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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [08-D]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 70 a 74, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte


1) Sabará (Minas) em 1830; 2) Uma "tropa" partindo de Ouro Preto; 3) Ouro Preto em 1730
Imagem publicada com o texto, página 71

História (D)

Por Arnold Wright

Capítulo IV

Descoberta das minas de ouro - As expedições de Du Clerc e Douguay-Trouin

Durante a primeira metade do século XVII esteve o Brasil em condições mais ou menos anárquicas relativamente à ação e administração portuguesas. Do enfraquecimento do governo da metrópole, motivado pelo desastrado domínio da Espanha, resultou, por assim dizer, a paralisação da ação do governo central do Brasil; e começou a manifestar-se um sentimento de independência. Por ocasião da Restauração Portuguesa, em 1640, foram feitas grandes tentativas para convencer os patriotas paulistas de que se deviam submeter ao governo português; eles, porém, recusaram-se absolutamente a reconhecer o novo governo, declarando que queriam escolher como entendessem.

E num entusiasmo por uma monarquia paulista, escolheram para rei um abastado concidadão seu, chamado Amador Bueno. Este, porém, recusou a oferta que lhe faziam e ao mesmo tempo aconselhou os paulistas a proclamar d. João IV como seu legítimo soberano.

Furiosa com esta resposta, a multidão quis desfeitear Amador Bueno. Vendo a que ponto havia chegado o furor do povo, o leal colono desembainhou, diante deles, a espada, e aclamou "El-rei d. João IV". Depois, refugiou-se num convento vizinho, onde lhe foi dado asilo seguro.

Apelaram as autoridades para Lisboa, pedindo auxílio contra os ousados paulistas; mas em Lisboa não se lhes deu atenção e os paulistas ficaram senhores da situação e agindo como entendiam. Em geral, a influência exercida por Portugal no país era pequena. Para melhor se resolver o problema administrativo numa zona vasta como o Brasil, foram estabelecidos governos independentes, em várias capitanias: a capitania do Maranhão compreendia o Maranhão e o Grão-Pará; a de Pernambuco e a do Rio de Janeiro eram independentes; o resto do Brasil estava sujeito ao governo central da Bahia.

Até essa época, era o Rio de Janeiro uma insignificante cidade, pouco conhecida; a Bahia, porém, atraía de todos os pontos centenas de imigrantes, e a sua condição de centro do governo dava-lhe uma posição saliente, claramente manifestada na superioridade arquitetônica dos seus edifícios em relação aos das outras cidades e na evidência de riqueza que se observava nas suas ruas.

Em 1686, sofreu a Bahia um desastre de natureza a causar grande retardamento no seu progresso, que foi o aparecimento duma terrível peste. A calamidade rebentara primeiramente no Recife, onde em pouco tempo fizeram mais de 2.000 vítimas e daí logo se estendera a Olinda. Na Bahia, grande parte da população sucumbiu ao tremendo flagelo. Tão virulento era o mal que, de cem pessoas atacadas apenas uma escapava. Uma das mais ilustres vítimas do flagelo foi Mathias da Cunha, mandado ao Brasil como governador geral em 1687.

Durante a administração dos governadores, que se seguiram a Mathias da Cunha, e que foram Antonio Luiz Gonçales da Camara e d. João de Lencastro, foram promulgadas as leis que deram ao Brasil a sua primeira moeda corrente. Até então, circulava no país o dinheiro português; mas, com o roubo no peso das moedas praticado comumente, ficara o seu valor muito rebaixado e com isso era prejudicado o comércio, além da falta de segurança que havia nas transações monetárias.

Finalmente, respondendo a representações sucessivas do Senado da Bahia, mandou o governo de Lisboa ao Brasil funcionários encarregados da cunhagem da moeda para o país. Foram cunhadas peças de ouro de três valores: duma moeda ou Rs. 4$000; 1/2 moeda e 1/4 de moeda. Em adição, foram também cunhadas moedas de prata, de sete valores, entre elas as de duas "patacas", uma pataca e meia pataca. Como se considerasse perigoso o transporte de grandes quantidades de moeda de cidade para cidade, foi a Casa da Moeda sucessivamente transferida da Bahia para o Rio de Janeiro e daí para Pernambuco, à medida que, nas diversas cidades, ficava completo o estoque monetário requisitado pelas suas necessidades comerciais. No decorrer dos últimos anos do século XVII, muito melhoraram as condições do Brasil. O comércio mercantil aumentou consideravelmente e estendeu-se em todas as direções; a cultura do solo generalizou-se; e por toda a parte apareciam indícios de prosperidade.

