Santos busca seu caminho
Alberto Eduardo Levy, diretor do Escritório Levy
Ltda., economista e presidente da Bolsa de Valores de Santos. Mário Covas Jr., engenheiro, ex-deputado federal, cassado e reintegrado à vida
política, foi eleito presidente do MDB (N.E.: Movimento Democrático Brasileiro, partido político de oposição consentida
no bipartidarismo então existente no Brasil) paulista. Tem sua base política na Baixada Santista. Bento Ricardo Corchs
de Pinho, advogado, professor de Microeconomia, Moeda e Bancos e Economia Internacional, da Faculdade de Ciências Econômicas e Comerciais de Santos.
Também é 1º tesoureiro da Santa Casa de Santos. Reginaldo Emmerich de Souza, vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Santos,
presidente do Conselho do Comércio Varejista da Federação e Centro do Comércio do Estado de São Paulo, professor de Contabilidade Geral, Análise de
Balanços, Contabilidade de Custos e Contabilidade Comercial. Sílvio Fernandes Lopes, engenheiro, ex-vereador, ex-prefeito de Santos, deputado
federal por duas legislaturas, ex-secretário dos Transportes do Estado e atual titular da Secretaria de Obras e Meio-Ambiente do Estado.
Acidentalidade, forma de concentrar a renda
As autoridades decidiram pela volta da acidentalidade no cálculo do Índice de
Preços no Atacado, pretendendo influir para redução da medida mensal da inflação e da correção monetária. Como isso interessa a toda a economia,
quais os aspectos positivos e/ou negativos da decisão?
Reginaldo E. de Souza - "Considero a
acidentalidade, assim como o processo de correção monetária, duas aberrações, quando temos uma inflação galopante. Na realidade teremos um problema
sério, porque a correção monetária dentro de uma inflação crescente traz uma série de inconvenientes, agravados pela inclusão da taxa de
acidentalidade. Eles vão criar mentalidade de desestímulo porque estamos tomando de alguém em benefício de um terceiro; considero isso uma mágica,
que estamos habituados a incutir na mente do brasileiro, com criação de distorções. Temos que procurar as causas, tentar corrigi-las e não criar
mecanismos para suavizar os efeitos".
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"É algo assim como admitir que um doente não está com febre, usando para medi-la um termômetro que só
vai até 38 graus."
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Mário Covas Jr. - "O critério de acidentalidade,
no que respeita à sua incidência, sobre a inflação, é algo assim como admitir que um doente não está com febre, usando para medi-la um termômetro
que só vai até 38 graus. A rigor, a acidentalidade não é um mecanismo para diminuir a inflação, nem tem incidência sobre ela. É um mecanismo para
redistribuir a renda, sempre dentro desse mecanismo concentrador.
No instante em que se considera acidentalidade, para efeito de apuração do Índice de
Preços no Atacado, a incidência dos preços do petróleo, num instante como este, e me parece que neste ano também o preço do milho, e com isso se
diminui o IPA - neste ano o cálculo nos leva ao seguinte: 77% que deveríamos ter, o índice baixa para 62%, ou seja reduziu para coisa de 20%;
aplicando-se esse critério às ORTNs, a moeda paralela que se criou no País - tem-se aí um mecanismo redistribuidor, ou melhor, concentrador de
renda.
Veja-se que diminuindo o valor da ORTN, diminui-se o valor do salário indireto que se
chama Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, como o outro salário que se chama PIS, esses de propriedade da massa trabalhadora. E simultaneamente
diminuem-se as dívidas para o BNDE; diminuem-se as dívidas para o BNH, isto é, as dívidas que certamente não são os interesses populares que as
fazem, o que se traduz em concentração da renda."
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"Eles vão criar (com a acidentalidade) mentalidade de desestímulo,
porque estamos tomando de alguém em benefício de um terceiro;
considero isso uma mágica..."
