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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [08-E]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 74 a 77, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte


Dignitários da Corte
Imagem publicada com o texto, página 75

História (E)

Por Arnold Wright

Capítulo VI

A Inconfidência Mineira

O rigor com que Pombal punha em vigor as suas medidas levantou contra o governo grande número de inimigos. Os sentimentos religiosos foram profundamente atingidos pelo seu procedimento cruel para com os jesuítas. A sua política comercial tinha excitado grande ressentimento entre as classes comerciais, cujas operações haviam sido circunscritas e prejudicadas pelo estabelecimento dos monopólios. Os proprietários de terras tinham-se também indisposto pela supressão arbitrária dos seus privilégios, muitos dos quais datavam dos primeiros dias da ocupação do Brasil.

Com a queda do marquês de Pombal, por todos os lados começaram a aparecer os sinais duma agitação latente, a qual era impedida de explodir apenas pelas dificuldades duma ação comum, em país extenso como o Brasil, e pela ausência dum chefe. Explosões locais se deram, mas logo dominadas pelas autoridades. O período era, aliás, de guerra, no mundo inteiro. A guerra da Independência na América do Norte havia durado alguns anos e terminara com a fundação da grande República do Oeste; em França, o formidável cataclismo, que devia arrastar a monarquia francesa e a sua aristocracia a um desastre fatal, seguia o seu curso trágico. Por assim dizer, em todos os países da Europa apareciam sinais de descontentamento social.

Com cada navio que aportava ao Brasil, chegavam notícias dos progressos feitos no empreendimento de derrubar as velhas instituições e erguer sobre bases republicanas um novo sistema de governo. A Literatura, advogando a doutrina dos Direitos do Homem, que Rousseau havia estabelecido e sobre a qual doutrinara com tal êxito, chegava ao Brasil, juntamente com os manifestos dos navios, e circulava por todo o país, convertendo uns e entusiasmando outros.

Foi no solo de Minas Gerais que o "Divino Rebelado" deitou as raízes mais profundas. Aí, a arbitrária mesquinharia do governo, que particularmente se revelava em relação à cobrança da porcentagem oficial nos produtos das minas, havia criado um intenso sentimento de descontentamento.

Desde o ano de 1788 que os quintos governamentais haviam sido fixados em 100 arrobas; constante declínio, porém, se observava na produção das minas, nas últimas duas décadas, e a colheita atual da soma necessária para completar o valor fixado, quando a importância dos quintos o não atingia, se tornava cada vez mais dificultosa. Gradualmente foram os pagamentos ficando em atraso e gradualmente foram estes atrasos crescendo, até que a dívida para com o governo atingiu a enorme soma de setecentas arrobas.

Por esta ocasião, espalhou-se o boato de que era intenção do governo cobrar-se desses atrasos. O governador e capitão-mor de Minas era, no tempo, o visconde de Barbacena, que, considerado um administrador avarento, corrupto e sem princípios, tinha, entretanto, grande habilidade e energia de caráter.

O capitão-mor expediu uma circular, desmentindo tal intenção e resolvendo satisfatoriamente várias reclamações. Infelizmente para a administração portuguesa, o vice-rei no Brasil era, nessa ocasião, d. José de Castro, conde de Rezende, cujos atos de tirania lhe haviam valido a odiosidade pública. Levantaram-se logo dúvidas sobre se o visconde de Barbacena possuía plenos poderes para tomar a atitude que assumira, ou se o vice-rei anularia a circular expedida.

Foi nesta atmosfera, carregada de dúvidas e suspeições, que se gerou e tomou corpo a conspiração, que se pode considerar com o início do movimento revolucionário no Brasil. Mais que todos, perante a História, distinguiu-se, entre os conspiradores, Joaquim José da Silva Xavier, que exercia a profissão de dentista e por isso recebera a alcunha de Tiradentes, a qual, para sempre, ficou ligada à sua pessoa.

