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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [08-A]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 59 a 63, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte


Praça do Palácio, Rio de Janeiro, 1839
Imagem publicada com o texto, página 59

História

Por Arnold Wright

Capítulo I

O Descobrimento - As Capitanias - O Governo Geral

as grandes áreas da superfície da Terra, nenhuma excede a República dos Estados Unidos do Brasil em interesse geográfico. Grande parte do seu interior, quatro séculos apos a ocupação, está ainda, senão inexplorada, pelo menos muito pouco conhecida; e de tal modo enormes são os recursos naturais do país, que se pode dizer que este se acha apenas no limiar da sua existência, como força mundial, tanto em comércio como em política.

Até que ponto era a América do Sul conhecida pelos antigos, ou mesmo se o era, constitui um ponto sobre o qual tem havido grandes controvérsias de sábios. Seja como for, é de presumir que o Brasil estivesse menos diretamente sob a influência estrangeira do que as zonas ocidentais do vasto território ao qual damos a designação de América do Sul. Não há no Brasil vestígios duma civilização antiga.

O Brasil, se esta evidência negativa não é extraordinariamente traiçoeira, havia sido, durante séculos, o que era quando o primeiro europeu o descobriu e ancorou defronte da sua costa: um país habitado por tribos, cujo barbarismo era do tipo mais primitivo. Os costumes das tribos não apresentavam nenhum dos característicos dum povo que houvesse sofrido a influência evolutiva dum passado histórico.

Ao longo da costa, havia uma casta humana até certo ponto possuidora de alguma inteligência; a formidável extensão do interior jazia, porém, abandonada ao reino animal, o qual tomou para si, de acordo com o meio que o rodeava, uma variedade de caracteres maior e mais interessante que a da fauna de qualquer outra parte do globo.

A descoberta do Brasil seguiu-se, com pequeno intervalo, à viagem memorável, que primeiro revelou à Europa a existência do Novo Mundo. Foi quase por um acidente que o próprio Colombo, na sua terceira viagem, em 1499, deixou de encontrar a costa brasileira. Ao chegar à altura da foz do Orinoco, teria sido coisa naturalíssima que ele resolvesse dirigir-se para o Sul; e assim, teria avistado a costa brasileira. Preferiu, entretanto, Colombo tomar a direção do Noroeste, animado pela esperança de que, por aqueles lados, existisse uma passagem para as Índias Orientais.

Essa decisão aumentou-lhe a fama como descobridor de novas terras na América do Norte; privou-o, entretanto, da glória de revelar à Europa a existência da vasta zona tropical da América do Sul.

Tem sido apresentada por vários escritores a teoria de que Colombo, em sua terceira viagem, devia ter adquirido uma idéia exata da inclinação da costa para o Sul e, assim, suspeitado a existência do Brasil. Talvez tenha sido este o caso; entretanto, é mais provável a hipótese de que as suas primeiras descobertas houvessem criado uma atmosfera de expectativa, devido à qual terras desconhecidas, a descobrir, eram procuradas em todos os recantos ainda não explorados.

O aventureiro a quem coube a glória de ter conduzido este empreendimento foi Vicente Yanez Pinzon, filho segundo duma nobre casa de Palos, cujo chefe, Martin Alonzo Pinzon, havia estado intimamente ligado a Colombo por ocasião das suas primeiras tentativas. Vicente Pinzon armou quatro caravelas e, tendo previamente obtido licença do bispo Fonseca, 1º Comissário e Patriarca das Índias recém-descobertas, partiu, em princípios de 1499, para a sua viagem.

Depois de ter tocado nas Ilhas de Cabo Verde, foi a pequena frota apanhada por uma grande tempestade, que a fez desviar na direção do Sul, a tal ponto que, quando, após alguns dias de tempo encoberto, o céu limpou, já a Estrela Polar não era visível.

Essa mudança nos céus muito alarmou os marinheiros supersticiosos, que pretenderam voltar na direção de Palos. Pinzon, porém, havia já ido muito longe, para pensar em abandonar o empreendimento; e, sem vacilar, continuou o seu caminho, pela vastidão do oceano desconhecido, convencido de encontrar terra naquela direção.

