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BREVE TRAJETÓRIA DA PSIQUIATRIA NO MUNDO
A trajetória do processo de tratamento dos portadores de distúrbios
mentais, secularmente isolados do convívio social em toda a história da humanidade, esteve sempre em sintonia com a visão social predominante, como
fruto da circunstância econômica vigente.
Traduzindo a relação entre dominadores e dominados, espelhando as
fórmulas aplicadas aos demais contingentes marginalizados pela força do poder econômico e político. Em uma dominação baseada, fundamentalmente, na
exploração do homem, das maiorias pelas minorias através da violência.
Fica clara a estreita ligação, atribuída por Szasz, da psiquiatria
institucional, a Inquisição e a Escravidão, alterando apenas seus signos e utilizadas por todos os governos e regimes políticos.
Como nasceu o hospício
Hospício deriva de Hospital que por sua vez vem do latim hospes, que significa
hóspede. Hospitalis quer dizer hospitaleiro, generoso e hospitium pode ser um aposento ou um covil de animais, onde na
antiguidade se hospedavam, além de enfermos, viajantes e peregrinos. Observe-se que hospita e hospes tem a ver com visitante,
estrangeiro, estranho. Quando o lugar era ocupado por pobres, incuráveis e insanos, era chamado de hospitium, diferente de hospitalis,
já marcando o hospício e o estranho.
Desde antes da era cristã já se contam prédios junto aos templos para os enfermos, colocando o doente
"perto de Deus para que a ação dos sonhos associada aos medicamentos empíricos preparados pelos sacerdotes pudessem curar".
Deslocado para as estradas onde passava o exército, nascido em 360 D.C., o hospital era um depósito de
doentes sem recursos, isolando e tratando na ótica da solidariedade cristã. E seu sentido é o da segregação dos diferentes, dos estrangeiros
– estranhos - como o do livro de Albert Camus, O Estrangeiro.
Já em 1377 o Bethlehem Hospital, em Londres, foi usado para abrigar doentes mentais. Segundo o
livro de Thomas Szasz, daí se origina o termo bedlam, que em inglês significa hospício, como explica este autor.
Segundo Foucault, em A história da loucura na Idade Clássica, o primeiro hospício surge no
século VII e tem origem na cultura árabe. Os primeiros hospícios europeus são criados no século XV, quando da ocupação árabe da Espanha. Na Itália
eles datam do mesmo período, surgindo em Florença, Pádua e Bérgamo. No século XVII, os hospícios proliferam e abrigam juntamente com os doentes
mentais os marginalizados de outras espécies, recebendo tratamento desumano, pior do que o recebido nas prisões.
Esquirol, estudioso dos manicômios no século XIX, autor do livro clássico Tratado das doenças
mentais, de 1838, em um livro de 1818 - na informação reproduzida por Ugolotti em 1949 -, retrata o quadro: "Eles são mais maltratados que os
criminosos; eu os vi nus, ou vestidos de trapos, estirados no chão, defendidos da umidade do pavimento apenas por um pouco de palha. Eu os vi sem
água para matar a sede e das coisas indispensáveis à vida. Eu os vi entregues às mãos de verdadeiros carcereiros, abandonados à vigilância brutal
destes. Eu os vi em ambientes estreitos, sujos, com falta de ar, de luz, acorrentados em lugares se hesitaria até em guardar bestas ferozes, que os
governos, por luxo e com grandes despesas, mantém nas capitais".
Até o fim do século XVIII, a Psiquiatria jamais foi tratada com especialidade autônoma, apenas
referidos os casos de patologia mental em livros gerais de Medicina, quer dos antigos Hipócrates, Asclepíades, Areteu, Celso, Célio, Sorano de Éfeso,
Galeno), quer em autores medievais (Alexandre de Tralles, Paulo de Égina, os árabes Rhazes, Averrões e Avicena), quer dentro da Idade Moderna
(Charles Lepois, Paulo Zachias, Plater, Thomas Willis Bonnet, Thomas Sydenham, Herman Boerhaave, Cullensm Sauvages, Cabanis, Broussais e outros).
Como disciplina autônoma, didática e clinica, a psiquiatria nasce no início do século XIX, sobretudo na França e Alemanha.
Do hospizio ao asylum, madhouse ou asile, através dos séculos pouco variou
esta realidade. Utilizada como meio de controle social e de afirmação ritualizada da ética social dominante, a psiquiatria institucional mostrou ser
uma sucessora digna da Inquisição, diz Szasz, que busca comprovar a tese em seu livro.
