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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [08-G]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 80 a 83, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte


Cena de rua, Rio, 1825
Imagem publicada com o texto, página 81

História (G)

Por Arnold Wright

Capítulo X

Os primeiros tempos do império

Depois do grito do Ipiranga, a popularidade de d. Pedro atingiu o seu zênite. Menos de um ano depois (N.E.: SIC: expressão correta seria "Pouco mais de um mês depois"), a 12 de outubro de 1822, foi ele proclamado, entre gerais demonstrações de regozijo, Imperador Constitucional do Brasil. A sua coroação, que se efetuou numa capela anexa ao palácio, constituiu uma cerimônia magnífica,d e acordo com as faustosas tradições da Casa de Bragança.

Quando d. Pedro apareceu em público, logo após a coroação, foi alvo duma grande ovação popular. Os brasileiros orgulhavam-se de seu imperador e procuravam por todos os modos e em todas as ocasiões patentear esse sentimento.

Estas condições de perfeita harmonia não duraram, porém, muito tempo. Os interesses em oposição eram por demais numerosos e grande demais a desorganização do país. Logo o próprio caráter dos ministros que d. Pedro havia chamado para cooperar no seu governo constituiu uma fonte perene de dissensões.

Os ministros José Bonifácio de Andrada e seus dois irmãos, Antonio Carlos e Martim Francisco, eram homens de grande habilidade política e possuidores de várias qualidades que lhes davam vasta influência no país. Pareciam, porém, tão convencidos da sua influência, que não hesitavam em tomar, perante o imperador, atitudes impertinentes e para ele insuportáveis. Pelo seu lado, não se mostrava d. Pedro muito inclinado a apressar o advento dum regime moldado em linhas puramente constitucionais.

Tanto as suas próprias tendências como o estado de agitação e até de tumulto, em que se achavam algumas regiões do Brasil, o aconselhavam a não precipitar a promulgação da Constituição. Em tais circunstâncias, nada mais natural do que surgirem atritos de caráter grave entre o monarca e os seus ministros. À falta d'outro recurso, procurou d. Pedro sair da dificuldade, arredando os ministros que assim se opunham, abertamente, à sua vontade, e deu-lhes a demissão.

O sentimento popular estava, porém, no caso, do lado dos Andradas, e assim se manifestou publicamente, com o ato da Assembléia que os reintegrou nas suas funções. Entretanto, oito meses depois, a Assembléia concordou com o imperador, sendo então os Andradas novamente demitidos. Os ministros, privados do poder, assumiram uma atitude deliberadamente facciosa e esforçaram-se por dificultar a administração.

Pelas colunas do seu jornal O Tamoyo, começaram a atacar desesperadamente o governo; nem o próprio imperador poupavam; e em termos nada ou quase nada velados, ameaçavam-no com a sorte que tivera Carlos I, se não se dispusesse a governar como monarca constitucional.

Durante algum tempo, suportou d. Pedro os ataques, até que por fim, alarmando-se com o efeito que a campanha contra ele movida ia produzindo, resolveu dar um golpe decisivo. Um dia, montando a cavalo, dirigiu-se à Assembléia, à frente dum destacamento; aí prendeu os três Andradas e dois seus amigos e partidários, e fez embarcar todos os prisioneiros com destino à França. Esta medida de energia tolheu a ação do partido liberal, que havia adquirido uma força e uma influência consideráveis, devido à propaganda ativa e violenta dos Andradas.

Aproveitando-se da calma estabelecida, lançou o imperador uma proclamação, na qual declarava que, conquanto tivesse resolvido dissolver a Assembléia, como único meio de assegurar a tranqüilidade no Estado, havia também, pelo mesmo decreto, convocado outra, de conformidade com os reconhecidos direitos constitucionais do povo. Acrescentava o monarca que estava resolvido a não confiar a organização do projeto da Constituição à Assembléia, e que ia nomear uma comissão de dez membros para preparar o projeto, moldado nos princípios que ele desejava fossem observados; isto é, uma Constituição em que os poderes fossem tão concretamente divididos e definidos que um deles não se pudesse arrogar prerrogativas de administração.