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Bento de Pinho - "O Paul Samuelson, um dos maiores
economistas do mundo, disse que se quiséssemos encontrar uma pessoa no Brasil que não conhecesse inflação, teríamos que localizar alguém com mais de
90 anos... Mas não querendo teorizar muito, temos no Brasil duas grandes correntes que visualizam a inflação, a monetarista e a estruturalista ou
social. A corrente que tem preponderado é a monetarista e tem muito daquilo que nós chamávamos de estado liberal capitalista do século passado
(N.E.: século XIX). Ele acha que o problema inflacionário é de massa monetária, de meios
de pagamento (maior ou menor volume de crédito, expansão ou não da taxa de juros etc.) e os problemas estruturais, mais sérios para a economia, são
deixados de lado.
(...) Daí por que a inflação no Brasil fica sendo um monstro indomável, justamente
pela falta do remédio adequado. A acidentalidade, dentro dessa ótica, aparece como um artifício estatístico e que se exaure apenas nesse plano. A
inflação continua não sendo enfrentada. Ela é sempre maior que a taxa oficial, questão de 5, 10, 20%.
No Brasil vivemos dentro de uma dicotomia, que é a inflação real e a desejada; se a
real, como tem acontecido, supera a desejada, num processo de auto-ilusão, lembra-me um pouco o avestruz, eu vou tentar montar uma inflação
estatística, bem aquém dessa inflação real, mas que não me resolve o problema (...).
Costumo dizer que não existe um problema econômico que não seja um problema político,
porque a decisão econômica encerra sempre uma opção. Eu vou escolher um caminho e esse curso é escolhido em função do grupo que está no poder, que
comanda as decisões.
Nos anos recentes, as opções têm sido tomadas dentro de um raciocínio que não leva em
conta as necessidades do povo, delas se manifestarem, mas sim, aquilo que se pensa que é o melhor, numa ótica paternalista. E essas decisões são
tomadas por um tipo de classe - que é característica da economia nos últimos 30 anos - que no Brasil está enquistada no Governo, nas entidades
paraestatais.
É o que se chama de tecnoestrutura, muito bem definido por um outro economista, John
Kenneth Galbraith. Essa tecnoestrutura tem seus interesses específicos, que se conflitam com os da massa popular. Então a sociedade brasileira, como
um todo, não tem nenhuma influência nas decisões de combate à inflação, sobre as medidas até hipoteticamente de supressão da correção monetária,
como mecanismo realimentador da inflação. Daí então se reenfatizar a importância desse debate político, entendendo a Democracia, como Lincoln já
disse, que é o governo do povo, para o povo...".
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"A acidentalidade, dentro dessa ótica, aparece como
um artifício estatístico que se exaure apenas nesse plano.
A inflação continua não sendo enfrentada."
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Mário Covas Jr. - "Gostaria de mencionar apenas
três números. Até maio de 1979, o saldo líquido do FGTS era da ordem de Cr$ 258,7 bilhões; o PIS era de Cr$ 116,5 bilhões e os depósitos na
caderneta de poupança, da ordem de Cr$ 352,5 bilhões. Como o Índice dos Preços no Atacado teria valor, coisa da ordem de 77%, e este foi modificado
pela incidência da acidentalidade, passa para 62%, e a manipulação da fórmula, com a introdução do mecanismo de inflação desejada baixa, a correção
monetária para 52%, isso significa uma incidência da ordem de 20% sobre aqueles montantes líquidos mencionados. O critério da acidentalidade começou
por volta de 1975; a sua influência no combate à inflação é nenhuma, tanto que ela cresceu substancialmente desse período para cá, enquanto exerceu
um efeito multiplicador negativo sobre aquelas contas".
Sílvio F. Lopes - "Tenho apenas um enfoque
político. A acidentalidade foi apresentada pelos responsáveis pela política econômica, assim como quem diz 'Não tenho nada com isso; temos que
alterar porque não é da nossa responsabilidade'. Admitindo-se até a boa intenção das autoridades; na verdade a acidentalidade não teve nenhuma
influência para baixar a inflação; teve influência sobre outros aspectos, aqui fartamente analisados (...) o processo falhou brutalmente".