Finalmente, a 25 de janeiro de 1500, era a sua perseverança recompensada, pelo aparecimento duma grande extensão de costa, que se lhe deparava pela frente. A terra avistada formava um promontório rodeado de palmeiras; ao fundo, avistavam-se densas florestas. Pinzon, dominado pela idéia então predominante e largamente espalhada na Europa, de que a Índia devia ser procurada para aqueles lados, pensou, a princípio, que fosse aquela a costa da China.

Naturalmente, em breve se convenceu do seu erro; pois conquanto muito pouco se conhecesse, naquele tempo, dos países do Extremo Oriente, não era tão profunda a ignorância que permitisse a um navegante experimentado como Pinzon imaginar por muito tempo que esta terra tão escassamente povoada fizesse parte do grande Império de Leste.

Na verdade, o ponto avistado era o Cabo Santo Agostinho. Com o fervor religioso, que caracterizava os antigos portugueses e espanhóis, logo Pinzon batizou a terra avistada com o nome de Cabo de Santa Maria de la Consolacion, pensando ter aumentado com uma nova possessão os domínios dos seus reis, d. Fernando e Isabel de Castela e Aragão. Na realidade, a anexação era improfícua, pois que a terra descoberta ficava a Leste da linha pela qual o papa Alexandre VI, em sua famosa bula, dividia o mundo entre a Espanha e Portugal, bula essa que excluía a Espanha das terras que ficassem a Leste da linha de demarcação.

Assim se convertia, para Pinzon, em pura decepção, a primeira descoberta que fizera em sua viagem. Havia, na terra firme, sinais óbvios de habitações humanas, mas não era possível avistar um só índio. Um homem enviado para captar as boas graças dum bando de indígenas, que havia aparecido sobre uma colina, foi atacado, e quando novos expedicionários se precipitavam em seu socorro, foram também atacados, com furor, pelos selvagens, e obrigados a retirar-se apressadamente, para as embarcações, perseguidos pelo gentio.

Pinzon, alarmado com a oposição do gentio e as perdas que havia sofrido no encontro, resolveu não se demorar por mais tempo naquelas inóspitas paragens; e, levantando âncora, dirigiu-se para Oeste. Em caminho percebeu que a água do mar era doce e servia perfeitamente como água potável; desejando saber qual a razão deste fenômeno, aproximou-se do litoral e encontrou muitas ilhas "agradáveis e aprazíveis, habitadas por grande número de indígenas que consideravam os navios dum modo afetuoso, como se os conhecessem de longa data".

Perceberam, então, que o ponto ao qual as circunstâncias os haviam arrastado era a foz do Marañon e que era a corrente impetuosa do rio, que havia causado a presença de água doce tão longe, em pleno oceano. Em seguida, Pinzon, com trinta e seis homens, estendeu as suas explorações até o Pará, encontrando em caminho outro grande rio. Tomou, no Pará, um carregamento de pau-Brasil e partiu para os estabelecimentos espanhóis em Hispaniola. Em caminho, foi apanhado por uma tempestade que afundou dois dos seus navios e quase destruiu os outros dois. Com os dois navios avariados, prosseguiu até Hispaniola, donde, depois de reparar os seus barcos e fazer aguada, partiu, de volta à Espanha.

A Pinzon cabe a glória - que, aliás, lhe não trouxe nenhum proveito - desse empreendimento. Morreu pobre e abandonado. A própria posteridade pretendeu privá-lo de merecimento, representando o ponto em que havia tocado como sendo o Cabo Norte a 2º de latitude Norte e não o Cabo de Santo Agostinho, a 8º de latitude Sul. O exame imparcial da questão, entretanto, dá-lhe indiscutivelmente a honra de haver sido o descobridor do Brasil.

O exemplo ousado de Pinzon levou um seu compatriota, Diego de Leppe, a empreender uma expedição semelhante. Com dois navios apenas, Leppe atravessou o Oceano, seguindo muito aproximadamente a derrota e Pinzon. Avistou o Cabo de Santo Agostinho, no correr do ano de 1500; e, desembarcando, tomou posse do país, fazendo uma proclamação nos termos estabelecidos por Ojeda, explorador dum período anterior, para estas ocasiões.