Não era precisamente uma corporação de primeira ordem a indicada para a importante tarefa de formar as bases da Constituição contava, porém, entre os seus membros, um homem de excepcional inteligência e ilustração, na pessoa de Carneiro de Campos. Como resultado dos trabalhos da comissão, ficou organizado um notável Código de Governo, que foi aceito pelo imperador.

"A forma de governo do império seria monárquica, hereditária, constitucional e representativa. A religião do Estado seria a Católica Apostólica Romana, tolerados, porém, todos os outros credos. Os processos judiciários deveriam ser públicos e deveria existir o direito de habeas corpus e o direito de julgamento por júri. O Poder Legislativo deveria ser exercido pela Assembléia Geral correspondente ao Parlamento Imperial da Grã-Bretanha ou ao Congresso norte-americano. Os senadores seriam eleitos por toda a vida e os deputados por quatro anos. Os presidentes das províncias deveriam ser nomeados pelo imperador. Cada província deveria ter a sua Assembléia Provincial Legislativa, para a decretação das leis legais, sistema de impostos e governo. Os senadores e representantes da Assembléia Geral deveriam ser escolhidos diretamente pelos eleitores; e os eleitores provinciais deveriam ser eleitos pelo sufrágio universal. A imprensa deveria ser livre".

Naturalmente, não pensava o imperador em promulgar logo esta Constituição; devido, porém, à agitação que lavrava nas províncias e de dia para dia se tornava mais ameaçadora, aproveitou o ensejo oferecido por uma petição da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, para que ele se dignasse de adotar a Constituição, conforme fora organizada pela Comissão, e a 24 de março de 1824 fez o juramento da Constituição, declarando aceitá-la e comprometendo-se a defendê-la, respeitando todas as disposições nela contidas.

Este ato do imperador produziu excelente efeito na situação da capital; havia, porém, ainda a contar com sérias manifestações de descontentamento em pontos distantes do território; a mais séria delas foi em Pernambuco, onde um levantamento tomou as proporções de verdadeira revolução, sob a chefia de Manuel Carvalho Paes de Andrada, eleito presidente da província e depois substituído por um dos favoritos do imperador.

Para sufocar essa insurreição, foi enviada uma força do Exército, sob o comando do general Barreto, a qual devia operar por terra, enquanto lorde Cochrane bloqueara a capital da província, a fim de extinguir rapidamente os recursos dos rebeldes e restabelecer a paz na turbulenta província. Manuel Carvalho Paes de Andrade resistiu, durante bastante tempo; mas foi afinal dominado pelas forças legais, muito superiores em número, às suas. Conseguiu o chefe da revolução fugir, mas três dos seus companheiros, Ratcliff, Metrowich e Loureiro, foram feitos prisioneiros e depois julgados e executados.

Depois de haverem sido removidos os obstáculos internos à consolidação do Império, faltava que d. Pedro obtivesse o reconhecimento do seu governo pelas grandes potências. Durante longo tempo, o orgulho e o amor próprio dos portugueses impediram esse reconhecimento. Finalmente, nos primeiros meses de 1825, foi sir Charles Stuart enviado pelo governo britânico, em missão amigável junto aos governos de Lisboa e do Rio de Janeiro, para tentar obter o apaziguamento e definitivo acordo entre Portugal e o Brasil.

Canning, que nessa ocasião era o secretário das Relações Exteriores em Londres, punha grande interesse pessoal nesta questão e foi, em grande parte, devido às suas grandes e esclarecidas qualidades de estadista, que o caminho do Brasil independente foi aplainado e desembaraçado para o grande futuro que lhe designara o grito do Ipiranga.