Tiradentes tinha como companheiros principais: Cláudio Manoel da Costa, advogado e poeta distinto, hábil agitador; desembargador Thomaz Antonio Gonzaga, que gozava de grande reputação como poeta; Francisco de Paula Freire de Andrade, membro de importante família portuguesa e que, na ocasião, era tenente-coronel do Corpo de Cavalaria, aquartelado em Ouro Preto; José Alves Maciel, cunhado do precedente e que, tendo viajado demoradamente pela Europa e Estados Unidos, voltava ao Brasil cheio do ardor da propaganda do ideal republicano; dr. Clemente Manoel da Costa, procurador da Coroa, e vários outros, todos homens de qualidade ou situação importante.

Os conspiradores reuniam-se em Vila Rica (Ouro Preto), nas residências de Francisco de Paula e do dr. Cláudio. Haviam adotado como divisa a frase latina Libertas quae sera tamen e como símbolo a figura de um índio quebrando os grilhões. A sua palavra de passe era: "Hoje é o dia do batizado", ou, de acordo com outra versão: "Tal dia é o batizado".

O plano para o início do movimento era que, na noite marcada para rebentar a revolução, certo número de conspiradores se precipitassem pelas ruas de Vila Rica, levantando o grito revolucionário. Assim que tal s desse, deveria Andrade fazer sair do quartel as suas tropas, aparentemente para abafar a revolta, na realidade, porém, para se passar com os seus soldados para o lado dos conspiradores e agir em favor da revolução, logo que os seus companheiros tivessem realizado a parte mais importante do seu plano, que consistia na captura do governador e na proclamação solene da República.

Cometeram os conspiradores o erro, não raro entre revolucionários, de discutir longamente demais a realização dos seus planos, transpirando o segredo da conspiração. Informações positivas do movimento foram levadas ao governador por três homens que, de certo modo, haviam adquirido a confiança dos conspiradores.

Há sobre a descoberta da conspiração uma lenda romântica quanto à causa que levou as autoridades a terem conhecimento do que se planejava. Diz a lenda que o poeta Gonzaga amava uma linda moça, sobrinha do coronel João Carlos Xavier da Silva Ferrão, ajudante de ordens do governador, e com cujo consentimento se havia já contratado o casamento. Entretanto, era a moça também requestada por um coronel, Joaquim Silvério dos Reis Montenegro. Um dia, este oficial lançou em rosto da donzela o amar um homem que, além de muito mais velho do que ela, não passava dum aventureiro. A moça, indignada, respondeu-lhe em termos que claramente indicavam preferir ela qualidades de espírito ao dinheiro.

Furioso com a repulsa, resolveu Joaquim Silvério causar a desgraça de Gonzaga, denunciando a conspiração, em que este último estava envolvido. De acordo com a sua resolução, fez com que fosse expedida ao governador uma carta, e este, homem de ação, tomou imediatamente as suas medidas, para frustrar o plano dos conspiradores.

Tiradentes achava-se, então, no Rio de Janeiro, onde foi preso. Ao mesmos tempo, outros chefes principais da conspiração eram presos e encarcerados em Minas. O grupo completo dos conspiradores, em número de 32 pessoas, foi enviado para o Rio de Janeiro, para ser julgado. Tiradentes foi condenado à morte, com mais onze conspiradores; os restantes foram condenados a diversos períodos de prisão.

O tribunal ordenou também que os "infames conventículos", nos quais os conspiradores se haviam reunido em Vila Rica, incluindo naquela denominação a residência do Tiradentes, fossem arrasados totalmente, para que os olhos dos súditos fiéis não fossem ofendidos com a vista de edifícios, nos quais se haviam cometido crimes tão detestáveis.

Graças à clemência da rainha d. Maria I, de Portugal, foram diminuídas algumas penas e comutadas em degredo perpétuo as sentenças de morte, com exceção da de Tiradentes, mais corajoso do que os outros em confessar, intransigentemente, até os últimos instantes, os seus intuitos e desejos francamente revolucionários, pelo que foi enforcado a 21 de abril de 1792.

Uma descrição profundamente interessante da sua execução nos foi deixada por sir Francis Burton, que testemunhara todos os incidentes e circunstâncias do julgamento e seu trágico desfecho. "O lugar escolhido para a execução", diz Burton, "era então um sítio agreste na parte do Oeste do Rio de Janeiro, chamado Campo dos Ciganos, onde se enterravam os ciganos e negros recém-importados. Seis corpos de infantaria e duas companhias de cavalaria, além dos milicianos, rodeavam o cadafalso. Grande multidão se agitava no campo, se concentrava nas faldas do Morro de Santo Antonio. Um filho do conde de Rezende, d. Luiz de Castro Benedicto, que montava um cavalo com ferraduras de prata, comandava as tropas. Primeiramente foi entoado um Te Deum no Carmo, em honra a Sua Majestade; e enquanto se pregava o sermão de fidelidade e lealdade, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, como então era costume, fazia a coleta de esmolas para serem despendidas em missas por alma do condenado.