Tais eram os termos da proclamação feita aos índios: "Se não quiserdes sujeitar-vos ou se, por malícia, pretenderdes demorar a obediência às minhas injunções, então, com o auxílio de Deus, invadirei o país à viva força; far-vos-ei guerra com a mais extrema violência; reduzir-vos-ei à obediência, à Igreja e ao Rei; tomarei vossas esposas e filhos e os reduzirei à escravidão, vendendo-os ou deles dispondo, de acordo com a vontade de Sua Majestade; apoderar-me-ei de vossos bens e far-vos-ei todo o mal que estiver em meu poder, como súditos rebeldes, que sois, pois não reconheceis e não vos quereis submeter ao vosso soberano legal".

Para deixar uma prova do seu desembarque, escolheu Diego de Leppe uma árvore colossal e no seu tronco gravou as armas de Fernando e Isabel. Entretanto, a mesma objeção à validade da sua tomada de posse existia, como por ocasião da viagem de Pinzon.


O descobrimento da América, por Colombo
Imagem publicada com o texto, página 60

Praticamente, a história da ocupação do território brasileiro data duma expedição dos portugueses, comandada por Pedro Álvares Cabral em 1500. Cabral era companheiro dedicado de Vasco da Gama, e a expedição que comandava era destinada a estender e consolidar as conquistas portuguesas no Oriente, que se haviam seguido à histórica passagem do Cabo de Boa Esperança e descoberta do caminho para a Índia, feitas por aquele navegador.

A partida da sua frota, composta de 13 navios, em um domingo, 18 de março de 1500, foi assinalada por grande cerimônia. Foi rezada uma missa na Praia do Rastelo (em uma capela mandada construir pelo infante d. Henrique) na presença do próprio rei de Portugal. O bispo de Ceuta pregou um sermão, no qual fez o elogio de Cabral por haver ele aceitado cargo de tão altas responsabilidades. Concluído o sermão, tomou o bispo de sobre o altar uma bandeira e, abençoando-a, deu-a ao rei, que, por suas próprias mãos, a entregou a Cabral. Em seguida, todos os presentes, precedidos pelo crucifixo e pelas relíquias sagradas, seguiram em procissão solene até a praia, onde Cabral embarcou.

O Tejo se achava coberto de embarcações, que levavam pessoas para bordo da frota ou as traziam ou ainda carregavam curiosos para assistir ao espetáculo imponente, que apresentavam os navios. "Estas embarcações - diz Barros, provavelmente um dos espectadores - com as suas cores variadas e vistosas, faziam o rio parecer-se com um alegre jardim na primavera, cheio de flores".

E acrescenta: "O que mais ainda impressionava o espírito, era ouvir o som dos tambores, cornetas, caixas e pandeiros, das flautas e dos pífanos dos pastores, condutores das reses que, até então criadas nos campos, em rebanhos, iam agora, pela primeira vez, embarcar, para uma longa viagem. Os pastores embarcavam também, para que os marinheiros, com os seus cantos e músicas, se distraíssem da monotonia da jornada oceânica. El-rei d. Manuel acompanhou o comandante até a beira da praia; e, depois de invocar para os oficiais a bênção celeste, deu-lhes a sua. Embarcaram então os oficiais, depois de haverem beijado a mão do monarca, saudados pelas aclamações gerais da frota. Nem Vasco da Gama tivera uma despedida tão solene".

Deixando as Ilhas do Cabo Verde, tomou Cabral o rumo de Oeste, com o intuito de evitar as calmarias, tão comuns ao largo da costa d'África. A 22 de abril, avistou uma costa desconhecida na direção de Oeste. Com os outros navegantes portugueses da época, acreditava Cabral firmemente não haver naquela direção continente algum; e, conseqüentemente, concluiu que a terra avistada devia ser uma grande ilha que provavelmente faria parte d'algum novo arquipélago existente, limite do Oceano naquela direção.

Como o mar estivesse muito agitado, não foi possível efetuar imediatamente um desembarque, continuando a frota em sua rota para o Norte ao longo da costa, até que finalmente, por 15º de latitude Sul, Cabral descobriu um porto conveniente, a que deu o nome de Porto Seguro, chamando à terra descoberta "Santa Cruz". Esse nome foi, um pouco mais tarde, mudado para o de "Brasil", devido à abundância de certa madeira cor de brasa que se encontrava por toda a parte do novo território.