As instruções dadas por Canning ao ministro britânico Stuart consideravam, num admirável golpe de vista, a verdadeira situação então existente entre os dois países. "Existe - dizia ele -, devido a uma aliança tão longa e tão íntima entre as duas Coroas, um dever moral, conquanto não uma obrigação positiva, para que empreguemos os nossos maiores esforços a reconciliar entre si as duas partes em que se separaram os domínios da Coroa portuguesa e resguardar, nos dois hemisférios, os interesses da família dos Braganças".

Stuart recebeu novas instruções para avisar o governo português de que as negociações para um acordo entre o Brasil e Portugal se não poderiam prolongar por mais de seis meses e que, expirado este prazo, se se não houvesse chegado a qualquer acordo, o governo britânico trataria diretamente com o governo brasileiro sobre a revisão do tratado de 1810.

Os principais pontos do acordo a que finalmente se chegou foram os seguintes: 1º - o rei de Portugal acedia em conferir o título de Imperador a d. Pedro; 2º - Sua Majestade o rei de Portugal concordava em reconhecer e sancionar tudo quanto houvesse sido feito no Brasil desde a sua volta à Europa; 3º - O rei acedia em transferir a seu filho a administração independente duma valiosa parte das propriedades da casa de Bragança. Sua Majestade fazia, porém, estas concessões com as seguintes condições: 1º - estipulava que ele devia partilhar com o seu filho o título de Imperador, ficando d. Pedro exercendo a soberania no Brasil, com o título adicional de Regente; 2º - que os futuros atos do Império Brasileiro tivessem de ser submetidos à sua sanção; 3º - que o Exército e a diplomacia das duas Cortes fossem possuídos em comum pelas duas nações, portuguesa e brasileira, sendo as nomeações para os cargos, numa e noutra, feitas indistintamente para portugueses e brasileiros. Finalmente, quanto à questão de sucessão às coroas de Portugal e Brasil, não havia praticamente diferença entre o projeto e contra-projeto e não oferecia a questão dificuldade alguma prática.

Ainda de acordo com o projeto, d. Pedro abandonaria a seu pai os seus direitos de sucessão, caso fosse necessário, em troca do que, o rei de Portugal renunciaria, em favor de d. Pedro, aos seus direitos sobre o Brasil.

Às últimas relutâncias e objeções do governo de Portugal, fazia ver Canning: "A questão a resolver agora não era se devia ou não o Brasil voltar novamente à sua antiga subordinação a Portugal, mas sim como seria possível salvar a monarquia na América, e como deveria ser conservada a melhor probabilidade da reunião futura das Coroas do Brasil e Portugal, sob o chefe da dinastia de Bragança. As notas do governo português haviam se fundado principalmente na alegada impossibilidade de abandonar o rei os seus direitos naturais, sem quebra da sua dignidade. Mas, seria por acaso verdadeira dignidade insistir em pretensões, para manutenção das quais não havia realmente meios de espécie alguma? Será possível que o governo português não veja como o Brasil está fora do alcance do poder de que dispõem os portugueses?

"E que não se lembre de que uma esquadra brasileira na foz do Tejo seria resultado muito mais provável, se se renovassem as hostilidades, do que o desembarque dum exército português no Rio de Janeiro? Se Portugal pôde, em tempos passados, separar-se da Espanha e resistir à totalidade das forças castelhanas, é por acaso provável que o Brasil, não separado de Portugal apenas por um riacho ou por uma linha imaginária, mas pela imensidade do oceano, não seja capaz de manter a sua independência contra qualquer força que Portugal possa enviar contra ele?

"A determinação de Portugal de se recusar a reconhecer a independência do Brasil não pode destruir o fato de realmente existir essa independência; e o melhor resultado que poderia dar seria o de colocar o príncipe regente diante deste dilema: resistir a seu pai, com as armas na mão, ou renunciar à sua situação no Brasil, entregando assim o país à guerra civil e ao governo republicano. É possível que aos interesses de Portugal convenham tais resultados?

