Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300g08c.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/28/09 17:03:19
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [08-C]

Leva para a página anterior

Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 66 a 70, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte


1) Vendedor de cestos; 2) Pastorícia de outrora; 3) Como se transportava o café; 4) Vendedores ambulantes
Imagem publicada com o texto, página 67

História (C)

Por Arnold Wright

Capítulo III

A invasão holandesa

Depois dos franceses e ingleses, seguiram-se os holandeses, na exploração do Brasil, termo cujo sentido, naquela época, encobria um sistema de pirataria, mais ou menos disfarçado. Desde os primeiros tempos da vida do Brasil como colônia de Portugal, alguns holandeses, isoladamente, haviam estado ligados ao país, no desempenho de várias funções e ao serviço dos portugueses; Hans Staden, que deixou uma das melhores descrições dos usos e costumes das tribos de índios, constitui um exemplo frisante desta classe de aventureiros.

Nos últimos anos do século XVI e no princípio do XVII, quando o aniquilamento do poder naval espanhol, pelo desastre da Grande Armada, acabou com o embargo estabelecido sobre a navegação, pelas duas potências da Península Ibérica, começaram os navios holandeses a cruzar os mares, em busca de comércio. Dirigiram-se de preferência às regiões situadas ao Norte do Amazonas e por fim, do mesmo modo que os franceses, aí fundaram diversos estabelecimentos; também como os franceses, foram expulsos pelos portugueses, os quais, para que não surgissem outras dúvidas acerca do seu direito de propriedade naquela zona do continente sul-americano e para firmar a sua ocupação, estabeleceram uma nova capitania, à qual deram o nome de Pará.

A sede da capitania foi fundada a 3 de dezembro de 1615, em Belém, ou melhor, para dar o nome completo: Santa Maria de Nazareth de Belém do Grão-Pará. Durante algum tempo, não foi a supremacia dos portugueses naquela zona discutida nem disputada, ou, em todo o caso, não foi atacada. Mas a organização em Amsterdam, Holanda, da poderosa Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, em 1621, veio dar novo aspecto à questão da soberania ao Norte do país. No correr de 1623, ficou tudo pronto para uma expedição ao Brasil. O comando da esquadra foi entregue ao afamado almirante Jacob Willekens, ficando as forças de desembarque e o comando militar da expedição a cargo do célebre Pieter Heyne Hans Vandort.

Deixou a esquadra a Holanda em dezembro; e tendo tido tempestuosa travessia, apareceu à vista da Bahia alguns meses depois. As ordens que Willekens trazia mandavam-lhe atacar São Salvador e ocupar esta capital. Ofereceram os portugueses diminuta resistência aos assaltantes, que se apoderaram da cidade e declararam o governador geral prisioneiro. Sob a hábil direção de Vandort, foram reconstruídas e mais bem armadas as fortificações. Entretanto, lançava o chefe holandês proclamações, garantindo a liberdade de propriedade e a religiosa a todos aqueles que se quisessem submeter ao domínio holandês.

A maior parte da população portuguesa não se quis submeter; grande número de judeus, porém, e a população negra, assentiram em acatar e defender o regime holandês. Até aí não tinham encontrado os holandeses a menor dificuldade na execução do seu plano; em breve, porém, reconheceram que a permanência na Bahia não era ainda um fato consumado.

Sacudidos em sua indiferença e alarmados com a intenção evidente dos holandeses de se não contentar com saquear a cidade, mas estabelecer-se como colonizadores, organizaram os portugueses um movimento para a expulsão dos invasores. O chefe deste movimento foi o bispo d. Marcos Teixeira. Com o hábito de penitente, organizou este ousado prelado serviços religiosos de súplicas à Providência e, de crucifixo em punho, como um estandarte, exortava os seus patrícios a tomar armas em defesa da religião, do soo e dos seus direitos.

Em breve havia d. Marcos reunido em volta de si uma força considerável, composta em grande parte de portugueses, mas que incluía também 250 índios. Tomando posições no Rio Vermelho, a cerca de uma légua da cidade, aí estabeleceram os portugueses um campo fortificado, munido de canhões tirados dum navio que havia escapado aos holandeses.

Vandort, em pessoa, saiu da cidade, para efetuar o reconhecimento das posições dos portugueses; e, tendo desprecavidamente avançado em território inimigo, foi surpreendido numa emboscada e morto em combate corpo a corpo, com um oficial português. Albert Schonten, seu imediato, tomou o comando das forças holandesas, concentradas na Bahia; e igualmente morreu em combate, pouco tempo depois.

