Uma "derrubada"
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História (B)
Por Arnold Wright
Capítulo II
Os franceses e os ingleses no Brasil
Antes do período descrito nos últimos parágrafos do
capítulo inicial, se havia já tornado o Brasil regularmente conhecido das nações comerciantes do Velho Mundo. Navios, a
intervalos regulares, atravessavam o Atlântico, atraídos pela abundante colheita que esperava no Brasil o comerciante, quando este se sabia
contentar com os produtos naturais duma das mais férteis regiões da Terra.
Nem sempre estas viagens eram coroadas de bom êxito; em geral, porém, concorriam para se espalhar
por toda a parte uma fama de riqueza que não podia escapar aos governos europeus. Bem cedo, voltou a Inglaterra as suas vistas para esta nova e
vasta região da América do Sul.
Já em 1530, William Hawkins (cujo nome está ligado à destruição da famosa Grande Armada espanhola)
fez uma viagem ao Brasil, num navio de 250 toneladas de deslocação, denominado Pole. Dizem dele "que
soube ser prudente e procedeu com habilidade para com aqueles povos selvagens; e que adquiriu as suas boas graças e amizade, a ponto de querer um
daqueles reis selvagens tomar passagem no seu navio". Este rei foi de fato trazido por W.
Hawkins à Inglaterra, em 1531, e levado a Londres, onde foi apresentado ao rei Henrique VIII em Whitehall.
Conta a história que, ao avistarem-no, o monarca inglês e a sua Corte "ficaram
um tanto maravilhados e não sem razão, por verem, nas suas faces, orifícios, pelos quais passavam pequenos ossos, saindo estes cerca duma polegada
de cada lado. Tal costume denotava, naquelas terras, uma grande bravura".
À expedição de Hawkins se seguiram outras, às quais a Inglaterra ligava grande interesse. Em 1540,
mais ou menos, de acordo com Hakluyt, "a cômoda e rendosa viagem para o Brasil era
ordinariamente empreendida por M. Robert Reniger, M. Thomas Barey e outros negociantes importantes e ricos de Southampton. Um tal Pudsey daquela
localidade, dizem, fez uma viagem à Bahia em 1542 e construiu um forte a pequena distância daquela cidade".
Destas referências se conclui que evidentemente existiam já comunicações constantes entre a Inglaterra e o Brasil, meio século após o seu
descobrimento. Entretanto, não passavam essas viagens de meras aventuras comerciais, as quais não deixaram impressão alguma na história do país.
Coube à França dar ao Brasil o primeiro impulso à sua colonização, aparte os esforços para esse
fim empregados por Portugal. Neste empreendimento civilizador, se aliavam de modo curioso o sentimento religioso e o interesse comercial. O promotor
da primeira aventura foi Nicolas Durand de Villegaignon, o qual havia comandado a galera que levara a rainha dos escoceses, Maria, à sua pátria.
Como voluntário numa das numerosas expedições dos portugueses ao Brasil, havia ele adquirido aprofundado conhecimento do país e, com esse
conhecimento, elevada opinião dos seus recursos naturais.
As belezas naturais da baía do Rio de Janeiro e a fertilidade da região circunvizinha o haviam
particularmente impressionado; e num momento de inspiração, ocorreu-lhe a idéia de fundar uma colônia de protestantes franceses naquele local.
Submeteu o seu plano a Coligny, que o ouviu favoravelmente: com o valioso auxílio do velho almirante e por influência sua, grande número de famílias
huguenotes abraçaram a idéia de se tornarem colonos; e em 1555, saía Villegaignon do Havre, com três navios, cheios de marinhagem e colonos
huguenotes.
Uma forte tempestade que apanhou a frota pouco depois de deixar esta o porto, d'algum modo abateu
a resolução de muitos expedicionários; de modo que, ao tocarem os navios em Dieppe, para se refazerem, houve um êxodo considerável de colonos
arrependidos. Os que ficaram a bordo foram, entretanto, suficientes para promover a fundação duma colônia no Rio de Janeiro, onde, apenas chegados,
construíram um forte a que deram o nome de Coligny, em honra ao seu chefe e protetor.