Alguns anos após a fundação do Hospital Geral de Paris, em 1656, escreve Michel Foucault (1926-1984),
um dos principais críticos do positivismo psiquiátrico e da herança iluminista centrada na razão, estavam internas 600 pessoas, um por cento da
população. Em 1805, é fundado o sistema alemão de hospitais psiquiátricos, ao que diz o príncipe Karl August von Hardenberg: "O Estado deve
preocupar-se com todas as instituições para os que tem a mente perturbada..."
Psiquiatria e Poder
A tendência predominante de se isolar em sanatórios esse contingente,
submetendo-o a tratamento de choque, insulina e medicamentos – sem contar as violências perpetradas contra os chamados loucos nas décadas e séculos
passados -, revela a mesma face autoritária que os sistemas governamentais dispensavam ao trato com todas as questões de interesse da maioria,
reservadas a uma pequena parcela de pessoas o poder de discussão sobre elas - a detentora de todo o arco de coerção em nome dos governos
instituídos.
Como escreve Basaglia, a conclusão cientifica é sempre produto de uma
elite e universo da doença submete-se a ela, que se utilizou da psiquiatria institucional como meio de exercer o poder. Em 1886, o rei da
Baviera Luís II é deposto e diagnosticado como louco paranóico. O rei mata o psiquiatra e se suicida: ele – o psiquiatra – tinha o poder e o que
havia dito era a verdade absoluta perante o todo.
Esta estratégia de se estigmatizar e isolar os diferentes se
conjugou sempre com a ideologia vigente, baseada na equação produção/lucro/acumulação. Improdutivos, os chamados loucos foram desde logo cidadãos de
segunda classe e submetidos a toda espécie de experimentações e crueldade. A reversão desse quadro só daria, portando, mediante alterações de
caráter econômico e político, que ditaram seus procedimentos após a Revolução Francesa.
Mas esta não seria tanto a ponto de resgatar os direitos dos
diferentes, apenas de especializar seu tratamento, agora não mais vítima da religião mas dos psiquiatras. Foi na queda do Absolutismo, na
Revolução Francesa, irradiado a partir daí para todo o mundo, que nessa afirmação da democracia, os doentes mentais começaram a ter reconhecimento
como tal.
Essa teoria foi implantada sob forte resistência - a sua libertação
do confinamento junto com os marginais comuns -, sendo recolocados em locais distantes e imundos, sem conforto ou higiene, indefinidamente presos a
grilhões. Era essa sua realidade até fins do século XVIII, vivendo em condições precárias e desumanas- ainda sob o peso de velhas superstições, que
os considerava possuídos pelo demônio ou copiando penas por pecados tenebrosos.
Pinel: a razão do Estado na psiquiatria
Foi Phillipe Pinel (1745-1826) quem tratou, pela primeira vez, a
psiquiatria como especialidade autônoma - até 1800 referida nos livros gerais de Medicina como patologias mentais -, escrevendo em 1801 o
Tratado médico-filosófico sobre a mania e, em 1808, Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental. Coube a ele implementar a
primeira revolução no tratamento com psicopatas. Ele retirou as correntes do insano, criando o hospício, mas era um defensor irrestrito da coerção
psiquiátrica. É um iluminista, positivista, defensor da razão dos revolucionários de 1789 na França.
Seu livro O tratado da Insanidade está cheio de elogios à
intimidação e à coerção: "Se ele (o louco) enfrenta uma força evidente e convincentemente superior, submete-se sem oposição ou violência". E "...em
outros casos, rastreamos os bons efeitos da intimidação sem severidade". Szasz cita o psiquiatra Jules Masserman, autor do livro A prática e
a dinâmica da psiquiatria, que também aponta na direção da sanção, dizendo que a psiquiatria funciona melhor entre militares do que na
vida civil, porque lá se pode exercer a autoridade.
Diretor do Hospice de La Bicêtre e Salpêtriére, em
Paris – em que seria experimentada a guilhotina à época de sua invenção, em 1792 -, Pinel advogou e obteve, contra fortes pressões, o direito de
libertar os doentes e dar lhes espaço e sol, na condição de seres humanos. Obra idêntica realizaram, na mesma época, Chiaruggi, na Itália, e Hans
Tucke, na Inglaterra.
Não seriam assim tão drásticas as bases desta evolução, vinculada às
transformações estruturais da sociedade em favor das maiorias, pois a razão instalada com os princípios iluministas de Rousseau e com esforço
do revolucionário Jean-Paul Marat na Revolução Francesa, manteve a lógica do poder, apenas alterando sua concepção. Como vimos, ele ainda abraçava a
violência.
Mas é antes de Pinel que se demonstra o processo para o qual evoluiriam os manicômios, precisamente em
1656, quando ocorre o que é chamado de a grande internação - pois neste ano, por um édito real, foi criado o Hospital Geral destinado aos
pobres de Paris. Esta é uma instituição que mescla caridade e previdência, assistência e repressão, na sua função de impedir a desordem traduzida na
mendicância e o ócio.
