Os artistas e a paisagem
A paisagem é um gênero que tem passado por azares variáveis. Mais ou menos praticada segundo as épocas e os países, conhecerá
na segunda metade do século XIX, antes da eclosão da Arte Moderna, um sucesso especial.
O Brasil não escapa a esta paixão que foi explicada por uma súbita tomada de consciência do perigo que representa para a paisagem rural e urbana o desenvolvimento desenfreado da
máquina, assinala o crítico de arte Dominique Edouard Baechler em seu ensaio sobre a paisagem na pintura acadêmica.
Ecologia visionária ou Romantismo tardio? De Rousseau a Ruskin, não faltaram apóstolos a esse culto que, todavia, não encontrou somente adeptos. As dificuldades encontradas pelo pintor
bávaro Johannn Georg Grimm e sua pequena equipe - os Parreiras, Castagnetto, Caron e outros, todos egressos da Academia Imperial das Belas Artes do RIo de Janeiro - para fazer admitir a paisagem como gênero independente, o provam claramente.
Antes da Revolução Romântica, os paisagistas eram recusados pelos júris oficiais, sendo, até a metade do século XIX, admitidos apenas os que retratavam paisagens históricas em estilo
clássico, onde a natureza era apenas um pano de fundo, para apresentar cenas mitológicas e retratos de encomenda.
Entre os primeiros "pintores da natureza" se encontra a famosa Escola de Barbizon. Seus artistas, os Théodore Rousseau, Millet, Diaz, Daubigny, Harpignies, saem pela primeira vez
do atelier para pintar "dentro do motivo", encontrando na folhagem das grandes árvores da floresta de Fontainebleau, à entrada de Paris, as fontes luminosas de um novo modo de pintar.
Curiosamente, na época, um escritor como Baudelaire - embora aberto às mais recentes correntes estéticas - denuncia com sarcasmo este "famoso defeito moderno", esta "obsessão cega pela natureza que faz com que um simples estudo seja considerado uma composição".
É por amor ao real que os primeiros paisagistas do século XIX se afastam dos pintores tradicionalistas, para quem o quadro é antes de tudo uma construção do espírito. Ao contrário dos
artistas latinos, os paisagistas de tendência realista se aproximam mais dos pintores das escolas do Norte, que não planejam o quadro para chegar a uma composição cerebral, mas conseguem uma visão direta, um intimismo que transparece tanto nas
cenas familiares como na obra de Breughel ou de Vermeer - ou de uma carícia de luz - como em Ruysdael ou Van Goyen. Todos os pintores de paisagem, quaisquer que sejam suas origens, sentiram a beleza da natureza de um modo visceral, sensíveis que
são à visão direta dos elementos: terra, céu e água, cuja união exprime um certo lirismo que é a própria essência do sentimento romântico.
Quando os pintores italianizantes se esforçaram por submeter seus sentidos às exigências do academismo clássico na tradição do Renascimento, a concepção nova da paisagem como uma reação
anticlássica pode ser considerada como busca de referências nos grandes mestres flamengos e holandeses que os precedem. Rembrandt mostra recursos do eterno diálogo entre a luz e a sombra. Rubens e Hals dão o exemplo de uma técnica pictórica
extraordinária. Hobbema, Potter, Cuyp, Van Ostade, Ruysdael revelam o encontro bucólico das terras baixas aos horizontes infinitos.
Os primeiros paisagistas do século XIX herdam, igualmente, o sensualismo visual e o dinamismo da escola espanhola, notadamente de Velasquez ou de Goya que, procurando certa veracidade
de expressão, querem representar o mundo exterior tal como aparece a seus olhos.
A influência dos paisagistas ingleses se fará sentir de maneira ainda mais imediata. Enquanto por volta de 1820 o neoclassicismo estagnava na França, sob a autoridade absoluta de Ingres
e de sua escola, o movimento romântico, cuja figura de proa era Delacroix - que encontra Bonington em 1816 - começa a agitar o mundo das artes. A anglomania, que se manifesta desde a Restauração, provoca a chegada à França de obras de Bonington e
Constable, revelando de repente ao público dos Salões as belezas do paisagismo.
Assim, pouco a pouco, os pintores da natureza revolucionam as teorias acadêmicas, conseguindo liberar a paisagem de seus grilhões históricos.
Geralmente mais influenciados pelas correntes independentes atuantes na Europa do que pelos seus mestres tradicionalmente hostis ao paisagismo, alguns pintores brasileiros, de volta ao
Brasil, procuram trabalhar ao ar livre numa dupla busca de libertação e de interesse pelo nosso meio-ambiente. A natureza, sendo "o maior atelier dos paisagistas" é o "caminho que os conduzirá dos estritos cânones acadêmicos até o impressionismo, explosão geradora da liberação modernista", conclui o ensaísta Dominique Edouard Baechler. |