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NAPS E DESCENTRALIZAÇÃO: O FIM DO ANCHIETA
- porque conseguimos recordes mundiais na desativação do manicômio?
O tempo para total desativação do Anchieta foi um terço daquele que havia sido conseguido no chamado
Primeiro Mundo, inclusive na Itália, o exemplo santista de Trieste.
Segundo David Capistrano Filho, o então secretário de Saúde do Município, isso foi conseguido pela
experiência acumulada da Itália e por fatores contraditórios: o primeiro era transformação do tratamento psiquiátrico em "negócio", nos anos 60 e
70, impondo a exigência da rotatividade de leitos. Isso impedia a cronificação e, por conseguinte, se melhoravam as condições para reintegração
social, dos internos – que deixavam de ser submetidos às "fábricas de loucos" que eram os manicômios.
O segundo motivo era uma questão econômica – diz respeito ao rompimento dos laços familiares, que se
operavam mais rapidamente em face do estágio econômico do capitalismo europeu. E o terceiro idiossincraticamente local - próprio do clima em que foi
produzida e do estágio político que a criou, a intensa mobilização popular que cercou a ação.
Aqui, os hospitais privados eram legalmente obrigados ao rodízio pois, por mais que quisessem
prorrogar as internações para obter lucro, eram legalmente impedidos de fazê-lo, embora não alcançassem resultados efetivos na recuperação. Ao
contrário, nos manicômios públicos brasileiros, assim como na Europa, os pacientes permaneciam por décadas, tornando-se irrecuperáveis, dezenas de
anos sem ver o mundo.
As instituições européias eram mais enraizadas socialmente e suas exigências para dar alta aos
pacientes eram maiores, em se tratando das condições em que estes seriam albergados e recebidos. Além disso, o fato cultural-conjuntural do estágio
do capitalismo naqueles países determinavam diferenças na relação pessoal, com o rompimento mais rápido dos laços familiares, em um sistema mais
obsessivo pelo sucesso pessoal e enriquecimento como traço da economia capitalista para seu sucesso pleno, baseado no egoísmo e no cada um por si.
Considere-se, também, que aqui existiu um processo ideológico intenso nesta ação redentora do
hospício, com uma ação executada a partir de um Governo Municipal, que envolveu a comunidade e partidos de esquerda em aliança para efetivar a
mudança, com envolvimentos sociais e políticos – um movimento que teve grande apoio da opinião pública. Que barrou, em suas mobilizações e atos
públicos, as decisões juridicamente contrárias, revertendo-as pela pressão popular.
Poderia se tornar uma luta sem fim, como tantas; mas teve estratégias
e alcançou os limites da solução o processo de intervenção, esta revolução por etapas em que acreditavam os envolvidos nela. No estágio anterior à
gestão democrático-popular em Santos e à intervenção municipal no Anchieta, havia sido tentada a descentralização do atendimento em ambulatórios,
como fórmula para dissolver os manicômios, praticada em nível estadual – mas que não deu certo. Era preciso atacar de dentro o problema para,
depois, descentralizá-lo e eliminá-lo, como foi feito.
Seria em setembro que viriam as novas soluções da Psiquiatria
santista, com a inauguração do primeiro NAPS – Núcleo de Assistência Psicossocial na Zona Noroeste, 4 meses após a intervenção, de onde vinham a
maior parte das pessoas. Viriam depois o NAPS-2 (no Centro), o NAPS-3 (Aparecida), o NAPS-4 (Vila
Belmiro), entre outros, funcionando 24 horas por dia, sete dias por semana, feriados inclusive, locais em que o paciente-cliente podia ficar ou
não sem se desvincular de suas famílias. Santos tem os mesmos 4 NAPS, o Estado tem 140 e o país 522 – que nasceram de Santos.
Em 1999, dez anos depois da invasão e humanização do Anchieta, a
Comissão de Direitos Humanos da Câmara federal denunciava o quadro no País e propunha a proibição das lobotomias e eletrochoques.
Foi criada a griffe Tam-Tam, funcionando na URPS (Unidade de
Reabilitação Psico-Social), no bairro da Aparecida, prestadora de serviços terapêuticos e agente do tratamento, centro formador de pequenas empresas
sociais – grupos de natureza cooperativa que se reuniam para fabricar diversos produtos e criar um ambiente de relações inter-pessoais e de
socialização, criando fontes de renda -, uma loja em que estes produtos são vendidos.
Esta foi uma peça-chave na constituição do programa de Saúde Mental,
pois reintegra no auto-sustento e na atividade exigida lá fora. Como a maioria dos doentes mentais vem de classes pobres e sem qualificação,
esta parte é fundamental. Destaque-se a interdisciplinaridade dos terapeutas, que não são médicos ou enfermeiros, mas artistas plásticos - no caso
da produção de camisetas, profissionais de outras áreas em cada caso. Alguns aprendem e ensinam, outros mudam de atividade.
Foi utilizada aqui a experiência dos italianos, entre uma série de
fatores que contribuíram para isso, entre os quais a rotatividade necessária nos leitos era uma característica do negócio da psiquiatria
manicomial, dificultando a cronificação – havendo normas federais para reduzir o tempo de internação. Na Europa, a permanência era por dezenas de
anos.
As manifestações populares revelaram um grande apoio da opinião
pública ao programa de Saúde Mental que deu certo. Hoje, existem 527 CAPS implantados em todo o Brasil, cerca de 40 dedicados às crianças e
adolescentes, mais 63 serviços de atenção às pessoas que sofrem com transtornos decorrentes do uso de drogas e álcool, os chamados "CAPS-AD". |