"O heróico Tiradentes, calmo e solene, foi conduzido, vestindo a túnica dos condenados, da prisão (edifício em que atualmente funciona a Câmara dos Deputados) pela Rua da Cadeia, hoje Rua da Assembléia, e pela Rua do Piolho, acompanhado por dois padres e uma guarda de cem baionetas, fazendo preces, até chegar ao cadafalso. Aí, deu o dinheiro que tinha aos seus executores; e depois de repetir com o seu confessor o Credo católico, gritou: 'Cumpri a minha palavra; morro pela Liberdade'. Estas gloriosas palavras foram abafadas por um rufar de tambores e toque das cornetas. Às 11 horas da manhã, foi Tiradentes enforcado, depois decapitado e esquartejado o seu corpo por um carrasco negro e seus ajudantes.

"Os seus restos mortais foram salgados e a cabeça enviada em uma barrica, escoltada por dragões, para Ouro Preto (Vila Rica). Aí, a espetaram ao alto dum poste, no canto Nordeste da Rua Direita, virada para a praça principal da cidade. As janelas das casas haviam sido ornamentadas; e a todos os habitantes se dera ordem de assistir à triste cerimônia e soltar 'Vivas' à rainha. Conta-se que um padre, irmão do Tiradentes, procurou fugir ao triste espetáculo, mas foi forçado a ficar na praça e a gritar 'Viva a Rainha!' como toda a gente. Os braços do Tiradentes foram enviados para a Paraíba e Barbacena; as suas pernas foram pregadas em postes de madeira, na capitania de Minas, no Sítio da Varginha e na Freguesia de Cebollas, 'onde o criminoso havia lançado as sementes da revolução e cometido as suas abomináveis práticas'. A casa em que havia morado o Tiradentes foi mandada arrasar, e o lugar salgado e depois lavado 'para que nunca mais ali se erguesse edifício algum'".

Ergueu-se ainda no sítio uma coluna de pedra infamante que ali ficou até 1821, quando os habitantes se reuniram em massa e destruíram esse padrão de ignomínia.

Vinte anos depois depois da horrível cena descrita, tomava o campo em que se deu a execução o nome de Rocio, depois Praça da Constituição e hoje Praça Tiradentes; e não longe do lugar em que foi erguido o cadafalso, se levantou a estátua do primeiro imperador constitucional do Brasil, que soltou o grito histórico do Ipiranga. O dr. Cláudio Manoel da Costa, uma das figuras mais nobres da Conspiração, foi encontrado morto na prisão; segundo a versão oficial do tempo, tendo-se suicidado; mas, segundo uma versão corrente, assassinado por ordem do governador.

Gonzaga, cujos versos a "Marília de Dirceu" - como ele chama a amada, Maria Joaquina Dorothéa de Seixas - figuram ainda hoje entre os melhores da poesia lírica do Brasil, foi cumprir o seu degredo em África, sem que haja certeza sobre seu fim. Alguns dos outros conspiradores, porém, viveram bastante, para ocupar mais tarde posições honrosas no desenvolvimento do Brasil constitucional.

Os brasileiros votam profundo respeito e veneração à memória daqueles que tomaram parte no movimento mineiro. Eram todos homens de elevado caráter e nobres intenções; e no episódio final do drama, entre todos, o Tiradentes se ergue realmente à altura dum raro heroísmo. O seu sangue não correu em vão. Fertilizou o solo brasileiro, onde ele havia lançado a semente da liberdade, e em breve produziu o fruto esplêndido da Independência.