A princípio correram os negócios da nova colônia do melhor modo e parecia coroada do melhor êxito
a aventura. Os índios Tamoios, que odiavam os portugueses, deram-lhes cordial acolhimento e fizeram causa comum com os franceses. Eram tão
brilhantes as promessas da colônia, que já os franceses pensavam ter o Brasil inteiro ao seu dispor, bastando-lhes o trabalho de o ocupar; e
chegaram até a dar à nova possessão um nome característico: "La France Antarctique".
Em França, com uma rapidez febril, eram adotadas medidas para reforçar e firmar o domínio da nova
colônia. Especialmente em torno das igrejas protestantes se desenvolvia grande interesse pela "ocupação amigável". Genebra enviou um contingente de
ministros e estudantes para servir na nova colônia e os huguenotes franceses deram grande parte dos seus haveres para auxiliar a nova expedição.
Grande corpo de expedicionários partiu finalmente para o Novo Mundo. Em Honfleur a população amotinou-se e tentou destruir a frota; e os emigrados
só escaparam a esse perigo, para incorrer noutro igualmente formidável, com o encontro duma esquadra portuguesa, que os atacou pelas alturas das
costas brasileiras. Repelindo o assalto dos navios portugueses, chegaram os expedicionários finalmente ao Rio de Janeiro.
As esperanças de gozar, no Brasil, de liberdade religiosa, foram logo dissipadas pela conduta de
Villegaignon que, demonstrando um intransigente ódio religioso, começou a perseguir os recém-chegados. Desenganados dum melhor futuro, pediram os
colonos para voltar à França. Foi-lhes dado um navio pessimamente equipado, no qual embarcaram grande parte dos descontentes que chegaram à França
justamente a tempo de impedir a partida duma expedição de 10.000 franceses protestantes e muitos flamengos, prestas a seguir para a América do Sul.
Os colonos, que haviam ficado no Brasil, eram de tal modo maltratados e perseguidos por
Villegaignon e seus partidários, que muitos deles se passaram para os portugueses, preferindo, dos dois males, o menor. Em breve a colônia francesa,
fundada sob tão bons auspícios, estava reduzida á sua mais crítica situação. E em 1560, o governador geral Mem de Sá, acompanhado por Nóbrega,
atacou a Ilha de Villegaigon, que tomou e demoliu.
Durante algum tempo, os franceses se conservaram no continente, para onde haviam fugido; e mais
tarde conseguiram, com o auxílio dos índios, voltar á sua posição primitiva na Ilha de Villegaignon, onde se conservaram até 1567. Nesse ano, o
enérgico governador geral os expulsou de novo e definitivamente. A expulsão definitiva dos franceses deu-se a 20 de janeiro de 1567, dia de São
Sebastião, padroeiro da cidade fundada por Estácio de Sá, sobrinho do governador geral, em 1565, entre o Pão de Açúcar e Morro de São João.
Depois da expulsão dos franceses, mudou Mem de Sá a cidade para as imediações do Morro do Castelo,
conservando-lhe o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro. Sem a perseverança do governador geral Mem de Sá, e o zelo infatigável de Nóbrega e
Anchieta, talvez fosse francês o território onde hoje se ergue a grande metrópole brasileira.
Logo que firmou a sua vitória, voltou Mem de Sá a atenção para a organização da nova cidade, que,
como dissemos, transferira para melhor situação, na baía do Rio de Janeiro, cujo valor finalmente os portugueses reconheciam. Começou também a
levantar fortificações de ambos os lados da baía, obras essas executadas pelos índios sob a direção dos jesuítas, sem nenhuma despesa para o Estado.
No meio da cidade, em local excelente, concedeu o governador geral aos jesuítas terreno para a
construção dum colégio, fazendo-lhe também, de acordo com os desejos reais, uma doação para o sustento de cinqüenta irmãos da Companhia - o que,
seja dito de passagem, bem haviam os jesuítas merecido; esta doação foi, em Lisboa, ratificada no ano seguinte.
Assumiu o alcaide-mor da nova cidade as suas funções com as formalidades usuais, entregando-lhe o
governador geral as chaves da cidade. Em seguida, passou o alcaide para dentro das portas da cidade, que fechou, ficando da parte de fora o
governador. Depois, perguntou o alcaide, ao governador, quem era e se desejava entrar na cidade; ao que respondeu Mem de Sá, dizendo que era o
capitão-mor da cidade de São Sebastião onde, em nome de el-rei, desejava entrar. Foram-lhe então abertas as portas, em reconhecimento de ser ele
capitão-mor da cidade e fortalezas d'el-rei de Portugal.