Apesar de todos estes revezes, Willekens partiu para a Europa, com onze dos seus navios, deixando os restantes sob o comando do almirante Hayne, na Bahia. Mas Hayne, arrojado marinheiro, em vez de se esforçar por consolidar a posição dos holandeses na Bahia, empreendeu uma expedição ao Espírito Santo, que foi desastrosa. Quando voltava à Bahia, encontrou o porto já ocupado pelas esquadras combinadas de Portugal e Espanha, enviadas da Europa. Esta frota era a mais poderosa que havia atravessado a Linha. O contingente português compunha-se de 26 navios e 4.000 homens, e o espanhol de 40 navios e 8.000 homens. O comando supremo estava entregue a d. Fradique de Toledo, nobre espanhol, ao passo que, a bordo dos navios portugueses, vinham muitos capitães ilustres, entre eles Affonso de Noronha, o qual fora governador geral da Índia, e nesse cargo muito se ilustrara.

Os holandeses ofereceram ainda uma resistência valente e brilhante; foram, porém, finalmente obrigados a capitular. No dia seguinte ao da rendição, apareceu em frente à Bahia a esquadra holandesa de socorro, composta de 34 navios, sob  o comando do almirante Bondeninj Hendrikszon, que, não tendo chegado a tempo, se fez rumo do Norte. Foi tal o fracasso desta tentativa que, por algum tempo, não pensaram os perseverantes mercadores de Amsterdam em renovar o ataque.

Em 1626, porém, Hayne trouxe nova esquadra à Bahia e aí atacou os navios espanhóis, conseguindo capturar alguns. Depois deste feito, andou Hayne cruzando ao longo da costa do Brasil e causando grandes prejuízos ao comércio português; depois, fez-se ao largo, em busca de novas presas. Encontrando-se com uma frota espanhola, que vinha do México para a Espanha, capturou-a, sem deixar escapar um só navio. Com esta proeza, obtiveram os holandeses despojos no valor de quatorze milhões de florins ou um milhão e duzentas mil libras, o que constitui uma soma enorme, levando-se em consideração o valor muito maior do dinheiro naquele tempo.

Animada com o rendoso e brilhante resultado que a expedição de Hayne lhe havia trazido, aparelhou a Companhia, em 1629, outra esquadra com destino ao Brasil. Representava esta uma força formidável, composta de 50 navios e 7.000 homens. Avisados, haviam os portugueses feito preparativos de resistência e defesa das suas posições; os holandeses, porém, superiores em número e em tática militar, venceram todas as oposições e, nove dias depois (23 de janeiro), estavam senhores da cidade e do porto.

Mas, ainda antes de obterem os holandeses o completo domínio na costa, se começava já a formar em Bom Jesus, localidade mais ou menos eqüidistante de Olinda e do Recife, um núcleo de oposicionistas ao domínio holandês. Aos ataques operados pelos portugueses contra os bem fortificados postos holandeses, conseguiram estes resistir e repelir o inimigo; mas o cerco estabelecido do lado de terra, que cortava todas as comunicações com o interior, em breve começou a produzir uma perigosa escassez de provisões no acampamento holandês.

Com sorte vária, se sucederam, durante anos, os combates, sem que, todavia, se enfraquecesse a posição dos holandeses na costa. Em 1632, a Companhia das Índias Ocidentais mandou ao Recife dois comissários, com instruções para, examinadas as posições holandesas, tomar a deliberação de evacuarem o país, caso não vissem probabilidades de bom êxito para o empreendimento, ou na hipótese contrária, prosseguir na conquista do interior, com mais vigor e energia.

De acordo com as instruções recebidas e decidindo-se pela alternativa da conquista, atacaram os comissários, com bom êxito, as posições dos portugueses e capturaram o forte de Nazareth e a Paraíba, em 1634. Nos anos que se seguiram, conseguiram eles tomar de assalto o campo fortificado que os portugueses tinham fora da cidade; conseguiu, entretanto, o valente chefe português, Mathias de Albuquerque, as melhores condições, retirando-se com honras militares.

Os holandeses não conseguiam dominar por completo um inimigo extremamente móvel, conhecedor da região e que, sobretudo, lhes fazia a guerra de emboscadas. Desesperados de conseguir estabelecer a indústria do açúcar, em que consistia o seu objetivo principal, apelaram os chefes para a Companhia, pedindo-lhe poderosos reforços e um general hábil e competente, para vir assumir, no Brasil, o comando supremo, e firmar definitivamente o domínio da Holanda na nova colônia.

