickmann
O vereador santista Nélson Fabiano, vice-líder do MDB,
pretende exigir que o interventor federal em Santos, general Clóvis Bandeira Brasil, devolva ao Tesouro municipal as
verbas gastas na manutenção de sua residência particular e no pagamento de seus empregados domésticos - cerca de 50 mil cruzeiros. Em ofício enviado
ao ministro da Justiça, Fabiano perguntou se o interventor não está agindo ilegalmente e imoralmente. Em discurso na Câmara, Fabiano sustentou que o
dinheiro da Prefeitura não deve ser gasto para pagar as despesas particulares do interventor.
E as despesas particulares de amigos e parentes do interventor?
As irregularidades, denunciadas e comprovadas por líderes da própria Arena, o partido
governista, vêm-se sucedendo desde que o general Clóvis Bandeira Brasil assumiu o cargo de interventor federal em Santos. Algumas delas:
1 - O chefe de gabinete da Prefeitura, major Antonio Joaquim de Castro Faria, gastou
18 mil cruzeiros, da Prefeitura, na reforma de sua residência.
2 - O filho do interventor, Alcides França Brasil, nomeado secretário do Turismo,
reformou sua casa às custas da Prefeitura.
3 - O interventor federal morou irregularmente num apartamento durante dois anos, com
tudo pago pela Prefeitura: aluguel, impostos, condomínio, luz e água, telefone. Hoje, o interventor continua morando de graça e não paga as contas,
mas uma lei de abril de 1971 autorizou a Prefeitura a pagá-las por ele.
Denunciadas as irregularidades, o interventor mandou instaurar inquérito - apenas para
apurar como as irregularidades tinham sido descobertas.
O começo da briga - Num relatório enviado em 1972 ao presidente da República, o
general Bandeira Brasil atribuiu a sua administração obras que, na verdade, tinham sido executadas pelo prefeito anterior, deputado federal
Sílvio Fernandes Lopes (entre as obras citadas, estavam a Estação Rodoviária e o Centro Cultural de Santos). Sílvio,
líder da Arena santista e político de grande prestígio, protestou, e Bandeira Brasil acusou-o de ter deixado o município "com as finanças
arrasadas". O ex-prefeito denunciou então uma série de irregularidades administrativas praticadas pelo interventor, por seu filho e por seu chefe de
gabinete, major Antonio Joaquim de Castro Faria.
Era a guerra: Clóvis Bandeira Brasil, em interpelação judicial, exigiu que o
ex-prefeito revelasse suas fontes de informação; Sílvio Fernandes Lopes, negando-se a revelar as fontes, forneceu ao juiz dos Feitos da Fazenda
Pública tais denúncias que o processo mudou: o juiz considerou-se incompetente para julgar a interpelação, e remeteu as denúncias à Justiça comum.
Mais um problema para o interventor: sua administração também será julgada pelo Tribunal de Contas do Estado.
Então, o interventor resolveu calar-se. Nélson Cassetari, seu chefe de Relações
Públicas, afirmava que nenhum esclarecimento seria dado sobre as denúncias, "pois isso seria uma resposta". O general estava interessado apenas em
saber como se faz para apurar as irregularidades de seu governo. É fácil: basta investigar para comprovar as denúncias. E, nas investigações, ainda
se descobre que as três primeiras providências do interventor Bandeira Brasil em Santos foram nomear o filho para uma Secretaria, mandar pintar o
mastro da bandeira e receber subsídios aumentados de Cr$ 1.900,00 para doze mil cruzeiros.
A casa do major - Logo que chegou a Santos, como interventor interino
(aguardando a vinda do general Clóvis Bandeira Brasil), o major Antonio Joaquim de Castro Faria alugou um apartamento - avenida Presidente Wilson,
2.131, apto. 901 - e imediatamente mandou reformá-lo, gastando, do dinheiro da Prefeitura, a quantia de Cr$ 18.034,93.
