José Bonifácio
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História (F)
Por Arnold Wright
Capítulo VIII
O reinado de d. João e as agitações por uma
constituição
Se questões financeiras, grandemente perturbadoras, não
tivessem sobrevindo, a questão do governo do Brasil ficaria provavelmente resolvida, em condições auspiciosas e duradouras, nas base dum governo
monárquico absoluto. Mas, quer no séqüito do príncipe regente, quer mais tarde, haviam vindo para o Brasil numerosas personagens de grande distinção
em Portugal, as quais, havendo perdido a totalidade dos seus bens com as desordens da Europa, tinham de ser providas agora de meios condignos, à
custa do Erário público.
Estas necessidades, com as outras, bem mais legítimas, da manutenção da Corte e reconstituição do
sistema de administração, determinaram sangrias no tesouro, superiores às que ele podia suportar. Foram lançados, portanto, novos impostos, para
ocorrer às necessidades exigentes da Corte; e assim mesmo, as despesas excederam as receitas.
Novamente foram os contribuintes sobrecarregados, e assim por diante, até que os impostos
atingiram um limite nunca alcançado na História do Brasil. Além das taxas sobre o tabaco, açúcar, couros, algodão e outros artigos de exportação, um
imposto de dez por cento caiu sobre as rendas dos prédios e sobre o preço de venda de bens de raiz, isto além das fortes taxas do porto, capatazias
etc.
Quando se tornou evidente (o que não levou muito tempo a acontecer) que não bastavam ainda tais
expedientes taxativos para ocorrer às despesas da nova situação, lançou-se mão do desastroso sistema de comprometer o crédito público, com emissões
forçadas de papel-moeda, e com uma moeda metálica desvalorizada. Fez-se uma emissão de moedas de ouro de baixo quilate, que deu em resultado, além
do descrédito, a maior confusão no sistema monetário. O crédito público ficou reduzido à ínfima situação e, finalmente, o próprio Banco do Estado,
arruinado, sucumbiu.
Com o fim de retribuir ataques antigos e provavelmente também como meio de desviar a atenção do
povo das crescentes exigências feitas aos recursos naturais do país, resolveu o governo, em 1809, dirigir uma expedição contra a Guiana Francesa.
Sem o domínio do mar, se via a França impossibilitada de lhe mandar socorros. Com uma pequena guarnição e desprovida de todos os recursos, caiu a
colônia, como presa fácil, às mãos dos portugueses invasores. O domínio do governo brasileiro na Guiana Francesa foi, todavia, pouco duradouro;
pois, quando veio a apaziguação geral na Europa, seis anos mais tarde, a França recebeu novamente a colônia que havia perdido, de acordo com os
termos do Tratado de Viena.
Entretanto, uma vantagem indireta de grande importância proviera da ocupação, pelos portugueses,
daquela colônia - e foi o estímulo dado pelo exemplo da influência colonial francesa à agricultura nas zonas tropicais. Com o sistema português de
monopólios, qualquer iniciativa de lavoura era esmagada e excluída; na Guiana Francesa, entretanto, haviam sempre prevalecido processos mais
racionais e assim a colônia representava um exemplo frisante de progresso e abundância. Sementes e plantas foram enviadas da colônia para vários
pontos do Brasil e estas, juntamente com os espécimes trazidos da África e de outras partes do mundo, distribuídos por intermédio do Jardim Botânico
Real, recentemente criado. E daí resultou o desenvolvimento e extensão da indústria agrícola em várias direções.
Não foi somente com os franceses que os brasileiros, no governo real, foram levados a belicosos
encontros, nesta época de guerras constantes e universais. A velha questão com os espanhóis, relativa à predominância na Banda Oriental, reapareceu
e de novo excitou os ânimos dum e outro lado. A ação da Espanha, durante o longo período de guerras na Península, e a sua evidente fraqueza nas
colônias, ofereciam motivos e suficiente justificação, aos olhos do príncipe regente e dos seus conselheiros, para a intervenção do governo do Rio
de Janeiro.