Cabral estabeleceu rapidamente relações cordiais com o gentio, que encontrou na região, obtendo dele farto suprimento de provisões, tais como frutas, milho e raiz de mandioca, que constituiu um elemento econômico de grande importância na produção do Brasil.

Como o dia seguinte ao da sua chegada fosse Domingo de Páscoa, aproveitou Cabral a oportunidade para mandar celebrar um serviço religioso, cheio de aparato, em torno dum altar levantado, sob uma grande árvore, à pequena distância da praia. O celebrante foi frei Henrique de Coimbra, acolitado por sete frades franciscanos, que seguiam em viagem para a Índia, e à cerimônia se deu toda a pompa possível naquelas circunstâncias.

Osório, em sua relação (N.E.: relato, em terminologia moderna) sobre o desembarque de Cabral na costa brasileira, diz que, durante esta cerimônia religiosa, os indígenas estavam possuídos duma admiração muda e os seus gestos pareciam indicar o sentimento da cena religiosa a que assistiam.

Quando Cabral se dispunha a regressar para bordo do seu navio, os índios seguiram-no, com grande alegria, que exprimiam soltando exclamações festivas, tocando trombetas, jogando flechas para o ar; e, com as mãos erguidas numa espécie de êxtase, pareciam agradecer a Deus o ter enviado às suas praias este novo povo, tão diferente.

Em resumo, os seus transportes eram tão excessivos que, por assim dikzer, tocavam a loucura. Muitos deles, seguindo Cabral, entravam na água, até que esta lhes chegava ao peito e ainda alguns se lançavam, a nado, atrás das embarcações; outros tomaram os seus botes e aproximaram-se dos navios da frota portuguesa, nos quais queriam entrar; e só com dificuldade a gente de bordo conseguia fazê-los desistir de tal intento.

Ali permaneceu Cabral alguns dias, fazendo aguada e tomando provisões; e, depois de haver erguido um marco de pedra, com as armas portuguesas, sem sinal de tomada de posse, prosseguiu na sua viagem para a Índia. Foram deixados dois criminosos degredados na terra recém-descoberta. Destes infelizes, um sobreviveu e serviu mais tarde de intérprete em expedições.


Desembarque de Martim Afonso em Santos
Imagem publicada com o texto, página 61

Logo que chegou a Portugal a nova deste importante descobrimento, que resultava da expedição de Cabral, mandou el-rei aparelhar três navios para irem explorar a nova região. Comandada por Américo Vespúcio, largou a frota o Tejo, em meados de maio de 1501, e chegou à costa brasileira, ao cabo de três meses de viagem. No ponto do seu desembarque, eram os indígenas muito hostis e traiçoeiros; algumas expedições, que desembarcaram, foram por eles atacadas e perderam alguns homens.

Continuando a sua rota, seguiu Vespúcio ao longo da costa e foi até 28 graus de latitude Sul, estabelecendo em diversos pontos relações amigáveis com os indígenas. Não havendo razões para prolongar mais a sua viagem, regressou Vespúcio a Lisboa, pelo lado da África, e alcançou a capital portuguesa, após uma ausência de 16 meses.

Dirigiu Vespúcio segunda expedição, sendo agora o objetivo dado ao intrépido navegante certo porto em mares orientais denominado Melcha e que se supõe ser o porto mais tarde conhecido por Málaca. A frota, que se compunha de seis navios, largou do Tejo na primavera de 1503.

Surpreendidos por uma tempestade, separaram-se os seus navios e a capitânia naufragou, em uma ilha, que se supõe ser S. Matheus ou Ilha de Fernando Noronha. Devido a este desastre, resolveu Vespúcio dirigir-se ao Brasil. À mercê dos ventos favoráveis, a frota, ou antes, os navios escapos à tempestade, atingiram um ponto na costa brasileira, a que os navegantes chamaram Baia de Todos os Santos e ao qual se crê corresponder a Bahia de hoje.