Base, pois, do manicômio, o Hospital Geral de Paris busca resolver o problema público que se
tornara a miséria e a multiplicação da população de rua nestes tempos de adensamento urbano e da proliferação de favelas, focos de doenças, mendigos
e desocupados nas ruas.
Era preciso disciplinar isto na ótica da ciência e da disciplina. Não são apenas abrigos, são
institutos morais encarregados de assistir, isolar e corrigir marginalizados cujas regras são semelhantes às das prisões, como explica Foucault na
sua História da Loucura. Os cuidados médicos não constituem nem o sentido e nem o objetivo do internamento, o que iria ocorrer em principio a
partir de 1770 com a prática do asilo: a medicina é a justiça e a terapêutica é a repressão.
Não se aceitava mais a visão mágico-religiosa da alienação mental e seu tratamento a base de
purgantes, sangrias, jejuns, disciplinas e rezas. O Estado liberal, que nasce como produto de uma ruptura que marcou o mundo, é abstrato: sua
concepção é a da razão, o direito de todos de trabalhar e viver com dignidade. Este cria em torno de si uma rede de instituições para
concretizar esta abstração, período em que nascem as ciências humanas, que tem sua expansão.
Neste momento, Pinel recebe a delegação do Estado para separar loucos de criminosos, separando
manicômio do cárcere, ambos dirigidos pelo Estado. É o iluminista francês da psiquiatria. Os loucos continuaram trancafiados, não mais junto com os
sifilíticos e os marginais comuns, e não mais despachados em navios para locais distantes - como se fez na Idade Média: naquela época, a loucura era
pobreza de espírito e coisa de bruxaria.
Houve épocas, na antiguidade grega, em que os loucos eram romanticamente reverenciados como profetas e
conselheiros: agora, eram considerados animalizados, mas doentes. Duas correntes diferentes de pensamento passam a existir desde que os loucos
passam a ser assunto médico-científico, quanto ao seu tratamento e sobre a origem de seus males.
Uma crê no tratamento moral, nas práticas psico-pedagógicas, nas terapias afetivas. Outra
focaliza o tratamento físico, crendo ser a loucura um mal orgânico, fruto da lesão ou mal funcionamento encefálico, não considerando o ambiente
manicomial importante para o tratamento.
Mesmo após Pinel, o criador da medicina manicomial, o tratamento era mais baseado na tortura do
que na ciência médico-científica. Nenhuma das duas correntes citadas dispensava o tratamento físico baseado no choque provocando no paciente
uma sensação intensa que o tirasse de seu estado de alienação.
Práticas de sangria, isolamento em quartos escuros, banhos de água fria, aparelhos que os faziam
rodopiar até que perdessem a consciência. Alternam-se estes dois momentos da psiquiatria. Os psiquiatras Benedict Morel (1809-1873) e Valentin
Magnan (1835-1916) postularam que a doença mental era hereditária e agravante, levando à extinção. Na Itália, Cesare Lombroso (1836-1909),
considerado o pai da Antropologia Criminal, achava características degenerativas nos criminosos.
Benjamim Rush, coerção e
violência
Benjamim Rush (1746-1813), o pai da psiquiatria americana, diretor da faculdade de Medicina da
Pensilvânia, foi o primeiro médico a defender a transformação de problemas sociais em problemas médicos – e seu controle coercitivo através de
sanções terapêuticas e não punitivas. Segundo Szasz, Rush era um mestre da metáfora médica, rebatizando problemas morais e sociais com
termos médicos, chegando a fazer um dicionário com os equivalentes médicos dos termos morais.
Rush é um defensor da coerção e da autoridade sobre o doente mental, a hospitalização involuntária,
tendo inventado mecanismos como a cadeira tranqüilizante, em si semelhante aos aparelhos de tortura da Inquisição. Inventou também o
girador, que levava o sangue à cabeça do paciente em se girando o infeliz que caísse em suas mãos. E o mergulho, em que a cabeça do
paciente era enfiada na água.
Autoritário, dominador, violento e fanático, como o classifica Szasz, sustentou que a cor negra da
pele dos africanos derivava da lepra. É necessário falar de Rush porque é ele um dos principais nomes da psiquiatria institucional e seus métodos
terapêuticos, demonizando o outro e só aceitando a sua adaptação ao eu, do controle comportamental – ou o outro será um
deficiente, física, moral e mentalmente.
Sua teoria era, para ele, socialmente útil e assim a propagava, justificando, por
exemplo, no caso da lepra negra a revelação cristã de que viemos de um só e justificando a escravidão, uma negritude a ser curada.