1) Lar dum fazendeiro, há um século (N.E.: cerca de 1813, portanto) ; 2) Uma casa no século XVII; 3) Colonizadores paulistas; 4) Uma dama de 1830; 5) Pioneiros de Minas
Imagem publicada com o texto, página 77

Capítulo VII

D. João VI no Brasil

Precisamente no momento em que parecia periclitar a fidelidade brasileira, ocorreu em Portugal um acontecimento, que veio transformar completamente a situação, arrastando o Brasil para muito longe do alvo do governo republicano, que dominara o espírito de muitos dos seus filhos.

Este acontecimento foi a emigração da família real portuguesa, obrigada pelos acontecimentos políticos da Europa a transferir a sua residência de Lisboa para o Brasil. Na história das dinastias européias poucos episódios existem, mais interessantes que esta transferência da sede de governo da Mãe Pátria para uma das suas colônias. Este fato só poderia ter acontecido em um período como aquele em que se achava a Europa, calcada pelo tacão de um ditador, a cujos decretos nem mesmo os mais fortes escaparam.

Bonaparte, furioso com a Grã-Bretanha e impotente para a agredir com golpes diretos, devido a ter perdido em Trafalgar o comando e domínio dos mares, procurou molestá-la indiretamente, fechando aos seus navios todos os portos da Europa, com o famoso decreto para o Bloqueio Continental.

Portugal, que mantinha com a Grã-Bretanha extensas transações comerciais, foi logo alvo das atenções de Bonaparte. Na previsão de hostilidades contra o seu velho aliado, o governo britânico mandou ao Tejo uma esquadra e enviou a Lisboa lorde Rosslyn, conhecido diplomata, com a missão de levar ao governo português uma mensagem informando-o do perigo iminente que o ameaçava e oferecendo-lhe o seu auxílio em caso de ataque.

Sugeria o governo inglês que, em caso de se julgarem as autoridades portuguesas por demais fracas para defender o país, considerassem elas a alternativa sensata de transferir a sede do governo para o Brasil, onde ficaria a coberto dos ataques do perturbador da paz européia. Esta emigração da família real portuguesa, para fugir aos seus inimigos, não constituía nenhuma novidade, pois já anteriormente, em crises da história portuguesa, por duas vezes havia este plano sido lembrado.

Havia, porém, da parte de d. João, que governava o reino como príncipe regente, devido à incapacidade mental de sua mãe a rainha d. Maria I, uma natural má vontade para encarar resolutamente a realidade da sua situação; e devido a pedidos reiterados e insistentes do regente, foi retirada do Tejo a esquadra britânica, na esperança de que Bonaparte se contentasse com uma declaração de neutralidade.

Breve se verificou quão falaz era essa expectativa de se evitar o conflito, por meio duma atitude meramente passiva. A 8 de agosto de 1807, recebia o encarregado de Negócios da França em Lisboa ordens do seu governo para declarar ao príncipe regente que, se até 10 de dezembro, não houvesse declarado guerra à Grã-Bretanha, confiscado os bens de todos os negociantes ingleses, fechado os seus portos a todos os navios britânicos e finalmente, se não reunisse sem delongas os seus exércitos e esquadras com as forças do resto do continente contra a Grã-Bretanha, ele, encarregado de Negócios, tinha ordem para pedir os seus passaportes e declarar a guerra.

O conde da Barca que então era primeiro-ministro de Portugal, não tinha considerado a situação tão perigosa como realmente era; mas a declaração inserta no órgão oficial da imprensa francesa nessa ocasião, declarando que "a Casa de Bragança havia cessado de reinar", fez-lhe cair a venda dos olhos assim como ao príncipe regente.

O governo britânico havia enviado uma nova esquadra ao Tejo, sob o comando de sir Sidney Strangford, o herói de St.-Jean-d'Acre; lorde Strangford, ministro britânico em Lisboa, depois de inúteis esforços para que o governo português agisse como lhe aconselhavam os ingleses, fez retirar as suas armas da sua residência, pediu os passaportes e foi para bordo do navio de sir Sidney Smith. Desembarcando, dias depois, como parlamentar, para se certificar quanto à linha de conduta que o governo português resolvera seguir, viu lorde Strangford que o príncipe regente se mostrava disposto a concordar com a proposta do governo inglês, para que a família real portuguesa seguisse para o Brasil. O embarque da família real efetuou-se a 29 de novembro.