Dois anos mais tarde, em setembro de 1971, quando o escândalo surgiu, o interventor
afirmou que o major repusera o dinheiro. De qualquer maneira, a lei teria sido violada; não se pode ir apanhando empréstimos numa Prefeitura.
Entretanto, o dinheiro não foi reposto: dos Cr$ 18.034,93 que gastara dois anos antes, e que, com juros e correção monetária, deveriam
elevar-se a cerca de trinta mil cruzeiros, o major devolveu exatamente Cr$ 10.827,77 - cerca de um terço da dívida real. O interventor deu o caso
por encerrado, não houve o devido processo-crime, e o major continuou como seu chefe de Gabinete.
Algumas das obras que a Prefeitura mandou executar na casa do major Castro Faria:
1 - Ordem de Serviço 0189: "Por esta ordem determinam-se providências no sentido de
que seja confeccionado um armário de 2,00 x 1,30 em cedro e fórmica para ser colocado no local acima indicado" (apartamento do major).
2 - OS 0109: "Por esta ordem determina-se o desentupimento existente no banheiro".
3 - OS 0057: "Por esta ordem determina-se a ida de um carpinteiro URGENTE ao local
acima indicado, a fim de proceder os serviços necessários de carpinteiros, a serem orientados pela citada Sra." (senhora do major).
4 - OS 0340: "Por esta ordem determinam-se providências no sentido de que seja
procedida a colocação de 1 (uma) bolsa de borracha no vaso sanitário, no local acima indicado" (apartamento do major Antônio de Castro Faria).
5 - OS 03559: "Por esta ordem determinam-se providências no sentido de que sejam
confeccionados 3 (três) armários embutidos, sendo 1 (um) em cada quarto, 1 (um) armário no banheiro e 1 (uma) prateleira na cozinha".
E há várias outras ordens de serviço, como a que manda ligar a máquina de lavar roupa
do major, a que manda consertar os encanamentos do bidê etc.
As viagens e o filho - Há tempos o general e sua esposa foram convidados para
uma visita oficial a duas cidades japonesas. O casal esticou a viagem por Europa e Estados Unidos, por conta da Prefeitura, e a esposa do general,
no diário de viagem que publicou num jornal santista, sempre se referia aos hotéis de superluxo em que ficavam hospedados. Quando o interventor foi
acusado de esbanjar o dinheiro da Prefeitura, sua resposta foi seca: só ele e a mulher tinham viajado por conta da Prefeitura. O filho do casal, o
secretário de Turismo Alcides França Brasil, fizera a viagem por conta própria.
Alcides França Brasil aprendeu muito nessa viagem. Entusiasmou-se com a grama
artificial que as gélidas cidades européias e norte-americanas usam durante o inverno: queria colocar grama artificial em Santos. Quis também pintar
o asfalto de verde, "para tornar a paisagem mais humana"; imaginou desapropriar uma pequena planície entre a serra e o mar, em Nova Cintra, para
transformá-la num parque zoológico, com rinocerontes, elefantes e hipopótamos; quis alojar uma baleia no Aquário.
Sendo informado de que uma baleia não cabia no Aquário, Alcides sugeriu trazer
filhotes de baleia. Foi então informado de que os filhotes de baleia crescem. Resolveu aí derrubar o Aquário e construir um maior, onde haveria não
só suas baleias como delfins amestrados, iguaizinhos aos que vira no Seaquarium de Miami. Mas o projeto foi bloqueado.
Só incompetência do secretário? Logo que que chegou a Santos, em 1969, Alcides França
Brasil alugou um apartamento - avenida Presidente Wilson, 106, apto. 103, 11º andar - e gastou Cr$ 2.692,09 da Prefeitura para reformá-lo. Embora a
despesa seja menor que a do major Castro Faria, não devolveu ainda qualquer quantia ao Tesouro.