A Companhia satisfez, em parte, esse pedido. João Maurício, conde de Nassau, um dos mais famosos capitães da Holanda, foi mandado ao Brasil; mas, com ele, veio apenas, como reforço, uma pequena frota de 12 navios, com 720 homens. Logo após a sua chegada ao Recife, em janeiro de 1637, distribuiu as forças, de que dispunha, por posições tais, que todos os pontos do território ocupado ficavam protegidos, e foi reservado um corpo especial de 600 homens para incursões no território do inimigo e para resistir às que este fazia no território holandês. Em São Francisco, mandou Nassau construir um forte, em posição excelente e bem artilhado, forte ao qual a História deu o nome de Forte Maurício.

Executadas estas medidas, quis Nassau ir ao interior do país examinar, por si próprio, a verdadeira natureza da região. Desta expedição, resultou tornar-se ele um partidário apaixonado da colonização do território pela Holanda. Em uma carta escrita ao seu parente príncipe de Orange, por ocasião da sua chegada ao Recife, após esta expedição, pedia-lhe para reforçar as representações que, à Companhia, ele, Nassau, dirigia, para lhe serem enviados tantos colonos alemães quantos fosse possível convencer de virem para o Brasil. E, se não fosse possível enviar destes colonos, pedia ainda que se esvaziassem as cadeias e os presídios e se mandassem os criminosos para o Brasil, onde poderiam resgatar os seus crimes com o trabalho honesto e útil.

O esplêndido alvitre dado por Nassau, para que lhe fossem enviados colonos alemães, não foi aceito pelos diretores da Companhia. Tivesse ele tido outro acolhimento e a História do Brasil viria talvez a ser bem diferente daquela que lhe reservou o destino. Um ataque improfícuo à cidade de São Salvador, no qual Maurício perdeu 500 homens, concorreu ainda mais para que não favorecessem os diretores da Companhia os seus ambiciosos desígnios.

Entretanto, Nassau não desanimou com tal revés. Em nova carta aos diretores da Companhia, pediu um reforço de 3.600 homens, de modo a ficarem as forças de que dispunha no Brasil elevadas a 7.000 homens. Os diretores, dizia ele, haviam iniciado cometimentos dignos da época e da nação holandesa, e deviam agora continuar a empresa, de que eram responsáveis. Não tinham atravessado apenas o Rubicon e sim o Oceano; e, ou se perdia tudo, ou então o que se fizesse devia ser completo.

Em conclusão, dizia: "Mandai-me as vossas multidões às novas fortunas, que aqui as esperam; dai as terras aos soldados; colônias surgirão e serão os vossos postos avançados e as suas guarnições. Foi assim que Roma subjugou o mundo!". Foram-lhe recusados os reforços militares; mas o grande soldado e administrador prosseguiu firmemente na sua obra de consolidação do poderio holandês no Brasil. Os êxitos que obteve foram de tal ordem que, em 1639, já os portugueses desesperavam de jamais expulsar os holandeses e reaver o território perdido; e fizeram propostas para o restabelecimento da paz.


Engenho de açúcar primitivo
Imagem publicada com o texto, página 68

Interessante exame sobre as condições das colônias holandesas no Norte do Brasil, neste período, é o que se encontra no relatório dum senador holandês, que pessoalmente as observara. Os holandeses, observou ele, estavam de posse das seis províncias desde Sergipe até o Ceará. A primeira destas províncias havia sido desprezada pelos comandantes holandeses e era realmente de mui pequeno valor; as outras possuíam um forte único, guarnecido por quarenta homens; forneciam, porém, aos holandeses os produtos naturais com que traficavam os indígenas.

Pernambuco, a mais importante das capitanias holandesas, contava cinco cidades: Garassú ou Iguaraçu, Olinda, Recife, Bela Pojuca e Serinhaém; e tinha ainda várias vilas que se podiam considerar pequenas cidades. Antes da invasão holandesa, havia em pleno desenvolvimento cento e vinte e uma plantações de cana-de-açúcar, cada qual formando, por si só, uma aldeia. Mas, com a invasão holandesa e guerras contínuas que se lhe seguiram, trinta ou quarenta destas plantações haviam sido completamente abandonadas. Em Itamaracá trabalhavam ainda quatorze engenhos dos vinte e três que, antes da conquista holandesa, havia funcionando. Havia em todas as capitanias holandesas cento e vinte engenhos de açúcar, em trabalho.

