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A PSICOLOGIA E A PSIQUIATRIA NA ANTIPSIQUIATRIA,
na
raiz da atitude de intervenção no Anchieta
A Psicologia estuda a personalidade humana através da análise e compreensão do comportamento dos seres
vivos. O termo origina-se do grego, unindo alma e ciência. Foi utilizado pela primeira vez em 1590, no título de um livro de Goclênio,
professor de Marburg. O termo vem do grego psiche (mente ou alma) e logia, de logus - palavra, estudo, conhecimento, saber.
A Psiquiatria é o ramo da Medicina que estuda que cuida do diagnóstico, prognóstico e tratamento das
alterações mórbidas da vida psíquica, doenças mentais e do sistema nervoso. O termo vem do grego psiche (mente ou alma) e iatréia
(cura, tratamento).
E a antipsiquiatria é o movimento que, contestando o modelo milenar do tratamento das pessoas com
problemas de transtorno mental, propõe uma nova compreensão do problema com a extinção dos manicômios e das internações que tem tratamentos cruéis e
degradantes, da idéia da doença mental.
Como diz Joseph Alfons,
"Antipsiquiatría es oposicion a ver y tratar la salud mental desde la óptica
de los valores del satatu quo y a violencia que eso implica contra la diferencia",
"...és decir, la antipsiquiatria se sitúa em el mirar hacia la estructura social, en lo micro y en lo macro, y hacia lo biográfico y
el deseo de cada cual, para encontrar una vision comprensiva del sufrimiento emocional, incluido o que llamamos loucura, y en la busqueda de una
salida positiva a este, vale decir una salida terapéutica" (Josep Alfons, boletim Contrapsicologia y contrapsiquiatria,
Madrid).
PARA ENTENDER:
Antipsiquiatria é o movimento que está na base do pensamento que levou à atitude tomada no Anchieta
santista, uma ação contra a violência exercida contra parcelas sociais como exercício de dominação e exclusão de pessoas, para manutenção da
sociedade que privilegia poucos, que impõe sua vontade sobre todos.
É uma atitude do movimento contracultural, levado por setores engajados com uma política libertária e
crítica ao capitalismo e ao individualismo, que questionou a doença mental tal como sempre foi colocada e o tratamento psiquiátrico da forma
em que era considerado há três séculos e meio, desde Phillipe Pinel e a criação do hospício na França.
Baseado em internações compulsórias e aplicação de tratamentos cruéis e
pseudo-científicos, em uma atividade mundial secular e reforçada como indústria nos anos pós-64 no Brasil, a antipsiquiatria combate a indústria dos
manicômios, cujos donos fizeram fortuna com o discurso cientificista. Que tentou catalogar o sofrimento mental, cada vez mais expandido quanto maior
é o avanço do sistema econômico capitalista e gerador de ansiedade e desequilíbrio, que, como diz Josep Alfons, impõe um "deprisa, deprisa"
("depressa, depressa") que arrasa o habitat natural, plantas, animais e populações, um ritmo estressante e negativo para os ritmos biológicos
humanos.
Antipsiquiatria é um termo criado pelo terapeuta e revolucionário David Cooper nos anos 60 na
Inglaterra, pondo em questão a psiquiatria e também a psicologia, o trabalho social, a pedagogia, a educação, a criminologia, enfim, o modelo
hegemônico que incluem como terapêuticas estas ações distantemente de seu sentido etimológico do grego, em que terapia é servir e cuidar.
Do tema antipsiquiatria cuidaram Cooper, Ronald Laing, Basaglia, Gonzalez Duro, Berke, Ramon Garcia,
Morton Schatzman, Onésimo Gonzalez, Thomas Szasz, Guillermo Rendueles, Aaron Esterson, Sartre e Foucault.
Na explosão da questão social em 1968, em seus grandes momentos explodiu também o movimento
antipsiquiátrico na oposição aos manicômios, instituições que controlam totalmente a vida das pessoas que segregam e isolam. É a negação do
saber pretensamente terapêutico e de todo conhecimento destinado à manutenção do status-quo.
Como diz Josep Alfons, após a Revolução Francesa, mudando as relações entre exploradores e explorados,
modificam-se as práticas de controle e dominação social antes com as torturas medievais e as execuções públicas como exemplos de representação
máxima. Agora são métodos científicos na educação universal e obrigatória, a pedagogia e a psiquiatria.
O que antes era pecado agora é enfermidade mental, anti-sociabilidade, fracasso escolar –
especialidades. Para manutenção das políticas de dominação, opressão e exploração do homem pelo homem foi fundamental a prática de meios como a
agressão física e o domínio dos corpos.
A antipsiquiatria busca, em suma, sua libertação de uma das formas de opressão, sustentáculo do regime
capitalista que é junto com os demais poderes instituídos pelo homem como o exército, a polícia, o governo. Uma opressão que condena o homem à
infelicidade, à dor, ao abandono, ao preconceito e ao medo, ao rancor, à todas as formas de violência, que vai do manicômio às prisões e fábricas,
favelas e cortiços.
A exclusão social, instrumento essencial para manutenção do sistema econômico baseado na exploração do
homem pelo homem, garantindo a corrida pelo emprego a qualquer preço ampliando as taxas de lucro, se manifesta de todas as formas, como no
manicômio. Derrubá-lo é construir, como dizem os seguidores de Zapata no México, os "zapatistas", um mundo onde caibam todos os mundos. O manicômio
está sendo ampliado nas cadeias superlotadas, nas câmaras nas ruas, nos altos muros separando universos que convivem na mesma cidade, dos ricos e
dos pobres.
Corrigir esta formação social é algo que se começa a fazer demolindo o manicômio. A visão secular da
loucura sempre foi a de rebaixar e maltratar os portadores de transtorno mental, quando não mascarando-os e cronificando-os. Psicopatas, alienados,
doentes mentais, os termos foram se alternando conforme os períodos, assim como os sujeitos incluídos neles. Alcoolismo ou depressão, por exemplo,
foram durante muito tempo incluídas no rol da loucura. Muitos dos que estavam no Anchieta eram assim.
Até a Revolução Francesa, os loucos eram enjaulados e expostos, no qual se pagava um penny como
entrada, com direito de provocá-lo. Com a razão, que endossou do pensamento grego, o Iluminismo alterou a maneira como o louco seria visto
pela sociedade, o que foi ganhando autoridade a partir da metade do século XVII.
E nessa prática se incluía o isolamento do doente mental do convívio social – no início uma
prisão, mas também com a idéia de sua recondução ao meio. Então, se tinha o isolamento como imprescindível para o tratamento e a cura da
doença mental, o que evidentemente não acontecia. A liberdade era o caminho e a humanidade levou séculos para descobrir esta evidência. |