Em 1569, foi nomeado Luiz de Vasconcellos para suceder a Mem de Sá. Ele, porém, não chegou a tomar
conta do seu cargo, pois, além das tempestades e a peste, que arrasaram os navios que os traziam, com mais 69 jesuítas, os corsários franceses e
ingleses os acabaram de aniquilar.
D. Luiz de Vasconcellos morreu combatendo; e dos jesuítas, um escapou, apenas, por ter ficado numa
das escalas que a frota fizera, chegando mais tarde ao Brasil com a notícia da catástrofe. Mem de Sá esperou em vão a chegada do seu sucessor; e
quando teve notícia do desastre, resolveu, apesar do seu mau estado de saúde, conservar-se no posto, até que fossem tomadas medidas para o
substituir. Viveu justamente o necessário para ver a chegada do seu sucessor, Luiz de Brito e Almeida. Teve Mem de Sá, em seus últimos anos de vida,
a mortificação de assistir à negligência com que era tratada a magnífica colônia que, em tão grande parte, ele ajudara a desenvolver e a organizar,
para Portugal.
"Em vez de surgirem novos estabelecimentos
- diz Southey - pelo contrário, os antigos caíam em decrepitude. As frotas, que anualmente
traziam colonos moços, fortes e industriosos, tinham deixado de vir às costas do Brasil; e a Metrópole parecia desinteressar-se da sorte das suas
colônias. Não só não eram tomadas medidas para enviar tropas às colônias e assegurar-lhes a prosperidade, mas tudo o mais a seu respeito dizia pouco
caso e ingratidão; e os serviços prestados no passado não recebiam recompensa e eram esquecidos".
Um ataque de índios cavaleiros
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Antes da chegada de Luiz de Brito ao Brasil, havia o governo português resolvido dividir a colônia
em dois governos, A parte a começar da capitania de Porto Seguro para o Sul, tendo por capital a cidade do Rio de Janeiro, foi confiada ao governo
do dr. Antonio Salema; a outra, abrangendo o resto da colônia, isto é, as capitanias do Norte com a cidade de São Salvador da Bahia por capital, foi
confiada a Brito de Almeida.
Na prática, essa dualidade de governos no Brasil mostrou-se cheia de inconvenientes; e, nos
últimos tempos do governo de Brito e Almeida, ficou o antigo governo com o supremo poder na Bahia novamente estabelecido.
Aquela divisão de forças produzira, entretanto, um resultado importante; determinara a extinção
completa da influência francesa na costa do Brasil. Tendo reunido uma força de 400 portugueses e 700 índios, marchou o dr. Antonio Salema contra os
franceses, que tinham ainda um estabelecimento na costa.
Os franceses viram-se impotentes para resistir e renderam-se, sob a condição de lhes serem as
vidas poupadas. Observaram os portugueses o tratado; os tamoios, porém, aliados dos franceses, foram batidos e tal carnificina neles fizeram os
portugueses, que, dessa época em diante, por assim dizer, desapareceu por completo a referida tribo.
O declínio do poderio francês no Brasil coincide com o aumento da
influência inglesa. Um inglês, chamado John Whithall, casado e estabelecido em Santos, tendo obtido licença do governo português, para que um navio
inglês lhe trouxesse mercadorias, enviou aos seus amigos na Inglaterra uma lista de gêneros que não havia à venda em Santos. Foi enviado o navio
Minion of London e a sua tripulação recebeu em Santos o melhor acolhimento possível.
Havia realmente as melhores disposições entre ingleses e portugueses. Durante a estadia do navio
no porto, deu-se um alarme, correndo que quatro navios franceses expulsos do Rio de janeiro pretendiam atacar Santos; os ingleses emprestaram armas
e munições para a defesa da cidade. "Nem mesmo a intransigência religiosa
- diz conhecido escritor - impedia o comércio das boas relações, a ponto que um inglês foi
enterrado na Igreja, sem que houvesse oposição por parte do clero; e, quando de São Sebastião receberam ordens para não ser permitida aos ingleses a
entrada na Igreja, por serem eles heréticos, o clero de Santos, comunicando esta deliberação dos seus superiores, exprimia o seu pesar, não só pela
proibição, como também pelo motivo que a causava, e pedia aos ingleses que não formassem por isso má opinião a seu respeito".