Em meados do século XVII, a descoberta, em Minas Gerais, de ouro, prata e esmeraldas, por um grupo de aventureiros, fez com que para as minas convergissem todas as atenções. Os aventureiros procuravam guardar o segredo do seu achado; qualquer notícia, porém, transpirou, e as autoridades, apoderando-se deles, encerraram-nos numa prisão, como o meio mais eficaz de conservar invioláveis os direitos do governo em explorações de minas. Os infelizes morreram na prisão, levando para o túmulo o segredo da descoberta.

Ordenou o governo que fosse organizada uma expedição, para procurar as minas; devido, porém, às rivalidades suscitadas pelo comando dessa expedição, o projeto não foi avante. Estava reservado à iniciativa particular o desvendar o mistério das minas. Um velho chamado Fernão Dias Paes Leme resolveu conduzir, ele mesmo, uma expedição. Quatro anos após a sua partida, chegou às margens dum grande lago e aí obteve espécimes de esmeraldas e depois achou também ouro, embora em quantidade não muito grande.

As primeiras amostras do precioso metal, que se sabe seguramente terem vindo desse distrito, foram três oitavas dadas em 1695, de presente, ao capitão-mor do Espírito Santo, por Antonio Rodrigues Arzam, natural de Taubaté. Antonio Rodrigues tinha penetrado na região aurífera pelo Rio Doce e havia trazido aquele punhado de ouro, como prova de que não fora infrutífera a sua exploração.

Tão entusiasmadas ficaram as autoridades com os resultados dessa exploração, que confiaram a Arzam a missão especial de demarcar a zona do ouro. O explorador morreu, antes de poder executar as instruções recebidas. Antes, porém, dera os seus papéis a seu cunhado Bartholomeu Bueno de Siqueira, que, após algumas explorações, achou as minas.

As autoridades, convencidas da importância da descoberta, deram ordens para o estabelecimento de uma fundição em Taubaté; e logo depois, em 19 de abril de 1702, promulgaram um novo código de leis sobre mineração. O ouro das minas tornou-se então, diz Rocha Pitta, o ímã que atraía os brasileiros. O próprio governador do Rio de Janeiro, Arthur de Sá de Menezes, partiu para a região e fez-se companheiro dos mineiros, possuído da mesma cobiça que os animava; e só dali voltou quando pôde trazer ouro bastante para se considerar rico.

"Para serem empregados nas minas, compravam-se negros por preços exorbitantes; as lavouras, abandonadas, entregues à natureza, perdiam-se completamente; os marinheiros desertavam os seus navios; aventureiros acorriam às minas de todos os pontos das outras capitanias e principalmente da Bahia. Como resultado inevitável, deixaram as plantações de ser cuidadas, ou porque os seus donos as haviam abandonado ou porque lhes faltavam braços. Até aí, era a Europa suprida de açúcar, quase exclusivamente, pelo Brasil; com a descoberta das minas e conseqüente deserção das plantações, a exportação diminuiu consideravelmente, e os franceses e ingleses que, na mesma ocasião, começavam a plantar cana-de-açúcar nas suas colônias, assenhorearam-se dos mercados. Todos os ramos do comércio declinaram de modo deplorável, devido à decadência da indústria de artigos de consumo. Assim decaíam aldeias, vilas e cidades e sinais evidentes de despovoamento se notavam trinta anos depois".

O governo, alarmado com as conseqüências da descoberta das minas, tentou evitar que a população se precipitasse para as minas. O trânsito de escravos para a região foi absolutamente proibido e todos os que se ocupavam do tráfico da escravatura sujeitos a penas severas, caso transgredissem aquela proibição. Para garantir o cumprimento do edito, foram postadas tropas em diversos pontos, com a missão de impedir a passagem dos escravos.