Aí, procuraram os expedicionários construir um forte núcleo da primeira tentativa de colonização, que realmente no Brasil fizeram os portugueses. Foi deixada no forte uma guarnição de vinte e quatro homens, com armamento adequado e provisões para um período de seis meses. Os navios da frota foram carregados de pau-Brasil, cujo valor comercial fora logo compreendido e apreciado. Voltou então a expedição a Lisboa, onde foi recebida com grande entusiasmo pelo povo, que compreendia já a grandeza futura do Novo Mundo.

O fato de se não haver encontrado ouro nem pedras preciosas, nas primeiras explorações dos portugueses no Brasil, impediu, entretanto, o desenvolvimento imediato da região descoberta. Nessa época, chegavam ao apogeu as conquistas dos portugueses no Oriente e as riquezas seguras que ali se deparavam aos comerciantes eram incentivo mais poderoso que os produtos naturais do Brasil, embora desde logo reconhecidos ricos e abundantes.

As comunicações entre Portugal e o Brasil foram, durante alguns anos, mais ou menos intermitentes. Eram principalmente feitas por aventureiros que, por sua conta, vinham de Lisboa à costa brasileira fazer carregamentos de pau-Brasil. Foi este comércio que firmou definitivamente o nome dado ao novo território.

Entretanto, começavam entre portugueses e espanhóis as disputas a respeito da posse do território. A bula pontifícia sobre a divisão das conquistas feitas por Portugal e Espanha era, porém, muito clara, para que o direito dos portugueses pudesse ser contestado; e finalmente, ficou estabelecida e firmada a soberania do rei de Portugal em todos os territórios entre o Marañon e o Rio da Prata.

Passaram-se os primeiros anos do século XVI sem que os portugueses tomassem medida alguma séria, para tornar efetiva a sua ocupação. As condições reais da enorme região eram mal compreendidas pela mãe-pátria. O Rio de Janeiro era ainda desconhecido. Foi a Bahia o primeiro ponto que atraiu a imigração portuguesa.

Uma tradição interessante e perfeitamente autenticada dá um caráter romanesco à história dessa colonização inicial. Em 1535, certo Diogo Alvares, natural de Viana, Portugal, que naufragara nos baixios situados ao Norte do porto da Bahia, conseguiu salvar-se assim como alguns dos seus companheiros. Infelizmente, os ataques que logo sofreram por parte dos índios, lhes fizeram compreender que, se haviam escapado de um perigo, estavam agora expostos a perigo talvez maior. Com efeito, aprisionados Alvares e seus companheiros, foram estes mortos, um a um, e devorados, em sucessivos festins canibalescos.

Diego Alvares, nessa desesperada situação, resolveu fazer uma tentativa ousada para impressionar os índios e conquistar a sua liberdade. Conseguira salvar dos destroços do navio naufragado uma espingarda e alguns barris de pólvora; e um dia, em presença de toda a tribo, atirou a um pássaro, abatendo-o. À vista daquilo que para os indígenas representava um prodígio, um espetáculo maravilhoso, as mulheres e crianças soltaram o grito de "Caramuru" (palavra essa que significa "homem de fogo") e um grande pavor se apoderou dos índios, temerosos de que aquela força misteriosa fosse utilizada para os destruir, do mesmo modo como fulminara o pássaro.

Diogo Alvares, porém, acalmou-os, desvaneceu-lhes as apreensões, fazendo-lhes compreender, por sinais, que estava à sua disposição, para os ajudar nas suas guerras e que os inimigos da tribo eram também os seus. Foram tais os efeitos das suas insinuações que, imediatamente levado à presença do chefe da tribo, este não só lhe concedeu a mais ampla liberdade, como lhe deu a própria filha para esposa. Caramuru, como daí por diante ficou sendo Diogo Alvares conhecido, construiu para si uma casa no ponto em que hoje fica Vila Velha e aí teve uma grande prole, da qual provieram, mais tarde, muitas das importantes famílias da cidade.

Longos anos viveu o hábil Diogo Alvares na Bahia, rodeado de dignidades e conforto, na residência que havia escolhido. Um dia, a chegada à Bahia dum navio francês suscitou-lhe o desejo de visitar a Europa. Embarcando com sua esposa Paraguaçu, veio para a França; e a sua chegada à capital constituiu um acontecimento de verdadeira sensação. Levado à Corte, foi tratado com a maior consideração, e sua esposa foi batizada com o nome de Catarina Alvares, tendo por padrinhos o rei e a rainha. Em seguida, para legalizar o casamento de Diogo Alvares, procedeu-se à cerimônia religiosa que catolicamente os tornava marido e mulher.