A princípio, esta intervenção revestiu-se da forma duma sugestão amigável, feita aos habitantes de
Buenos Aires e de Montevidéu, para que se passassem para a soberania do Brasil que os protegeria contra a Espanha. Não estavam, porém, os habitantes
daquelas localidades dispostos, por mais que detestassem o domínio espanhol, a deixar uma servidão para vir, talvez, cair em outra. As suas
aspirações dirigiam-se para a formação dum governo seu e republicano; e depois de muitas negociações, delongas e lutas consideráveis, conseguiram
obter a forma de governo que desejavam.
Antes, porém, que tivessem conseguido o seu objeto, haviam sustentado luta com o exército misto
português e brasileiro; e na Banda Oriental, haviam sido completamente batidos. Aproveitando as vantagens obtidas sobre os inimigos, havia o
exército brasileiro ocupado Montevidéu e as Missões; e o Brasil se havia fortemente firmado naquela importante cidade, situada na boca do estuário
do Prata. Estas novas conquistas ficaram por um preço bastante elevado, porque, além das despesas de campanha, foram também grandes as somas
perdidas pelo comércio mercantil brasileiro e as depredações causadas por Artigas, chefe revolucionário da Banda Oriental, que, batido, voltava
sempre à luta e, quando expulso para a outra margem do Uruguai, organizou um sistema de pirataria que acarretou grandes prejuízos ao Brasil. Ainda
assim, a guerra aumentou consideravelmente a popularidade da família real.
Aproveitando-se destas circunstâncias e do sentimento popular, promulgou d. João, em dezembro de
1815,um decreto, declarando-se regente do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, de que a rainha louca era a soberana. Esta elevação do Brasil
de colônia a Reino Unido foi uma hábil medida do governo que, assim, lisonjeava as aspirações dos brasileiros. Por toda a parte, no país, houve
enorme regozijo e se celebrou festivamente o acontecimento.
A 20 de março de 1816, morria, em adiantada idade, a infeliz rainha louca d. Maria Francisca; e
assim se removia o último obstáculo à solene ascensão de d. João ao trono. Deixou ele passar um intervalo conveniente para permitir que lhe fossem
conferidas integralmente as honras de soberano. De fato, só a 5 de fevereiro de 1818 se efetuou a cerimônia, com grande pompa, na Praça do Palácio,
no Rio de Janeiro. Imensa multidão aclamou o novo rei e tudo parecia augurar um período de governo feliz e próspero.
Entretanto, dum como d'outro lado do Atlântico, em terras portuguesas, eram essas aparências
puramente fictícias. O descontentamento aumentava cada vez mais perante o excesso a que eram levados as prerrogativas reais e os privilégios da
Coroa. Anderson, em sua Historia do Brazil, cita, a esse respeito, exemplos curiosos. "Os
cortesãos do Paço - diz o autor - são
apelidados pelos brasileiros de toma-larguras para significar que essas personagens tomam toda a largura das ruas e não fazem cerimônias para
atropelar o povo ou atirar o seu carro de encontro à carruagem, liteira ou cavalo de qualquer plebeu que encontrem no seu caminho. Depois deles, vêm
os cadetes reais, em tão desenfreada correria, que a sua passagem pode bem ser comparada, pela impetuosidade e fúria, às ventanias que sopram na
linha do Equador. Anunciam eles a aproximação d'algum membro da família real e, como é costume de todas as pessoas que encontram tirar os chapéus e,
se estão em carruagem ou a cavalo, apearem-se, não é pouco aborrecido ver a confusão que reina por estas ocasiões, de alvoroçado cerimonial. Alguns
procuram fugir, com receio de serem pisados pelos cavalos e carruagens, outros puxam os seus cavalos ou carros para um lado; e todos dobram o joelho
à passagem da família real. Nestas ocasiões, é grande felicidade dum cavaleiro poder desmontar, sem sofrer algum encontrão ou pisadura".
Dos dois lados do Atlântico iam as idéias liberais fazendo o seu caminho, enquanto a família real
se ocupava em alienar o resto de popularidade que ainda tinha com a sua imprevidência e orgulho desmedido. Já em 1817, havia estalado um movimento
republicano em Lisboa, movimento esse que abortara; e no mesmo ano se tinham dado lutas em Pernambuco, resultantes duma conspiração.