"É possível que esteja no interesse da Casa de Bragança sacrificar tão bela herança a uma questão de orgulho vão? E porventura é mais que orgulho vão aquilo que leva os ministros portugueses a não querer admitir um fato que não podem destruir ou disfarçar - o fato de que o Brasil se tornou independente e não poderá nunca, a não ser por sua livre vontade, ser trazido novamente a uma união com Portugal?"

Sob a forte pressão do governo britânico, Portugal concordou afinal, em 1825, em reconhecer a independência do Brasil. Pesado foi, porém, o preço da sua complacência, pois o Brasil teve de assumir a responsabilidade de dívidas no valor de dez milhões de dólares. A Grã-Bretanha, como "corretor honesto" da transação, aproveitou-se para obter uma boa comissão sob a forma de privilégios comerciais. Agravado ainda pelos compromissos financeiros assumidos por ocasião do acordo com Portugal, o estado do Tesouro do Brasil era já deplorável quando d. Pedro assumiu o poder.

A este respeito, diz conhecido escritor: "Quando d. João partiu para a Europa, o grande número de pessoas que com ele voltaram a Portugal trocaram todos os seus haveres por ouro, no Banco do Estado. Estas retiradas levaram toda a moeda metálica do país e não tardou a manifestar-se o resultado inevitável desta operação. As obrigações e compromissos financeiros do Estado não puderam ser satisfeitos. Quando d. Pedro foi proclamado imperador, o soldo dos oficiais do Exército estava nada menos que dois anos em atraso, além de dívidas nacionais de considerável importância que de todos os lados apareciam e às quais era preciso satisfazer. As rendas do Estado estavam ridiculamente fora de proporção com as despesas, ou antes com o que constituiria as despesas, se fossem pagas as dívidas. No ano anterior à proclamação do imperador, o orçamento anual ascendia a quatorze milhões de cruzados, enquanto que as receitas do Tesouro mal chegavam a sete milhões".

A organização administrativa do país apresentava-se também sob um aspecto do mesmo modo pouco satisfatório. Atendendo às circunstâncias em que se achava colocado, pode-se pois dizer que d. Pedro exerceu a administração no Brasil com certo bom êxito. Depois de haver resolvido satisfatoriamente o difícil problema de dar uma Constituição ao novo império e de ter estabelecido a paz com o reino de Portugal, achou-se d. Pedro firmemente instalado no trono e em situação deveras invejável. A sua autoridade suprema era reconhecida em todo o império; e haviam cessado as veleidades de rebelião. Em todo o país reinava perfeita tranqüilidade. O Brasil entrava num novo período de progresso e prosperidade; e de novo se firmava a popularidade e o prestígio do imperador.

 


1) Troço de soldados; 2) A baía do Rio em 1820; 3) O "aqueduto", rio, há um século (N.E.: portanto, em 1813); 4) Recambiando um escravo fugido; 5) D. João VI no Brasil, 1810
Imagem publicada com o texto, página 83

 

Capítulo XI

A Guerra da Cisplatina - A abdicação de Pedro I

Em 1825, empreendeu o imperador a prolongada e extremamente dispendiosa guerra na Província Cisplatina, guerra que havia de dar ao Brasil, como resultado único, a vaga satisfação de ter, em grande parte, contribuído para a fundação, na América do Sul, duma nova nação republicana, o Uruguai. Esta guerra oferece um interesse particular na História do Brasil, porque marcou a época em que, pela primeira vez, se formou um Exército regular brasileiro.

Uma apreciação, muito interessante, do exército em campanha na Cisplatina, então ainda em sua formação, é fornecido pelo despacho dum oficial britânico, o qual foi, em 1828, enviado à América do Sul pelo governo inglês, para tentar conseguir um arranjo amigável da contenda entre o Brasil e a Argentina.

"O exército brasileiro em campanha - dizia este funcionário - subia a cerca de 9.000 homens, dos quais cerca de 5.000 eram de infantaria. A artilharia consistia em 12 peças de campanha e dois obuseiros. A infantaria havia adquirido grande conhecimento em manobra e disciplina. O general Lavalleja e seus oficiais confessavam que, na batalha de Ituzaingo, a decisão dessa infantaria e a precisão de suas manobras havia sido objeto de surpresa para eles e lhes havia inspirado um grande respeito. A cavalaria era, quase toda, originária da província do Rio Grande do Sul.

