Na Guerra do Paraguai
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História (H)
Por Arnold Wright
Capítulo XII
A Regência e a maioridade de Pedro II
O príncipe chamado a ocupar o trono do Brasil nas singulares
circunstâncias relatadas no capítulo anterior, era, a esse tempo, uma criança de apenas cinco anos de idade. Esta
circunstância da idade muito concorreu para a aceitação pacífica do novo reinado. Os hábeis dirigentes da opinião popular compreenderam claramente
que o novo estado de coisas lhes trazia todas as vantagens da forma de governo republicana, sem os perigos peculiares a este regime, numa época em
que existia, no Brasil, uma sólida corrente de opinião pública inteiramente favorável à conservação do princípio monárquico.
Entre aqueles que haviam tomado parte ativa nas lutas contra o governo de d. Pedro I, e agora
participavam da obra da regeneração brasileira, salientavam-se os Andradas, que tinham voltado ao Brasil, tendo sido José Bonifácio nomeado por
Pedro I, antes de partir, tutor dos seus filhos.
O novo regime revestiu-se da forma duma Regência composta de três membros eleitos pelas Câmaras
legislativas. Antes, porém, de muito tempo decorrido, se reconhecia que esse sistema de três regentes oferecia complicações e não funcionava sem
atritos entre eles. Resolveram então as Câmaras nomear um regente único, sendo escolhido, por eleição popular, o padre Diogo Antonio Feijó, natural
da província de São Paulo, o qual, ao terminar o reinado precedente, havia sido nomeado bispo de Mariana, diocese que abrangia a rica província de
Minas Gerais.
O padre Feijó tomara, há muito, parte ativa na vida política do país e havia sido eleito senador
dois anos antes da sua escolha para regente do Império. Era um homem de costumes austeros e maneiras um tanto ásperas, mas que merecidamente gozava
de alta reputação pela sua honestidade e patriotismo. Logo depois da sua nomeação, a 12 de outubro de 1835, lançou o padre Feijó uma proclamação ao
povo, estabelecendo os severos princípios a que ia obedecer a sua administração, sem esse espírito de conciliação, tão necessário no momento.
Bastou uma curta experiência para mostrar que a partida de d. Pedro I não dera o resultado de paz
e tranqüilidade de que se necessitava, formando-se um forte partido favorável à volta do ex-imperador. Os debates, nas Câmaras, assumiam a maior
violência e paixão. Os ministros eram atacados sem o menor comedimento na escolha dos termos; e os partidos oposicionistas sofriam, por sua vez, nos
discursos dos governistas, os ápodos mais ofensivos.
Feijó, cansado de lutar, abdicou a 19 de setembro de 1837, tendo por sucessor Pedro de Araujo
Lima. Sempre a atitude de Feijó para com o imperador fora fria, descerimoniosa; e os costumes da Corte se haviam tornado, por assim dizer,
espartanos. Com a mudança do regente, mudaram também os hábitos da Corte. Sob a regência de Araujo Lima, começou o jovem príncipe a ser tratado com
grande deferência; e todos os atos públicos em que ele tinha de figurar se revestiam de grande aparato. Mas a nova Regência foi ainda menos feliz
que a precedente, quanto aos negócios públicos e política interna do país. Tumultos e distúrbios rebentaram, em vários centros do país e em diversas
épocas, obra de facciosos e descontentes; tais movimentos foram, porém, dominados, e apesar deles ia o governo brasileiro ganhando força e
prestígio.
Por morte de d. Pedro I, começou a formar-se forte corrente de opinião pública em favor dum
sistema de governo mais realmente calçado em linhas monárquicas. Foi apresentada uma proposta para que a irmã do imperador, quando atingisse a idade
de 18 anos, fosse nomeada regente. Esta proposta foi, pouco depois, substituída por outra em favor da imediata declaração da maioridade do jovem
imperador.
Nessa ocasião, contava d. Pedro II apenas 15 anos de idade; mas já possuía grandes conhecimentos e
uma compreensão notavelmente adiantada. O país inteiro recebeu esta idéia com o maior entusiasmo. O governo, chefiado por Araujo Lima, objetou,
contra uma resolução da Câmara, em favor da declaração de maioridade, que segundo a letra expressa da Constituição, o soberano não poderia ser
considerado "maior", antes dos 18 anos completos; e um só ramo do Poder Legislativo não tinha poder para alterar as disposições constitucionais.
À objeção do governo, respondeu a Câmara que as circunstâncias do momento autorizavam uma mudança
naquela disposição constitucional; e que, para se resolverem casos extremos, eram necessários meios extremos também.
À medida que se desenvolvia a controvérsia, aumentava o interesse público pela questão. Todos os
dias, nas galerias da Câmara se apinhava uma multidão curiosa que acompanhava os debates com a mais profunda atenção. Antonio Carlos de Andrada
declarou-se em favor do reconhecimento da maioridade de d. Pedro II, acusando os ministros de exercer uma tirania que qualificava de
inconstitucional. Outro deputado, Alvares Machado, provocou enorme entusiasmo, com a declaração de que "a
causa do imperador era a causa da nação".
Mas o discurso que maior impressão causou foi o pronunciado pelo deputado Navarro, o qual, depois
de atacar com veemência o regente, terminou exclamando: "Viva a maioridade de Sua Majestade
Imperial!".
