Falta vontade política, dinheiro ou coragem para desafiar elite santista?
Entra governo, sai governo. Promessas vão, promessas voltam e nada. As histórias envolvendo a construção do tão sonhado túnel ligando as zonas Leste e Noroeste de Santos vão sendo
contadas de pai para filho, de avô para neto e ninguém vê nada, apesar da cobrança popular. Até quando vão enrolar o povo?
Imagem: reprodução das páginas 8 e 9 com a matéria
TÚNEL DA ZONA NOROESTE
Promessas e desilusões de uma obra fundamental
Repórter: Carlos Ratton
Paulo Gomes Barbosa (Arena), Oswaldo Justo (PMDB), Telma de Souza
(PT), David Capistrano (PT), Beto Mansur (PP) e João Paulo Tavares Papa (PMDB). Quantos prefeitos e seus respectivos partidos já passaram e ainda vão passar por Santos
sem que se tenha a ousadia de realizar o maior sonho - depois do fim das enchentes - dos cerca de 120 mil habitantes da Zona Noroeste: o túnel ligando a região à Zona Leste da Cidade?
Parece que, para os governantes, a Zona Noroeste - que possui 15 bairros e um terço da população santista - não faz parte do Município. A tão esperada obra, que seria o verdadeiro reconhecimento de
que a região pertence a Santos realmente de fato e não só de direito, não foi incluída sequer no recente Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC 2), do Governo Federal, e na Peça Orçamentária de 2012, do Governo Municipal, discutida semana
passada.
O Túnel da Zona Noroeste também não conta com o apoio do Governo do Estado, pois, apesar de custar cerca de R$ 150 milhões - quase 10 vezes menos que a construção do anunciado
túnel que ligará Santos ao Guarujá, orçado em R$ 1,3 bilhão - foi pouco levado a sério nas muitas vezes que os governadores Paulo Maluf (PP), Franco Montoro (PSDB), Orestes Quércia (PMDB), Luiz Antonio Fleury Filho (PMDB), Mário Covas, José
Serra e Geraldo Alckmin (todos do PSDB) visitaram a Cidade.
Os ex-prefeitos Beto Mansur [1], Telma de Souza [2], João Paulo Tavares Papa [3] e Paulo Gomes Barbosa [5] e Oswaldo Justo [6], e do professor José Marques Carriço [4]
Fotos: Arquivo DL, publicadas com a matéria
Fantasma de 2004
Muito já se falou a respeito do porquê dos prefeitos, até hoje, empurrarem a obra com a barriga. Que a Zona Noroeste teria outras prioridades; que o custo-benefício não compensaria; que o equipamento
congestionaria ainda mais a Avenida Nossa Senhora de Fátima e, até, que a elite santista torceria o nariz diante da quantidade de pessoas, de classes menos favorecidas, que passaria a frequentar a orla santista, cada vez mais tomada por abastados
paulistanos e do interior do Estado, que vêm ocupando empreendimentos imobiliários de luxo.
Comentários à parte, o túnel ligando a Zona Noroeste à Leste de Santos é um fantasma que assombra o Paço Municipal Santista há décadas. Mas, desde 1994, gestão do então prefeito David Capistrano, a
construção começou a ser mais discutida entre a população e autoridades da Cidade.
Em 12 de janeiro de 2002, o então prefeito Beto Mansur, hoje deputado federal (PP), soltou um balão de ensaio, anunciando que o edital para o projeto executivo da obra seria publicado em 90 dias.
Empolgado com a aprovação dos recursos da União, Mansur até deu prazo para a entrega do empreendimento. "Quero entregar o túnel para a cidade em dois anos, ainda no meu mandato", disse na época.
Um ano depois, mais precisamente no dia 3 de janeiro de 2003, o prefeito arriscou novas previsões. O início das obras ficaria para 2004, ou seja, no último ano do seu segundo mandato. Aliás, neste
mesmo ano, a bancada paulista no Congresso Nacional, formada pelas petistas Telma de Souza e Mariângela Duarte, além de Vicente Cascione (PTB), chegou a apresentar emenda de R$ 100 milhões para o projeto.
Na justificativa da emenda, a bancada informou que o túnel tornou-se prioritário depois da duplicação da Rodovia dos Imigrantes. Segundo alertavam os
deputados paulistas, a segunda pista, entregue em dezembro de 2002, fez com que Santos absorvesse todo volume de tráfego de veículos leves que se destinam à Baixada Santista.
A emenda também destacou que a obra seria uma alternativa para desafogar o trânsito na entrada da Cidade, onde se concentra um grande movimento de caminhões, que transportam cargas para o Porto de
Santos.
Depois das contradições do então prefeito e de muita negociação com o Governo do Estado, chegou-se a acenar para a liberação de no máximo R$ 30 milhões - um quinto do valor total da obra. Uma pequena
mostra de que o túnel era muito mais importante para os moradores do que para os políticos que os representavam.
Com prazo de execução em 28 meses, a obra, na época, chegou a despertar o interesse de 73 empresas, que adquiriram os envelopes da licitação. Depois de concluído, o túnel teria 1.350 metros e
interligaria a Rua Dom Duarte Leopoldo Silva (Marapé) e a Avenida Francisco da Costa Pires (Zona Noroeste), no limite entre São Vicente e Santos.
Beto Mansur terminou seus dois mandatos sem ter colocado um saco de cimento para a realização da obra. Seu sucessor, o prefeito João Paulo Tavares Papa, está terminando um ciclo de oito anos à frente
da Prefeitura de Santos e pouco tocou no assunto. Um silêncio ensurdecedor para milhares de moradores da Zona Noroeste.
