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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TERCEIRA IDADE
Idosos radicais (1-b)

Eles não querem apenas uma cadeira de balanço e um pouco de sol e competem com os jovens em todas as atividades profissionais, esportivas, culturais e de lazer, invadindo e conquistando espaços incomuns
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Essa tendência foi registrada em um programa da TV Cultura de São Paulo, da série Caminhos & Parcerias, que destacou as repúblicas santistas de idosos e também tratou da participação deles em trabalhos comunitários de recuperação social, como o Projeto Meninas. O programa - apresentado em 2004 e reapresentado em 6/2/2005 - mereceu um conjunto de páginas Web na Internet. Esta é a reprodução da primeira dessas páginas:
 
Frutos Caminhos e Parcerias - Início Idosos (Santos - SP)
primeira parte
Neide Duarte







































































 
Tem umas nuvens no retrovisor, alguns pingos d'água na paisagem. As fotografias não são claras.

Estamos passando, no espelho de um carro, na tela da TV, numa passagem vermelha. 
Uma luz nos atravessa. E do caminho quase nada podemos ver.

A não ser o exato instante da luz que passa e já não é mais. 
Lembrar. Onde começou o caminho, como éramos, o que seremos na saída do túnel.

Atravessamos a serra, túneis que passam. Esse é o caminho que vai dar no mar, e a primeira praia a gente nunca esquece.

Talvez por isso Santos seja assim, o mar pra onde um dia, nós paulistas, sonhamos voltar.

Aqui estar, aqui ser feliz, da maneira mais natural, como criança que brinca na areia.

Era uma aula de dança. Na praia, para os que passam, quando o professor se deu conta, percebeu que dava aula para um grupo da terceira idade.

É que em Santos, 14 % de quem passa tem mais de 60 anos, uma das cidades com maior índice de idosos do Brasil.


"Eu vim prá Santos, fiquei viúva vim embora prá cá, recomecei. Fiquei melhor dos reumatismos, fiz muita ginástica e agora tô dançando." - Maria Borja Ramos, 80 anos
 

- Como é que a senhora descobriu isso aqui? 
"Ah! Pela faixa que tinha aqui, eu venho sempre prá cá, passei aqui e vi a faixa." 
- E o que a senhora pensou?
"Aí eu pensei logo: é comigo mesmo!"
Odete Pacífico

"Inclusive estou até machucada, mas estou aqui, levei um tombo, mas estou aqui." - Gina Santos

"Só o pé que dói um pouco por causa da joanete, olha só o pé da escurinha. Isso dói." - Maria Borja Ramos

"Eu sou viúva há um ano e meio, precisei vir no baile porque chorava muito, né?

Então... adorei. Tirei todas aquelas minhocas da cabeça. Prá mim é uma delícia, agora eu quero viver." - Maria Del Pilar
 

A música nasce nos vazios, nos espaços entre o metal e o nada, era assim que os discos tocavam em 1784.


O Poliphon é quase um fantasma, um marcador de tempo, atravessou a revolução francesa, a morte de Tiradentes, a independência do Brasil, a libertação dos escravos, o fim dos reis e dos que não eram reis e em dois séculos nada mudou no seu jeito de fazer música.

Até hoje ele se sustenta no Asilo dos Inválidos de Santos.


O olhar de Helvécio não se cansa. O retrato da sobrinha é tudo o que tem nas mãos.

E os seus olhos repetem o gesto para lembrar e lembrar de novo dessa tarde de fotografia: um dia de visita.
 

- É o senhor nesse retrato?
"É."
- Agora é horário de visita, não é? Duas e meia.
"Das duas e meia às quatro e meia."
- E vem alguém visitar o senhor?
"Vem meu irmão, minha cunhada.
Trazem fruta ou então bolacha." - Antonio João

Os parentes de Antonio não vieram, passaram por aqui alguns voluntários e deixaram chocolates, balas, coisas de criança.

- Essas coisas todas que estão aí são suas?
"São minhas."
- De quem o senhor ganhou aquele ursinho marrom?
"Aquele lá ganhei de uma moça.
- E o coelhinho branco?
"Também." - Benedito Pinheiro

"O número de pessoas que nos procuraram no ano de 98 por telefone, ou pessoalmente, tirando informações chegou... eu acho que foram 337 pessoas. Infelizmente nós não temos vagas suficientes para isso. Nós atendemos o quê? Onze vagas por ano, só.