Imediatamente os espectadores das galerias e toda a oposição prorromperam em vivas, numa grita
impossível de dominar. Prolongaram-se estas demonstrações por muito tempo, até que, compreendendo que a sua posição se havia tornado insustentável,
os ministros fizeram com que um dos membros do partido governista apresentasse uma moção para ser nomeada uma comissão encarregada de estudar a
questão. Havendo a oposição concordado com o alvitre, foi a sessão adiada. A oposição parecia desejar a emancipação imediata do imperador; a
minoria, composta de membros moderados, opinava que fosse esse ato transferido para alguns meses depois, para o dia do aniversário natalício de Sua
Majestade (2 de dezembro). Prevaleceu, afinal, esta última opinião.
Nesta ocasião entrou um mensageiro, da parte do regente, que entregou ao secretário da Câmara dois
documentos - um era a nomeação de Bernardo de Vasconcellos para a pasta do Império, o outro era o decreto adiando as Câmaras para novembro. Então, o
povo das galerias, os deputados, mesmo os governistas, se possuíram da mais violenta indignação. Bernardo de Vasconcelos era homem de grande
experiência política e brilhante eloqüência, mas notoriamente faccioso, egoísta e impopular; havia sido rancoroso adversário das aspirações do povo,
combatera as medidas de caráter popular, durante muitos anos; o atual regente era tido pela opinião pública como criatura sua; e todos os males
políticos lhe eram atribuídos.
O adiamento foi recebido com tão tumultuosa irritação que nem o presidente pôde levar a cabo a
leitura do decreto. Entre os brados da multidão, Antonio Carlos de Andrada convidou a Câmara e pessoas do povo a que o acompanhassem ao Senado.
Nomearam as duas casas uma deputação para se dirigir ao próprio imperador e pedir-lhe diretamente o consentimento para sua imediata proclamação.
Enquanto esperavam a volta da deputação, esforçaram-se os senadores por manter a calma entre a
grande multidão de povo que rodeava o edifício do Senado. Voltou finalmente a deputação: Sua Majestade consentia na proclamação e mais havia
ordenado ao regente que revogasse os seus decretos; havia também declarado as Câmaras abertas e em sessão; e estava pronto a prestar juramento e
assumir as rédeas do governo.
Debateram as duas Câmaras, durante algum tempo, a questão de estarem elas ou não regularmente
constituídas. O marquês de Paranaguá, presidente do Senado, pôs fim à questão, decidindo "que
nenhuma das Casas estava atualmente em sessão, mas os membros de ambas constituíam uma augusta assembléia popular, personificando a nação, a qual
pedia que o seu imperador não fosse por mais tempo considerado menor". Esta decisão foi aceita
entusiasticamente pelos representantes da nação e entre os mais calorosos aplausos do povo; e para evitar que surgisse qualquer contratempo,
decidiram as duas Casas conservar-se em sessão comum até a manhã seguinte, quando o imperador devia prestar juramento.
"Ao romper do dia, o presidente fez a
declaração solene da maioridade de Pedro II. À hora marcada, saiu do Paço o imperador. A sua figura, com a face juvenil e bem desenvolvida estatura,
encantava o povo. O jovem imperador prestou juramento perante as duas Câmaras reunidas e leu a fala do trono que Andrada havia preparado. Nessa
mesma tarde, deu a primeira recepção em palácio. Toda a cidade fulgurava de iluminações festivas. As notícias do que se havia passado espalharam-se
com rapidez por todo o país; e sem que fosse derramada uma só gota de sangue, subiu ao trono o jovem imperador".
A cerimônia da proclamação, que se realizou um ou dois dias depois, revestiu-se de grande
solenidade. Cada sociedade, cada instituição pública, cada província e, por assim dizer, cada cidade, desde a capital até as mais remotas partes do
império, se apressou a festejar o acontecimento.
José Bonifácio havia falecido algum tempo antes, no ano de 1838. Teve, porém, o jovem imperador a
felicidade de contar com os serviços dos outros dois irmãos, Antonio Carlos e Martim Francisco. Logo a princípio, Antonio Carlos de Andrada, nomeado
ministro do império, fez uma exposição plena e sincera dos princípios a que ia obedecer o novo governo; e como a nação confiava nos Andradas,
entraram rapidamente os negócios públicos numa marcha normal e tranqüila.
À medida, porém, que se aproximava a nova sessão legislativa, ia-se acentuando a mudança desse
estado de coisas. surgiu nas províncias uma séria e forte oposição às novas nomeações de presidentes; e foram aparecendo, aqui e ali, tendências
manifestas para uma ação revolucionária. Mas a complicação que se revestiu de caráter mais sério foi a prolongada rebelião do Rio Grande do Sul.
Ansioso por fazer terminar a perigosa situação que existia naquela província, o governo nomeou Alvares Machado para negociar com os rebeldes. O
esforço tentado pelo governo falhou por completo e Alvares Machado foi então nomeado presidente da província do Rio Grande do Sul.
Na posição oficial de que fora investido, continuou ele a empregar maiores esforços
conciliatórios, chegando mesmo a fazer aos rebeldes ofertas um tanto descabidas. A sua política pacifista levantava tal clamor entre o partido
legalista, o qual desejava uma ação mais enérgica, por parte do governo, que, a 23 de março, foi o Ministério Andrada demitido com uma única
exceção. Coube ao novo ministério fazer as disposições para a coroação do imperador, que se realizou a 18 de julho de 1841.