Numa audiência pública, realizada em 26 de abril deste ano, a necessidade de construção do túnel era a 49ª das 80 reivindicações da população do bairro. Ou seja, a população continua com esperança.
Beto passa bastão para Papa
Em recente entrevista ao jornal Boqnews, questionado sobre se teria alguma obra que não fez enquanto prefeito, o deputado federal Beto Mansur disse: "antes de sair em 2003, eu fiz a licitação
do túnel ligando a Zona Noroeste com a Zona Leste. A OAS, uma empresa que está acostumada a fazer túnel, ganhou essa licitação. O Papa tinha tudo para começar essa obra. Ele acabou não fazendo, mas é uma obra extremamente necessária, não só porque
você integra quem mora na Zona Noroeste com quem vive na Zona Leste, mas também porque é um jeito de resolver o trânsito na entrada da Cidade".
Professor desabafa
Profissional da área de Planejamento Urbano, funcionário da Câmara Municipal de Santos e professor dos cursos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos e da Universidade Santa
Cecília, com doutorado em Planejamento Urbano e Regional pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), o santista José Marques Carriço, em tom de desabafo, lamenta a falta de interesse pela construção do túnel da
Zona Noroeste.
"Apresentada a nova proposta para ligação seca (túnel) entre Santos e Guarujá, pelo governador do Estado (Geraldo Alckmin), com grande repercussão nos principais órgãos locais de imprensa, fico a
perguntar por qual razão o túnel de ligação entre as zonas Leste e Noroeste de Santos não merece igual ou maior espaço em nossa mídia e na agenda das autoridades responsáveis?"
Para o professor-doutor, a importância da ligação é maior do que a construção do túnel entre Santos e Guarujá. Ele defende o túnel da Zona Noroestes como uma ligação estratégica, que além de integrar
definitivamente a área insular do Município, criaria nova alternativa para ligar o Centro e a Orla de Santos com São Vicente, inclusive sua área continental.
O professor lembra que segundo dados do Censo 2000, tratados pelo Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Universidade de Campinas (Unicamp), até 35 mil vicentinos viajavam diariamente a Santos, por
motivos de trabalho, estudo ou a procura de serviços. "Por outro lado, este mesmo movimento pendular, entre Guarujá e Santos, não passava de 15 mil pessoas", comenta.
O professor suspeita que a resposta de seu questionamento esteja voltada ao campo da política e não da técnica. "Como se sabe, as classes dominantes são muito hábeis ao impor suas agendas políticas",
dispara.
Para o professor, fica claro que o grande interesse pela ligação reside nas oportunidades que se abrirão para a elite santista, quanto à possibilidade de fixar residência na orla de Guarujá (muito
mais bonita e atraente) e continuar trabalhando em Santos.
"Esta possibilidade certamente impulsionará grandes e lucrativos negócios imobiliários, o que faz do projeto de ligação seca entre as ilhas uma possibilidade muito interessante para o setor. Creio
que aí reside tamanho interesse no assunto, em detrimento da ligação pelo maciço central da ilha de São Vicente, que seguramente serviria a uma classe social não tão influente, embora muito mais numerosa".
Carriço finaliza: "Esse túnel é mais importante para o trabalhador do que para a elite, por isso encontra resistência. Não é uma bandeira da classe média-alta, mas é fundamental para o
desenvolvimento regional".
Quatro contratos e nenhum do túnel
No último dia 15, no Salão Nobre do Paço Municipal, Prefeitura e Caixa Econômica Federal (Caixa) assinaram quatro contratos, que destinam recursos da segunda fase do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC 2).
O maior contrato, no valor de R$ 170 milhões, é destinado às obras de macrodrenagem de águas pluviais e de marés de alguns bairros da Zona Noroeste. Essas obras estão previstas no
Programa Santos Novos Tempos, que será concluído somente em 2015.
O túnel da Zona Noroeste, sonhado pelos moradores, foi apenas lembrado pela deputada estadual Telma de Souza (PT), ex-prefeita de Santos, alertando a necessidade de se continuar lutando pela obra.
Papa diz que é importante, porém...
Procurado pela reportagem, o prefeito João Paulo Tavares Papa encaminhou por intermédio da Assessoria de Imprensa, a seguinte nota: "a Prefeitura entende que a construção de um túnel entre as zonas
Leste e Noroeste de Santos é uma obra importante, que representaria uma opção para os deslocamentos entre as duas regiões da área insular. No entanto, o desenvolvimento sustentável do Município tem que ser planejado com muito cuidado. Mais urgente
do que o túnel é a solução dos problemas habitacionais, ambientais e de alagamentos na Zona Noroeste, que está acontecendo por meio do Programa Santos Novos Tempos".
O chefe do Executivo santista finaliza: "Com recursos garantidos para todas as etapas do programa e com as obras de habitação e macrodrenagem em andamento, a região estará mais preparada para receber
o fluxo de veículos proveniente do túnel, para o qual temos um projeto concluído desde 2004, inclusive com licenciamento ambiental".
Também procurado pela reportagem, o presidente da Câmara de Vereadores de Santos e morador da Zona Noroeste, Manoel Constantino dos Santos (PMDB), disse que o assunto sempre foi muito debatido na
Casa, com, inclusive, propostas de emendas destinando verbas para a obra.
"Acontece que o dinheiro sempre acabou sendo desviado para outras prioridades, para obras consideradas de emergência pela Administração. Sou e sempre serei um batalhador pela construção do túnel,
pois acho que é fundamental para a Cidade. Mas acredito que é preciso buscar recursos no Governo do Estado para viabilizá-lo".
Entrada: Zona Leste. Saída: Zona Noroeste
Fotos: Lucas Baptista e Arquivo DL, publicadas com a matéria |