Os cargos para cobrança de impostos eram arrendados pelas seguintes importância: em Pernambuco 148.500 florins; Itamaracá e Goyana, 19.000; Paraíba, 54.000. Uma taxa denominada "pensão", imposta aos engenhos de açúcar em Pernambuco, era arrendada por 26.000 florins. Os pequenos "dízimos", como eram chamados os impostos menores, ascendiam a 280.900 florins.

A cidade do Recife, sede do governo holandês, era um porto de grande movimento. Os seus habitantes encaravam o futuro com a esperança de que a sua cidade se tornasse em uma segunda Tyro, mas compreendiam muito bem que, para haver progresso, era preciso que viessem colonos. "Mandem-nos - diziam eles - os operários e oficiais a que a indústria dos vossos países não pode manter nem satisfazer as primeiras necessidades da vida, ao passo que aqui eles encontrarão meios de enriquecer em pouco tempo".

Três, quatro e seis florins por dia eram os salários pagos aos pedreiros e carpinteiros; e os operários empregados na indústria do açúcar obtinham ainda melhores salários. Três qualidades de homens eram precisas no Brasil: homens com capital a empregar em fábricas de açúcar, artífices e pessoas ao serviço da Companhia, que, quando o deixassem, se ocupassem de agricultura e se estabelecessem sossegadamente, obtendo uma renda tão remuneradora, quanto poderiam obter em seus países de origem.

Observa o referido senador que os holandeses deviam as suas posições mais à fraqueza dos inimigos que à sua própria força. Os soldados, pouco numerosos, andavam semi-nus e mal alimentados. Os mantimentos tornavam-se tão escassos que era preciso ordenar aos indígenas que suprissem o Recife regularmente, sob pena de morte - decreto este que, inevitavelmente, havia agravado o mal que pretendia sanar.

Todas as pessoas que possuíam terras eram obrigadas, por lei, a reservar determinada porção dessas terras para o plantio de mandioca, e quando o não faziam, ficavam sujeitas a penas severas. Foram organizadas listas dos diversos proprietários e nomeados oficiais encarregados de fiscalizar o rigoroso cumprimento do edito. Cada qual era obrigado a apresentar a quantidade que a lei lhe marcava, sete vezes durante o ano; e o preço da mercadoria era determinado duas vezes por semana, pelo Senado.

Entre os rios Capiberibe e Beberibe, existia uma ilha desprovida de vegetação, para a qual Nassau havia lançado as suas vistas, com a idéia de construir um porto em que os navios holandeses se pudessem refugiar, no caso de ser o Recife sitiado. Longo tempo levou Nassau a representar aos diretores da Companhia em Amsterdam, sobre a conveniência de se iniciar o trabalho para conseguir aquele fim; não teve, porém, deles, resposta favorável.

Finalmente, por sua própria iniciativa, mandou plantar a ilha de coqueiros e construiu nela uma moradia para seu uso, a que deu o nome de Fribourg. Mais tarde, conseguiu convencer o Senado a mandar construir na ilha uma nova cidade, para favorecer o desenvolvimento do Recife, que, pelo acúmulo de casas, não podia ser aumentado. Com material trazido das ruínas da antiga Olinda se foi construindo a nova capital, que tomou o nome de Maurícia, em honra ao seu governador.

Era, entretanto, necessário ligar a nova à velha cidade, por meio duma ponte; resolvida esta obra, foi ela dada por contrato. Depois de haver sido despendida a soma de 230.000 florins, o construtor abandonou a obra, desesperado por não achar meio de assentar os alicerces na parte mais profunda do canal. Logo se levantou grande clamor contra Nassau, a quem acusaram de desperdiçar os dinheiros públicos na execução duma obra impraticável. O grande chefe holandês confundiu os seus críticos e reduziu ao silêncio os seus detratores, tomando ele mesmo a empreitada de terminar a construção da ponte, que ficou concluída com o melhor êxito, dentro de dois meses.

Este empreendimento se tornou notável não só pelo próprio valor como também por constituir a primeira ponte construída na América Portuguesa. Não contente ainda com esse importante trabalho, Nassau fez construir segunda ponte sobre o Capiberibe, por onde ficaram estabelecidas as comunicações entre o Recife e a região fronteira através Maurícia. E muito perto dessa ponte, mandou edificar, para sua moradia, uma casa, à qual deu o nome português de "Boa Vista".