Dizem que a cerimônia foi grandiosa e excedeu as expectativas dos mais otimistas. "Mas
conquanto a pompa e a encenação da cerimônia fosse bem calculada para agradar à impressionabilidade dos brasileiros, estavam eles longe da perfeita
satisfação perante a marcha dos negócios públicos. E as manifestações desse descontentamento começaram a aparecer, mal morreram os últimos ecos das
festas da coroação. As forças do império haviam declinado e chegado a uma situação perfeitamente crítica. Os dinheiros despendidos com o custeio
daquela imponente cerimônia, inclusive a soma de cem mil dólares aplicada à aquisição duma coroa imperial, haviam sido obtidos por meio dum
empréstimo que vinha aumentar ainda mais a já mui considerável dívida pública. Para mais agravar a situação, as condições do governo estavam longe
de ser estáveis e de corresponder às necessidades do momento. As opiniões no seio do ministério divergiam e por conseqüência a sua política era
fraca e vacilante".
Depois da coroação e por ocasião da reabertura da sessão legislativa, foi promulgada uma lei
criando o Conselho de Estado - corporação análoga ao Conselho Privado da Grã-Bretanha -, cujo espírito dirigente era Bernardo de Vasconcellos.
Transcrevemos algumas apreciações sobre a pessoa do imperador, publicadas num período pouco posterior, pelos escritores americanos Kidder e Hitchen,
que formam uma das melhores autoridades estrangeiras em relação aos acontecimentos daquela época: "O
imperador é realmente um Saul - com a cabeça e os ombros acima da estatura mediana do seu povo; e em seus trajes de gala, com a coroa sobre a fronte
alta e vasta, e o cetro na mão, quer recebendo a saudação dos seus súditos, quer na abertura das Câmaras Imperiais, constitui um esplêndido exemplar
de humanidade viril. A sua altura é de seis pés e quatro polegadas. A cabeça e o corpo são admiravelmente proporcionados. Basta olhá-lo de relance,
para se compreender que não é um boneco colocado no trono e sim um homem cheio de confiança em si próprio. O imperador é um bom engenheiro prático e
um ótimo artista. Os seus conhecimentos lingüísticos são absolutamente fora do comum: fala correntemente seis idiomas e pode traduzir as principais
línguas européias. Os seus dotes literários são extraordinários e o seu amor aos livros incontestável. Não falta a nenhuma sessão da Sociedade
Brasileira de História e Geografia e conhece profundamente toda a literatura européia. Os homens de letras encontram na pessoa do imperador um
protetor magnânimo. Duma vez que Lamartine estava em grandes dificuldades financeiras, o imperador mandou comprar 5.000 exemplares da última obra
daquele escritor. Por este modo delicado, conseguiu ele auxiliar Lamartine, como ninguém ais fez em condições tão eficazes. O imperador tem mesmo
escrito alguns versos".
A amabilidade de d. Pedro II, a lhaneza do seu trato e a elevação do seu espírito eram um tanto
obscurecidas pelo seu amor à pompa e cerimônias aparatosas. Em 1843, desposou o imperador d. Thereza, irmã do rei de Nápoles. Essa princesa trouxe
consigo da Europa, ou de lá atraiu, ao Rio de Janeiro, muitos homens ilustres, que vieram dar à Corte maior brilho, após os longos anos da Regência,
durante os quais a vida da Corte era demasiado simples e modesta.
A seguinte descrição dá, em cores vivas e eloqüentes, o aspecto da Abertura das Câmaras e do
aparato imperial que na época era observado: "O préstito que parte de São Cristóvão para o
palácio do Senado não é excedido, em efeito cênico, por nenhuma das Cortes européias. Os porta-machados, os dragões e hussares com os seus
pitorescos e brilhantes uniformes e as bandas militares a cavalo, as grandes carruagens de Estado, com os seus seis cavalos ajaezados e cocheiros e
postilhões em libré, a carruagem da imperatriz puxada por oito cavalos tordilhos escuros, a magnificente carruagem imperial puxada por oito cavalos
brancos de neve com capacetes e flâmulas à príncipe de Gales, o longo desfilar das tropas - tudo isso forma um cortejo bem digno dum império. Sua
Majestade a imperatriz d. Thereza vem entre duas damas de honra, com vestidos de seda verdade bordados a ouro. A abertura das Câmaras é sempre
efetuada pelo imperador em pessoa. Faz ele uma breve fala do trono lembrando as condições e as necessidades do império e em seguida declara aberta a
sessão. Desce do trono e, seguido da Casa Imperial, dignitários da Corte e membros da Assembléia, vai até a sua carruagem. O cortejo volta então a
São Cristóvão, atravessando as ruas da cidade que, para o dia da cerimônia, foram decoradas com galhardetes de seda e brocados de cetim".