Em 1752, abre-se o Pensilvânia Hospital, na Filadélfia, a primeira instituição americana a receber
doentes mentais. Desde meados do século XVIII que era aceito o tratamento pelo Estado dos doentes mentais. Em 1773 seria na Virginia, o Asilo
Williamsburg, a primeira instituição exclusivamente para doentes mentais.
Em 1784 é inaugurado o Narreturm, em Viena, na Áustria, descrita em 1843 como uma prisão suja,
fechada, mal ventilada, com cheiro insuportável e doentes acorrentados e nus. É no final do século XVIII que surge o hipnotismo, por Anton Mesmer,
médico alemão que achava que a produção de delírios e convulsão nos pacientes baniriam o mal.
James Braid modernizou a técnica e trabalharam com ela Charcot e Freud, que se afastou dela por notar
que agrava casos psicóticos, derivando para a psicanálise. Em 1811, Theodoric Romeyn Beck, da cidade de Nova Iorque, publica a sua Dissertação
inicial sobre a insanidade, em que defende a vigilância humanitária e a camisa-de-força para os lunáticos.
Em 1911 surge o termo esquizofrenia, tão utilizado para rotular transtornos mentais. Nesse ano,
na Alemanha, existem 225 hospitais psiquiátricos particulares, 187 públicos, 85 para alcoólatras, 16 clinicas universitárias, 11 enfermarias, 5
delas em hospitais militares, com mais de 143 mil pessoas internadas em um ano e 1.376 alienistas praticantes (psiquiatras). Em 1814, a Câmara dos
Comuns da Inglaterra indica uma comissão para investigar as condições desumanas nos hospícios.
Em 1855 são separados insanos criminosos dos demais, pelo Legislativo de Nova Iorque. Em 1860, um
marido podia mandar sua esposa para um hospício, bastava um pedido, nos Estados Unidos. Em 1885, em Paris, a histeria é tratada através da extração
do ovário; em Londres e Viena, do clitóris, na Alemanha, pela cauterização do clitóris.
Freud
Em 1875 nasce Jung e em 1881 se forma em Medicina Sigmund Freud, nascido em (1856 – 1939), que se
especializa em Neurologia e seria o fundador da Psicanálise, quando inaugura um novo discurso cujo objetivo é emprestar um estatuto científico à
psicologia.
Na verdade, longe de acrescentar um novo capítulo à área das ciências chamadas positivas, ele introduz
uma ruptura radical na relação do homem com o mundo. O freudismo é a aliança de um sistema de pensamento com um método terapêutico, uma concepção do
inconsciente que exclui qualquer idéia de subconsciência ou supraconsciência, em uma teoria da sexualidade que se estende a todas as formas
sublimadas da atividade humana.
Embora nascido da medicina e da psiquiatria, freqüentemente praticado por médicos e psiquiatras, o
método terapêutico freudiano é a psicanálise e tão somente a psicanálise. Sua característica é tratar através da fala - e unicamente através da fala
- as doenças da alma (psicose, melancolia), dos nervos (neurose) e da sexualidade (perversão), excluindo totalmente qualquer outra forma de
intervenção tais como exames clínicos e cuidados corporais – a cirurgia, a hipnose, a hidroterapia, a farmacologia, a internação, a sugestão, a
coerção, entre outros métodos. Freud conhece Josef Breuer em 1878 e estuda neuropsiquiatria infantil nesse ano.
Em 1879, Freud freqüenta os cursos de psiquiatria de Theodor Meynert, ano em que nasce o
psiquiatra e psicanalista inglês Ernest Jones, fundador da psicanálise na Grã-Bretanha e parceiro de Freud, que contribuiu para expandir as idéias
no Canadá e Estados Unidos. Em 1880, Freud traduziria ensaios sobre a questão operária e o socialismo de John Stuart Mill (1806-1873).
A neurologia é reconhecida como disciplina autônoma e em 1882 Jean Marie Charcot, médico fisiologista
francês, é o titular da recém-criada cadeira de doenças nervosas, com quem Freud faz estágio – e na Inglaterra, para onde vai em 1891, elabora o
método da psicanálise das "associações livres", em que o paciente diz tudo o que lhe vem a cabeça, libertando-se das repressões.
Entre 1886 e 1890 Freud exercia a medicina como especialista em doenças nervosas, tendo praticado a
hipnose em 1887. Intérprete de sonhos, em 1896 nasce o termo psicanálise para nomear um método específico de psicoterapia, entendida como método de
tratamento não apenas de enfermidades nervosas como somáticas. Freud descobre o inconsciente como sistema.