Os episódios e circunstâncias do embarque são descritos, com detalhes pitorescos, em algumas passagens da Historia da Europa, de Alison. "Nunca - diz o historiador - se havia ali visto procissão tão triste e tão própria para dar aos mais levianos a noção das calamidades que a ilimitada ambição da França havia acarretado às outras nações da Europa.

"A rainha louca (d. Maria Francisca) vinha na primeira carruagem; há dezesseis anos que vivia reclusa; nesse supremo momento, dir-se-ia, porém, que um raio de luz penetrara a sua razão para lhe fazer compreender e julgar a triste situação. 'Oh' dizia ela, será possível que abandonemos o reino sem disparar um só tiro?' E dirigindo-se ao cocheiro: 'Não vá tão depressa; o povo há de pensar que fugimos'.

"A princesa viúva e a infanta Maria iam na carruagem seguinte, levando consigo a princesa do Brasil debulhada em lágrimas; depois delas, vinha o príncipe regente, pálido e chorando por deixar - para sempre, pensaria ele - o reino dos seus antepassados.

"Era tal a multidão reunida nas proximidades do lugar do embarque, que o príncipe foi obrigado a abrir caminho através dela, com a própria mão. Não havia, na multidão inumerável, uma só pessoa com os olhos enxutos. Quando a comitiva entrou para bordo, todos os homens se descobriram, toda a gente chorava; assim o povo, possuído de uma espécie de horror mudo, assistia à partida de seus antigos governantes. Na confusão geral que se estabeleceu no momento do embarque, houve pais que ficaram separados dos filhos, esposos das esposas, e muitos partiram sem saber que destino levavam.

"O embarque efetuou-se no cais de Belém, o mesmo lugar donde, três séculos antes, partira Vasco da Gama para a gloriosa viagem de que resultou abrir-se o Oriente ao comércio europeu, e donde também, pouco depois, partira Cabral para a expedição que deu a Portugal um império no Oeste. Apenas havia a esquadra partido e cruzado a barra, depois de ter passado pela esquadra inglesa e dela haver recebido uma salva real, chegava o exército de Junot aos arredores da cidade. E na cólera de que se possuiu por lhe haver escapado a presa, mandou Junot fazer fogo sobre um navio mercante que, tendo-se demorado em meter carga, havia ficado para trás, ainda no Tejo".

A atmosfera política no Brasil mudou por completo com a transferência da Casa Real de Lisboa para o Rio de Janeiro. Antes que o entusiasmo e o regozijo criados pelas notícias da vinda da família real tivessem tido tempo de arrefecer, começaram os habitantes do Brasil a preparar-se para a receber com a dignidade que lhe competia. No Rio de Janeiro, os preparativos foram feitos numa escala de magnificência antes nunca vista na América. "A residência do vice-rei tornou-se em aparência e em nome um palácio. Todas as casas da Praça do Palácio e muitas das residências dos cidadãos mais abastados foram requisitadas e com prazer cedidas para acomodação das personagens do séqüito do príncipe. Ofertas valiosas e espontâneas de dinheiro, jóias, valores de toda sorte, provisões e mobílias começaram a afluir de todos os lados".

A notícia (chegada ao Rio de Janeiro antes da família real) de que o rei, por Carta Régia, datada de 28 de janeiro, havia aberto todos os portos do Brasil ao comércio das nações amigas, não estabelecendo, como impostos, senão uma taxa moderada e razoável, tornando completamente livre o comércio de exportação e acabando com toda a sorte de monopólios, exceção feita dum ou dois artigos, aumentou ainda mais o sentimento geral de satisfação com o caminho que iam tomando os acontecimentos.

Sentia o povo que um monarca tão liberal, como d. João se revelara, com o decreto da abertura dos portos, se harmonizaria com as aspirações do povo brasileiro, empenhado em obter a reforma necessária nos métodos de governar e nos processos de administrar.

Uma tempestade, que desarvorou a frota, tornou necessária a sua permanência por algum tempo no porto da Bahia. Os habitantes, recordando as antigas glórias da cidade, como capital do Brasil, manifestaram o maior desejo de que a corte aí estabelecesse a sua sede. O príncipe regente, porém, com a nítida compreensão das vantagens muito superiores do Rio de Janeiro, recusou-se a ouvir quaisquer representações.