Carregadores de outrora
Imagem publicada com o texto, página 69

As propostas de paz, feitas pelos portugueses, às quais já nos referimos, não deram resultado algum. Antes de findar o ano de 1639, já se preparavam os portugueses, com a organização duma das maiores expedições, que até então haviam enviado ao Brasil, com o objeto único de aniquilar o poderio holandês, estabelecido no Recife.

D. Fernando de Mascarenhas, conde da Torre, foi o escolhido para comandar esta poderosa expedição, ao mesmo tempo que vinha assumir o governo geral do Brasil. A esquadra, composta de 87 navios com 2.400 peças de artilharia, era forte bastante para dominar os holandeses. Todavia, depois de pequenas operações, achou-se Mascarenhas em situação tal que preferiu voltar à Europa. Chegando a Lisboa, foi encarcerado.

O estado de coisas conservou-se praticamente estacionário até 1640, quando foi dado à casa de Bragança o trono de Portugal, por longos anos usurpado pela família real espanhola.

Quando Nassau recebeu a notícia da restauração da família real portuguesa, deu ao portador uma recompensa e tomou parte saliente no regozijo público, que se expandiu durante três dias. Algum tempo depois, com a chegada dum navio holandês trazendo a notícia de haver sido concluída uma trégua de dez anos entre Portugal e a Holanda, o contentamento dos colonos, tanto portugueses como holandeses, aumentou ainda mais.

Entretanto, como os acontecimentos logo o provaram, nem os portugueses nem os holandeses tinham grandes motivos para congratulações. Poucos meses após a conclusão da trégua, delegados comissionados pelo governo de Lisboa chegaram ao Recife e iniciaram negociações com o conde Maurício de Nassau para a restituição dos territórios portugueses, que os holandeses haviam conquistado, sob o pretexto de que Portugal agira constrangido, fazendo guerra à Holanda.

O comandante em chefe holandês, que havia recebido instruções secretas para estender as suas conquistas na medida do possível e especialmente para se apoderar da Bahia, deu aos comissários portugueses respostas vagas e nada satisfatórias. Voltando à Bahia, os comissários portugueses avisaram as autoridades dessa cidade de que os holandeses pretendiam enganá-las e de que se deviam preparar, pois não tardaria que eles atacassem os portugueses.

Efetivamente, os holandeses, com uma divisão de quatro navios, surpreenderam Sergipe e aí estabeleceram uma guarnição sua. Em vão o governo de Lisboa protestou. O conde Maurício de Nassau, com a convicção plena de que os seus atos estavam de perfeito acordo com a política holandesa, prosseguiu na sua tarefa de estender e consolidar as conquistas dos holandeses no Brasil.

Os seus ambiciosos planos, duma vastidão imensa, e que iam até o sonho dum ataque a Buenos Aires, eram todavia anulados pela inatividade dos diretores da Companhia em Amsterdam, os quais se recusavam a fornecer os fundos necessários. Alguns revezes sofridos pelas armas holandesas, devido a uma injustificada confiança nos colonos, de modo nenhum podiam ter concorrido para melhorar as condições dos holandeses no Brasil.

Finalmente, em 1644, voltou Maurício de Nassau à Europa, com a esperança de poder, com a sua presença, obter os recursos indispensáveis à manutenção das conquistas holandesas. A mesma frota que o transportou conduzia nada menos de mil e quatrocentas pessoas de todas as classes e profissões, civis, militares e eclesiásticas.

Este grande êxodo abriu o epílogo do domínio holandês na América do Sul. Uma grande oportunidade de expansão havia sido desprezada e, com o conde de Nassau e seus companheiros, ia também a última esperança da fundação dum império holandês no Brasil. Mal decorrido um ano após a partida do conde de Nassau, estava o país inteiro envolvido numa guerra de extermínio e a custo se mantinham os holandeses por traz das suas fortificações, combatendo mais para salvar as vidas, que para defender as colônias.