"Os habitantes dessa província - dizia o despacho - são talvez uma raça mais pura e com certeza mais civilizada que os Orientais; apesar de dotados de grande bravura, estão, atualmente, desanimados pelo grande número de revezes que têm sofrido ultimamente. São sinceramente afeiçoados ao imperador e têm uma invencível antipatia pelos seus vizinhos da Banda Oriental... Os habitantes da Província do Rio Grande do Sul têm dado amplas provas das suas boas disposições para secundar a ação do governo, contribuindo com largas somas destinadas a custear as despesas da guerra. Durante a visita de Sua Majestade a esta parte dos seus domínios, toda a gente me dizia que, se o imperador d. Pedro I houvesse assumido, em pessoa, o comando geral das tropas, todos os homens válidos da província o acompanhariam ao campo de batalha".

Infelizmente, d. Pedro I consentiu que a guerra continuasse a ser dirigida por outros generais; e como resultado, imensa soma dos dinheiros públicos foi esbanjada improficuamente e a sua influência entre o povo ficou gravemente enfraquecida. Finalmente, por intervenção do governo britânico, foi a paz assinada sobre a base da independência dos habitantes da Banda Oriental, que foi elevada a República.

Muito relutara o imperador para aceitar a paz em tais condições. Mas lorde Aberdeen, ministro britânico das Relações Exteriores, escrevendo a lorde Ponsonby, enviado no Rio de Janeiro, mostrava bem que, se a guerra tivesse continuado, o imperador se veria obrigado a levantar o bloqueio do Rio da Prata, pela oposição que os ingleses fariam á sua continuação.

Esta observação se referia a uma série de incidentes desagradáveis que se haviam dado no Prata, provenientes do bloqueio pelas forças imperiais dos portos da Argentina e do Uruguai. Haviam sido aprisionados navios estrangeiros e alguns deles destruídos, além doutros atos de violência exercidos contra as potências estrangeiras, que se haviam ressentido dum modo particular. Determinadas por essas ocorrências, surgiram muitas reclamações de indenização que o Brasil não teve outro remédio senão pagar. E isso ainda mais agravou o triste estado das finanças do país.

Devido não só à guerra, mas também a uma orientação considerada reacionária, pela qual os ministros eram sempre escolhidos nas fileiras do mais conservador dos partidos políticos, a popularidade de d. Pedro foi, daí por diante, decaindo cada vez mais. O afastamento entre o povo brasileiro e o imperador acentuava-se e aumentava com cada nova Assembléia que era eleita. Os ministros não tinham força nem influência; e a Assembléia Legislativa agia como entendia.

A 20 de setembro de 1828, por ocasião do encerramento da Assembléia, dirigiu-se o imperador, no seu discurso, aos representantes do povo, num tom e em termos, por assim dizer, de admoestação. Lorde Ponsonby, em um despacho de 24 de novembro de 1828, observava a existência duma corrente de forte oposição ao imperador: "Acabam de se realizar na cidade do Rio de Janeiro as eleições para o próximo período legislativo (período a começar em 1830). O governo perdeu em todas elas. Existe, sem dúvida, um forte partido avançado que se esforça por obter, por outros meios, aquilo que antes esperava conseguir, servindo-se da agitação e do desagravo causados pela guerra, agora felizmente terminada".

Esta apreciação representava bem as condições em que se achavam nessa ocasião os negócios públicos no Brasil. Pela sua índole e pelas medidas absolutistas postas em execução, havia d. Pedro completamente alienado as simpatias e o afeto dos seus súditos. O estado das finanças brasileiras ainda mais agravara o descontentamento e o ressentimento do povo. As infrutíferas operações militares na Banda Oriental haviam esgotado completamente os cofres públicos e a moeda em circulação consistia, por assim dizer, exclusivamente em letras sobre o café e letras dum banco que suspendera os seus pagamentos.