Em 1901 nasce o psiquiatra e psicanalista francês Jacques Lacan, que reformularia a obra freudiana e
em 1902 é fundada a primeira sociedade psicanalista no mundo, a Sociedade Psicológica das Quartas-feiras. Stkel, um amigo de Freud, começa a
praticar a psicanálise e em 1906 nasce o relacionamento intelectual com Jung.
Em 1910, chega a Associação Psicanalítica Internacional, que tem Jung como primeiro presidente, em
1912 a associação americana de Ernest Jones. Em 1913, Jung rompe com Freud, após tentar dessexualizar sua doutrina. Franco da Rocha e Durval
Marcondes fundam em 1927 a Sociedade Brasileira de Psicanálise. A terminologia freudiana é banida do vocabulário da Alemanha a partir de 1933, a
psicanálise é considerada uma ciência judaica e desprezível. Psicanalistas alemães emigram para a França, Inglaterra e Estados Unidos.
Os livros de Freud são queimados na Alemanha de Hitler. Jung exclui judeus de uma sociedade composta
por psiquiatras e psicoterapeutas, aderindo ao nazismo. Freud morre em 1939. Como sistema de pensamento, o freudismo marcou as artes e o campo do
saber que lhe eram preexistentes, como a psicologia, a psiquiatria, a filosofia e a história, a religião, a pintura e a literatura. E também todos
os que se constituíram ao mesmo tempo que ele, como a antropologia, a sexologia, a criminologia e a lingüística, tendo atravessado todo o século XX
e formado gerações de seguidores, os psicanalistas culturalistas como Erich Fromm e Karen Horney.
Lobotomia, loucura e
rotulagem
Em 1933, chega o choque de insulina na psiquiatria, pelas mãos de Manfred Sakel, de Viena, a
convulsoterapia química, de Ladislau van Meduna, e, dois anos depois, Egas Moniz, de Lisboa, introduz a lobotomia pré-frontal, ou psicocirurgia,
prêmio Nobel de Medicina em 1955. Viriam, depois, a neuroplegia, a sonoterapia e a impregnação.
A rotulagem é característica e nada científica: nessa época, um grupo de psiquiatras alemães tenta
tirar Hitler do poder, classificando-o como louco. Cerca de 50 mil pessoas, alemães e não-judeus, são mortos na Alemanha, muitos internados em
hospitais psiquiátricos, de 1939 a 1941: é a eutanásia. Em 1952, chega a psicofarmacologia e os medicamentos para problemas mentais, afirmando a
crença de que os transtornos mentais são doenças e que existem remédios para eles.
Este passo é importante para afirmação da tendência brutalizante da psiquiatria. Mais rotulagens: Em
1960, o líder do Partido Nazista Americano é considerado louco e, no ano seguinte, declara que os judeus é que são loucos. Mas Adolf Eichmann, o
criminoso nazista, genocida compulsivo, analisado por seis psiquiatras, é considerado normal.
Mais: assassinado John Kennedy em 1963, tanto seu assassino, Lee Harvey Oswald, como o assassino
deste, Jack Ruby, são considerados loucos. "Se tivessem sido tratados na infância, Kennedy estaria vivo", escreve a imprensa. Percebe-se a
classificação aleatória dessa condição de insanidade, que dependeria basicamente da ótica e da vontade de quem a aplica.
Em 1968, acaba a
Inquisição. Só em 68?
Mas ninguém classificou tão bem uma sociedade como Dick Gregory, comediante negro americano, em 1967:
é a nação mais racista do mundo, diz ele, o país "está doente e louco". O mesmo diz o escritor Norman Mailler em 1968 e Herbert Marcuse no mesmo
ano, na crítica que faz à uma sociedade que, com melhores meios econômicos, precariza os serviços sociais e médicos.
Só em 1968 a Espanha declara nula a decisão de 1492 de expulsar os judeus – a Inquisição, antecessora
desta psiquiatria -, em 16 de dezembro: a brutalidade tem história extensa. Era a "prima facie" da psiquiatria institucional. A estrutura de
dominação que cooptou a ciência como criminalizadora, ao invés de responder às necessidades da pessoa, cria a ideologia da eliminação desta, a que
não está dentro do jogo da produtividade – e o doente mental é um deles. Instala-se a lógica do valor positivo a quem produz e vice-versa.
O hospício, escreveu Basaglia, foi construído para controlar e reprimir
trabalhadores que perderam a capacidade de responder aos interesses capitalistas de produção, vitimas que foram de pressões insuportáveis.
A ciência positivista na psiquiatria
Na segunda metade do século XIX, a teoria positivista era predominante e ela julgava que o louco era
incapaz de raciocinar, pois não tinha qualquer lógica, sendo incurável. No fim do século passado, a medicina procurava curar males mentais por
intervenções físicas e químicas. Já dissemos do tempo em que, nos Estados Unidos, Benjamim Rush inventou uma cadeira giratória, na qual o paciente
era amarrado e rodopiava até que o sangue lhe subisse à cabeça. Acreditava-se que, com mais sangue, esta funcionaria melhor.