O espírito dirigente do lado dos portugueses - ou, melhor, do lado dos brasileiros - era João Fernandes Vieira, natural da Madeira, mas emigrado em criança para o Brasil. João Fernandes Vieira, que havia adquirido considerável fortuna em Pernambuco, gozava da estima tanto dos portugueses como dos holandeses e, tratado com habilidade, poderia ter-se tornado um poderoso sustentáculo da administração dos holandeses no Brasil. Tendo, porém, sofrido uma série de humilhações, Vieira, num momento de raiva, matou um soldado holandês; e, receando as conseqüências do seu ato, fugiu e começou a dedicar-se inteiramente a promover uma sublevação contra o governo holandês.

Em pouco tempo granjeara Vieira considerável número de partidários. Instituindo um sistema de guerrilhas, aos quais os brasileiros se adaptavam maravilhosamente, começou a devastar o território holandês de tal modo que, em curto espaço, não restavam aos invasores senão as posições fortificadas de todo o vasto território, em que antes exerciam a sua autoridade.

Pedidos de auxílio feitos à Holanda não eram ouvidos ou então atendidos apenas com diminutos socorros. Finalmente, foi a situação perigosa das colônias holandesas no Brasil reconhecida em Amsterdam; e em 1648, foi enviada ao Brasil uma esquadra com 6.000 homens, encarregada de recuperar o território perdido. Os brasileiros, sob o hábil comando de Vieira, tinham as suas posições nos Guararapes, os quais formavam uma série de colinas que, por sua disposição particular e condição pantanosa do terreno entre o ponto em que ficavam e o mar, se constituíam uma esplêndida posição para a defensiva.

Os holandeses, confiantes no seu número e desprezando a tática inimiga, lançaram-se ousadamente ao ataque desta posição. Foram recebidos com um fogo terrível e, finalmente, quando contavam já 1.200 mortos e tinham ferido o seu general Schoppe, retiraram-se. Esta vitória redundou num aumento de prestígio para a causa brasileira e fortaleceu o espírito das tropas. Não só viram os brasileiros as suas fileiras extremamente reforçadas, mas também em Portugal começou a estabelecer-se uma forte corrente de opinião, para que fossem os odiados holandeses expulsos do Brasil.

Por sugestão de Vieira, foi fundada em Lisboa uma companhia com o título de Sociedade Brasileira de Portugal, com o objetivo de ajudar os brasileiros na empresa da reconquista do seu solo. Sob os auspícios desta sociedade, foi reunida e equipada uma esquadra, que partiu para o Brasil, em auxílio das forças locais.

Poucos dias antes da sua chegada ao Brasil, no ano de 1649, empregaram os holandeses um esforço supremo para reaver as antigas posições. Segunda vez se encontraram com os brasileiros nos Guararapes e, ainda desta, sofreram uma derrota desastrosa. Nesta batalha, foi morto o general holandês e ficaram mortos no campo da batalha 1.100 homens. Esta derrota aniquilou irremediavelmente o poderio holandês no Brasil; os brasileiros capturaram 19 estandartes e todas as armas e munições dos holandeses.

A vitória dos brasileiros, na segunda batalha dos Guararapes, decidiu da sorte das colônias holandesas. Por trás de suas fortificações no Recife, conservaram ainda os vencidos, durante alguns anos, um simulacro de autoridade. A 23 de janeiro de 1654, porém, depois duma luta prolongada, foi essa praça-forte finalmente entregue por Schoppe, comandante holandês, ao infatigável Vieira. Este recebeu as chaves dos fortes, cujo número se elevava a setenta, e como muito bem diz o historiador: "Foi das mãos de João Fernandes Vieira que Francisco Barreto, vice-rei português, recebeu esta cidade e a coroa portuguesa o seu império no Brasil".

Durante alguns anos ainda, duraram as hostilidades entre portugueses e holandeses, mas as ações navais passaram-se longe do Brasil, em águas européias. A paz definitiva foi assinada em 1661, sendo, pelos bons ofícios da Inglaterra, concluído um tratado, pelo qual pagara Portugal uma indenização de quatro milhões de cruzados em dinheiro, açúcar, tabaco e sal, do modo que mais lhe conviesse, e se obrigava a restituir toda a artilharia tomada aos holandeses no Brasil, que estivesse marcada com as armas da Holanda ou da Companhia das Índias Ocidentais.

O motivo principal que levou a Holanda a renunciar às conquistas que havia feito no Brasil foi a tomada de Ceilão aos portugueses, que se deu precisamente nesta época, e outras conquistas efetuadas no Oriente e de imenso valor para ela. Assim este glorioso sonho de ambição se desvaneceu como tantos outros na história dos empreendimentos coloniais.

Leva para a página seguinte