Para tornar ainda mais justificado o descontentamento do povo e agravar a situação interna do país, haviam sido concluídos tratados comerciais com a Grã-Bretanha, Rússia, Estados Unidos e Holanda, os quais eram justamente considerados por demais desfavoráveis ao Brasil.

Nunca o imperador estivera em situação tão perigosa. E não empregava esforço algum para se conciliar com a opinião pública; ao contrário, todas as medidas por essa ocasião tendiam a tornar a crise ainda mais aguda. Tão completamente alienou d. Pedro a simpatia popular que, em 1830, quando as Câmaras se reuniram, ficou patente que todos os seus membros, à exceção dos ministros, se achavam em franca oposição. Via-se que estava iminente uma crise. Precipitou os acontecimentos a queda de Carlos X, em França, que se deu nesta conjuntura. Entusiasmado co o êxito que os revolucionários franceses haviam obtido, conseguindo desembaraçar-se do seu monarca absolutista, o partido liberal no Brasil resolveu fazer uma demonstração ousada, para reaver as liberdades constitucionais. Organizou-se um projeto para ser adotada a Constituição dos Estados Unidos, com a única diferença de que, em vez dum presidente, o Brasil teria um imperador hereditário.

O imperador fulminou, com a sua cólera, este projeto, numa proclamação violenta que foi largamente espalhada. Mas a impressão que esta proclamação produziu foi inteiramente desfavorável ao monarca; e tanto assim que d. Pedro, alarmando-se com a situação, deu a demissão aos seus ministros e chamou para o Conselho d'Estado representantes da maioria liberal. Assim ele pensava serenar os ânimos e resolver a crise; em breve, porém, compreendia que tal solução era impraticável do seu ponto de vista e dadas as suas tendências absolutistas.

Em situação tão embaraçosa, chegou o imperador a pensar, para manter a sua política, no auxílio de Portugal. Por morte de seu pai, ocorrida em 1826, tinha-lhe d. Pedro sucedido no trono português; renunciara, porém, aos seus direitos, em favor de sua filha d. Maria. Para a execução desse plano, sobrevieram dificuldades, devido à ação usurpadora de d. Miguel, irmão de d. Pedro. D. Miguel, que se havia apoderado do governo, pretendia que o povo português o aceitasse como o verdadeiro soberano de direito. Mas já os direitos superiores de d. Maria tinham sido por completo reconhecidos e era ela que verdadeiramente ocupava o trono.

Nesse meio tempo, a influência de d. Pedro havia, naturalmente, crescido de modo considerável; mas o apoio dos portugueses servia mais para enfraquecer a sua autoridade no Brasil, do que para lhe dar prestígio, visto como reacendia o velho antagonismo entre brasileiros e portugueses; e a interferência de Portugal nos negócios do Império fez com que muitos se tornassem adversários de d. Pedro.

Rebentou afinal a esperada explosão popular que devia derrubar d. Pedro I. Exatamente um dia depois da demissão do gabinete ministerial, grande multidão se reuniu no Campo de Sant'Anna e em altos brados começou a exigir a reintegração dos ministros despedidos na véspera. Para acalmar a multidão e abafar a agitação, enviou o imperador ao Campo de Sant'Anna um magistrado, encarregado de ler uma justificação em que explicava a sua conduta política. A multidão tratou o pobre magistrado com o maior desprezo e fê-lo voltar a palácio, levando uma impressão muito viva da extrema gravidade da crise.

Mais tarde, foram mandados a palácio representantes do povo amotinado, com mensagens que insistiam pela reintegração dos patriotas nos seus cargos ministeriais. D. Pedro ouviu atentamente essas representações; e depois, respondeu com estas palavras, mais ou menos enigmáticas: "Estou pronto a fazer tudo para o povo, nada, porém, pelo povo". A multidão interpretou estas palavras como uma recusa formal às suas exigências e deixou explodir os seus sentimentos de desagrado e de cólera, numa tempestade de gritos sediciosos.