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Sílvio Fernandes Lopes
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Alberto Eduardo Levy
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Democratização só a nível de consumo
Há pouco ouvimos o ex-governador Miguel Arraes, que disse ter chegado a hora de a
Oposição não mais ser apenas um desaguadouro de descontentamentos, mas a de apresentar um projeto alternativo para o desenvolvimento. Mário Covas,
V. acredita que chegará essa oportunidade?
Mário Covas Jr. - "É evidente quie se chegará, ou
não se chegará a lugar algum. O problema básico das oposições brasileiras nesses 15 anos foi exatamente o de que ou elas se constituíam pela via dos
partidos políticos ou pela via dos agrupamentos sociais, mas lutaram fundamentalmente foi pela mudança de regime. A reivindicação básica era a
mudança de regime. A existência de agrupamentos sociais, de partido político atuando onde a alternância do poder era desde logo vetada, fez com que
a concentração dos esforços a nível político se desse no sentido da reivindicação de uma mudança de regime.
É um desafio em que há que se levar em consideração não apenas a construção de um
estado democrático, mas sobretudo a formulação de um projeto alternativo, com a credibilidade para chegar ao poder e se manter. E este projeto
leva-nos novamente à discussão da questão democrática no País. Isto é, de como fazer com que as grandes massas brasileiras possam efetivamente
influir no processo de desenvolvimento brasileiro; como se vai democratizar os elementos coercitivos hoje detidos nas mãos do Estado, que, por via
dos seus intérpretes, traduz as linhas do desenvolvimento brasileiro e o seu modelo.
Enquanto as grandes massas brasileiras não puderem opinar, não forem capazes de dizer
até onde o País deve ser endividado, até onde se pode optar por um projeto faraônico, como a construção de oito usinas atômicas, até onde se deva
decidir entre um Projeto Jari ou o auxílio à pequena e à média propriedade rural, o que fazer com os recursos do Fundo de Garantia e do PIS-PASEP,
enquanto você não tiver efetivamente uma participação que permita ao povo brasileiro influir nas decisões econômicas, você não terá uma democracia.
O projeto político tem que ser orientado exatamente para este objetivo e aí é onde se
encontra a grande contradição da abertura política. É que a nível retórico ela persegue esses objetivos. O poder fala, por exemplo, na necessidade
de fornecer alimentos em quantidade, mas, na realidade, fora da retórica, na ação, ele não consegue desvincular-se de suas alianças do poder. Então,
simultaneamente, com isso, o que se faz? É uma resolução, como a 432, que permite ao Estado, portanto à nação como um todo, vir subvencionar a
dívida externa, quer das grandes empresas estatais, quer das multinacionais..."
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"Vamos lutar ombro a ombro, cada um com suas idéias e participação,
para pelo menos abrir um horizonte."
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O que pode contribuir para modificar essa tendência?
Mário Covas Jr. - "A rigor, enquanto a grande
massa brasileira não opinar, não se introduzir entre esses mecanismos coercitivos do Estado e as suas decisões, realmente não se mudará o poder. Não
se encontrará a solução. Nós hoje chegamos a ter paradoxos desse tipo: os setores voltados para a produção de bens de luxo têm ociosidade, e os
voltados para produção de bens de consumo popular estão exauridos, ou se encontram deficitários. A oferta de alimentos per capita, num
período em que a população cresceu 40%, cresceu apenas 10%, porque nós temos uma agricultura toda ela voltada para a exportação, como instrumento
para financiar uma produção voltada para bens de luxo.
Isto gera algumas conseqüências que merecem ser citadas. Enquanto um trabalhador
brasileiro ganha um oitavo do que recebe um trabalhador norte-americano, um executivo brasileiro ganha mais do que um executivo norte-americano. Foi
preciso levantar alguns setores da classe média em nível superior, para manter determinado nível o consumo de bens de luxo. E toda a chamada oferta
de democratização que se faz hoje no País tem apenas um enfoque, é a democratização ao nível do consumo. O que se persegue, como modelo alternativo,
é uma democratização a nível de poder, quer político, ou econômico".
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Bento Ricardo Corchs de Pinho
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Reginaldo Emmerich de Souza
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Sílvio F. Lopes - "A pergunta sugere uma análise
do comportamento da Oposição, e apesar de eu ser do Governo, concordo em gênero, número e grau com o Mário Covas, pela razão seguinte. Realmente,
nesse período de governo, vamos dizer forte, na verdade o que prevaleceu entre as oposições brasileiras foi a sobrevivência e, em razão dela,
a luta permanente pela alteração do status quo.