Manfred Sakel usou pela primeira vez os choques insulínicos para esquizofrênicos, levando-os ao estado
de coma sucessivamente, refazendo-os com glicose. A idéia era refazer a mente do indivíduo. Drogas convulsivas, como cânfora e o cardizol,
eram ministrados nos psicóticos e as pessoas tinham ataques epiléticos artificiais tão violentos que chegava a sofrer fraturas ósseas. Inicia-se o
uso das camisas-de-força e das celas-fortes.
Em 1938, os italianos Ugo Cerletti e Lucio Bini criam o eletrochoque – a convulsoterapia elétrica -,
largamente usado no regime fascista, descoberto como amansador de porcos, antes do sacrifício dos animal - sem considerar que os mecanismos de
transmissão de impulsos elétricos do cérebro são desconhecidos e que os danos resultantes na estrutura cerebral são permanentes.
Alguns ficam como o que disse Nise da Silveira sobre os lobotomizados, os que sofrem operações
cerebrais - ficam inúteis para os desenhos artísticos, revelando falência cerebral. Apesar disso, o sistema foi usado até recentemente aqui e ainda
é aplicado no país.
Sedativos sintéticos, para aplacar as ansiedades e agitações dos doentes mentais,
são usados desde 1850, mas as indústrias farmacêuticas ganharam impulso nos últimos 40 anos - sendo produzidos, em larga escala, diversos
psicofármacos. Como são lucrativos, são incentivados nos hospitais psiquiátricos pelos laboratórios multinacionais.
Inquisição, feitiçaria e escravidão. A psiquiatria americana e o "Caso Donaldson"
Nos Estados Unidos, o destaque nas ações da antipsiquiatria foi do psiquiatra e professor da
Universidade de Nova Iorque Thomas Szasz, que em suas obras compara a "psiquiatria involuntária" - as internações e tratamentos compulsórios -
à escravidão e à Inquisição. Autor de vários livros e centenas de artigos, lecionando desde 1956, Szasz traça paralelos entre a terapia forçada, as
drogas e os choques dos hospitais psiquiátricos às práticas da Idade Média contra a feitiçaria e os judeus e da Igreja Católica contra os "hereges",
todos os que se desviassem ou sugerissem desvio da fé católica – que iam para a fogueira.
Para ele, o principal problema da Psiquiatria foi e continua sendo o da violência, como diz em seu
livro editado em 1976, A fabricação da loucura: a violência do louco é a violência real da sociedade e da psiquiatria contra ele – de
onde resulta a desumanização, a opressão e a perseguição do cidadão estigmatizado como mentalmente doente.
E chama a atenção, se concordarmos com essa tese, para a frase de John Stuart Mill: "...é contrário
à razão e à experiência supor que possa haver qualquer controle real da brutalidade quando a vítima é deixada nas mãos do carrasco".
Diz Sazsz que o conceito de doença mental é análogo ao de feitiçaria. Como se atribuíam atos de
feitiçaria no século XV, hoje se atribuem atos insanos, o que relata ter demonstrado desde 1966. Citando historiadores da Medicina americana como
Henry Sigerist, prova essa evolução da feitiçaria para a psiquiatria.
As feiticeiras, ao invés de tratadas como insanas, foram castigadas por heresia, a maioria incendiadas
pela Inquisição católica. A elas foi atribuída esta condição de feiticeiras, que não escolheram – vítimas da Igreja e do Estado -, por
comportamentos "divergentes". Como criaram as feiticeiras, criaram os doentes mentais, diz Sazsz, por não serem iguais.
Bruxas, mulheres de expressão
Ao seu tempo, na Idade Média, às mulheres restava a subserviência absoluta ou, na revolta e atitude, a
acusação de feitiçaria, sendo esta a origem da estigmatização e perseguição das "bruxas" – vide Joana D’arc, um fenômeno relacionado com a loucura.
O que se traduz, para Sazsz, é que a evolução a partir de Pinel transformou a psicologia em
medicina, o alienista (psiquiatra) em inquisidor, o movimento religioso por um movimento médico de massa e a perseguição dos heréticos em
perseguição aos doentes mentais.
Para ele, a psiquiatria institucional é, como a Inquisição, um abuso em si mesma, não que cometa
abusos. "Há nos Estados Unidos um maior número de confinados em hospitais psiquiátricos do que nas penitenciárias", escreve ele em seu livro A
escravidão psiquiátrica, de 1977, lançado aqui em 1986.
