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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (T)
Plano Diretor se rende a usos e costumes (1)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. Nesse turbilhão, os planejadores urbanos descobrem que na prática, a teoria é outra, é necessário adaptar os planos à realidade de uma cidade/metrópole que tem vida e vontade própria. Como foi destacado nesta matéria publicada no jornal santista A Tribuna, em 31 de março de 1996:
 


Pode surgir, em breve, um novo bairro entre os canais 1 e 2
Foto: Raimundo Rosa, publicada com a matéria

Usos e costumes alteram traçado do Plano Diretor

Arylce Cardoso Tomaz
Da Editoria Local

Intuitiva, subjetivamente, o homem vai se fazendo prevalecer no espaço em que ocupa, deixando seus referenciais para as gerações futuras. Seus usos e costumes são sugeridos e se fortalecem de vários modos, como a denominação dos bairros. Mudá-los pode significar perda de referencial, de ligação afetiva.

Um cuidado que não foi esquecido no projeto de lei do novo Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana, em tramitação na Câmara, e que deverá ser aprovado até junho. É nesse contexto que os morros - núcleos habitacionais ainda sem denominação oficial - continuarão a ser chamados pelos nomes que lhes foram dados pelo povo, e que bairros serão rebatizados.

Os usos e costumes surgem da forma como o homem lê o mundo. Essa visão, da professora de Filosofia e chefe do Departamento de Filosofia da Universidade Católica de Santos (UniSantos), Conceição Gmeiner, sintetiza a força que um determinado valor social consagra e se impõe aos indivíduos, suplantando, inclusive, as leis.

Nesse contexto, ela destaca a importância de se respeitar a opinião popular e, na medida do possível, projetar-se o traçado de uma cidade de acordo com os usos e costumes. O contrário, salienta, causaria muitos prejuízos do ponto de vista cultural e, inclusive, religioso. Perder uma tradição, uma referência, um caminho, para Conceição, é legar às pessoas que estão nascendo uma ligação afetiva diferente, com outro referencial.

Essa identidade serve, inclusive, para as relações de comércio, agindo como estímulo ao crescimento dos negócios, e se efetiva na participação da comunidade nas reivindicações e lutas por melhorias.

Conceição explica que cada povo vai fazendo suas representações ao longo da história, de acordo como vê o mundo. Assim surgiram as bandeiras, e não é à toa que nos pavilhões da África e da América do Sul há predominância da cor verde, e nos europeus, do branco e vermelho. No verde está implícita a floresta, no branco a neve, no vermelho o sol, elementos que têm ligações profundas com esses povos. "É claro que as pessoas não sabem disso. É intuitivo e subjetivo. Por isso não se pode desrespeitar. Se brotar da população, merece muita atenção".

Imposições - Foram os usos e costumes que forçaram a substituição dos nomes dos revolucionários da Revolução Russa (impostos pelo regime soviético às principais cidades do país), para suas antigas denominações. A ausência de um referencial prático não conseguiu sustentar uma referência puramente teórica.

É pelo uso popular, também, que bairros acabam ganhando nomes, às vezes menos nobres, mas que, curiosamente, resistem às mudanças. Esse é o caso da Alemoa, cuja lenda conta ser procedente do fato de no local ter habitado uma alemoa de hábitos liberais para a época.

Os usos e costumes podem interferir também de forma negativa sobre as pessoas, em função das mudanças sofridas no tempo e no espaço, pela significação das palavras. Um exemplo é o bairro da Encruzilhada.

Originariamente significando lugar por onde passa a civilização, encruzilhada (carrefour, em francês) ganhou uma conotação pejorativa porque, pela tradição brasileira, está ligada a práticas menos nobres de religiões africanas.

Nesse caso, diz a professora, uma possibilidade para criar uma identificação dos moradores com o nome do bairro seria a elaboração de uma campanha de esclarecimento sobre o significado da palavra e sua importância na história das cidades.

Saturnino prioriza sistema de canais

Entre os aspectos importantes de um plano diretor devem ser ressaltados o zoneamento do uso do solo e seu aproveitamento; hierarquização do sistema viário; fixação correta dos abairramentos e da densidade demográfica; e preservação da paisagem natural.