Havia até uma razão, porque o ordenamento político, inclusive constitucional, não
permitia que os assuntos de maior relevância, inclusive econômica, tivessem iniciativa dessa natureza (o projeto alternativo de desenvolvimento).
Essas iniciativas são sempre do Executivo.
Então, na verdade, esse enfoque passa a nascer agora e ainda de forma incipiente.
(...) O processo de abertura vai nos levar também à abertura em todos os sentidos, inclusive no econômico. É um problema de decisão política, no seu
sentido mais alto, incluindo-se, evidentemente, as opções que a Nação deve tomar e que têm que ser amplamente debatidas. Vamos lutar ombro a ombro,
cada um com suas idéias e participação, para pelo menos abrir um horizonte".
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"Enquanto as grandes massas brasileiras não puderem opinar, não forem capazes de dizer até onde o País
deve ser endividado, até onde se deva decidir entre um Projeto Jari ou o auxílio à pequena e à média
propriedades rurais (...) V. não terá uma democracia."
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(Dirigida a Sílvio F. Lopes). Como homem que transita em áreas do Governo, sente
que haverá tempo para essas reformas, em contraposição aos problemas sociais que estão à nossa vista, a crise do petróleo? A abertura conseguirá
aplacar as pressões que tendam a surgir?
Sílvio F. Lopes - "Evidentemente, o próprio
exercício dessas medidas é que poderá, num tempo relativamente hábil, nos informar melhor desse processo. O que sentimos, e esta será a melhor
fórmula, vamos dizer, a válvula de escape, porque todas as vezes em que as decisões são tomadas a nível de debate, de diálogo, é óbvio, claro, que
essa participação vai agir como elemento moderador. O que é desagradável, já não falo como povo, massa, mas segmentos importantes, da sociedade, que
não são nem ouvidos nem cheirados.
Evidentemente, a classe política é a grande vítima em toda essa problemática desses
anos. Sobre ela se jogou toda culpa da Nação; foi uma tolice muito grande. Mas acredito que se realmente esse propósito de reabertura for levado à
frente, com debates em todos os níveis, haverá condições melhores. Evidentemente, três, quatro, ou cinco anos na vida de cada um de nós, é um tempo
muito grande, não em termos de nação (...) Com isso, a classe política terá maiores responsabilidades. É preciso analisar com frieza, que os homens
analisem os problemas, visando a uma contribuição nacional, mas que não façam disso, vamos dizer uma expressão chã, palanques eleitorais... Mas
acredito que, se houver realmente o debate e a participação, nós vamos vencer essa crise sem agravos sociais".
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Mário Covas Jr.
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Mário Covas Jr. - "É evidente que cada um de nós
prefere viver sem o AI-5; prefere viver com razoável clima de liberdade de imprensa, ainda que essa liberdade se manifeste por gradações conforme o
órgão e a incidência desse órgão na opinião pública. Mas é preciso analisar, até onde esse conjunto de medidas tomadas até agora tem como objetivo
pôr em xeque, em discussão, de forma livre e respeitando a opinião da maioria, o modelo que está implantado, ou se, realmente, essa abertura tem
como propósito, ou esconde o propósito, de ganhar tempo para maior permanência no poder.
Há dados que apontam diretamente neste sentido. Isso acaba de ocorrer. (...)
Promoveu-se a extinção de certos condutos tradicionais através dos quais a opinião pública deveria falar e criou-se uma mecânica em sua substituição
que durante um período bastante longo cria um caos político-partidário e, portanto, tirará do cenário um instrumento de mediação entre o poder e o
povo.
Até onde esta abertura política significará um passo de forma definitiva no rumo da
democratização do País, está vinculado ao fato de até onde os setores que a promovem, não os que a reivindicam, estão dispostos a colocar em xeque
os dispositivos, sobretudo os de natureza econômica, que compuseram o modelo de poder vigente nesses 15 anos". |