Pelo porto o
peso. Se equilibra o açúcar que vai para Gana. O porto de Santos nunca
será para o açúcar o que foi um dia para o café.O café fez a glória de
Santos. O porto só foi feito assim desse tamanho,13km de comprimento, à imagem e semelhança dos maiores portos do mundo por causa do café. O prédio
da bolsa, o suave azulejo, o movimento dos corretores, o cheiro pelas ruas, tudo em Santos era parecido com café.
"Agora
nós vamos entrar na área do cais, vocês podem olhar do lado esquerdo a casa do café.
O que a vovó falou que é o rio dos soldados, esse riozinho, vem lá do Canal 1 e
passa por aqui e vai desaguar no mar." - Miriam Duarte
E a
história de Santos vai se contando pelos olhares que lembram, meninos, eu vi.
Vovó sabe tudo. Miriam anda pela cidade mostrando para as crianças as marcas de Santos.
O trabalho dela neste ônibus faz parte do programa Bem-vindo. Uma parceria entre a
Secretaria de Esportes e Turismo e a Secretaria de Ação Comunitária e Cidadania,
que criou o projeto Vovô Sabe Tudo, dedicado a oferecer trabalho a pessoas com
mais de 60 anos.
"O
idoso se sente valorizado, sente-se produtivo. O 'sentir-se produtivo' numa sociedade em que, muitas vezes, coloca na pessoa acima dos 50 anos esse
desvalor, é muito importante. Então, resgatar essa capacidade produtiva, resgatar essa capacidade de interação com as outras gerações é fundamental."
- Rosana Gomes, Coordenadora do Vovô Sabe Tudo
"Quando a vovó trabalhava aqui, as mercadorias eram transportadas por trens, só que
a falta de manutenção, a falta de cuidados com os trens... Os trens foram se deteriorando e agora quase toda mercadoria vem por caminhões." -
Miriam Duarte
Estação
Marques de Monte Alegre, Santos - Jundiaí. A estação foi construída pelo Barão de Mauá nos anos de ouro do café, no começo do século. Ficava em
frente ao luxuoso prédio da Prefeitura, quando os santistas sonhavam que um dia, esta seria a sede do governo paulista.
"Os sindicatos surgiram aqui na cidade de Santos. Vocês podem olhar do lado esquerdo
o armazém, esse armazém sofreu incêndio na época que a vovó trabalhava aqui..."
"A
satisfação que eu tenho de trabalhar, levantar e dizer eu vou para o meu trabalho porque eu ainda posso, eu ainda tenho gás. Então, eu posso fazer
alguma coisa. Nossa! Trabalho é dignidade."
"Mais adiante nós temos o museu do porto, nessa mesma rua, tem um registro de um
trabalhador carregando 5 sacos de 60 kg nas costas." - Miriam Duarte
O trabalho é leve, suave como uma renda nas mãos de Petrônio.
"Macaco
não é valente dança aí, 17 na corrente. E hoje ele é bastante educado, fuma toca e sabe até dançar. Já tem pose e ginga no andar e conversa comigo
por aceno, faz careta e fica se mordendo, se uma loira passar e não falar, ele diz que o dia é de azar e reclama que não está decente, já não
brinca, respeita toda gente, dança aí, 17 na corrente." - Petrônio Trigoso
-Onde é que o senhor aprendeu essas histórias?
"Olha, eu sou nordestino, já sabe de onde foi."
-Essa do macaco, 17 na corrente é de quem?
"É de Jackson do Pandeiro." - Petrônio Trigoso
Petrônio
era do mar e era da terra: marinheiro de escritório. Trabalhava na travessia da balsa Santos - Guarujá.
E em meio a papelada das escrivaninhas, fazia seus recortes, rendas de papel, enfeites
dos armários de cozinha lá do nordeste.
"Essa é a Rapunzel. A bruxa que a criou viciou subir pelas tranças dela, gritava:
Rapunzel, desce-me tuas tranças..." - Petrônio Trigoso
-O senhor que faz todos esses desenhos?
"Todos esses desenhos. Colo os papeizinhos. Todo este trabalho é meu.
Faço a trancinha... Tudo, tudo pra ser mais natural. (...)
Para mim, a coisa mais linda do mundo é ser professor. (...) Olha esse nome de Vovô
Sabe Tudo não está certo. O vovô tanto ensina como aprende com eles. Aprende a viver, porque cada um tem um método, cada um tem um modo diferente e
com a gente o que acontece? Vamos nos aclimatando com eles." - Petrônio Trigoso
"Eu fui
no Itororó beber água e não achei, achei linda morena , que no Itororó deixei.
Aqui tinha o rio Itororó, que depois foi canalizado, contam os historiadores que D.
Pedro parava aqui com os cavalos pra abastecer, tomar água, pra descansar." - Miriam Duarte
Lugar de
prostituição e de venda de drogas. A portuguesa Maria Salomé de Jesus nunca imaginou caminhar sozinha pelas ruas do Porto.