O projeto de lei do Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana privilegia ainda, e de maneira especial, o trinômio de desenvolvimento comércio/turismo/porto, propiciando a criação de infra-estrutura e de superestrutura urbana que permita o crescimento da cidade como um todo.

Atualmente sob a análise das comissões técnicas do Legislativo Municipal, o projeto de lei, na análise do presidente da Câmara, vereador Marcos de Rosis (PTB), deverá ser aprovado até junho. Ele próprio concorda em grande parte com o texto e, sem entrar em detalhes, diz que terá poucas ressalvas a fazer: "Caso 35% do que consta no novo código venham a ser implantados, a Cidade terá benefícios enormes".

O primeiro que a Cidade teve foi elaborado em 1913, quando o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito planejou o sistema de canais de drenagem, que até hoje assegura a superfície enxuta da planície santista. Posteriormente, por volta de 1930, Prestes Maia apresentou um Plano Regulador para Santos, no qual destacava a ligação Santos-Guarujá por ponte elevada.

Em 1965, o prefeito Sílvio Fernandes Lopes criava a Prodesan, possibilitando a elaboração de planos, obras e programas como a assinatura do primeiro contrato, referente ao Plano Diretor Físico de Santos, que foi implantado em 1968 e que vigora até os dias atuais.


Moradores da Palmares não aceitam incorporação ao Estuário
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

A praça que é parte de quatro bairros

Entre o Canal 4 e a Avenida Afonso Pena existe uma extensa área de 10 mil m², cujas peculiaridades vão além da pista específica para a prática de skate e das belíssimas paineiras em flor. Ali localiza-se a Praça Palmares, a única do Município situada em quatro bairros. Os habitantes do quadrante de números 1 ao 11 moram no Estuário. Seus vizinhos, do 12 ao 16, no Boqueirão. Os imóveis do 18 ao 26 ficam no Embaré, e do 27 ao 30, no Macuco.

Essa quantidade de bairros num mesmo logradouro não chega a ser problema para a maioria dos moradores da Praça Palmares. Independentemente do Código de Endereçamento Postal (CEP), o carteiro, que há anos trabalha na região, garante a entrega de todas as cartas.

Denize Sotello Batista, que reside há 15 anos no edifício nº 26, acha graça na confusão que fazem com os bairros da praça e diz que apesar de morar no Embaré, recebe correspondência endereçada também ao Macuco e Boqueirão: "Só não mandam para o Estuário".

Um pequeno grupo de habitantes, entretanto, aguarda ansioso pelo novo Plano Diretor Físico, que alterará a parte denominada Estuário para Macuco. Com a entrada em vigor do Plano Diretor de 1968, eles passaram a residir no Estuário. Mas, até hoje, não assimilaram a mudança e querem manter a tradição, devolvendo o nome Macuco àquela parte da praça.

Uma vila muito especial

Tudo começou com alguns bangalôs. Depois, veio o time de futebol. Hoje, ambos deixaram de existir. Porém, a Vila Hayden resiste ao tempo, mantendo acesos usos e costumes, desafiando leis. Ninguém, no quadrilátero entre a Rua Major Santos Silva, a Rua Germano Melchert, a Rua Oscar Sampaio e a Avenida Siqueira Campos (Canal 4), diz que a área pertence ao Boqueirão. Ali é Vila Hayden e ponto final.

Jonas Alves de Souza, sexagenário que nasceu, foi criado e que só saiu da vila há dois anos, mas que passa os dias conversando com amigos numa padaria da Rua Frei Francisco Sampaio com o Canal 4, diz que jamais aceitou outro nome: "Boqueirão, só mesmo nas correspondências, porque era obrigado".

Ele é uma das dezenas de pessoas que gostariam de ver a Vila Hayden oficializada no novo Plano Diretor. Mas, caso isso não ocorra, afirma, categórico, que nada vai mudar: "Para nós, será sempre Vila Hayden. É uma tradição que continuará passando de geração à geração, que faz parte da vida dos moradores".


Santa Terezinha é exemplo de morros sem nomes oficiais
Foto: Raimundo Rosa, publicada com a matéria

Morros ainda não têm nome oficial

Não existe santista que nunca teve escutado falar de Nova Cintra, Saboó, Vila Progresso, Santa Terezinha e Jabaquara e que não associe esses nomes aos morros da Cidade. O que poucos sabem, porém, é que a denominação dos bairros que se formaram nessas localidades não é oficial. A manutenção de cada um deles, ao longo da história da Cidade, deve-se aos usos e costumes da população.