A capital naquele tempo era uma cidade bem diferente do que é atualmente. Eis como a descreve o
sr. George Gardner F. L. S., superintendente dos Jardins Botânicos Reais de Ceilão, o qual viajou pelo Brasil no período de 1836 a 1841: "As
ruas são estreitas e sujas; e naturalmente com o mau cheiro de milhares de negros que as enchem, e o mau cheiro proveniente dos numerosos armazéns
de mantimentos, as primeiras impressões do forasteiro nada têm de agradável. Hoje em dia só muito excepcionalmente se vêem nas ruas da cidade os
esquisitos vestuários de senhoras e cavalheiros, celebrados nas descrições dos viajantes que têm visitado o Rio de Janeiro mesmo em princípios do
presente século. Só algumas mulheres de idade, e estas mesmas, na sua maior parte, de cor, usam ainda penteado alto e mantilha. Atualmente, tanto as
senhoras como os homens se vestem pelo último figurino de Paris; elas como eles apreciam extremamente as jóias, que usam muito. Sendo o Rio a
capital do império e residindo ali indivíduos da maior parte das nações do mundo, a cidade tem maior número de divertimentos do que geralmente
supõem aqueles que nunca visitaram a capital do Império".
Enquanto o aspecto exterior do sistema imperial ia tomando
aquelas aparências, a idéia republicana ia ganhando terreno, mais ou menos disfarçada. Ainda assim, d. Pedro II conseguiu sempre, neste ponto,
manter a sua vontade, a despeito de todas as circunstâncias ameaçadoras que teve de enfrentar em seu longo reinado. A sua situação e o seu trono
firmaram-se consideravelmente com a campanha brilhante em que o marechal Duque de Caxias, em 1845, sufocou definitivamente a rebelião no Sul e
acabou com a guerra civil que durante dez anos devastara o Rio Grande do Sul.
D. Pedro II
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Capítulo XIII
A Guerra do Paraguai
Foi uma grande infelicidade para d. Pedro II que o seu
governo, além de ter de lutar com as desordens internas de caráter bastante grave, fosse também brigado a empenhar-se em lutas internacionais de
considerável importância. Uma série de complicações surgiu no Rio da Prata, onde a orientação e os movimentos belicosos do ditador de Buenos Aires,
d. Manuel Rosas, ameaçavam perturbar o acordo, anteriormente concluído, relativamente à organização da Banda Oriental em estado independente.
O governo brasileiro viu-se, pois, obrigado, dadas as responsabilidades por ele assumidas no
acordo, a intervir. Navios e tropas foram enviados ao Prata e tiveram uma influência capital na obtenção do acordo definitivo que firmou a
independência do Uruguai e restaurou a liberdade de navegação no estuário do Prata, a qual havia sido arbitrariamente suprimida pelo ditador Rosas.
Terminada esta guerra, houve um intervalo de paz, depois do qual foi o Brasil novamente obrigado a
intervir no Uruguai em defesa dos seus súditos, maltratados pelo partido Blanco, então senhor do poder naquela república. Forças de terra e
mar foram, mais uma vez, enviadas ao Prata e o Brasil prestou o apoio da sua força ao partido Colorado, que se havia revoltado contra os
Blancos. Com o auxílio do Brasil, ficaram os Colorados vencedores e senhores do poder no Uruguai. Mas, desta intervenção do Brasil nos
negócios do Prata, surgiram outras e bem mais graves complicações, que envolveram o país numa prolongada e dispendiosa guerra.
A guerra do Paraguai, que durou cinco longos anos, oferece um dos mais notáveis e impressionantes
capítulos na História da América do Sul. Já há muitos anos se vinham dando atritos entre o Brasil e o Paraguai, sendo o motivo principal desses
atritos o direito de navegação do rio Paraguai. Solano Lopez, que se fizera proclamar ditador do Paraguai, procurou impedir a navegação daquele rio
sob o pretexto de que ele atravessa o território paraguaio. A este argumento, respondia o Brasil que, posta em prática aquela proibição, ficariam
sobremodo dificultadas as comunicações para a província brasileira de Mato Grosso.
Quando os protestos verbais deixaram de produzir o menor efeito, mandou o Brasil uma esquadra de
11 navios de guerra e outros tantos transportes, sob o comando do almirante Pedro Ferreira de Oliveira, fazer uma demonstração que obrigasse o
Paraguai a chegar a um acordo justo. Lopez levantou rapidamente, em Humaitá, diversas fortificações e baterias e mandou em seguida pedir ao
almirante brasileiro que ancorasse com a sua esquadra em Tres Bocas e que um único navio continuasse a viagem até Asunción. Como o almirante
Oliveira não levava instruções para empreender operações de guerra, pois se esperava que a demonstração naval fosse suficiente para a obtenção do
acordo, acedeu com relutância ao pedido de Lopez.
Seguia depois para Asunción o enviado brasileiro; e a 27 de agosto de 1855, foi assinado um
tratado de comércio e navegação, assim como uma convenção, estipulando que a questão de delimitação de fronteiras, que também havia já causado
numerosos atritos, tivesse de ser resolvida dentro dum ano.
Esta última convenção foi, porém, repudiada pelo governo brasileiro; e em razão disso, mandou o
Paraguai ao Rio de Janeiro um enviado, o qual, a 6 de abril de 1856, concluiu com o Brasil um novo tratado de comércio e navegação, sendo também
fixado nessa ocasião o período para a delimitação das fronteiras entre os dois países. Durante esse período, que era de seis anos, nenhuma das
partes litigantes poderia ocupar os territórios contestados. Em 1858, foi concluída nova convenção entre as duas nações, com o resultado de ser a
navegação do Rio Paraguai franqueada à navegação mercante de todas as nações amigas.
Mas estas liberalidades, fazia-as Lopez apenas para ganhar tempo. Durante o intervalo
estabelecido, ia-se ele preparando para a guerra, por todos os meios ao seu alcance, inclusive montando baterias nos pontos em que mais fácil seria
impedir a passagem do rio a qualquer navio inimigo. Com incessante energia organizava Lopez as suas forças numa escala que, em relação ao tamanho
exíguo e diminuta população do país, se podia considerar gigantesca.