"Como se justifica essa prisão de pessoas que não infringiram as leis? Por que os tribunais e
advogados, as associações de direitos civis e os psiquiatras apóiam a hospitalização compulsória dos doentes mentais?", pergunta.
Militante da causa antimanicomial, Thomas relata, neste livro, o caso Kenneth Donaldson, internado a
pedido de seu pai em um hospital psiquiátrico nos Estados Unidos, no Florida State Hospital, em Chattahooche, em janeiro de 1957.
Liberado em julho de 1971, com pedido deferido por um juiz distrital da Flórida - ele que travou
extensa batalha judicial contra sua internação compulsória, indo até a Suprema Corte do país. Foram dezoito petições a diferentes Tribunais da
Flórida, além da Suprema Corte.
Donaldson promoveu ações coletivas e ações de indenização contra seus algozes, que
venceu, com apoio da Mental Health Law Project – uma associação pela mudança das leis de Saúde Mental, com dez advogados, fundada em 1972 e
destinada, segundo Szasz, a refinar a psiquiatria institucional e não a aboli-la. A Corte examinou o caso sob a premissa da escravidão
psiquiátrica – e a decisão foi em favor de Donaldson que, no entanto, teve a indenização pleiteada negada. Na verdade, para Szasz foi mais uma
vitória da psiquiatria institucional.
"Inúmeros conceitos psiquiátricos baseiam-se em deslavadas mentiras, tal como
é mentira chamar de hospitais os prédios em que pessoas inocentes são aprisionadas. e um sem número de procedimentos psiquiátricos não constituem
hoje senão coerções grosseiras, como é coerção o encarceramento de pessoas sob os auspícios da psiquiatria, sob a denominação de hospitalização
psiquiátrica", apontando seu apoio na religião, ciência e no estado" (Thomas Sazsz).
Rotteli: a reação e a
luz
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os psiquiatras Felix Guattari e Monik Elkain, entre
outros psiquiatras e psicólogos fundaram as primeiras comunidades terapêuticas. Ao inverso, a psiquiatria institucional estendendo-se para os
Estados Unidos de forma diferenciada, amparando-se no sistema oficial de saúde, resultando na maximização da utilização de drogas - hoje um grave um
grave problema no país, onde cerca de 80 milhões de pessoas utilizam medicamentos psíquicos.
Laing, Cooper e Esterson realizaram avançadas experiências na Inglaterra, chamados representantes da
antipsiquiatria, defensora da tese de que o paciente tem direito de ser diferente. Na Itália, Franco Rotelli dizia que a apatia encontrada nos
pacientes não era sintoma da doença, e sim do ambiente em que ele se encontrava, o comportamento gerado a partir do tratamento recebido. Era uma luz
que se lançava.
Basaglia, a terceira revolução mundial da Psiquiatria, em Trieste
Em 1971, picaretas são distribuídas por uma união de novos-pensadores da psiquiatria, uma corrente
chamada de anti-psiquiatria ou de psiquiatria democrática, que põe abaixo o manicômio e cria uma forma mais inteligente de lidar com a questão.
O nome desse precursor do Movimento Psiquiátrico italiano é Franco Basaglia, que está na raiz do
movimento santista, nascido em 1924 e desaparecido em 1980. Após a Segunda Guerra Mundial, depois de 12 anos de carreira acadêmica na Faculdade de
Medicina de Padova, Basaglia ingressou no Hospital Psiquiátrico de Gorizia – e promoveu mudanças no sentido de transformá-lo em uma comunidade
terapêutica, melhorando as condições de vida dos internos.
Porém, a percepção de que era preciso avançar para além da mera humanização do manicômio foi a lição
do psiquiatra neste exercício, exigindo profundas transformações no modelo e no relacionamento da loucura com a sociedade. Ele rejeitou a postura
tradicional que colocava o indivíduo e seu corpo como mero objeto de intervenção clínica, assumindo uma posição crítica em relação à psiquiatria
clássica e hospitalar por esta se centrar no isolamento e na internação, portanto excludente e repressora.
Foi na leitura de Michel Foucault que Basaglia formulou a tese da negação da psiquiatria, que
para ele não era suficiente para dar conta do fenômeno complexo da loucura.
Existiam outras necessidades, considerava, agregando doenças que se sobrepunham ao paciente como fruto
da internação. O psiquiatra Franco Basaglia , no objetivo da reversão da história da psiquiatria, ao impor modificações nos tratamentos no Hospital
de Gorizia, reformulando os conceitos em vigor.
Ao se difundirem estas críticas se acelera o processo da Reforma Psiquiátrica na Itália, baseada na
política do setor inglesa e na experiência francesa que antecede Trieste com Guattari.