Infelizmente, as boas relações entre as duas nacionalidades não tiveram duração muito longa. Uma
expedição destinada às Índias Ocidentais e China, sob o comando de Edward Fenton, desviou-se para a costa do Brasil. Estavam os navios em grande
necessidade de víveres; e, tendo sabido, por um navio espanhol, que aprisionaram e depois soltaram na altura do Rio da Prata, que poderiam obter
provisões no interior do rio, para lá se dirigiram, sem, porém, encontrar coisa alguma.
Resolveram então dirigir-se a São Vicente, sem levar nenhumas intenções hostis. Giuseppe Doria,
sogro de Withall, veio ao seu encontro com dois dos principais habitantes da cidade, e depois desta visita amigável, Furton
(N.E.: a partir deste ponto, o autor, por engano, passou a grafar desta forma o nome Fenton)
foi à terra, para escolher um lugar onde pudesse o ferreiro de bordo estabelecer a forja, e onde pudessem os fornos portáteis ser colocados, para
preparar os seus biscoitos.
No dia seguinte, Whithall veio a bordo e lhes comunicou que os portugueses tinham feito retirar as
mulheres e fortificado a cidade; e aconselhou-os a aproximar-se sem perda de tempo e a ancorar diante da cidade. Logo depois, vieram Doria e um
português, dizendo que o governador receberia Fenton dentro de poucos dias, para se entender com ele; entretanto, podiam os ingleses continuar com
os seus trabalhos de calafetagem, carpintaria, reparos necessários; não deviam, porém, levantar a forja ou os fornos sem se terem entendido com o
governador.
Fenton discutiu com o seu imediato se devia ou não reter os homens, como prisioneiros; foi, porém,
dissuadido daquele propósito, em razão de que tal procedimento destruiria todos os projetos comerciais e tenderia a tornar os ingleses ainda mais
odiados pelos portugueses do que pelos espanhóis, que os consideravam piratas.
Infelizmente, porém, o navio que Fenton havia aprisionado e depois relaxado, encontrou-se com
Flores, e os navios deste oficial foram enviados em perseguição dos navios corsários ingleses. Chegaram os espanhóis duas horas depois que Doria e o
seu companheiro tinham sido despedidos por Fenton, com presentes para si e para o governador.
Preparam-se imediatamente os ingleses para o combate, que principiou logo e durou enquanto a lua
iluminou suficientemente, para que se enxergassem os inimigos. No fim da ação, havia sido metido a pique um dos navios espanhóis. No dia seguinte,
os navios ingleses retiraram-se da enseada e fizeram-se ao largo.
Este ataque aos navios ingleses deu motivo a represálias. Três anos depois, uma expedição
organizada em Plymouth, comandada pelo duque de Cumberland e tendo como imediato sir Walter Raleigh, apareceu no Rio da Prata e, depois de capturar
três navios portugueses, dirigiu-se à Bahia. Os aventureiros viram falha a sua tentativa para se apoderarem da cidade; mas, durante a sua estadia de
seis semanas no porto, causaram grandes prejuízos ao Recôncavo, que saquearam em todas as direções.
Alguns anos após este episódio, no ano de 1591, apareceu Cavendish, conhecido navegante inglês,
nas costas do Brasil, fazendo uma espécie de guerrilha naval, muito aproximada da pura pirataria. Em Santos, surpreendeu os habitantes desprevenidos
durante a missa e aprisionou-os no interior da igreja, enquanto os seus marinheiros saqueavam a cidade. Em seguida, dirigiram-se os navios ingleses
a São Vicente, que foi incendiada, e ficaram, algum tempo, cruzando ao longo da costa.
A falta de provisões obrigou Cavendish a aproximar-se novamente da costa, onde desembarcou, a três
léguas da cidade, vinte e cinco homens, com instruções para se apoderar de toda a sorte de provisões que encontrassem. Parece que este destacamento
foi atacado e aniquilado; em todo o caso, nem um só homem regressou a bordo.
Voltou então Cavendish a sua atenção para o Espírito Santo, que muito desejava ocupar. Uma força
de 80 homens, sob o comando do capitão Morgan, foi enviada, em botes, para o interior do porto, com instrução para não desembarcar sob pretexto
algum. Três navios portugueses, que estavam ancorados no porto, próximo à cidade, pareciam oferecer uma presa rica e fácil; os homens de Morgan,
porém, não quiseram operar o ataque, antes do clarear do dia que já vinha próximo. Na manhã seguinte, verificaram os ingleses que os navios haviam
sido retirados para um ponto de difícil acesso; e para os defender, haviam os portugueses erguido trincheiras protegidas pelas rochas e as matas.