A intervenção do Brasil no Uruguai, em 1864, serviu de pretexto à ação agressiva, belicosa, do
ditador. Logo que as forças brasileiras pisaram o território uruguaio, desfechou Lopez o golpe que há muito estava preparando. A sua declaração de
guerra foi imediatamente seguida do rompimento de hostilidades. Aprisionou Lopez o vapor correio brasileiro Marquez de Olinda, quando este
subia o rio, dirigindo-se a Mato Grosso, em 18 de novembro de 1864, e capturou todos os passageiros, entre os quais estava o presidente daquela
província, que justamente ia assumir o seu cargo.
Logo em seguida ao aprisionamento do Marquez de Olinda, os navios de guerra paraguaios
subiram o rio, bombardearam o forte de Coimbra e se apoderaram desse e outros pontos do território brasileiro, em Mato Grosso, causando depredações
e perpetrando toda a sorte de ultrajes contra populações que não dispunham de nenhum meio de defesa. Não satisfeito Lopez com todas estas medidas e
ofensas feitas ao Brasil, foi ainda procurar uma questão com a Argentina, a propósito dum pedido absurdo que lhe fizera e naturalmente não fora
atendido. Queria Lopez que fosse permitido às tropas paraguaias atravessar a província argentina de Corrientes, para poderem mais facilmente invadir
o Rio Grande do Sul.
O resultado inevitável desta exigência descabida foi a tríplice aliança entre o Brasil, a
Argentina e o Uruguai, formada para esmagar o ousado déspota que cruelmente dominava o Paraguai e cuja conservação no poder se havia tornado uma
ameaça extrema para a paz sul-americana. O Brasil entrou na luta com grande ardor patriótico. Quando, a 7 de janeiro de 1865, o governo brasileiro,
de que então era primeiro ministro Francisco José Furtado, fez apelo à nação, chamando voluntários às fileiras do Exército, a população respondeu
com esplêndido entusiasmo e abnegação, formando-se numerosos batalhões dos denominados Voluntários da Pátria.
As primeiras operações militares foram inteiramente favoráveis aos aliados. A 11 de junho de 1865,
em Riachuelo, no Rio Paraná, alcançava o almirante Barroso, comandante chefe da esquadra brasileira, brilhante vitória contra uma esquadra paraguaia
mais numerosa que a sua e apoiada por baterias montadas nas margens do rio. Quando as baterias mascaradas da margem abriram o fogo sobre os navios
brasileiros, a carnificina foi horrível a bordo desta esquadra; não se abateu, porém, a coragem dos marinheiros brasileiros que, finalmente,
obtiveram um triunfo brilhantíssimo.
Essa vitória realçou imensamente o prestígio da marinha brasileira. Em terra, também Lopez havia
sofrido revezes constantes e consideráveis; e o seu exército, que invadira o Rio Grande do Sul, fora batido e obrigado a depor as armas em
Uruguaiana, enquanto que outro corpo do exército paraguaio, que havia invadido o Uruguai, era batido em Yatay pelas forças aliadas brasileiras e
argentinas. Depois destes sérios revezes, Lopez retirou-se para o seu território e tratou de se preparar para uma resistência tenaz e formidável.
Em fins de 1865, foi o imperador do Brasil ao Sul, assumir o comando das forças brasileiras em
campanha. Esperava-se que Lopez não pudesse resistir por muito tempo. Não contavam, porém, aqueles que assim julgavam próximo o fim da campanha, com
a teimosia do ditador, ou com a sua capacidade e meios de defesa. Em princípio de 1866 atravessavam os aliados a fronteira e entravam no Paraguai,
onde foram feridas três batalhas contra as forças de Lopez: as de Confluencia, Desterro Bellaco e Tuiuti. A estes sanguinolentos combates, seguiu-se
um curto período de inação, até a chegada dos reforços que os aliados esperavam para prosseguir nas operações.
Por ocasião da reabertura das hostilidades, preparavam-se os aliados para atacar um campo
entrincheirado, fortemente defendido, que os paraguaios ocupavam em Humaitá - posição essa apelidada a "Sebastopol do Sul". A 1 de setembro foi
iniciado o bombardeamento contra Curuzù, a mais meridional das posições externas que defendiam o campo entrincheirado. No ataque a esta posição,
foram os aliados grandemente auxiliados pelos couraçados brasileiros, que representaram durante toda a guerra um papel importantíssimo. Um desses
navios, o Rio de Janeiro, foi pelos ares, perecendo o comandante e toda a tripulação devido à explosão, contra o seu costado, dum torpedo do
inimigo.
Outros navios da esquadra brasileira sofreram avarias e perdas muito sensíveis. Apesar disso, foi
tão eficaz o fogo dirigido pela esquadra, que, a 3 de setembro, pôde desembarcar uma força de 8.300 homens; e essa força tomou a posição, apesar do
fogo terrível que ela despejava. Perdida Curuzù, retiraram-se os paraguaios para Curupaiti, que constituía outra posição externa de defesa do campo
entrincheirado. Aí foram atacados a 22 de setembro pelas tropas aliadas, sob o comando do general argentino d. Bartolomé Mitre.