Por toda a parte, à exceção do Rio de Janeiro, lavrara um surdo descontentamento, devido em grande
parte ao emprego dos dinheiros públicos em melhoramentos que se limitavam a uma única cidade. O Recife e a Bahia sentiam-se abandonados e mostravam
claramente o seu ressentimento por uma série de demonstrações contra o governo do Rio de Janeiro. Com grande energia, conseguiu o governador da
Bahia abafar o movimento revolucionário.
Alarmado com a extensão que ia assumindo o movimento, fez o rei vir de Portugal uma força
considerável de soldados portugueses, que haviam servido sob as ordens de Wellington. Com a ajuda destes, conseguia o governo manter em xeque as
idéias ambiciosas dos brasileiros natos e a crise era momentaneamente adiada.
Mal, porém, começava a tornar-se melhor a situação do governo no Brasil, rebentou uma revolução em
Portugal. Reinava, há muito, em Portugal, um descontentamento profundo pelas condições em que era administrado o país, estando o governo a milhares
de milhas de distância.
O governo britânico, usando dos seus privilégios como antigo aliado de Portugal, tinha, por mais
duma vez, instado para que o rei voltasse a Portugal; d. João, porém, que se afeiçoara ao Brasil, não prestara atenção aos repetidos avisos do
ministro inglês.
Constituía, além disso, um grande infortúnio para o rei ter uma esposa que não somente o não
ajudava, mas ainda intrigava ativamente contra ele. Já em 1815 a rainha d. Carlota Joaquina havia feito promessas duma constituição liberal a certos
políticos de idéias avançadas, com o fim de adquirir o seu concurso e obter as suas simpatias para se criar, ela, uma posição política
independentemente do seu esposo. Tudo levava a crer que ela continuasse a cultivar estas relações políticas e a tecer estas intrigas, para ser
finalmente escolhida para rainha do Brasil, como um reino independente de Portugal.
Para agravar ainda mais a situação do rei, seu filho d. Pedro era abertamente favorável ao partido
brasileiro, que já então pensava em obter inteira separação do reino de Portugal. Gozava o príncipe de merecida popularidade e tinha o respeito dos
habitantes, que nele reconheciam qualidades brilhantes e valiosas. Dada esta desorganização da Corte, não é para admirar que a revolução liberal em
Portugal ecoasse profundamente no Brasil. Quando, no país, foram recebidas as notícias do estabelecimento dum governo popular na Mãe Pátria,
organizaram-se grandes reuniões em diversos pontos do Brasil e foram dirigidas inúmeras mensagens ao governo, pedindo uma Constituição concebida em
bases liberais.
No Rio de Janeiro, tornaram-se essas demonstrações, pela sua violência, perfeitamente ameaçadoras.
A multidão reunia-se nas praças públicas, reclamando liberdade em altos brados. Reconhecendo a força da exigência popular, nomeou o rei, a 18 de
fevereiro de 1821, uma comissão para ir estudando as reformas a introduzir na Constituição. Fortes influências trabalhavam para conseguir o regresso
do rei para Portugal; a maioria dos chefes brasileiros, porém, veemente se opunham à sua partida.
Nesta emergência política, lançou Sua Majestade, a 21 de fevereiro, um manifesto, no qual, depois
de declarar a maior afeição aos seus súditos brasileiros, dizia que havia resolvido enviar se filho, o príncipe d. Pedro, a Lisboa, com plenos
poderes para tratar, em seu nome, com as Cortes. Explicava também o manifesto que o príncipe levaria poderes para tratar com as Cortes a respeito da
organização duma Constituição; e nele se formulava a promessa solene de que os artigos dessa Constituição que pudessem aplicar-se às circunstâncias
existentes e às condições particulares do Brasil, aqui seriam adotados.
Em vez do efeito apaziguador que se esperava, só serviu essa proclamação para aumentar a
efervescência popular. Na manhã de 26, explodiu a crise. Todas as ruas e praças principais foram ocupadas pelas tropas, e colocou-se a artilharia
nas posições estratégicas. Diante destas medidas militares, a agitação popular atingiu o extremo limite. Precisamente na ocasião em que o
derramamento de sangue parecia iminente e inevitável, d. Pedro, acompanhado por seu irmão d. Miguel, entrou, a cavalo, na cidade, vindo de São
Cristóvão, e foi imediatamente conferenciar com a Câmara que se achava reunida, naquela ocasião, na sala do Teatro.
