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OS ENFRENTAMENTOS PARA A EVOLUÇÃO:
AS AÇÕES JUDICIAIS CONTRA A INTERVENÇÃO
Sérvulo e Thoreau
Entre as ações judiciais que foram impetradas - visando obstruir o caminho revolucionário que Santos
havia ingressado na gestão do PT e da democracia popular, no período que vai dos decretos 863, de 3 de maio de 1989, ao decreto 1.021, de 6 de
dezembro de 1989, e depois, normatizando a intervenção -, viriam medidas jurídicas contestando a intervenção. No dia 5 de maio, o líder do PT na
Câmara, vereador Altino Dantas, pede uma Comissão Especial de Vereadores para debater a questão da intervenção. O vereador e médico Geraldo
Helmeister seria o relator.
Logo no dia 10 de maio, o juiz Ricardo Almeida Dias, da 2ª Vara da Fazenda, que ficaria famoso por
suas decisões contra o governo municipal do PT, concedeu liminar a uma ação que dera entrada nos primeiros dias da intervenção contestando o poder
da Prefeitura em intervir no Anchieta, privilegiando a "liberdade da propriedade privada". Em meio a polvorosa que havia acompanhado o ato político,
no dia 11 a Prefeitura entra com recurso e no dia 17 o Tribunal de Justiça cassa a liminar com uma declaração grandiloqüente, de que "seria um
"atraso inadmissível a volta do Anchieta para seus antigos donos".
No dia 2 de junho dá entrada nova petição anexada à ação que visava sustar a intervenção e, no dia 7,
um Decreto municipal faz a desapropriação do Anchieta. No dia 23 novamente o juiz Ricardo Almeida Dias quis suspender a intervenção, garantida
novamente em recurso ao Tribunal de Justiça pelo seu presidente Nereu César de Moraes, o mesmo que havia concedido a segurança em favor da
Prefeitura no dia 17.
Em janeiro de 1990, como foi exposto, os donos entram com uma ação (processo 7379) de desapropriação
indireta, exigindo indenização da Prefeitura. Antes, No dia 26 de junho de 1991, o ex-diretor do Anchieta Edmundo Maia fez acusações de erotismo
entre os pacientes e, no dia 4 de junho, o psicólogo Eustázio Pereira acusa o empreguismo. O advogado Nobel Soares de Oliveira entra
com pedido no Ministério Público para abertura de um Inquérito Civil Público em dezembro de 1991, apontando irregularidades na gestão do Hospital,
entre elas o uso de erotismo entre os pacientes – que repercute, como senha da oposição às mudanças que se operavam.
A Câmara abre uma Comissão Especial de Vereadores, a pedido do vereador Carlos Mantovani Calejon, no
dia 11 de dezembro - integrada por ele e por parlamentares como Marinaldo Mongon, Fausto Lopes e Fausto Figueira, para analisar as denúncias do
psicólogo Eustázio Pereira de empreguismo no Anchieta durante a gestão do PT, instalada no dia 13 de março. No dia 20 de agosto, o deputado
Koyu Iha acusa e é contestado. No dia 13, é instalada outra Comissão Especial de Vereadores na Câmara de Santos para debater o Anchieta, pedida pelo
vereador Sérgio Bonavides e instalada no dia 13 de março.
Agosto, 1997: o Governo municipal faz publicar uma portaria no sábado, dia 18, no Diário Oficial,
instaurando inquérito administrativo contra o ex-interventor do Anchieta, Roberto Tykanori Kinoshita, acionando para isso a Cominq/Comissão
Permanente de Inquéritos e Sindicâncias, sob a alegação de que ele teria infringido a Lei 4.623/84, Artigo 234, na parte relativa a crimes contra a
boa ordem e a Administração Pública.
A então presidente da 2ª Câmara da Cominq, Ana Carla Ruiz Jorge, revelou que o processo para apurar a
destinação ilegal do dinheiro do Fundo Municipal de Saúde teve início a partir do envio de um documento da Casa de Saúde Anchieta ao então
secretário de Higiene e Saúde, Odílio Rodrigues Filho, em 21 de janeiro daquele ano. O documento tinha o carimbo da instituição mas não identificava
de quem era assinatura. O episódio terminou com a conclusão pela inocência de Tykanori.