Muitas foram as apreensões feitas; em breve, porém, reconhecia o governo a impossibilidade de guardar todas as passagens; e o tráfico de escravos continuou impunemente. Por fim, convencidas da inutilidade dos seus esforços contra aquela verdadeira mania coletiva, revogaram as autoridades as disposições tomadas contra a introdução de escravos na região das minas. Em breve, estas se tornaram tão produtivas e rendosas que a Corte de Portugal, conforme diz Rocha Pitta, estava inteiramente convertida à opinião dos brasileiros, de que era melhor extrair ouro que cultivar a cana-de-açúcar.

O método comumente empregado na exploração das minas consistia, naquele tempo, em se abrirem poços quadrados, denominados "catas", até a profundidade em que se achasse o cascalho constituído por terra de envolta com pequenas pedras, em que se encontrava o ouro. Este cascalho era quebrado à picareta e posto numa bacia de madeira, larga na parte superior e estreitando gradativamente até o fundo. Nestas bacias, era o cascalho lavado em água corrente que, levando a terra, deixava no fundo as partículas metálicas mais pesadas.

Eram freqüentemente encontradas pepitas de ouro de 20 a 100 oitavas e até algumas atingiam o peso de 200 a 300 oitavas, o que equivale a 13 libras. Todas estas minas primitivas ficavam situadas, ou no leito dos rios ou nos terrenos planos, em suas margens.

Os paulistas sentiram-se muito com a invasão de seu território, por esta legião de aventureiros. Começaram a dar-se distúrbios e em pouco tempo estava a população dividida em duas partes rivais e decididamente hostis: os paulistas, ou naturais das província, e os forasteiros, ou estrangeiros, que eram os recém-vindos às minas. Como conseqüência destes distúrbios, foram São Paulo e Minas constituídos, em 1710, em uma nova capitania, para a qual foi nomeado governador Antonio de Albuquerque, subordinado, todavia, ao governador geral do Brasil.

Enquanto progredia a colonização no distrito das minas, uma expedição francesa se aproximava com intuitos hostis. Havia já bastante tempo que, no Brasil, portugueses e franceses se viam com maus olhos. Em 1708, Duguay-Trouin, o famoso almirante francês, tentou interceptar uma frota portuguesa, que voltava do Brasil para o Tejo, não conseguindo, porém, o seu intento. Este mau êxito serviu para acentuar no ânimo dos franceses o propósito de tirar uma desforra dos portugueses. Foi organizada em França uma grande esquadra e enviada sob o comando de Du Clerc, hábil e brilhante oficial, com instruções para devastar e saquear a costa brasileira.

Apareceu Du Clerc à vista do Rio de Janeiro, em meados de agosto de 1710. Ao aproximarem-se os navios da esquadra de Du Clerc, fez o porto de Santa Cruz um disparo de pólvora seca e, como a esquadra se não importasse com o sinal, atirou novamente, mandando desta vez uma bala que alcançou o navio mais próximo.

Du Clerc, então, retirou-se com os seus navios. Vendo que não podia forçar a barra para atacar a cidade, resolveu Du Clerc efetuar o desembarque fora da barra e ir por terra dar o assalto. Desembarcou, pois, as suas forças na língua de terra de Guaratiba, a cerca de quarenta milhas do Rio de Janeiro, gastando os franceses sete dias em vencer a distância do ponto de desembarque aos arrabaldes do Rio.

As forças portuguesas, que esperavam o inimigo, compreendiam cerca de oito mil soldados de linha e cinco mil paisanos armados. No Engenho dos Jesuítas, hoje Engenho Velho, descansaram os franceses, durante a noite de 18 de setembro. Houve ali, no dia seguinte, uma escaramuça entre os franceses e um destacamento, que ocupara uma igreja. Avançou em seguida Du Clerc sobre a cidade.

Como primeira medida, ordenou o governador, Francisco de Castro, que um destacamento fosse cortar o pequeno corpo dos franceses, que se separava de Du Clerc. O plano foi coroado de bom êxito: os franceses, diante da superioridade numérica e compreendendo a loucura que haviam cometido, abandonaram as armas e fugiram.