Terminada a conferência, apareceu d. Pedro a uma das sacadas do edifício e leu ao povo e às tropas
uma proclamação com data atrasada, isto é, de 24, na qual se prometia uma Constituição idêntica à que fosse votada pelas Cortes de Lisboa. Esta
proclamação foi recebida com delirante entusiasmo pela multidão que, devido ao aparato das forças militares, esperava resultado muito diferente.
O povo rompeu em gritos de "Viva el-rei! Viva a Religião! Viva a Constituição!" e o príncipe d.
Pedro foi aclamado especialmente, como defensor das liberdades do país. Com os aplausos e aclamações do povo soando ainda aos seus ouvidos, voltou o
príncipe à sala da conferência e mandou que o secretário da Câmara compusesse uma fórmula de juramento que deveria ser feito por todos, afirmando a
intenção de respeitar e cumprir fielmente a Constituição. Redigida a fórmula, prestaram o juramento o príncipe d. Pedro, depois seu irmão, os
ministros e numerosas pessoas importantes da cidade.
Em seguida, voltou d. Pedro à quinta da Boa Vista, onde então se achava o rei, para obter que ele
aparecesse na cidade, pois constituiria isso o melhor meio de assegurar a ordem e a confiança popular. A comitiva real, ao chegar à praça principal,
encontrou grande multidão que, rodeando a carruagem real, lhe tirou os cavalos e a levou em triunfo até o palácio. Logo depois, aparecia o rei a uma
das janelas e, dirigindo-se à multidão, confirmou tudo quanto d. Pedro havia prometido em seu nome.
Os regozijos populares continuaram durante todo o dia seguinte. Graças à hábil atitude assumida
pelo príncipe d. Pedro e às suas medidas sagazes, completamente se haviam transformado as disposições do povo da cidade; e descontentamento e
ameaças se convertiam numa fervorosa lealdade. Durante este período de luta pela obtenção duma constituição, a Bahia, por assim dizer, se tinha
tornado independente; e em outros pontos o movimento revolucionário fizera largo caminho. Mas a sábia política adotada pelo rei conseguiu levar
novamente o sentimento da lealdade a esses longínquos centros da comunidade brasileira.
Não havia, porém, a luta, de modo algum, atingido o seu termo, com a concessão da Constituição.
Surgiram logo questões sobre a escolha dos representantes do Brasil que deviam ser enviados às Cortes; surgiram também pendências em relação à
escolha dos ministros. O que, porém, mais excitou os ânimos populares foi a decisão que o rei se viu obrigado a tomar, devido à pressão exercida
pela Europa, e que vinha a ser o seu regresso a Lisboa.
Os brasileiros receavam que a transferência do trono para o outro lado do Atlântico fizesse piorar
a situação do país. Enquanto se faziam os preparativos para a partida do rei, um grupo de eleitores, convidados a reunir-se na Praça do Comércio,
para eleger os representantes às Cortes, recebera do rei, a 21 de abril, uma mensagem, estabelecendo as disposições que ele resolvera tomar,
relativamente ao governo do Brasil, sob a regência do príncipe d. Pedro.
A assembléia, em resposta a esta mensagem, pediu que a nova Constituição fosse baseada nos
princípios generosamente liberais da que fora concedida à Espanha, pouco tempo antes. No dia seguinte, houve nova reunião e foi apresentada uma
proposta para que se inspecionassem os navios destinados ao transporte da comitiva real, a fim de se evitar a retirada, do país, dos cofres
públicos, cuja presença fora denunciada a bordo.
Tendo conhecimento do caráter que haviam assumido as deliberações da assembléia, mandou o rei um
destacamento de soldados para fazer evacuar a sala em que elas estavam sendo tomadas. Devido à má compreensão duma ordem, os soldados fizeram fogo
contra a assembléia e daí resultou morrerem três pessoas e ficarem feridas vinte.
