O êxodo em busca do emprego sonhado causa a formação de favelas
METROPOLIZAÇÃO
Uma luta de 20 anos
Texto: Manoel Alves Fernandes e José Carlos Silvares
Há cerca de 20 anos, ou mais precisamente em 1959,
surgiram os primeiros planos com vistas à metropolização da Baixada Santista. O então prefeito de Santos, engenheiro Sílvio Fernandes Lopes,
movimentava os líderes da região para, em rápidos contatos com a esfera federal, articular os planos iniciais com vistas à metropolização. E tudo o
que foi feito, guardou-se na gaveta.
Dez anos mais tarde, com Santos sob interventoria federal, o interventor, general
Clóvis Bandeira Brasil, elaborava planos e lançava um grupo de trabalho, a Comissão de Estudos sobre a Metropolização da Baixada Santista (CEMBS),
que em 40 meses de trabalho levantou todos os problemas e os dados estatísticos da região, tudo para implantar a metropolização. Mas, pouco a pouco,
os planos foram esquecidos numa gaveta.
Até que em 1977, com Santos já sob a administração de Antônio Manoel de Carvalho, os
trabalhos foram retomados e os prefeitos da região chegaram a manter alguns encontros, num trabalho denominado pré-metropolização. Mas, a partir de
então, os planos foram guardados novamente.
Agora, com a Cidade sob nova gestão administrativa, volta-se a falar no assunto. E o
deputado federal Joaquim Carlos Del Bosco Amaral leva o tema à Câmara Federal, reforçado pela movimentação que o deputado estadual Antônio Rubens de
Lara provoca na Assembléia Legislativa, sob o mesmo enfoque.
Vários problemas enfrentados na região, entre os quais o da poluição, de transportes
urbanos e interurbanos, de abastecimento e de coleta e destinação final do lixo, são levantados pelos que defendem a metropolização como forma de
unir os municípios da Baixada. Juntos, os municípios exerceriam maior pressão para a obtenção de recursos e aplicariam os resultados nos projetos
estabelecidos para a região. Há, entretanto, os que defendem a tese de que a metropolização viria de forma natural, com a prestação de serviços
comuns na região.
A Baixada rende quantias elevadas em impostos e taxas recolhidos pela União e pelo
Estado. Mas, entre os vários impostos - IPI, ICM, taxas rodoviárias, Imposto de Renda, impostos dos serviços realizados no porto e operações
cambiais, entre outras -, apenas o ICM é redistribuído em quantidades maiores. Enquanto isso, a região se estiola, em termos econômicos, e na semana
passada o comércio local lembrava que esta foi a pior das temporadas dos últimos quatro anos.
Na verdade, segundo dados colhidos pelo senador Franco Montoro, os municípios recebem
de volta apenas sete por cento do que o Estado e a União arrecadam. No caso específico de Santos, há quem veja a tributação pelo uso do porto como a
salvação para a Cidade. O tema metropolização está lançado e em discussão, mas embora mais uma vez a região esteja esperançosa de que agora a
metropolização saia, informações da União e do Governo do Estado de São Paulo dão conta de que não há planos nesse sentido. Contudo, o tema será
levado a seminário que se pretende realizar no próximo mês.
Um grande trabalho guardado na gaveta
O maior estudo que já se fez, na Baixada Santista, em
termos de metropolização, está contido em livrete de 258 páginas, correspondentes às informações coletadas, durante 90 dias, pela Comissão de
Estudos sobre a Metropolização da Baixada Santista (CEMBS), constituída pelo decreto municipal 3.894, de 4 de agosto de 1971.
Nesse livrete - o relatório geral da comissão -, encaminhado ao então interventor
municipal, general Clóvis Bandeira Brasil, a comissão conclui que a Baixada possui todos os requisitos básicos que a caracterizam como uma área
metropolitana, de importância nacional.
O relatório final, de 26 itens, apresenta as conclusões do trabalho da comissão nos
itens 17, 18, 19, 20 e 21, onde o grupo recomenda, inclusive, que sejam feitas gestões junto às autoridades federais para tornar a Baixada a 10ª
região metropolitana do País. Hoje, oito anos após a conclusão dos estudos do CEMBS, apesar de inúmeros contatos políticos entre a região e
Brasília, a Baixada Santista continua sem metropolização.
No item 17 do relatório, a comissão enfatiza que os problemas regionais tendem a
agravar-se numa proporção assustadora, considerados os índices populacionais de urbanização e densidade demográfica que se apresentavam em 1971 e
nos anos seguintes.