Tornando a embarcar, na Bahia, em fins de fevereiro, chegou a família real ao Rio de Janeiro em pouco mais duma semana. No dia 7 de março entrou a esquadra a barra, numa linha imponente. Imensa multidão reunida ao longo da praia e sobre os morros, nos arredores, presenciava o memorável acontecimento. A superfície das águas na baía estava de tal modo coberta de embarcações de toda a sorte que foi com grande dificuldade que os navios reais puderam seguir caminho até o ponto de ancoragem.

Tendo desembarcado, dirigiu-se o príncipe regente, com sua família, à Catedral, onde foi entoado um Te Deum, em ação de graças pela sua feliz chegada. Assistiram em seguida às festividades preparadas em sua honra. Durante nove dias sucessivos, esteve a cidade iluminada e mais algum tempo se passou antes que os habitantes voltassem à vida normal e ordinárias ocupações.

O príncipe regente não era talvez o tipo de governante que inspira confiança. Era bonacheirão e bem intencionado, mas faltavam-lhe os requisitos necessários a quem ia enfrentar novas e embaraçosas situações. As suas inclinações ram mais de homem de estudo que de estadista. Ainda assim, não era inteiramente desprovido de qualidades apreciáveis para a crise com que se viu a braços. As disposições por ele tomadas foram concebidas com uma largueza de vistas e uma rapidez realmente dignas de nota, consideradas as circunstâncias.

Dentro de poucos meses, além do estabelecimento dos ministros que haviam vindo com o príncipe regente, em suas respectivas secretarias, foram criados: um Supremo Tribunal de Justiça, Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, o Tribunal da Relação, o Conselho da Fazenda Real, o Tribunal da Junta do Comércio, o Erário Régio, o Banco do Brasil, a Imprensa Régia, e o Supremo Conselho MIlitar, fábricas de pólvora etc.

Reformas vantajosas se introduziram em outros ramos de administração. Foram criadas Academias de Medicina e de Belas-Artes, e fundou-se a Biblioteca, de que hoje se orgulha o Rio de Janeiro e que foi aberta contendo 60.000 volumes. Com a influência favoravelmente exercida pelo novo governo, o comércio prosperou.

Da Europa, acompanhando o exemplo dado pela comitiva real, vieram hostes de homens de ciência, engenheiros, comerciantes, profissionais de todas as nacionalidades, que contribuíram para o bem estar geral, pelos seus conhecimentos e energias empregadas nas várias direções.

Em breve começou a cidade a apresentar sinais exteriores do novo estado de coisas. Novos edifícios surgiram por todos os lados, ruas e praças foram traçadas, conforme exigia o desenvolvimento da cidade; e os subúrbios começaram também a progredir.

Nesse espaço de tempo, havia a presença da Corte efetuando, até certo ponto, uma transformação nos hábitos do povo. "Introduziram-se as modas européias: os colonos começaram a usar vestuários abandonados em Lisboa ou Paris apenas no ano anterior; as levées e festas da Corte deram à sociedade um tom que a colônia não teria, por si só, podido adquirir. Pela primeira vez os títulos, condecorações e honrarias vinham lisonjear os brasileiros distintos, exaltando-os aos próprios olhos e aos olhos dos seus patrícios. Em vez do eco sumido das intrigas em Lisboa, tinham agora os brasileiros, com todo o sabor de novidade, as notícias de intrigas e escândalos que se passavam em seu próprio meio; e em breve se formara no Rio de Janeiro uma classe que lia e discutia as circulares sobre a Corte e não fazia mais nada".

Na verdade, é bem curioso este fato de ser a prosperidade do Brasil levantada sobre os infortúnios da Europa no período napoleônico, como muito bem diz um escritor: "A onda avassaladora de revolução que convulsionou a França, levou a Inglaterra a poucos passos da ruína, e rolou, com resultados devastadores, por sobre a Europa, para só ser repelida elas neves invernosas do frígido Norte, deixou o Brasil incólume. As vagas exteriores desta tempestade colossal quebraram-se, inofensivas, contra as suas costas vastas e prósperas. Por assim dizer, só ele, entre os impérios do mundo, deve à revolução de 1789 riqueza e engrandecimento. Foi Napoleão o fundador do Império do Brasil".

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