Devido a erros cometidos na maneira de proceder ao assalto durante o dia, não conseguiram os
aliados tomar a posição. Os soldados, expostos a um fogo horroroso, metralhados à queima-roupa por canhões de oito polegadas, caíam às centenas.
Mais de 5.000 homens, entre mortos e feridos, ficaram estendidos no campo de batalha; e do lado dos paraguaios, houve apenas 54 baixas. Este revés
dos aliados arrefeceu extraordinariamente o entusiasmo dos argentinos; e em breve o Brasil ficou, por assim dizer, sozinho para continuar a
campanha.
Em 1867, foram as forças brasileiras reorganizadas, dado o comando em chefe ao marechal duque de
Caxias; e outra vez, os brasileiros avançaram contra Humaitá. A passagem de Curupaiti foi forçada por uma esquadra de couraçados brasileiros, sob o
comando do almirante Inhauma; e a este feito se seguiu nova interrupção nas operações militares.
Em 1868, recomeçou a luta com um novo vigor e a principal posição paraguaia em Humaitá foi
definitivamente tomada, depois de atacada pela esquadra brasileira sob o comando de Delphim de Carvalho, enquanto que o duque de Caxias a flanqueava
por terra. À tomada de Humaitá, seguiu-se a avançada das forças brasileiras sobre a capital do Paraguai. Depois de vários combates de que elas
saíram sempre vitoriosas, ficou o exército invasor senhor de toda a parte ocidental do país.
Lopez, porém, que durante toda a campanha havia revelado extraordinária habilidade para fugir a um
encontro decisivo, conseguiu escapar-se para o interior, onde contava reunir forças para renovar a guerra. Com o conde d'Eu no comando em chefe das
forças brasileiras, se iniciaram, em 1869, as últimas operações. As forças brasileiras distinguiram-se novamente em vários combates e infligiram a
Lopez uma derrota esmagadora na batalha de Campo Grande. Assim mesmo, com a sua extraordinária habilidade, o ditador conseguiu escapar à perseguição
das forças brasileiras. A sua carreira estava, porém, prestes a terminar. A 1 de março de 1870, pagou Lopez os males que havia infligido ao
continente sul-americano: surpreendido pelas forças brasileiras, foi ferido de morte, quando mais uma vez procurava escapar.
Assim terminou uma das mais longas e sangrentas campanhas da História. Inúmeras vidas se perderam
nessa luta. Quase toda a população masculina do Paraguai ali sucumbiu; e até hoje se verifica extraordinário excesso do número de mulheres sobre o
de homens, no território que esteve sob a ditadura terrível de Lopez. Do lado dos brasileiros, os sacrifícios, não tão grandes, foram todavia
consideráveis. Foi preciso manter um exército de 20.000 a 30.000 homens em campanha, durante todo o tempo que durou a guerra; e naturalmente as
despesas se tornaram enormes.
Um cálculo feito logo após a guerra e que decerto não erra para mais, eleva o custo total da
campanha a cinqüenta milhões de libras esterlinas. Como conseqüência natural, as finanças imperiais atravessaram sérios embaraços. Felizmente,
porém, a prosperidade do país não foi afetada; o comércio continuou a desenvolver-se e houve, ao mesmo tempo, um aumento considerável das rendas
públicas. Uma das conseqüências da guerra foi o desenvolvimento da marinha brasileira, em moldes modernos e progressivos. A prova que, durante as
operações da campanha, os couraçados haviam dado do seu grande valor militar, levou o governo brasileiro a organizar um notável programa de
construções navais, precursor de muitos outros que puseram a Marinha brasileira em elevada situação, quer como qualidade, quer como quantidade.
Batalha de Riachuelo
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Capítulo XIV
A Abolição da Escravatura
Em período anterior à guerra do Paraguai, se havia o
Brasil envolvido em forte controvérsia com a Grã-Bretanha, a respeito da questão da escravatura. Por um tratado concluído com a Grã-Bretanha em
1826, se comprometera o Brasil a colaborar na supressão do tráfico dos escravos; mas era opinião geral que nunca as disposições nele expressas
seriam executadas à risca. Bastava que os navios negreiros aportassem, em alguma enseada deserta e retirada, aí se procedia à descarga da mercadoria
humana, com a complacência das autoridades locais.
Se, porém, os surpreendiam no alto mar os cruzeiros britânicos, eram os navios negreiros
confiscados e a carga reenviada para a África. Entretanto, apesar de toda a vigilância exercida pelos navios de guerra ingleses, o tráfico de
escravos continuava em grande escala; e o governo britânico, vendo que as suas representações não produziam resultado de espécie alguma, em 1845 fez
passar uma lei, a qual se tornou conhecida na diplomacia pela denominação d "Lei Aberdeen", do nome de seu autor, lorde Aberdeen, e que dava ao
governo britânico o direito de aprisionar os navios negreiros em águas brasileiras.
A medida extrema que o governo britânico se dispunha a executar provocou, por parte do governo
brasileiro, como era natural, protestos indignados. Entretanto, o tráfico de escravos continuava nas mesmas condições e desafiando os decretos
britânicos. Anualmente se importavam, no Brasil, de 50.000 a 80.000 negros, que eram vendidos por bom dinheiro e cujos preços haviam ainda subido,
em razão dos perigos maiores que agora oferecia o tráfico, com a atividade dos cruzeiros ingleses.