"Esse agravamento será ainda muito maior, com a conclusão de novas e importantes
obras, como a expansão industrial e a conclusão de novas rodovias, entre as quais a Via dos Imigrantes e a Santos-Rio. Se não houver um planejamento
conjunto e integrado de toda a região - dizia o relatório -, relacionado com o planejamento da Grande São Paulo e dentro dos esquemas traçados pelos
organismos federais, teremos, sem dúvida alguma, o caos, com imprevisíveis conseqüências sociais, econômicas e para a própria segurança nacional. E
esse planejamento conjunto e integrado de toda a região, ultrapassando as condições, os meios, os interesses e as possibilidades de cada um dos
cinco municípios que a integram, somente será possível com a institucionalização, em termos legais, da Área Metropolitana da Baixada Santista".
Autonomia respeitada - A comissão sugere, ainda, que seja criada uma entidade
metropolitana com amplos poderes, inclusive o de fazer cumprir os planejamentos, obter recursos financeiros, exercendo o poder de polícia
administrativa. Mas ressalta que, antes de tudo, será necessário respeitar o princípio da autonomia municipal - fato que, segundo o grupo, não
afetaria o desenvolvimento dos planos regionais.
Ainda no campo das sugestões, a comissão demonstra que o estabelecimento da área
metropolitana deva ser feito por iniciativa da União. E sugere, também, que sejam feitas gestões junto às autoridades federais, entre várias outras
medidas técnicas e estatísticas.
Reuniões e números - Após a entrega dos trabalhos, a comissão reuniu-se mais 12
vezes, sendo que a última vez ocorreu no dia 3 de fevereiro de 1975, e das 28 comissões técnicas nomeadas para os serviços, apenas 19 apresentaram
seu trabalho concluído, apesar das reiteradas solicitações e dilatações de prazos. No dia da última reunião, foi entregue ao ex-prefeito Antônio
Manoel de Carvalho um volume contendo os trabalhos das comissões técnicas e os comentários da comissão. As informações a respeito do que seria
feito, em termos práticos, estenderam-se por dois anos, e apenas em novembro de 1977 é que se realizou um trabalho de pré-metropolização, com a
reunião de todos os prefeitos da região, em Cubatão.
Nesse encontro histórico, os prefeitos não chegaram a um acordo quanto à formação de
um órgão associativo onde poderiam ser iniciados os entendimentos para a criação da região metropolitana. Foram discutidas, entre outras, a questão
do lixo e problemas com verbas para a construção da ponte sobre o Mar Pequeno. Outras reuniões foram realizadas, nos demais municípios da Baixada,
mas pouca coisa além da união dos prefeitos e da exposição de problemas comuns concretizou-se.
A idéia do órgão associativo foi apresentada, na primeira reunião, pelo ex-prefeito de
Santos, Antônio Manoel de Carvalho, e seria, segundo ele, o organismo definidor da proposta de metropolização, e não interferiria na autonomia das
cidades abrangidas, de acordo com a lei que regulariza a criação de regiões metropolitanas. O órgão proposto, o Condebas - Conselho de
Desenvolvimento da Baixada Santista -, não foi aprovado pelos prefeitos.
Em todas as reuniões de pré-metropolização, os prefeitos basearam-se em documentos
colhidos pelo CEMBS ao longo de 40 meses de trabalho, inicialmente sob a presidência do engenheiro Mário Franzolin, e, depois, do médico Áureo
Rodrigues.
Eis algumas das recomendações do CEMBS:
1 - O estabelecimento de leis municipais contra os ruídos, paralelamente ao
planejamento definindo as áreas industriais, comerciais e residenciais, bem como plano viário visando à descentralização do trânsito e à eliminação
dos congestionamentos. Motivo: a continuar o aumento do nível de sonoridade, sem as medidas saneadoras, o homem do futuro terá audição rudimentar ou
completa surdez, além de outros comprometimentos biológicos.
2 - Alerta quanto à poluição do solo por resíduos, particularmente o lixo, o
que determinou, à questão da distinção (N.E.: destinação...?) do lixo, um capítulo
especial durante as reuniões.
3 - Acelerar o processo de implantação do sistema de esgotos sanitários das
áreas não esgotadas dos municípios da Baixada, impedir o lançamento de líquidos residuários industriais no solo sem um prévio condicionamento,
restringir o uso de pesticidas em atividades municipais e controlar o uso de rodenticidas, em programas de desratização.
4 - Criação de um centro de armazenamento e distribuição de gêneros
alimentícios para a Baixada; construção de armazéns para que o comércio varejista estoque suas mercadorias; evitar o surgimento de lojas de
bagunças; proibição de instalação de hotéis de alta rotatividade junto aos centros comerciais; e funcionamento do comércio noturno na Baixada,
com isenção de pagamento de taxas adicionais.
5 - Unificação do serviço telefônico.
6 - Melhor redistribuição das cotas do Imposto de Circulação de Mercadorias
(ICM) entre os municípios da região.