É nesta região que fica o seu trabalho. Ela ensina para as meninas que moram por aqui
como se faz um bordado da ilha da Madeira.
-Quando a senhora era moça imaginava que ia começar a trabalhar com mais de 60 anos?
"Não,
não imaginava. Foi uma experiência de vida, mas pra mim foi muito bom, estou feliz.
Sinto-me muito útil, sinto que estou passando pra elas uma coisa que elas não sabiam
e a gente ve a alegria delas quando elas realizam um trabalho." - Maria Salomé de Jesus
Dagmar tem 16 anos e está grávida. Ela é uma das 60 adolescentes que frequentam o
Espaço Meninas, um projeto da Secretaria de Ação Comunitária e Cidadania.
"A
história de vida delas. Hoje a gente tem uma situação em que grande parte dessas adolescentes, eu diria 70, 80% já sofreram violência sexual, abuso
sexual e a maioria delas dentro da própria casa." - Maria Salomé de Jesus
Neste casarão as meninas freqüentam várias oficinas, 3 delas têm como monitores os
idosos do projeto Vovô Sabe Tudo.
"Ah! uma
oficina de bordado... o adolescente não vai se interessar em ficar bordando. E de repente a gente se deparou com uma realidade bem diferente. Elas
gostam. Essa relação da vovó, daquela figura materna, aquela vovó que elas nunca tiveram. Uma pessoa ponderada, calma, tranqüila, prestativa. Elas
conversam é muito bonitinho de ver, elas ficam todas sentadinhas, bordando e falando da vida, contando as histórias delas e a vovó participando
disso também e falando da sua própria experiência de vida." - Márcia Obeide
"A
minha mãe era prostituta e ela tinha que trabalhar. Então, ela preferiu me deixar na casa da minha tia."
-E essa mãe é sua mãe é adotiva?
"Isso e ela é prostituta."
-E a sua mãe verdadeira?
"Ela também era prostituta."
-Você morou com a sua tia até os 8 anos e aí você voltou a morar com a sua mãe
"Isso. Aí, eu tive uma violência sexual do meu padrasto. Com 8 anos. Ele me usou
durante uns 2 anos." - A.B.S.
"Com sete anos a gente já começa trabalhar e a gente já fica ali, sentada num
quarto. Éramos 4 irmãs, mas a gente ficava ali o dia inteiro bordando." - Maria Salomé de Jesus
-Você
tentou falar com a sua mãe?
"Eu tentei até, mas não tinha condições, porque ela chegava bêbada em casa."
-A sua mãe é prostituta até hoje?
"Até hoje ela é." - A.B.S.
-E esse
aqui?
"Esse foi de Portugal, quando era jovem eu fiz isso. Foi do meu enxoval esse
trabalhinho, ainda. Vê como dura? Esse trabalho não termina, o pano acaba e o bordado fica." - Maria Salomé de Jesus
"Aí eu comecei a fazer programa com 12 anos."
-Você fazia programa com senhores de que idade?
"De 35 prá cima, mais ou menos. Até de 64 anos."
-E quanto você cobrava?
"Na época eu era muito infantil, eu pedia... sei lá, pra comprar bala." - A.B.S.
-A senhora já tinha trabalhado antes fora de casa?
"Não, só na minha casa." - Maria Salomé de Jesus
"Teve
uma vez que minha mãe falou assim: Se tua filha nascer com problema tu deixa ela no hospital mesmo. Aí, eu respondi : Pra quê? Pra ela sofrer que
nem eu sofro aqui, sem minha mãe? Eu sei que tenho irmãos por aí largados, isso eu sei. E é triste, muito triste porque eu não tenho um pai, uma
mãe. Porque hoje eu sei que sou sozinha." - A.B.S.
"Veio numa ocasião muito especial porque o meu marido tinha falecido e eu estava
deprimida, triste, é lógico. Mas, eu fui com fé em Deus e estou gostando imensamente de lidar com as meninas, com as meninas gestantes, eu chego a
ficar realizada. Eu chego em casa aliviada. Não só pelo bordado, mas pelo amor que a gente passa pra elas e elas passam pra nós, também. A gente
cria um vínculo de amor, de amizade, são umas netinhas que eu tenho lá." - Maria Salomé de Jesus
"Amor pra mim é companheirismo, é amizade, um cuidar do outro." - A.B.S.
Veja a primeira parte do programa sobre Idosos (Santos-SP)
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Ficha Técnica:
Idéia Original: Marco Antonio Coelho Filho & Simone Coelho
Direção: Neide Duarte
Roteiro, Texto e Reportagem: Neide Duarte
Imagens: Valdir Rodrigues e Elizeu Ferreira
Auxiliar de Câmera: Ricardo Unger
Áudio: José do Carmo
Consultoria de Pauta: IDECA
Produção: Max Eluard & Leandro Fernadez
Coord. de Produção: Ana Costa Santos
Edição: Maria Emília Celestino
Núcleo de Documentários: Mario Borgneth
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