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"O ALIENISTA" E O ANCHIETA: de perto, ninguém é normal
O Anchieta era como a "Casa Verde" do livro "O alienista" (como antigamente se chamavam os
psiquiatras), de Machado de Assis, quando um médico inova na separação dos "loucos" dos "normais".
Ele, o Dr. Simão Bacamarte, pretendia separar o reino da loucura do reino do prefeito juízo, como se
existisse e fosse possível esta separação. Mas a confusão entre estes reinos leva o doutor, na busca para saber o que é normalidade, a no começo
internar a todos os que eram diferentes da maioria. Como havia sido feito, na realidade, aqui. O hospício é a casa do poder instituído e Assis sabia
disso muito antes de Foucault e Basaglia, dos estudiosos e demolidores desta barbaridade da civilização que era o manicômio – que ainda existe.
No livro de Assis, o trabalho do Dr. Simão Bacamarte inicialmente é bem recebido pela população de
Itaguaí, a cidade em que transcorre a estória, mas a aprovação cessa quando o médico passa a recolher na "Casa Verde" pessoas em cuja loucura a
população não acreditava.
Então, o barbeiro Porfírio lidera uma rebelião contra o hospício, que é sufocada. Numa primeira etapa,
são internados os que manifestem hábitos ou atitudes discutíveis, tolerados pela sociedade: os politicamente volúveis, os sem opiniões próprias, os
mentirosos, os falastrões, os poetas de versos empolados, os vaidosos. Mas para pasmo geral da população de Itaguaí, o Dr. Simão Bacamarte um dia
solta todos os recolhidos no hospício - e adota critérios inversos para a caracterização da loucura: os loucos agora são os justos, os leais, os
honestos.
A terapêutica para estes casos de loucura consistia em fazer desaparecer de seus pacientes as
"virtudes", o que o Dr. Simão consegue com certa facilidade. Declara curados todos os loucos, solta-os todos e, reconhecendo-se como único louco
irremediável, o médico tranca-se na Casa Verde, onde morre meses depois.
Qualquer semelhança da ficção com a realidade não é mera coincidência: quem são os "normais"? Ao tempo
da intervenção e da mobilização em torno da atitude local de libertação, se dizia "De perto, ninguém é normal".
Basta não se encaixar na "normalidade" ditada externamente para, não se enquadrando, ser "louco".
A nossa razão é a medida da loucura alheia, disseram – e por ela medimos "o outro". Desde que não tenhamos o poder de interná-lo, como o Dr.
Bacamarte, tudo bem. A coisa só piora quando somos autorizados a prendê-lo, dar-lhe remédios e eletrochoques. Aí a coisa pega. O rompimento dessa
autoridade, do princípio da autoridade, foi a aula do Anchieta. |