Entretanto, atacava o outro corpo dos franceses o Palácio dos Governadores; esta posição era defendida por um destacamento de estudantes, e os poucos franceses que conseguiram entrar no palácio foram feitos prisioneiros. Em breve ficou Du Clerc completamente cercado e, compreendendo a sua desesperada situação, propôs aos portugueses uma suspensão de hostilidades e que lhe fosse permitido reembarcar, sem ser novamente atacado.

Entusiasmados com a vitória, os portugueses receberam essas propostas com escárnio e intimaram Du Clerc a render-se, sob pena de fazerem voar pelos ares o trapiche que lhe servia de refúgio. Conformando-se com o inevitável, o comandante francês rendeu-se sem condições. Não houve meio de se conter o povo exaltado e muitos dos franceses morreram às suas mãos. Cerca de seis meses depois da sua captura, foi Du Clerc assassinado numa residência particular, para onde havia pedido a sua mudança. O crime foi atribuído a uma inimizade e vingança de caráter particular, mas, ainda assim, não concorreu de modo algum para minorar a indignação suscitada em França.

Quando Duguay-Troin, o famoso corsário, se propôs trazer ao Rio de Janeiro uma expedição, para vingar a derrota sofrida por Du Clerc, o projeto foi acolhido com o maior entusiasmo. Tendo obtido o mais lisonjeiro apoio, tanto financeiro como moral, da Corte Francesa, dedicou-se Duguay-Trouin à tarefa de organizar e equipar a sua expedição.

Com o fim de se evitarem suspeitas, todo o trabalho de organização da esquadra foi feito secretamente; os navios eram aparelhados em portos diferentes; e não se reuniu a esquadra senão nas alturas das Ilhas do Cabo Verde. A esquadra compunha-se de sete navios de linha, oito fragatas e duas galeotas e, além das guarnições, trazia poderoso contingente de tropas reais francesas de artilharia e infantaria, com o total de 738 canhões, seis morteiros e 5.684 homens. A 27 de agosto, reuniu-se a esquadra ao largo da Bahia e, seguindo para o Sul, avistou o Rio de Janeiro, quinze dias depois, a 11 de setembro.

Sendo favorável o vento, Duguay-Trouin tomou a deliberação de entrar imediatamente para o interior do porto, forçando a barra. Uma vez forçada a barra por seus navios, e estes solidamente estabelecidos no interior, tinha ainda Duguaay-Trouin uma árdua tarefa diante de si: o número de soldados, que compunham as tropas que defendiam a cidade e com as quais ia entrar em luta, era mais de 13.000, soldados esses a quem o revés infligido a Du Clerc infundia coragem e entusiasmo.

A 13 de setembro, um forte destacamento, sob as ordens do Chevalier de Goyou, atacou e ocupou a Ilha das Cobras e virou os canhões para a cidade. Ao cair da noite, desembarcaram 3.300 homens que, imediatamente, iniciaram o assédio da cidade, levantando baterias. Tal desânimo se produziu entre os defensores que, a 21 de setembro, quando Duguay-Trouin ordenou o assalto à cidade, a praça já havia sido evacuada durante a noite. Ao entrar na cidade, encontraram os franceses 500 homens da expedição de Du Clerc, que se haviam aproveitado da confusão que reinava, para fugir. Muitos deles estavam já saqueando as casas e as lojas dos habitantes da cidade e não tardou muito que os recém-vindos os imitassem.

"Em vão - diz Southey - procurou o comandante evitar os excessos dos seus homens, excessos que se tornavam perigosos numa cidade aberta e com um inimigo superior em número, na vizinhança. As patrulhas que ele havia organizado eram as primeiras a entregar-se ao saque. Na manhã seguinte, três quartas partes das casas e armazéns da cidade haviam sido arrombadas".

Duguay-Trouin mostrou um escrúpulo curioso, no que dizia respeito aos bens da Igreja. Todo o soldado, em cujo poder se encontrassem bens roubados às igrejas, era imediatamente fuzilado. Foram, afinal, iniciadas negociações com o governador Castro de Moraes e chegou-se a um acordo. Pelo tratado assinado, Duguay-Trouin evacuava a cidade mediante o pagamento de 600.000 cruzados, 5.000 caixas de açúcar e a entrega de todos os navios portugueses e ingleses que se achassem no porto. Cumprido o tratado por parte dos portugueses, partiu a esquadra francesa para a Europa, a 13 de novembro, exatamente dois meses após a sua atrevida entrada na baía do Rio de Janeiro.