Finalmente, em 1850, foi decretada então uma lei que colocava a importação de escravos como crime
equivalente ao de pirataria, aos olhos da justiça. As autoridades provinciais teimosamente se opuseram ao cumprimento da nova lei, ou, o que dava na
mesma, mantiveram com relação às novas disposições uma atitude de resistência passiva.
Em 1852, tomou o governo imperial medidas enérgicas para acabar com o tráfico negro, e estas
medidas produziram tão bons resultados que, em 1853, havia a importação de escravos descido a 700, e ainda a maior parte desses tinham sido
apreendidos pelo governo. No ano seguinte, foi apreendido um navio negreiro na baía de Serinhaém (província de Pernambuco) e todos os negros que ele
transportava postos em liberdade. Fora este, por assim dizer, o último esforço empregado pelos negreiros para manter o seu comércio. A 3 de março de
1862, o sr. Christie, ministro britânico no Brasil, comunicava oficialmente ao seu governo que a importação de escravos havia cessado por completo e
lhe parecia impossível que se viesse a estabelecer.
A supressão do tráfico dos escravos conduziu imediatamente à formação dum movimento para a
introdução de imigrantes. Em 1867, entraram no país, só pelo porto do RIo de Janeiro, 10.032 imigrantes, assim discriminados: portugueses 4.822;
norte-americanos 1.575; ingleses 647; alemães 357; franceses 220; outras nacionalidades 2.411.
À medida que corriam os anos e a necessidade de braços se tornava mais imperiosa, ia aumentando o
número de trabalhadores estrangeiros que entravam no país; e o Brasil se tornou um dos principais países do mundo, para a emigração. Especialmente a
imigração alemã cresceu dum modo assombroso. A supressão do tráfico dos escravos constituía, porém, apenas um passo no caminho que os abolicionistas
tinham aberto diante de si. Em agosto de 1870, um plano para a emancipação gradual dos escravos foi organizado por uma comissão da Câmara dos
Deputados, graças à influência e instigações do visconde de Cruzeiro.
No ano seguinte foi promulgada a lei que tomou o nome do seu ilustre autor, então chefe do
Conselho de Ministros, J. M. da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco. A lei Rio Branco, também conhecida pela denominação de "Lei do ventre
livre", decretava que todos os filhos de escravos nascidos depois da data da sua promulgação, 28 de setembro de 1871, seriam livres e só ficariam ao
serviço dos senhores até a maioridade, para, com os seus serviços, durante aquele período, compensarem as despesas da sua criação e educação.
Ao mesmo tempo, e relacionado com esta lei, foi criado um Fundo de Emancipação que deveria ser
dividido, pelo governo de cada província, entre as diferentes municipalidades e aplicado ao resgate de escravos. Esta lei assinalou um avanço
imenso, tornando a escravatura impossível para o futuro. Para animar os escravos a se aproveitarem das disposições do FUndo de Emancipação, deram os
fazendeiros a alguns terras para cultivar e permitiam-lhes que nelas trabalhassem aos domingos e dias santos. Quando trabalhavam para os
fazendeiros, nesses dias, percebiam os negros um salário, que lhes era entregue. Deste modo podiam os escravos trabalhadores e industriosos juntar
dinheiro para comprar a sua alforria.
O processo legal por que eram feitas as alforrias consistia no comparecimento, perante o juiz
municipal, do senhor e do escravo, em determinado dia; aí, recebia o senhor, da mão do escravo, o valor respectivo, em dinheiro, e era dada a carta
de alforria. Não tinha essa lei muitos anos de existência, quando surgiu novo movimento em favor da libertação de todos os escravos do Brasil. O
primeiro êxito desta nova corrente de idéias verificou-se no Ceará, onde a 25 de março de 1884 foi a escravatura inteiramente abolida. A 10 de julho
do ano seguinte, acompanhava a província do Amazonas o belo movimento do Ceará e abolia também a escravatura no seu território.
A Gazeta de Noticias, referindo-se ao acontecimento em seu número de 22 de julho de 1885,
dizia: "A libertação do Amazonas, que, só por si, seria um dos fatos mais importantes da nossa
história contemporânea, tem hoje significação de muito maior alcance: é mais um testemunho irrefutável de que, a respeito do elemento servil já não
é possível nem parar nem retroceder".
Durante todo este tempo, a questão da emancipação imediata continuava a fazer caminho e constituía
objeto de inflamadas controvérsias nos círculos políticos do Rio de Janeiro. A 6 de junho de 1884, subiu ao poder um novo ministério, sob a chefia
do senador Souza Dantas. Uma das primeiras medidas da sua administração foi a organização dum projeto de lei, onde se propunha que os escravos de
sessenta anos de idade fossem considerados livres, se fixavam os valores para a emancipação de escravos, e se estabeleciam as condições para os
contratos voluntários de trabalho dos negros.
Os abolicionistas, conquanto os não satisfizessem os artigos desta lei, pelo seu efeito apenas
parcial, compreenderam entretanto que deviam apoiá-la pois que, assim mesmo, ela constituía um progresso na legislação existente sobre o elemento
servil.
A 28 de julho, deu-se uma crise ministerial e conseqüente dissolução das Câmaras, devido à
apresentação da lei Dantas. O resultado, porém, das eleições a que se procedeu, para formar a nova Câmara, deu maioria aos liberais, que voltaram ao
poder, com o senador Dantas como chefe do conselho de ministros. Por ocasião da abertura do novo Parlamento, a 8 de março de 1885, na fala do trono,
declarava o imperador que o governo ia apresentar uma lei para a emancipação dos escravos.