Vendo Morgan a formidável aparência destas defesas, tentou retirar-se; acusado, porém, de covardia
pelos seus homens, resolveu dar o desembarque. Apenas desembarcaram, foram os ingleses recebidos por um fogo cerrado de que resultou a morte dum
homem e grave ferimento em outro. Foi então resolvido fazer-se um ataque simultâneo às duas baterias, que dominavam a praia. Operou-se o assalto com
pleno êxito para os ingleses, em uma das baterias; mas a guarnição da outra, constituída de portugueses e índios, rolava grandes pedras sobre Morgan
e sua gente, que procuravam escalar as trincheiras. Dos ingleses, todos morreram ou ficaram feridos; e os sobreviventes bateram precipitadamente em
retirada para os seus botes, seguidos por uma nuvem de flechas, que do forte atiravam os índios.
Cavendish, em sua relação sobre a importante ação, considera o capitão responsável por tal
deserção "o vilão mais covarde que uma mulher deu à luz"; e em linguagem patética relata como alguns dos homens, que haviam ficado abandonados na
praia, quando mais precisavam de auxílio, entravam n'água até lhes dar esta pelo pescoço, na vã esperança de que os tomassem a bordo dos botes. "Assim
foram voluntariamente perdidos estes homens", diz ele, fazendo o sumário da sua narrativa.
Depois deste desastroso ataque, deixou Cavendish a costa do Brasil. Morreu em viagem, quando voltava para a Inglaterra, mais de desespero que de
qualquer doença.
Outro episódio anglo-brasileiro, mas de resultado bem diferente, foi conduzido, da parte dos
ingleses, por sir James Lancaster, que mais tarde se devia tornar afamado como o primeiro governador geral da East India Co. Lancaster, tendo sob o
seu comando três navios, dos quais o maior tinha apenas 240 toneladas, e o menor 60, resolveu seguir para Pernambuco, porto que lhe parecia oferecer
as melhores probabilidades para um ataque feliz e lucrativo.
Em caminho, soube também que um galeão, com rico carregamento, havia naufragado na costa e que o
seu carregamento havia sido transportado para o Recife, porto de Olinda. Resolveu imediatamente fazer daquele carregamento o primeiro objetivo do
seu cruzeiro. Tendo-se encontrado com uma frota de cinco navios corsários, sob o comando do capitão Vener, conseguiu convencê-lo a tomar parte na
aventura.
Reunidas as duas esquadras, seguiram para o Recife, e chegaram a esse porto a meio duma noite de
fins do mês de março. Três navios de carga holandeses estavam fundeados à entrada do porto e, deles, receava Lancaster alguma resistência. Não
ofereceram os holandeses oposição alguma e até retiraram para o lado os seus navios, de modo a permitir a passagem dos ingleses. Mais ou menos ao
meio dia, mandou o governador da cidade uma mensagem, a perguntar o que queriam os ingleses. Respondeu Lancaster que queria o carregamento do galeão
naufragado e as mercadorias que pudesse tomar, como em breve veria o governador.
Entretanto, haviam os portugueses guarnecido os fortes, que defendiam a entrada do proto, com
cerca de seiscentos homens. Vendo que o combate seria provavelmente muito porfiado, mandou Lancaster que a sua gente, ao abordar, jogasse com força
os botes contra a praia, de modo a inutilizá-los, não lhes restando assim esperança, senão em Deus e nas suas armas.
Cerca de duas horas da tarde, com a ajuda da maré, começou o combate, dirigido por Lancaster em
pessoa. No forte, guarnecido pelos portugueses, existiam sete canhões; este, porém, tinham-nos eles tão mal dispostos, que os tiros se perdiam,
inofensivos, na areia. Os ingleses atiraram-se para a frente, para dar o assalto ao forte; diante dessa arremetida, perderam os portugueses a
coragem, retiraram-se para um mato próximo e, finalmente, perseguidos, fugiram.
Deu então Lancaster o sinal para entrarem os navios; e, deixando uma divisão no porto, com os seus
canhões virados para Olinda, de onde receava lhe pudesse advir perigo, marchou sobre o Recife. À sua aproximação, a população embarcou em caravelas
e botes e abandonou a cidade, deixando cair em poder de Lancaster o rico carregamento do galeão e grande número de mercadorias, produtos da
localidade.