Em viagem para a França, foram os navios da esquadra apanhados por tempestades e a maior parte do tesouro se perdeu com o Magnanime. Com este, mais três outros navios da esquadra e um português foram ao fundo, morrendo as respectivas equipagens. A despeito deste desastre, além de valiosos prêmios, em dinheiro, distribuídos aos oficiais, marinheiros e soldados que compunham a expedição, receberam ainda os armadores um dividendo de 92 por cento sobre o capital empregado.

Os portugueses calcularam as suas perdas, independentemente de quatro navios de guerra e 60 navios mercantes capturados ou destruídos pelos franceses, em dois milhões esterlinos. Outra agressão dos franceses ao Brasil foi impedida pelo tratado de Utrecht, concluído em 1713, pelo qual renunciava a França às suas pretensões e direitos no território compreendido entre o Orellana e Oiapoque e reconhecia o direito de Portugal à navegação exclusiva do Oiapoque.

Pelo mesmo tratado internacional, ficavam reconhecidos os direitos de Portugal à Nova Colônia do Estuário do Rio da Prata, a qual a Espanha lhe havia porfiadamente contestado. Alguns anos depois, reabria a Espanha a questão da Nova Colônia durante todo o resto do século. Essa questão constituiu um pomo de discórdia entre os dois governos; e, de fato, só terminou quando a área disputada foi incorporada à República do Uruguai.


1) D. Maria Leopoldina, primeira imperatriz do Brasil; 2) D. Carlota Joaquina, esposa de d. João VI; 3) D. Thereza Christina, esposa de Pedro II; 4) D. Pedro I; 5) D. João VI; 6 e 7) Damas da Corte
Imagem publicada com o texto, página 73

Capítulo V

Descoberta dos diamantes - A administração de Pombal

Por pesado que fosse o golpe recebido com a ocupação temporária do Rio de Janeiro, em poucos anos o país se apresentava próspero como nunca. As descobertas do ouro atuaram como um ímã, atraindo ao Brasil, e especialmente às regiões do Sul, imigrantes de todas as partes. Os comerciantes seguiram-se aos aventureiros e, com a sua atividade, deram aos distritos do Sul, até então mergulhados em profunda apatia, uma aparência de riqueza, a qual não era absolutamente desmentida pelas reais condições existentes.

Pelo seu lado, o governo obtinha uma renda, que aumentava com assombrosa rapidez, proveniente do imposto sobre o ouro. Já em 1714 a parte que pelo imposto tocava ao governo na produção do ouro, era de 30 arrobas no valor de £50.400. Em 1719, mais dez arrobas, além do imposto, entraram para o Tesouro, em virtude dum arranjo feito pelo governo.

A descoberta de diamantes, efetuada logo no princípio do século, foi outro fato novo que muito contribuiu para o bem estar e prosperidade do país. Há muitos anos era sabido que no Brasil existiam pedras preciosas; a despeito, porém, de explorações numerosas e persistentes, feitas em vários distritos, não se descobrira ainda o lugar exato onde se encontravam. A exploração havia sido, por assim dizer, abandonada pelos delegados da metrópole, quando um dia o país foi jubilosamente surpreendido com a notícia de que algumas pedras enviadas a Lisboa, por um tal Bernardino da Fonseca Lobo, haviam sido reconhecidas como diamantes.

Logo a regulamentação da exploração se tornou uma questão urgente, pelo grande número de aventureiros, que começavam a afluir à zona descoberta. Depois de maduras considerações, resolveram as autoridades da metrópole que o distrito ficasse constituindo propriedade direta do governo e que fosse explorado por iniciativa particular, sob condições precisas, determinadas por lei. A área assim reservada era de forma circular e tinha cerca de 170 milhas inglesas de circunferência.

Nesse Distrito Proibido, nome por que se tornou conhecida a zona dos diamantes, ninguém podia penetrar sem primeiro haver pago uma taxa pesada. Como não houvesse, por parte dos habitantes, grandes disposições para participar desta loteria singular, alterou o governo a primitiva regulamentação, instituindo especialmente uma medida pela qual eram reservadas à Coroa todas as pedras que se descobrissem acima de determinado peso.