Eu não sei se é modo geral, mas é comum uma família que tem condições, com um apartamento de 3, 2 dormitórios indo para moradias menores. Com isso, o idoso que hoje já não produz mais nada passa a ser um entulho, porque tem os filhos, tem os netos pra acomodar. Procuram uma instituição para livrar uma cama, essa é a realidade." - Antônio Leite - presidente da Sociedade Asilo dos Inválidos

Arrumar as coisas no pouco espaço de uma cômoda, ali deixar suas marcas, ali se reconhecer. Bichos de pelúcia no sono da tarde, chapéu de retratos antigos, rezas, santos, cortinas.

Um pouco do teu ser no salão de tantas camas.
 

"Eu não tenho família e era muito difícil pra mim arrumar emprego, as pessoas não querem pessoas de idade. Então, eu tive que vir para o asilo. Sempre, desde que eu me conheço por gente, a primeira coisa que eu sempre quis era aprender a ler. Então, desde quando eu aprendi, eu nunca me sinto só. Por que tendo livros pra ler eu não me sinto sozinha. Tendo um gatinho, um cachorrinho por perto pra mim a minha vida tá completa. Eu me contento com pouco." - Terezinha Délcia

Tirar retrato na porta de casa outra vez. Eles moram juntos há dois anos.

São 8 mulheres e 4 homens.

Vivem como estudantes, numa república.
 

- São pessoas que de alguma forma iriam acabar num asilo? Era a opção que teriam?

"Isso. Mas, aqui na República a gente preserva a autonomia deles. Então eles têm liberdade para sair, alguns até viajam. Comem a hora que querem, vêem televisão se querem. Eles têm toda liberdade, como se estivessem na casa deles. Aliás, eles estão na casa deles." - Gisela dos Santos - chefe da Seção de Atenção à Pessoa Idosa, Secretaria Ação Com. e Cidadania - Santos


 

"Todo mundo na praia sabe que eu sou lavadeira. Filma eu de boné, bonita, pra minha patroa ver." - Dulce da Silva
 

A República Bem Viver foi criada pela Secretaria de Ação Comunitária, da prefeitura de Santos em parceria com a Cohab. Esse tipo de vivência entre idosos é inédito no Brasil.

Para morar aqui é preciso ganhar de 1 a 3 salários, ter vínculos rompidos com a família e ter mais de 60 anos.
 

"Nós que escolhemos o nome. República Bem Viver." 
- Vocês fazem tudo em grupo? 
"Tudo em grupo, eu só não participo do gás porque eu não almoço aqui, mas água, luz, é tudo dividido, cada um paga o seu aluguel e no fim dá tudo certo." 
- Quanto é que vocês pagam de aluguel?
"É 33 e uns quebradinhos." - Neide Teixeira
 

"Eu morava no porão. A minha situação lá estava muito ruim porque eu estava dormindo no chão, né? Aí, me arrumaram pra vir pra cá. Lá tinha rato, tinha barata, tinha tudo." 
- Quanto a senhora pagava pra morar nesse lugar? 
"Lá onde eu estava? Eu estava pagando 180." - Dulce da Silva

A vida na república é como em qualquer casa cheia de gente, quereres, diferenças, algumas encrencas.

"Agora, eu moro com a Dona Ismênia,né?"

- Você está começando a fazer amizade com ela? 
"Estou né? O que é que eu vou fazer?

É uma república não é? Não posso escolher, né?" - Margarida Rosa


"Pois é, muitas pessoas acham que eu sou jacu, acham que eu sou caipira, acham que eu sou maloqueira, tudo.

Aqui mesmo eu tenho nome de maloqueira." - Ismênia Ferreira
 

"Eu não gosto de comer junto com todo mundo. Eu tenho uma crença, minha crença é muito rígida, moral.

Então, a gente tem que fazer oração antes de comer, a gente não chama palavrão e aqui é o que chove." - Maria de Lourdes Freire
 

"Aqui a gente é uma família, eu também não paro aqui. Venho só a noite. Eu trabalho, só chego aqui a noite." - Neide Teixeira

Na casa da República Bem Viver também se aprende que para a alma humana sempre é tempo para grandes encontros.


- Morava aqui com a senhora uma senhora de 86 anos? E a senhora cuidava dela?

"Cuidei dela, graças a Deus, cuidei dela. Fui conhecê-la aqui. Ela me chamava de filhinha."
 

- O que a senhora fazia pra ela?
"Dava banho, fazia comida, tudo que ela precisava eu dava. Quando ela faleceu, faleceu segurando na minha mão. Até hoje eu sinto ela segurando na minha mão. Ela apertou, apertou, quando largou tinha morrido."
- Como era o nome dela?
"Maria de Lourdes Lopes." - Margarida Rosa



 

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