Os casos do interventor - O general Clóvis Bandeira Brasil foi nomeado
interventor em Santos graças à cassação do prefeito eleito, deputado Esmeraldo Tarquínio. As primeiras providências de
Bandeira Brasil foram:
1 - Receber os vencimentos do prefeito, aumentados pela Câmara, antes do Ato
Institucional nº 5, de Cr$ 1.900,00 para doze mil cruzeiros. O prefeito anterior, Sílvio Fernandes Lopes, se recusara a receber o aumento; Bandeira
Brasil causou tal escândalo ao recebê-lo que, após uma visita a Brasília, desistiu do dinheiro. Pouco depois, um decreto federal regulamentava os
vencimentos de vereadores, deputados, senadores, governadores, prefeitos e interventores.
2 - Nomear seu filho para secretário de Turismo.
3 - Permitir a reforma da casa do chefe de gabinete e de seu filho, às custas da
Prefeitura.
4 - Alugar um apartamento, por conta da Prefeitura, na rua Galeão Coutinho, e
reformá-lo, também às custas do Município. Nessa reforma foram gastos pelo menos Cr$ 1.613,14 e não há notícia da reposição dessa quantia.
De abril de 1969 a abril de 1971, a Prefeitura santista pagou aluguel, contas de água
e luz, condomínio, impostos, todas as taxas que incidem sobre um inquilino, para o interventor - sem que nenhuma lei a autorizasse a isso.
Mas em abril de 1971, a Câmara Municipal de Santos votou lei, com efeito retroativo
até janeiro de 1971, criando algo inédito no país: a verba de mordomia, equivalente a 16 salários mínimos, para o pagamento dessas despesas.
Assim, Bandeira Brasil recebe seu salário de general reformado, seu salário de interventor, verba de representação (como ocorre normalmente), mais a
verba de mordomia.
Para efeito de comparação, os prefeitos de São Paulo - Ademar de Barros, Lino de
Matos, Paulo Lauro, Vladimir de Toledo Pisa, Prestes Maia, Faria Lima, Paulo Maluf, e agora Figueiredo Ferraz, sempre moraram em suas casas, pagando
as taxas e despesas correspondentes. A residência oficial é privilégio de governadores e presidentes da República.
Segundo a denúncia feita pelo advogado Eraldo Aurélio Franzese, em nome do deputado
federal Sílvio Fernandes Lopes, "apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio" (aluguel, reforma do
apartamento e taxas) é uma violação do decreto-lei nº 201, que estabelece os crimes de responsabilidade dos prefeitos.
O caso dos automóveis - Segundo o comunicado 298 de 11 de julho de 1969, "o
auto de condução do sr. Interventor Federal, de chapa nº 27.15.01", recebeu 193 litros de gasolina e quatro litros de óleo, e foi lavado doze vezes
no período de dois a 21 de junho".
Acontece que o carro com essa chapa, no Estado de São Paulo, não pertencia ao general
Bandeira Brasil, nem à Prefeitura de Santos, a chapa é fria, falsa; se o carro pertence ao interventor e foi licenciado fora de São Paulo,
ele estará aproveitando indevidamente materiais e serviços da Prefeitura - o que é, pelo decreto-lei 201, definido como crime de responsabilidade.
Há também memorandos referentes a serviços em outro carro, também "de condução pessoal
do Sr. Interventor", com as datas e a natureza dos serviços prestados.
Quando o general Clóvis Bandeira Brasil assumiu a interventoria federal em Santos,
assim justificou sua nomeação: "O governo revolucionário tem lutado para estabelecer estas normas (os ideais da Revolução) e, muito mais para
conseguir executá-las. Carece, para isso, de executores - não raramente difíceis de encontrar - verdadeiramente identificados com os ideais e
princípios políticos da Revolução (...) Ao aceitar o convite, com que me distinguiu o insigne e honrado presidente Costa e Silva, assumi,
tacitamente, o compromisso de lutar pela normalidade democrática, sob o signo da Revolução de março". |