Ela questiona a natureza ideológica da ciência, absorvendo Foucault no sentido de que o manicômio é um
sobrevivente arcaico, um produto do iluminismo e do capitalismo. É caminho para a Lei de Reforma Psiquiátrica de 1978, inspirada pela ação
demolidora do Hospício de Trieste, que acolhe o processo de desinstitucionalização, proíbe novos hospitais psiquiátricos e novas internações nos
hospitais existentes, abolindo a tutela do doente mental e sua periculosidade social.
Derrubando as paredes
do hospício
Nomeado diretor do Hospital Provincial da Cidade de Trieste em 1970, Basaglia
iniciou o processo de fechamento do hospital, promovendo a substituição do tratamento hospitalar e manicomial por uma rede territorial de
atendimento, da qual faziam parte serviços de atenção comunitários, emergências psiquiátricas em hospital geral, cooperativas de trabalho protegido,
centros de convivência e moradias assistidas, a que chamava grupos-apartamento, abrigando os ex-internos que libertara. Em 1971 ele oferece
picaretas para que os ex-internos demolissem o manicômio. Em 1973, a Organização Mundial de Saúde credenciou esse serviço como a principal
referência mundial para a reformulação da assistência à Saúde Mental.
Em 1973, surge o Manifesto de Bologna, já como expressão da crítica de Basaglia ao modelo de Gorizia
em que atuou e contestou. E em 1978, a lei 180, que Franco Rotelli, em um artigo na revista Divulgação em Saúde para o debate, em 1991,
resgata como a crítica a Gorizia ao saber, ao poder e à operacionalidade da psiquiatria que legitimou a exclusão de milhões de cidadãos, geralmente
oriundos das classes pobres. A partir de 1976, o Hospital Psiquiátrico de Trieste foi fechado definitivamente e a assistência em Saúde Mental passou
a ser exercida totalmente na rede territorial montada por Basaglia.
Em função desse fato, em maio de 1978, a Lei Basaglia seria aprovada pelo parlamento italiano,
proibindo novas internações e determinando a extinção gradativa do sistema de confinamento, na época de mais de cem mil pacientes, regredindo para
menos de 30 mil. Ele esteve várias vezes no Brasil, em seminários e conferências e sua influência foi determinante, em relação direta com o Anchieta
– que teve, como seu diretor, o antigo estagiário que trabalhou com Basaglia, Tykanori.
Foucault e a crítica
Crítico sagaz dos métodos de concepção da sociedade capitalista que denomina "disciplinar", para
Foucault o homem da modernidade é moldado a partir de instrumentos de regulação e disciplinarização, de julgamentos de faltas e de sua correção, do
arbitramento de danos e de suas responsabilidades.
Para ele, foi a partir das complexas técnicas do inquérito jurídico que nasceram as fórmulas
utilizadas na ordem científica e na ordem de reflexão filosófica, originado que é o inquérito como forma de pesquisa da verdade entre a baixa e alta
Idade Média, que o capitalismo teve baseada sua formação e estabilização.
Iniciador de estudos de gênero, sexualidade e cultura, sobre a formação das instituições e
disciplinas, analisa os micro-poderes e a formação da subjetividade, tendo analisado o classicismo e a antiguidade, tornado um mito no
final do século XX. O Saber, o Poder e a Ética são seus temas.
Considera Foucault que na senda dos processos jurídico-penais que nascem a psicologia, a sociologia, a
criminologia e a avaliação escolar - a base da estabilização do sistema econômico. Que se fundamenta na prisão, no hospital, no manicômio, na
escola. Considera que é pelo controle ininterrupto que a sociedade produz indivíduos obedientes, com o máximo de eficiência física e psíquica.
A partir da fundamental contribuição de Freud e sua psicanálise no começo do século XX existiram
alternativas em paralelo como de Adler, Jung, Stekel, Karen Horney e outros. Ousar pensar, suspeitar da razão, fazer da palavra uma arma destrutiva
e terna, levar a linguagem ao limite de suas possibilidades – foi essa a tarefa que Foucault se impôs. Foi ele um desconstrutivista filosófico,
crítico do positivismo quando ele demonstrava a ineficiência da ciência, da razão e do progresso, foram colocadas em questão, contestadas
abertamente em 1968 em Paris e no mundo.
Como se constituiu e se organizou o saber? Historiando a loucura a partir dos confinamentos da Idade
Clássica, seus discursos, percebe que ao invés da psiquiatria ter descoberto a essência da loucura e a liberado, radicalizou os processos de
dominação sobre o louco – que se iniciara muito antes de seu aparecimento como ciência, confluindo com Szasz que a registra como herdeira da
Inquisição e sucessora da escravidão. |