Nesse mesmo dia, passou o governo ao príncipe regente d. Pedro, com um conselho de ministros
composto do conde dos Arcos, primeiro-ministro; conde de Souza, ministro do Interior; brigadeiro Caula, ministro da Guerra; e Manuel Antonio
Farinha, ministro da Marinha. No dia seguinte, pela manhã, dirigiu d. João uma proclamação às tropas, exortando-as a manter-se fiéis à Coroa e à
Constituição e a prestar obediência ao príncipe regente.
A 24 de abril de 1821, efetuou-se o embarque. Despedindo-se de seu filho, dirigiu-lhe o rei, mais
ou menos, estas palavras: "Pedro, temo que o Brasil, dentro de pouco tempo, se separe de
Portugal; se assim for, põe a coroa na tua própria cabeça, antes que ela vá ter às mãos d'algum aventureiro".
E esta injunção não foi esquecida nos dias, pouco distantes, em que a autoridade real no Brasil devia correr perigo muito mais sério...
Desembarque de d. Maria Leopoldina, no Rio de Janeiro
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Capítulo IX
A Independência
O príncipe d. Pedro, assim chamado subitamente a arcar com o
peso de um reino convulsionado, era um moço de bela aparência, com vinte e dois anos de idade. De porte másculo e enérgico, amante dos exercícios ao
ar livre, acessível e de caráter jovial, gozava, em todas as classes, das maiores simpatias. Não levou d. Pedro muito tempo, sem dar prova da sua
energia de caráter e habilidade política.
Desde a partida de d. João VI, empregava o elemento português esforços contínuos e veementes para
reduzir o prestígio do governo brasileiro. Foram passados vários decretos pelas Cortes em Lisboa, com o fim de restaurar o caráter colonial nas
relações entre o Brasil e Portugal. Estes decretos encontraram no Brasil uma enérgica resistência e oposição.
Com o correr do tempo, o próprio d. Pedro veio a sentir, pessoalmente, a pressão incômoda do
governo português. A sua ação no Brasil era perturbada e desviada pelas Cortes. Decretaram elas que o Exército ficasse sob a direção de uma comissão
militar; que as leis locais só pudessem ser executadas depois de aprovadas por uma junta responsável perante as Cortes; e que os governos locais do
Brasil fossem desligados do Rio de Janeiro e tornados responsáveis unicamente perante o governo de Portugal. Por fim, foi o governo de Lisboa ao
extremo de exigir o regresso do príncipe regente, sob o pretexto de que ele precisava completar a sua educação.
Desta vez, o príncipe não suportou o desrespeito com que o tratavam. Mais forte ainda foi a
indignação popular, excitada por essa prova final das intenções que Portugal alimentava, de reduzir o Brasil à antiga condição de vassalagem. O
sentimento público manifestou-se num memorial dos habitantes de São Paulo que, sob a direção política de José Bonifácio de Andrada e Silva, tinham
adotado um sistema de governo mui pouco diverso da forma republicana.
Os paulistas aconselhavam, e pediam com insistência, ao príncipe regente, que não prestasse
atenção ao chamado das Cortes. Esta representação foi apoiada por uma moção igualmente em termos ardorosos e impressionantes, dirigida pela Câmara
do Rio de Janeiro.
O príncipe regente deu ao povo a única resposta possível: "Como
é para bem de todos, e felicidade geral da Nação, diga ao povo que fico". Esta decisão
provocou um entusiasmo indescritível. Em princípios de 1822, o príncipe regente firmou mais o seu ministério, escolhendo para ministro do Interior
José Bonifácio de Andrada, e pouco tempo depois, dando outra pasta ao irmão do novo ministro, Martim Francisco de Andrada.
Um dos primeiros atos de d. Pedro foi convocar representantes das principais províncias no Rio de
Janeiro, como preliminar para o futuro estabelecimento dum Parlamento brasileiro; e como corolário desta medida, decretou que nenhuma lei promulgada
pelas Cortes de Lisboa pudesse ser executada no Brasil, sem o "Cumpra-se" do príncipe regente.