Compreendendo Lancaster que lhe levaria algum tempo o dispor das mercadorias aprisionadas, tomou
logo medidas para ocupar a cidade. Procuraram os portugueses entrar em negociações com o chefe inglês; este, porém, recusou-se a entrar em acordo e
rudemente os repeliu, mandando dizer, por um dos parlamentares, que faria enforcar qualquer outro mensageiro que lhe enviassem, com a missão de
propor acordos.
Nesse intervalo, os portugueses de Olinda mandavam rio abaixo brulotes, com o fim de incendiar os
navios ingleses; mas Lancaster, que havia previsto tal hipótese, conjurara o perigo, fazendo estacionar seis botes munidos de fateixas e correntes
de ferro com as quais foram os brulotes apreendidos.
Na véspera da partida das esquadras, um forte destacamento, de cerca de trezentos homens, que fora
a terra, com o fim de reconhecer uma posição inimiga, caiu numa emboscada; e foram chacinados cerca de 35 homens, entre eles o vice-almirante
Barker, o seu tenente e dois capitães franceses. à tarde, a frota, compreendendo onze navios, todos carregados com opulentos despojos, levantou
âncora e fez-se ao largo.
A chegada, sem outra novidade, dos navios de Lancaster à Inglaterra produziu grande sensação nos
meios comerciais. E foi em boa parte devido ao grande resultado trazido aos armadores por esta expedição de Lancaster, que ele deveu o ser-lhe
confiada, pelos comerciantes de Londres, a direção e comando da memorável expedição que estabeleceu na Índia Oriental as bases do poderio inglês.
Índios atiradores de arco e flecha
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A sujeição de Portugal à Espanha, que havia acarretado para o Brasil as hostilidades dos ingleses,
como o mostram as expedições que vimos de narrar, também deixou o país à mercê dos ataques dos franceses. Em 1583, um grupo de aventureiros desta
nacionalidade se estabeleceu na Paraíba. Receosos dessa perigosa vizinhança, insistentemente os habitantes de Pernambuco e Itamaracá pediram
socorros às autoridades da Bahia.
Sucedeu que, por essa ocasião, se achasse naquele porto uma expedição, sob o comando de Diego
Flores de Valdez, enviada por Felipe II de Espanha, para impedir a passagem do Estreito de Magalhães a Drake, cujas manobras tinham suscitado
receios dum ataque ao Peru.
Manoel Telles Barreto, nessa época governador geral, conseguiu obter o auxílio da esquadra
espanhola, na expedição para expulsar os franceses da Paraíba. Quando a esquadra apareceu em frente à Paraíba, havia no porto quatro navios
franceses. Compreendendo a inutilidade de qualquer tentativa de resistência, os franceses deitaram, eles próprios, fogo aos seus navios e
recolheram-se à terra.
Desembarcou Flores poderosa força, a qual, tendo-se juntado à expedição, que seguira por terra,
atacou as posições dos franceses. Depois de grande resistência, foram essas posições conquistadas. Mas, pouco tempo depois, reunia o general em
chefe da forças francesas no Brasil uma expedição e reconquistava a posição. E sem caráter decisivo, continuaram as hostilidades, no Brasil, entre
portugueses e franceses, durante alguns anos.
Entretanto, eram gradualmente sacrificados os interesses do país, em razão da perniciosa união com
a Espanha, a que fora forçado Portugal. Não se importavam absolutamente os espanhóis com o grande território que havia entrado para o seu domínio.
Não tinha os atrativos de opulência e riqueza existentes no México e no Peru, cujas riquezas metálicas, correndo sem cessar para os cofres da
Espanha, lhe haviam dado uma época de alto e crescente esplendor.
Entretanto, já neste período estava o Brasil longe de ser um país de pouco futuro, e um grande
comércio de produtos seus se desenvolvia e atraía todas as nações comerciais da Europa. A população de brancos era já grande e tendente a aumentar,
em considerável escala. Segundo o cálculo feito, em 1585, pelo padre Anchieta, havia em todo o Brasil, por essa ocasião, 25.000 indivíduos de
descendência européia, metade dos quais fixada na Bahia e 8.000 em Pernambuco.