Diogo Alvares estava ansioso por seguir para Portugal, a rever o cenário de sua juventude; os franceses, porém, que desejavam aproveitar os conhecimentos que sobre o Brasil tinha o Caramuru, e que não aceitaram as restrições criadas pela bula do papa Alexandre, impediam por todos os modos a sua partida.

Achou ele, contudo, meio de enviar a d. João III, rei de Portugal, uma mensagem, exortando-o a colonizar a magnífica zona da Bahia. Mais tarde, conseguiu Diogo Alvares fazer um acordo com um negociante de escravos, para que o transportasse ao Brasil e lhe fornecesse armas e munições, em troco dos serviços que ele ali lhe prestasse, arranjando carregamento para o navio, em sua viagem de volta.

Com efeito, voltou Caramuru à sua pequena capital e aí ficou residindo; e o seu estabelecimento na região constituiu um auxílio poderoso para as relações que pouco a pouco foram ligando o Brasil a Portugal

Nesse ínterim, em ponto diverso, medidas de outra ordem eram postas em execução e delas resultava o reconhecimento duma larga extensão do território do Brasil. Em 1539, mandou Pizarro, então no Pará, um dos seus oficiais, Orellana, empreender uma expedição, descendo o curso do Amazonas. Constitui esta expedição uma aventura cheia de interesse e realmente digna de nota. Quando Orellana, após uma jornada de 8 meses, reapareceu no Atlântico civilizado, trazia consigo lendas fabulosas, tais como a da existência duma tribo de mulheres guerreiras "Amazonas", lenda essa que ainda impressiona muita gente.

Não pretendemos entrar aqui na questão de ter ou não qualquer fundamento aquela lenda; apenas notaremos de passagem que outros viajantes, além de Orellana, afirmam a existência da tribo das "Amazonas" nas margens do grande rio; e que alguns dos referidos viajantes forneceram detalhes sobre as leis e costumes que regiam aquele original tipo de comunidade. Por mais interessante que seja a relação de Orellana, sobre as mulheres, o valor real da expedição por ele comandada reside em ter espalhado no mundo civilizado o conhecimento da região verdadeiramente maravilhosa, através da qual passa o majestoso Amazonas em seu longo curso para o mar.

A primeira medida oficial tomada por Portugal, para ocupar as suas novas possessões, foi a divisão da costa em capitanias, feita por d. João III. Cada trecho da costa com dezenas de léguas de extensão foi dado a algum funcionário como recompensa de bons serviços prestados ao Estado.

Um dos primeiros contemplados nesta distribuição foi Martim Affonso de Souza, que se tornou mais tarde famoso capitão-mor da Índia Portuguesa. Acompanhado por seu irmão Pero Lopes de Souza, trouxe Martim Affonso uma forte expedição à sua capitania, alcançando a costa brasileira em fevereiro de 1531. As suas primeiras explorações foram feitas na costa vizinha ao Rio de Janeiro (onde chegou a 30 de abril), porto que foi assim chamado por haver sido descoberto a 1º de janeiro de 1502 pela primeira expedição exploradora trazida ao Brasil por Americo Vespucio, o qual julgou achar-se diante da foz d'algum grande rio.

Martim Affonso e seu irmão continuaram as explorações da costa até o Rio da Prata, dando denominações aos novos pontos da costa descobertos. As tentativas para achar ouro nesses territórios falharam por completo. Entretanto, Martim Affonso de Souza prestou a Portugal um serviço ainda maior, do que teria sido a descoberta de jazidas de metais preciosos, com a introdução, por ele feita na sua capitania, de cana-de-açúcar e gado para criação.

Por mais estranho que pareça, não compreendeu o explorador as magníficas vantagens naturais que oferecia o Rio de Janeiro; e foi estabelecer as suas colônias nas ilhas de Guaimbé e São Vicente. Foi esta última que deu o nome à sua capitania. Durante algum tempo próspera, logo a colônia decaiu e, hoje, apenas alguns vestígios assinalam o lugar onde em tempos existiu.