Rebentando distúrbios, por essa ocasião, em Minas Gerais, quis o enérgico príncipe ir pessoalmente
ao local em que lavravam os tumultos e, com as suas maneiras cativantes e habilidade política, conseguiu apaziguar os ânimos e obter do povo um
apoio entusiástico à sua autoridade. Enquanto se achava ausente nesta viagem, tomou a Assembléia do Rio de Janeiro a deliberação de lhe conferir o
título de Defensor Perpétuo do Brasil.
A 17 de agosto de 1822, lançou o príncipe regente uma proclamação, aceitando o título e definindo
a atitude que fora obrigado a assumir perante a ação das Cortes de Lisboa. Depois, num manifesto ao povo brasileiro, soltava d. Pedro o apelo de
união nesta crise da vida nacional: "Não se ouça entre vós outro grito que não seja união - Do
Amazonas ao Prata, não retumbe outro eco, que não seja independência. - Formem todas as nossas províncias o feixe misterioso que nenhuma força há de
quebrar". Este apelo entusiástico excitou vivamente o sentimento nacional; e maior se tornou,
depois dele, a dedicação do povo ao jovem príncipe, que se havia tão completamente identificado com a sua causa.
Faltava, entretanto, dar o toque final, a última demão, na tarefa tão promissoramente empreendida.
A obra foi coroada junto às margens do riacho Ipiranga, perto de S. Paulo. Achando-se ali d. Pedro, a 7 de setembro de 1822, recebeu volumosos
despachos, vindos de Portugal. O seu estado-maior esperava ansiosamente e notava todas as impressões que se traduziam no rosto do príncipe. Uma a
uma, leu d. Pedro todas as cartas que lhe enviaram da capital portuguesa; e houve uma que ele leu duas ou três vezes e depois destruiu. Não se sabe
ao certo o que nesse papel se dizia; mas, após alguns minutos de concentração profunda, d. Pedro levantou a mão e gritou: "Independência
ou Morte!".
A proclamação da independência foi recebida, por todo o Brasil, com manifestações de regozijo e
entusiasmo. Entretanto, baixava José Bonifácio de Andrada, então chefe do Conselho de Estado, um decreto, determinando que todos os portugueses
dispostos a abraçar a causa brasileira manifestassem essa intenção, usando no braço uma lista, com a divisa de d. Pedro: "Independência
ou Morte!"; mais determinava que todos os dissidentes deixassem o país dentro de certo prazo,
sob pena de severos castigos; e finalmente, eram ameaçados com a pena correspondente ao crime de alta traição todos aqueles que dali por diante
atentassem, por meio de palavras ou atos, contra a causa sagrada do Brasil.
Começava a existência do Brasil como nação independente. E entretanto, não terminara ainda a luta
para a conquista da Independência. Assim que os portugueses tiveram notícia da intenção de d. Pedro, organizaram uma expedição para o
restabelecimento da autoridade portuguesa. Um exército de cerca de 12.000 homens se concentrou na Bahia, sob o comando do general Madeira, e esperou
reforços de Portugal, os quais em breve começaram a chegar, em grande número. Não conseguiram, porém, essas forças vantagem alguma, devido, em
grande parte, à tática hábil de d. Pedro, que as sitiou, privando-as, do lado de terra, de comunicações e provisões, e logo começou a tratar de
conquistar a supremacia no mar.
Foi muito feliz nesses projetos, pois conseguiu obter para a causa brasileira os serviços de lorde
Cochrane, valente batalhador, cujas proezas eram já conhecidas em águas da América do Sul. Lorde Cochrane reuniu uma esquadra considerável, ainda
assim inferior à esquadra portuguesa, que possuía 398 canhões, contra os 300 da esquadra brasileira.
A despeito dessa superioridade, não obtiveram os portugueses uma só vitória. Quando, finalmente, o
governo de Lisboa abandonou o intento de reconquistar o Brasil e fez repatriar as forças que ainda se achavam neste país, os navios brasileiros, sob
o comando de lorde Cochrane e de um outro marinheiro britânico, Taylor, perseguiram a esquadra portuguesa, causando-lhe prejuízos em toda a
travessia do Atlântico e só a deixaram à vista das costas portuguesas.
Desta época em diante, seguiram os Brasileiros o seu caminho desafogado de imposições e
interferências estrangeiras. |