O South American Journal, em seu número de 21 de março de 185, assim expôs a questão, no pé
em que se achava naquela data: "Embora todos concordem no desejo de apagar a mancha da
escravidão e alguns, extremamente ansiosos para apressar o desaparecimento dessa nódoa, estejam mesmo dispostos a votar a imediata abolição da
escravatura, outros, especialmente os grandes fazendeiros, são, talvez com alguma justificação, infensos a uma deslocação ou perturbação súbita na
ordem de coisas atualmente existente, considerando-se satisfeitos com a lei do ventre livre. Os Conservadores são quase unanimemente partidários da
emancipação gradual, ao passo que os Liberais entendem que se não deve deixar a escravidão morrer simplesmente de velhice. Entretanto, entre eles
próprios, há divergências: interesses de proprietários levantaram uma barreira divisória nos arraiais do partido e destruíram a sua unidade de ação.
O capital continua a sustentar a sua velha luta contra os princípios e com uma eloqüência que consegue muitas conversões políticas".
Esta previsão dum revés para a causa da Emancipação bem depressa se realizou. Logo no princípio da
Legislatura, sofria o governo uma derrota, sendo o voto de confiança negado por 52 votos contra 50. Subiu então ao poder um ministério conservador,
sob a chefia de Saraiva, que se havia comprometido a tratar a questão do elemento servil em bases moderadas.
Dentro de poucos dias aparecia o projeto de lei do governo, cujos pontos principais eram: 1) um
novo sistema de registro para todos os escravos com menos de 60 anos de idade; 2) fixação do valor máximo para as várias classes agrupadas de acordo
com a idade; 3) emancipação dos escravos por meio do Fundo de Emancipação e por meio das suas economias; 4) formação de Fundos municipais
constituídos com os meios existentes, o aumento de cinco por cento sobre todas as taxas e direitos, excetuados os direitos de exportação, e com a
emissão anual de títulos do governo de Rs. 6:000$000 a cinco por cento.
Saraiva não foi mais bem sucedido que os predecessores, em obter o apoio da Câmara para a sua lei;
e a 15 de agosto apresentava a sua demissão ao imperador. O seu sucessor foi o barão de Cotegipe, chefe liberal de grande prestígio, em cuja
administração foi promulgada a lei do Elemento Servil e se abriu caminho para o ato final deste drama prolongado. Em 1887, causou enorme sensação a
declaração dos dois chefes do Partido Conservador, João Alfredo Correia de Oliveira e Antonio da Silva Prado, de que se tornava necessária uma lei
nova emancipando os escravos; e entusiasmados com a campanha libertadora, vários grandes fazendeiros deram alforria aos seus negros.
O movimento abolicionista estendeu-se até os próprios escravos que, partilhando do entusiasmo
geral, se reuniram em massa, em diversos pontos, e abandonaram as fazendas em que trabalhavam. Foram feitas tentativas para capturar esses
fugitivos, mas sem resultado algum, pois não permitiam os abolicionistas que o braço da Justiça se levantasse contra eles, ara os obrigar a voltar
ao cativeiro.
Mais um passo se deu para a abolição da escravatura, com a pesada taxa imposta pela Assembléia
Legislativa de São Paulo sobre os proprietários de escravos. Esta lei não foi sancionada pelo presidente da Província, mas o simples fato de ter
sido apresentada e aceita pela Assembléia bastou para indicar que se aproximava o desenlace inevitável.
Este se deu em princípios de 1888, quando o Ministério Cotegipe, que se havia pronunciado em favor
da emancipação gradual, não podendo pôr em prática o seu princípio, pediu demissão dando lugar ao novo ministério sob a chefia do senador João
Alfredo Correia de Oliveira, firmemente resolvido a fazer triunfar a causa da Abolição.
A princesa Isabel, filha de d. Pedro II que, na ocasião, exercia as funções de regente durante a
ausência de seu pai na Europa, aprovou categoricamente, por ocasião da Abertura das Câmaras a 3 de maio de 1888, a política abolicionista do
Ministério, nos seguintes termos: "A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento
nacional e das liberalidades particulares, em honra do Brasil adiantou-se pacificamente de tal modo, que é hoje aspiração aclamada por todas as
classes, com admiráveis exemplos de abnegação por parte dos proprietários. Quando o próprio interesse privado vem colaborar para que o Brasil se
desfaça da infeliz herança que as necessidades da lavoura haviam mantido, confio que não hesitareis em apagar do Direito pátrio a única exceção que
nele figura, em antagonismo com o espírito cristão e liberal das nossas instituições".
Sem perda de tempo, foi apresentado, pelo governo, um projeto de lei, concedendo a liberdade
imediata a todos os escravos, projeto que a Câmara dos Deputados aprovou por grande maioria de votos. Depois de aprovada pelo Senado, foi a lei
sancionada pela princesa regente a 13 de maio de 1888. A princesa d. Isabel assinou o decreto da Abolição (Lei Áurea) com uma pena de ouro adquirida
por subscrição pública e entregue à regente para este fim especial. Deste modo e com a aprovação geral e entusiástica do país, se virou a última
página desse triste capítulo da História do Brasil.
A princesa regente, D. Isabel
Imagem publicada com o texto, página 87
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