Entretanto, iam-se as minas continuamente desenvolvendo. A parte que tocava ao governo na produção de diamantes atingiu, por si só, enorme soma. Foi neste período que o Brasil se tornou, de fato, um elemento rendoso para a Coroa Portuguesa. A frota proveniente do Rio de Janeiro em 1753, a mais rica que, até então, havia chegado do Brasil, trazia, às autoridades da metrópole, a soma de três milhões esterlinos em mercadorias, ouro e prata.

Os quintos provenientes de Minas Gerais subiram, neste ano, a perto de £400.000. Os metais em barra e as pedras preciosas mandados para Lisboa no ano seguinte foram calculados em um milhão de moidores. Durante dezesseis anos, a média dos quintos excedeu em muito 100 arrobas; quando, porém, o comércio mercantil foi aberto a navios particulares, que isoladamente faziam as viagens entre Portugal e o Brasil, declinou aquela média consideravelmente, descendo em onze anos de cento e nove arrobas a oitenta e seis.

Datam desse período os progressos realizados no Rio de Janeiro, que lhe trouxeram importância real e lhe deram direitos indiscutíveis como capital dum grande país. A mudança definitiva da capital, da Bahia para o Rio de Janeiro, só se deu em 1762; mas, já antes disso, se havia tornado esta cidade um importante centro de administração, devido á sua proximidade da zona mineira.

Várias alterações administrativas se haviam operado na primeira metade do século XVIII, alterações em grande parte devidas ao incremento tomado pela mineração de ouro e diamantes. Em 1720, foi São Paulo separado de Minas, constituindo uma capitania com administração própria. Dezoito anos depois, foi criada a capitania de Santa Catarina. Desde 1708 que Goiás e Mato Grosso figuravam com a mesma categoria e em 1757 Rio Negro entrou também para o rol das províncias brasileiras. Finalmente, em 1775 o Pará e o Maranhão, até aí independentes do governo geral do país, foram separados em duas províncias distintas e sujeita a sua administração ao governo geral com sede no Rio de Janeiro.

O Brasil havia deixado de ser um filho adotivo que dava à Mãe Pátria grandes trabalhos, e cuja tutela acarretava grandes sacrifícios pouco compensados pelas vantagens materiais, para se tornar um parente rico cujos favores e boa vontade valia a pena cultivar. Os altos postos administrativos do Brasil eram disputados com afã, e os privilégios comerciais, que a metrópole concedia ao país, tornavam-se o objeto de competição e disputa entre os que freqüentavam a Corte Portuguesa.

Por felicidade ou desdita sua, este período de grande prosperidade, que o Brasil atravessava, coincidiu com a estadia no poder de Sebastião José de Carvalho e Mello, o afamado primeiro-ministro de d. José, rei de Portugal. Este grande homem, mais conhecido na história pelo título, que lhe foi conferido, de marquês de Pombal, desempenhou importantíssimo papel nos destinos do Brasil. Logo que se sentiu firme no poder, tratou o marquês de aniquilar a influência dos jesuítas. Depois de ter conseguido arrancar de d. José (diz-se que, servindo-se da falsa acusação de terem eles, indiretamente, tomado parte numa conspiração, de que resultou uma tentativa de regicídio) a aprovação tácita dos seus atos, começou a mover à Ordem uma guerra de extermínio.

Uma das suas primeiras medidas foi oprimir as missões, que, no Brasil, mantinham os jesuítas. Acusava-os de, com os seus atos, prejudicar a política seguida pelo Estado. Os jesuítas, dizia ele, excluíam dos seus estabelecimentos e missões todos os portugueses e esforçavam-se por manter os habitantes na mais profunda ignorância. E se assim procediam, acrescentava Pombal, é porque tinham um plano diabólico, o plano de se apoderar a Companhia das possessões ultramarinas de Portugal. Prosseguindo na sua política, fez Pombal com que os jesuítas fossem expulsos, pessoas e bagagens, dos seus estabelecimentos.

Estas medidas, que privaram os índios dos seus padres, aos quais se haviam habituado a pedir não só os conselhos relativos ao bem estar material, mas também as consolações espirituais, viera naturalmente produzir um efeito desastroso. Pombal, porém, mostrou-se à altura das circunstâncias; possuía-o a convicção de ter chegado a ocasião em que o Estado devia intervir e chamar a si as obrigações que até então haviam estado a cargo da Igreja.