Agregados à população branca, existiam cerca de 19.000 índios civilizados e 13.000 negros,
escravos. A totalidade da população, sujeita à jurisdição colonial, subia a cerca de 57.000 almas. Os laços entre Portugal e a colônia, mantidos
pelo governo colonial, de nomeação da metrópole, persistiram sempre, ao longo dos anos da decadência portuguesa.
Para conservar um bom seguimento na narrativa, convém dar aqui uma lista ordenada dos governadores
gerais, a partir do período da administração de Mem de Sá e da de Luiz de Brito e Almeida, o qual em 1572 foi substituído por Diogo Lourenço da
Veiga. Coube a este o pesado e difícil encargo de administrar a colônia nos primeiros anos do domínio espanhol, quando, do lado da metrópole, não
vinha sombra de auxílio.
Morreu Lourenço da Veiga em 1581, passando a autoridade ao Senado da Câmara e ao ouvidor geral,
Cosme Rangel de Macedo. Esta junta governativa administrou a colônia durante dois anos, até a chegada do novo governador geral Manoel Telles
Barreto, o qual morreu em 1587, sucedendo-lhe uma segunda junta, de caráter provisório, composta pelo bispo d. Antonio Barreiros, do provedor-mor
Christovão de Barros, e do ouvidor geral Antonio Coelho de Aguiar.
Foi então escolhido para governador geral Francisco Geraldes, donatário da capitania de Ilhéus,
que não chegou a assumir o governo. Em seu lugar foi nomeado d. Francisco de Souza, a quem sucedeu Diogo Botelho, que governou o Brasil até 1607 e
teve por sucessor d. Diogo de Menezes.
Em 1608, recebeu d. Diogo de Menezes ordem para proceder a divisão do Brasil em dois governos,
ficando ele com as capitanias do Norte e d. Francisco de Souza com as do Sul. A d. Diogo de Menezes sucedeu, no Norte, Gaspar de Souza; e a d.
Francisco de Souza, no Sul, seu filho d. Luiz de Souza, que veio a reunir novamente os dois governos em um só, geral, de 1617 a 1622.
Era realmente uma tarefa de grandes dificuldades e embaraços a destes governadores. Com a renda
colonial diminuindo de ano para ano, tinham eles de acorrer às despesas de administração e ao mesmo tempo aos gastos para a resistência aos ataques
que a colônia sofria, no interior e no exterior. A costa estava infestada por corsários e o comércio era feito em condições dificílimas. Eram tais
os agentes de desintegração que por todos os lados atacavam a colônia, que por vezes os chefes do governo desesperaram de a manter intacta.
Um dos mais acirrados inimigos do Brasil, no século XVI e princípios de XVII, foi a França. Como
já tivemos ocasião de notar, fez este país esforços persistentes, para conseguir estabelecer-se permanentemente na costa do Brasil. Em 1612, uma
expedição formidável sob o comando do barão de Lancy atacou a ilha de Sant'Anna próximo à costa do Maranhão. Desembarcaram os franceses na costa do
Maranhão e levantaram uma cruz, ao lado da qual, em sinal de posse, desfraldaram a bandeira francesa.
Sob o comando de Jerônimo de Albuquerque, foi uma expedição portuguesa enviada ao Maranhão. Aí
chegando, construiu Jerônimo de Albuquerque um forte em Jurorácoácoára, ao qual deu o nome de N. Senhora do Rosário. Mandou, em seguida, um navio
reconhecer a posição dos franceses. Antes da volta desse navio, apareceram os navios inimigos, que foram rechaçados, indo em seguida os portugueses
atacá-los na cidade de São Luiz do Maranhão, fundada pelos invasores.
Depois de vários combates, sem caráter decisivo, ficou acordado enviarem-se dos dois lados
delegados à França e Espanha, para ser submetida a julgamento, nas respectivas metrópoles, a questão de propriedade do território. Antes que
pudesse, porém, ser levado avante o acordo, recebeu Jerônimo de Albuquerque reforços importantes, vindos da Bahia, Pernambuco e da metrópole.
Compreendendo os franceses a impossibilidade de resistir, renderam-se nas melhores condições que lhes foi possível obter e evacuaram as suas
posições Foram-lhes fornecidos os navios necessários para o transporte de todas as suas forças, as quais voltaram para a França, à exceção d'alguns
homens que, casados com mulheres indígenas, preferiram permanecer no país.
Tipos primitivos
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