"A soldadesca - diz um escritor - deixou os quartéis e fraternizou com o povo que se armou nos arsenais, nos quartéis, nos depósitos de armas. Até a Guarda Imperial abandonou o palácio e fez causa comum com os insurretos". Assim mesmo, porém, o imperador continuou a resistir e o único sinal de fraqueza que deu foi enviar um oficial de polícia à procura do senador Vergueiro, patriota que gozava de grande influência sobre  povo; mas, por casualidade ou talvez propositalmente, Vergueiro não foi encontrado.

O último enviado do povo ao imperador insistia por uma resposta definitiva, acrescentando, em forma de aviso, que o povo não estava disposto a ser ludibriado ou a que lhe resistissem por muito tempo mais. O imperador respondeu que a sua honra e a Constituição lhe proibiam ceder.

Já o mensageiro se retirava com esta resposta, dada às 2 horas da madrugada, quando o imperador lhe pediu que esperasse um momento e, sentando-se à sua secretária, redigiu a última mensagem aos seus súditos brasileiros: "Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que hei mui voluntariamente abdicado na pessoa de meu muito amado e prezado filho o sr. d. Pedro de Alcântara. Boa Vista, 7 de abril de 1831".

Ao entregar a abdicação ao enviado, d. Pedro tinha os olhos cheios de lágrimas; depois, com algumas incoerentes expressões de pesar e afeição pelo seu povo amotinado, retirou-se apressadamente para os seus aposentos particulares. Seis dias depois, saia num navio de guerra inglês d. Pedro, para sempre, do Rio de Janeiro.

Na véspera de sua partida, escreveu d. Pedro a seguinte carta de despedida a seu filho: "Mui querido filho e meu imperador: muito lhe agradeço a carta que me escreveu. Eu mal a pude ler, porque as lágrimas eram tantas, que me impediam o ver. Agora que me acho, apesar de tudo, um pouco mais descansado, faço esta para lhe agradecer a sua, e para certificar-lhe que, enquanto viver, saudades jamais se extinguirão no meu dilacerado peito. Deixar filhos, pátria e amigos, não pode haver maior sacrifício. Mas levar a honra ilibada não pode haver maior glória. Lembre-se sempre do seu pai, ame a sua e minha pátria, siga os conselhos que lhe derem aqueles que cuidarem na sua educação, e conte que o mundo o há de admirar, e que eu me hei de encher de ufania por ter um filho digno da pátria. Eu me retiro para a Europa. Assim é necessário para que o Brasil sossegue, o que Deus permita, e possa para o futuro chegar àquele grau de prosperidade de que é capaz. Adeus, meu amado filho, receba a bênção de seu pai que se retira saudoso e não sem esperanças de o ver. - Pedro de Alcântara. Bordo do navio Warspite, 2 de abril de 1831".

D. Pedro I não viveu muito após a sua partida do Brasil, que tão profundamente amava. Morreu em 1834: esses poucos anos lhe haviam sido bastantes para ver o trono brasileiro garantido a seu filho e para reinar com o título de Pedro IV, em Portugal, onde deixou a sua dinastia firmada. No trono português sucedeu-lhe sua filha d. Maria.

O caráter de d. Pedro era um tanto desequilibrado. Todas as suas tendências lhe faziam desejar o poder absoluto; e sacrificou brilhantes oportunidades numa desassisada campanha para o conseguir. Prejudicava-o também uma patente falta de habilidade para escolher os seus ministros, a qual não deve ser atribuída unicamente às suas tendências despóticas. Ainda assim, com todos os seus defeitos, foi um soberano a cuja memória se ligará para sempre a gratidão dos brasileiros, pelo magnífico auxílio que deu à causa do povo, numa época bem crítica da história do país. Graças à sua ação enérgica se fez a união dos brasileiros e foram assentadas definitivamente as bases do majestoso edifício que hoje constitui uma das glórias do mundo republicano.

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