Por isso, estabeleceu uma série de Ordenações, tendo como objeto a organização dum sistema de instrução e administração a cargo do Estado. O código pombalino começava por dizer que as generosas intenções do rei, de colocar os índios sob o governo e administração dos seus chefes respectivos, não podiam por enquanto ser postas em prática, devido à ignorância deplorável em que eles ainda viviam. Portanto, até que fossem capazes de se governar por si próprios, deveria o governador geral nomear um diretor, para cada uma das colônias e estabelecimentos de índios, o qual residisse entre eles.

Era desejo do rei tornar cristão este povo infeliz, ficando a cargo do bispo a parte referente à evangelização; mas a tarefa de civilizar os índios entraria nas obrigações dos diretores. A estes eram feitas especiais recomendações para, de modo algum, permitir que as crianças crescessem usando a língua nativa. Duas escolas deviam ser criadas em cada colônia de índios, uma para meninos e outra para meninas. Aos diretores se recomendava também que mantivessem o respeito devido a todo o índio que exercesse um cargo, de acordo com a sua categoria; pois acontecia dantes que chefes importantes em suas tribos fossem obrigados a servir de pilotos e remar nas canoas.

Não mais se permitiria a revoltante injustiça pela qual os índios eram chamados "negros" e como tais tratados. Dever-se-ia também tratar de lhes dar, a todos, sobrenomes, pois que, diziam as Ordenações, "quando tiverem eles os mesmos nomes e sobrenomes que os outros habitantes brancos e civilizados, ficarão mais dispostos a imitá-los e a adquirir hábitos de vida mais úteis e virtuosos".

Eram tomadas disposições precisas quanto ao modo de vida que deviam ter os índios. Não se esqueciam as Ordenações de recomendar aos diretores que frisassem bem "o abuso diabólico de não pagar os dízimos". Os habitantes brancos podiam residir nas colônias e compartilhar de todos os duvidosos privilégios dos índios; "não deviam, porém, os diretores omitir meio algum para extinguir as odiosas e abomináveis distinções entre brancos e índios, que a ignorância e a iniqüidade haviam estabelecido".

Para esse fim, deveriam os diretores animar os casamentos entre as duas raças e explicar às mulheres brancas que os índios não lhes eram inferiores em qualidade e que, havendo eles sido, agora, declarados capazes de posições e honrarias, comunicariam estes privilégios às que fossem suas mulheres. Assim deveriam os diretores combater a opinião que declarava tais casamentos infamantes; ficasse provado que qualquer marido ou mulher, por ser de raça branca, desprezasse o outro cônjuge, deveria a autoridade punir o delinqüente como causador de dissensões e perturbador da ordem pública.

As leis do marquês de Pombal contra os jesuítas foram executadas com extremo e perfeitamente desnecessário rigor. O Rio de Janeiro foi indicado como ponto de embarque de todos os jesuítas, residentes nos distritos do Sul do Brasil. Aí se reuniram 145 desses infelizes. À sua chegada a Lisboa, foram alguns atirados a prisões, onde permaneceram longos anos, e outros exilados e desembarcados nos Estados da Igreja. A crueldade das medidas tomadas contra os jesuítas constitui decerto uma mancha para a memória do marquês de Pombal, o qual, todavia, no domínio da administração, em geral, se mostrou um estadista de grande talento prático.

Um dos grandes obstáculos ao progresso do Brasil, nesse período, era o da existência das capitanias hereditárias. Pombal não se deu ao trabalho de entrar em negociações com os donatários; por um decreto suprimiu totalmente os títulos senhoriais, baseados nas velhas concessões de capitanias. Deixou aos proprietários as suas terras, mas fez-lhes compreender que não tinham outros privilégios senão aqueles de que gozava qualquer índio nas suas plantações de algodão ou mandioca. E a questão das capitanias resolveu-se finalmente, revertendo todas elas para a Coroa, umas por confiscação, outras por compra e ainda outras a troco de títulos e pensões.