Outra das primeiras capitanias concedidas foi a doada a Vasco Fernando Coutinho, fidalgo que havia acumulado na Índia riquezas avultadas. Coutinho trouxe cerca de 60 colonos, com os quais estabeleceu logo várias plantações de cana-de-açúcar.

Ao Norte desta capitania, ficava a de Porto Seguro, doada a Pero Tourinho. Este donatário gozava de ótima reputação entre os índios, pelo seu espírito de justiça e lisura de trato e muitos deles se estabeleceram na sua capitania. Mais tarde, porém, os sucessores de Tourinho, pelos maus tratos e perseguições infligidos ao gentio, fizeram com que este abandonasse a colônia e fugisse para o interior.

A capitania de Ilhéus, na costa do atual estado da Bahia, foi doada a Jorge de Figueiredo Corrêa, que mandou o seu lugar-tenente, o castelhano Francisco Romero, como administrador no Brasil. Outro Coutinho (Francisco Pereira) foi donatário da capitania da Bahia de Todos os Santos, no distrito de São Francisco (estados da Bahia e Pernambuco). Em seus trabalhos de colonização, teve Coutinho o valioso auxílio do Caramuru. A sede da capitania ficava em Vila Velha, onde residia o Caramuru; e a comunidade de interesses entre os primeiros colonizadores e os recém-vindos estabeleceu-se logo, casando-se dois lugar-tenentes de Coutinho com duas filhas de Caramuru.

Pernambuco teve também a sua origem neste período, com a fundação dum pequeno estabelecimento no lugar depois tomado pelos franceses. Mais tarde, porém, foram estes expulsos por uma expedição comandada por Duarte Pereira Coelho, fundador de Olinda, cujo nome se atribui a uma exclamação sua: "Oh! Linda situação, para se fundar uma vila".

Estas capitanias constituíam de fato pequenos reinos, sob o governo absoluto daqueles a quem o rei de Portugal as doava. Era um sistema toscamente concebido para corresponder aos requisitos do império colonial, num período em que a expansão territorial não era ainda desproporcionada em relação aos crescentes recursos de Portugal.

Em pouco, porém, os inconvenientes do sistema suplantaram a utilidade que nele pudesse haver. Os donatários, independentes, tornaram-se déspotas e abusaram do poder que lhes era dado. Os indígenas sofriam as maiores opressões: feitos prisioneiros, eram tratados como escravos e obrigados a trabalhar nas plantações; quando se rebelavam, o que acontecia freqüentemente, eram mortos a tiro como bestas-feras. No correr dos tempos, com tais processos, por toda a parte adotados, estavam as capitanias desprovidas de população; e se ficassem reduzidas aos recursos próprios, por força teriam de desaparecer.

Compreendendo o rei de Portugal a necessidade de medidas radicais, decidiu assumir a administração direta do Brasil e, com esse intuito, mandou em 1549 Tomé de Souza ao Brasil, com o posto de governador geral.

Tomé de Souza trazia instruções para fundar uma cidade na Bahia de Todos os Santos, para o que lhe fora confiada uma imponente expedição, com ordens não só de subjugar os indígenas, como também de expulsar quaisquer rivais que aparecessem. Além de grande corpo de soldados, trouxe Tomé de Souza quatrocentos criminosos degredados, seis jesuítas, os primeiros que daquela ordem vinham ao Novo Mundo, tendo como superior o padre Manuel da Nóbrega.

O desembarque da expedição efetuou-se com grande dificuldade. Logo nas primeiras disposições tomadas, recebeu Tomé de Souza o valioso auxílio do velho Caramuru, que residia a pequena distância da então já abandonada feitoria fundada por Francisco Pereira Coutinho.

Fixaram-se primeiramente os portugueses na antiga feitoria; não estando, porém, Tomé de Souza satisfeito com a sua posição, resolveu mudar a sede do seu governo e escolheu um local a meia légua de distância, abundante em água nascente e quase inteiramente cercado pelo mar.

Fez logo o governador geral construir fortificações e iniciou a construção duma catedral, assim como a de uma residência para a sua moradia, alfândega e outros edifícios públicos. Em pouco tempo, se contavam cerca de cem casas, construídas a menos de quatro milhas da costa; e nas suas vizinhanças se haviam estabelecido grande número de plantações de cana-de-açúcar.