Em 25 de março de 1998 a Comissão Especial de Vereadores para investigar o Anchieta é reativada. Em 9
de julho de 1999, a ação 14.776 pede a punição de Telma, David, Maierovich e Tykanori pelo gasto de 11 milhões e contratação de 522 funcionários, é
julgada improcedente pelo Ministério Público no dia 13 de dezembro de 1999. E, em 8 de abril de 1999, liminar do juiz Márcio Kammer de Lima
obriga a desocupação do imóvel da Rua São Paulo.
Em 27 de maio o prefeito baixa decreto determinando o fim da intervenção e em 10 de maio a imprensa
fala na Ação Indenizatória contra a Prefeitura movida pelos antigos donos do Anchieta, que o juiz da 2ª Vara da fazenda decide, em 16 de agosto,
pela improcedência. A sentença é anulada nessa decisão de primeira instância em 30 de maio de 2001.
O depoimento do ex-vice-prefeito e secretário de Assuntos Jurídicos Sérgio
Sérvulo da Cunha
Vice-prefeito do governo municipal na época da intervenção e secretário de Assuntos Jurídicos até
abril de 1990, quando foi candidato a deputado federal, advogado de expressão nacional e professor de Direito Constitucional, autor de
diversos livros, Sérgio Sérvulo da Cunha – um quadro antigo da militância social santista - conta que "foi salvo" por uma medida judicial dos
antigos donos do Anchieta: "era preciso, conta, me pediam no Governo, prorrogar a Intervenção – e eu não tinha fundamentação jurídica", disse.
"Então, nesse momento, eles entraram com uma ‘desapropriação indireta’, em janeiro de 1990,
contra a Prefeitura, pedindo a indenização respectiva - ou seja, entregando a posse e a propriedade para a nós. Era o que eu precisava". "Não havia
precedente de intervenção em hospital", lembra Sérvulo, atitude que a exemplo de outras inovaram no cenário político e
jurídico do país, na mola-mestra da mudança e da correção das práticas levadas pelos setores dominantes até então.
"Pesquisei e encontrei um caso único", salientou, explicando que era apenas semelhante ao
levado à efeito no Anchieta. E destaca que "se ela, Telma, não tivesse feito mais nada, apenas isso – e não apenas o ato
jurídico -, a mudança de paradigmas na política municipal já seria suficiente para consagrá-la".
Sérgio, que foi um dos advogados que atuou no impeachment do ex-presidente Fernando Collor,
emérito promotor de ações populares contra os desmandos dos interventores e prefeitos nomeados da Ditadura Militar, lembra que "muita gente se deu
conta aqui do cancro significado pelo manicômio", disse. "Esta é uma das atuações do Poder Público que pôs em prática a Constituição de 1988,
mostrando a diferença entre uma Constituição meramente liberal como a de 1946 e a Constituição Social como foi a de 1988, apesar do centrão"
– lembrando da organização parlamentar de direita que modificou os rumos constitucionais.
Coordenador do bureau da Ordem dos Advogados na Constituinte, o professor da Faculdade de
Direito da Unisantos e jurista Sérgio Sérvulo da Cunha marcou época na cidade durante o período em que Santos sofreu sob a intervenção da Ditadura
Militar, que cassou o prefeito eleito Esmeraldo Tarquínio e suspendeu as eleições para o Executivo (1969-1983) com um ato de desobediência civil.
Seguidor de Henry David Thoreau (1817-1862, o libertário inspirador de Gandhi, propositor de uma
sociedade autônoma), negou-se a pagar os impostos municipais, o que na ocasião lhe valeu uma charge no jornal local quando atrás de uma muralha com
bandeirolas de pax, atirava máquinas de escrever nos que vinham de cartola cobrá-lo.
Constitucionalista e autor de diversos livros de Direito, Sérgio participou intensamente dos
movimentos pela autonomia de Santos e contra os atos atrabiliários dos governantes, escrevendo e atuando. Para o médico Sérgio Zanetta, se o
secretário de Assuntos Jurídicos fosse outro, "um bunda-mole qualquer", disse, nada seria possível – destacando a decisiva atuação do advogado
santista. |