Outra parte da administração que Pombal reformou, com magnífico resultado, foi a que dizia respeito às minas de diamantes. Suprimiu o sistema de arrendamentos e substituiu-o por um processo de governo direto, com uma mesa de rendas à testa da qual estava o intendente geral, como primeira autoridade no distrito.

Algumas das disposições do novo sistema introduzido por Pombal eram de natureza extremamente drástica. Por exemplo, nenhuma pessoa, qualquer que fosse a sua posição, poderia entrar ou viajar na zona proibida, sem que houvesse previamente feito uma petição ao intendente geral, acompanhada dum certificado das autoridades locais, do ponto donde ia partir, declarando os negócios de que ia tratar e os lugares a que pretendia dirigir-se. Podia o intendente dar ou negar a permissão solicitada, conforme lhe parecesse.

Todos os indivíduos, brancos, mulatos ou negros livres, que não tivessem profissão honesta, moradia conhecida ou meios de vida comprovados, ficavam sujeitos à suspeita de viver de meios ocultos e podiam ser condenados à expulsão do distrito das minas. Caso para ali voltassem eram condenados a seis meses de prisão no Rio de Janeiro ou na Bahia e a pagar a recompensa de 50 oitavas à pessoa que os houvesse denunciado. Em caso de nova reincidência, a multa era duplicada e o delinqüente degredado por dez anos para Angola. Os indivíduos suspeitos de fazer contrabando ou de minerar ocultamente eram presos e, se duas testemunhas confirmassem a presunção do crime, imediatamente expulsos do distrito.

No comércio mercantil também se fez sentir a pesada mão do marquês de Pombal. Uma de suas primeiras medidas, nesse sentido, foi a concessão feita em 1755 de privilégios comerciais exclusivos a duas empresas. Os negociantes ingleses em Lisboa - poderosa corporação largamente interessada no comércio para o Brasil - fizeram um vigoroso protesto contra o monopólio, mas nada puderam contra o formidável ministro, que não arredava um passo, uma vez tomada a sua resolução.

A administração do marquês de Pombal durou 27 anos, até que a morte de d. José I, em 1777, o privou do constante apoio e prestígio que lhe haviam permitido galgar, na administração do Estado, uma posição sem precedentes na história portuguesa. Quando lhe faltou o real apoio, Pombal caiu, execrado pelos seus numerosos inimigos, e retirou-se para uma propriedade, na província, onde morreu, três anos depois, na avançada idade de 81 anos.

A sua influência durante a carreira ministerial por toda a parte se fez sentir em Portugal e colônias; em parte nenhuma, entretanto, foi tão notável como no Brasil. Com a sua energia, estimulou o zelo administrativo das autoridades brasileiras e galvanizou-as com o seu espírito superior, de modo a levar longe o Brasil, no caminho da prosperidade. As suas medidas nem sempre foram sábias; as medidas relativas aos jesuítas foram certamente cruéis; a sua política comercial era estreita e retrógrada; e as suas idéias de reconstrução social, em alguns pontos, visionárias.

Entretanto, tinha Pombal uma profunda confiança nas possibilidades de engrandecimento do Brasil, baseada na hábil apreciação dos seus recursos e assim, com vontade de ferro, conseguiu, mais que nenhum outro ministro português, levantar o Brasil na escala econômica. Como compensação à perseguição exagerada, movida contra os jesuítas, valem muito as suas regulamentações, estabelecendo uma completa tolerância religiosa. Estas esclarecidas medidas formaram a base duma política constantemente mantida e graças à qual o Brasil, desde então, tem sempre estado isento de animosidades sectária.

Com o tempo, já o próprio Pombal não acreditava nos monopólios, tanto que, ao expirar o prazo inicial de 20 anos, que lhes havia concedido, não renovou os favores às empresas monopolizadoras. Tal foi a alegria em Lisboa, com a queda do tão odiado sistema, que (segundo se conta) os negociantes mandaram celebrar um Te Deum, em ação de graças pela terminação do sistema. O comércio brasileiro tinha crescido, durante os anos da supremacia da Companhia. Mas o princípio em que ela se baseava era, em sua essência, mau, e a extinção dos monopólios foi indiscutivelmente um grande bem para o Brasil.


O palácio antigo
Imagem publicada com o texto, página 74

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