Conflitos que surgiram com os índios obrigaram Tomé de Souza a aumentar o sistema de fortificações, o que acarretou pesadas despesas à nova cidade. Entretanto, em suas linhas gerais a administração sábia e vigorosa de Tomé de Souza fez com que a colônia prosperasse. No terceiro ano da fundação da cidade, mandou-lhe o rei de Portugal avultado número de moças órfãs educadas em conventos, par que ali se tornassem esposas dos oficiais. Meninos órfãos foram também enviados ao Brasil, a fim de serem educados pelos jesuítas e mais tarde ocuparem cargos na colônia.

Com relação ao sistema de administração, diversas medidas de grande alcance e reformas necessárias foram introduzidas com o novo sistema, iniciado pelo governador geral. A jurisdição até então exercida pelos donatários e capitães-mores foi transferida para o governador geral e para os ouvidores. O governador geral tinha funções de vice-rei, com lugar-tenentes ou capitães-mores nos diversos distritos. A cobrança de taxas e impostos foi sistematizada e tornada menos opressiva e vexatória; e, para prestar apoio ao governador, foi organizada, entre os colonos, uma milícia debaixo das suas ordens. Foi também introduzida nas principais cidades e vilas a organização municipal.

Tomé de Souza ocupou os seus quatro anos de governo com a organização do novo sistema de administração. Sucedeu-lhe no posto de governador geral d. Duarte da Costa. Com este governador, vieram sete jesuítas, entre os quais o padre Luiz da Gran, que havia sido reitor do Colégio de Coimbra, e o padre José de Anchieta, que mais tarde se tornou famoso nos trabalhos de catequese operados pelos jesuítas no Brasil.

Já anteriormente Loyola havia constituído o Brasil em província independente, na divisão religiosa da Companhia de Jesus, e havia dado a Nóbrega o provincialato na América do Sul; com a vinda dos novos jesuítas, foram não só confirmados, como aumentados, os poderes dados a Nóbrega. A fundação do colégio em Piratininga, obra de Anchieta, foi uma das primeiras medidas adotadas por Nóbrega, no desempenho do seu alto cargo.

"Aqui estamos - diz  Anchieta numa carta dirigida a Loyola - às vezes mais de vinte de nossos irmãos, numa pequena cabana de pau-a-pique, barreada, coberta de folha, com quatorze passos de comprimento por dez de largo. Aqui é a nossa escola, livraria, dormitório, cozinha e dispensa; ainda assim não invejamos as moradas mais confortáveis dos nossos irmãos em outras partes, pois Nosso Senhor Jesus Cristo estava em pior lugar, quando, por sua vontade, nasceu entre os animais em uma cocheira e ainda em pior posição quando por nós quis morrer na Cruz".

Em breve tempo, a palavra evangélica dos jesuítas conquistava terreno no país, e abria ao Catolicismo uma vasta área da superfície da Terra. Neste período de governo direto do Brasil pela Coroa portuguesa, foi nomeado o primeiro bispo do Brasil, d. Pedro Fernandes Sardinha, que não chegou a tomar posse. A embarcação em que vinha naufragou próximo à costa, em 1556, e o bispo caiu nas mãos das tribos canibais que o mataram, assim como a todos os seus companheiros. O espírito religioso da época transmitiu às gerações posteriores a tradição de que, como castigo daquele crime ímpio, a zona em que ele foi praticado se transformou, de rica e luxuriante, em árida e desolada.

Duarte da Costa exerceu o cargo de governador geral no Brasil durante cinco anos e voltou para Portugal. Sucedeu-lhe Mem de Sá, um dos mais hábeis e aptos aumentadores do império colonial português. Sob o seu governo, os domínios portugueses do Brasil se estenderam consideravelmente, e as várias cidades ao longo da costa entraram num período de franca prosperidade. Desde então, começou o Brasil a impor-se como a mais preciosa jóia da Coroa portuguesa. E abriu-se, para a região, uma nova era de progresso e prosperidade.


Martim Affonso de Souza
Imagem publicada com o texto, página 62

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