Na área continental, ocorre a mesma coisa. Caruara, Caiubura, Sítio São João, Itatinga, Ilha Diana e Monte Cabrão - alguns deles utilizados para passeios ecoturísticos -, somente com o novo Plano Diretor passarão, oficialmente, à condição de bairros. Isso, apesar de vários deles já manterem algum tipo de ocupação humana há muitas décadas.

Caiubura, Sítio São João e Itatinga estão em área de litígio e, em função do que decidir o Supremo Tribunal de Justiça, podem não vir a ser bairros de Santos mas de Bertioga, que se emancipou em 1991.

Os usos e costumes não se limitam ao abairramento. Eles prevalecem também no caso de logradouros e pequenos redutos. A Rua Pindorama, no Gonzaga, por força de projeto do Legislativo, de repente, passou a se chamar Rua Canuto Waldemar Nogueira Ortiz, desagradando aos moradores e parte da população. Pouco tempo depois, orgulhosos, os habitantes daquela pequena rua assistiram à troca de placas. Pindorama prevaleceu.

O nome Oswaldo Aranha, emprestado à avenida que margeia o Porto, não sobreviveu aos costumes, dando vez à Avenida dos Portuários, como sempre foi conhecida pelos santistas. O quadrilátero entre a Avenida Conselheiro Nébias, Rua Minas Gerais, Avenida Washington Luiz e Rua Machado de Assis, no Boqueirão, dificilmente deixará de ser chamado de Vila Rica, apesar de se localizar no Boqueirão.

Por toda a região há casos parecidos. São Vicente, a primeira vila do Brasil, tem na Praça do Correio um dos marcos da cidade, que muito pouca gente identifica pelo nome oficial de Praça Coronel Lopes. Um dos principais pontos turísticos do município, a Praça 22 de Janeiro é uma denominação que passa despercebida por muitos vicentinos. Mas, quem não conhece a Praça da Biquinha?

Desenvolvimento sustentado

A elaboração do novo Plano Diretor Físico é um processo de cinco anos, mas que somente em 95 teve um grande avanço. Reuniões com setores da sociedade e um congresso, em setembro, culminaram com a alteração de propostas ao projeto de lei inicial.

O uso do solo e as vocações econômicas são pontos de destaque no projeto de lei, cuja filosofia é o desenvolvimento sustentado e a criação de instrumentos que permitam o progresso social, protegendo o meio-ambiente e a qualidade de vida.

Em função dos usos e costumes, bairros serão criados, incorporados a outros ou deixarão de existir. A vontade popular, a história de vida da comunidade, segundo o arquiteto José Marques Carriço, da equipe de elaboração do novo Plano Diretor, não podem ser relegadas, sob pena de a imposição vir a ser ignorada pela comunidade.

Ele explica que foram levadas em consideração as mudanças manifestadas oficialmente pelas comunidades dos bairros, como é o caso dos que residem no José Menino, entre os canais 1 e 2, favoráveis à criação do bairro da Pompéia. O mesmo ocorre com a parte da Praça Palmares cujos habitantes querem que retome a denominação de Macuco.

Moradores do pequeno loteamento conhecido por Chico de Paula, entre a Rua Oswaldo Carvalho de Rosis e a Avenida Nossa Senhora de Fátima, na Zona Noroeste, que pertence ao Saboó desde 1968, não se conformam até hoje com a mudança. Renitentes, recusam-se a aceitar o nome atual do bairro e foram um dos primeiros a reivindicarem a alteração à Prefeitura.

O projeto de lei tem em seu bojo, ainda, a filosofia de fazer com que o Porto, de uma maneira simbólica, se incorpore à Cidade. Isso acontecerá com a adoção de nomes oficiais para áreas portuárias, já assimilados no cotidiano dos trabalhadores, como Outeirinhos, Porto/Ponta da Praia, Porto/Macuco, Paquetá, Valongo, Saboó, Alemoa e Ilha Barnabé.


Oficializar o bairro é uma forma de unir o Porto à Cidade
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

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