A Baixada Santista é caracterizada pelos municípios de Santos, Cubatão, Guarujá, São
Vicente e Praia Grande, que formam uma área de 1.315 quilômetros quadrados, de um total de 3.294 quilômetros quadrados equivalentes a toda a
sub-região de Santos, que inclui também os municípios de Itanhaém, Itariri, Mongaguá, Pedro de Toledo e Peruíbe. Todos esses municípios possuem
população de quase um milhão de habitantes, a uma taxa demográfica de 202 habitantes por quilômetro quadrado, e uma taxa de urbanização que chega
aos 95 por cento. Essa região possui, ainda, uma população flutuante de quase um milhão de pessoas, número que se equivale ao da população
residente.
Poluição do parque industrial atinge as demais cidades da área
Conurbação, palavra que define a Baixada
Todos os dias, apertados em ônibus e trens, milhares de
pessoas se deslocam de Santos, São Vicente e Guarujá, para trabalhar em Cubatão, teoricamente um subúrbio industrial da Baixada Santista.
De segunda a sexta-feira, a região vive nesse corre-corre mal planejado. Nos fins de
semana, a Via Anchieta e a Rodovia dos Imigrantes despejam nas praias de Santos, São Vicente, Guarujá e Praia Grande milhares de turistas em busca
de repouso, diversão e lazer. As ruas, praças, avenidas e praias ficam entupidas de carros e gente. Em Cubatão, as indústrias lançam golfadas de
fumaça que poluem a região, e toneladas de lixo e material residual sujam os rios e as praias.
Na Ilha de São Vicente, além do turismo, há o tráfego de passagem daqueles que,
enlouquecidos pela superlotação de Santos e São Vicente, buscam alguma tranqüilidade nos litorais Sul e Norte.
Na ponta Sul da ilha, a passagem é feita por uma velha ponte de ferro, que provoca a
formação de longas filas para a sua transposição. Ao Norte, as filas de carros se estendem da Ponta da Praia ao Gonzaga, esperando uma vaga nas
balsas que fazem transpor o canal.
A região da Baixada Santista possui, a um só tempo, o maior porto da América Latina;
um dos maiores parques industriais ao Sul do continente; e um fluxo turístico avaliado hoje em um milhão de pessoas.
Nas temporadas de verão e nos fins de semana prolongados, nos meses de calor e muito
sol, a região se transforma em um inferno. Para os mais lúcidos, tudo isso decorre da falta de planejamento.
Os mais ousados recomendam a união de esforços de todos os municípios, sob a
orientação do Governo do Estado, no sentido de que se resolvam os problemas comuns à região.
Os técnicos em economia, urbanismo e planejamento criaram até uma palavra nova -
conurbação -, que serve para definir aquela confusão que o povo descreve como "uma cidade entrando dentro da outra".
Não há mais limites entre Santos e São Vicente e São Vicente e Praia Grande. Há ruas
que começam em um município e terminam em outro. Há prédios, cujos apartamentos, na face Norte, localizam-se em uma cidade e, na Sul, em outra.
Oitenta por cento da mão-de-obra industrial de Cubatão residem em Santos, São Vicente
e Guarujá. Por falta de melhores estradas, os municípios do Litoral Norte do Estado começam a se desligar da Região Administrativa de Santos - a
quem estão afetos - e a participar mais ativamente da vida econômica, cultural e social do Vale do Paraíba. Há quase 20 anos, luta-se para implantar
a área metropolitana na região e por uma política mais justa e organizada de distribuição de recursos federais e estaduais nos municípios, cuja
captação foi estimada, em 1978, em Cr$ 2.511.555,00, como resultado da soma das receitas tributárias dos 23 componentes da 2ª Região Administrativa
do Estado.
A disparidade de distribuição dessas rendas, arrecadadas na própria região, é
alarmante, segundo os técnicos em economia.
Dos Cr$ 622.934.939,00 distribuídos pelo Estado aos municípios que compõem a 2ª Região
Administrativa do Estado - de Ubatuba a Cananéia -, também em 1978, como participação no Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM) arrecadado,
Cubatão ficou com 52%; Santos com 29,89%, Guarujá com 6,880%; Ilhabela, com 0,03% e Cananéia, 0,02%, a menor de todas as cotas.
Ainda assim, esses valores são insignificantes, perto do que os governos federal e
estadual recolhem em forma dos mais diversos tributos, e aplicam com uma timidez cada dia mais evidente.
Com a metropolização, a região receberia mais recursos de fundos federais próprios,
para o seu desenvolvimento.
Carta a Caldeira - Em junho último, animados pelos debates pró-metropolização
da região, o presidente do Conselho de Desenvolvimento Regional II, Nei Eduardo Serra, e o secretário técnico do mesmo organismo, situado em Santos,
Antônio Eckman Pitombeira, enviaram uma carta ao prefeito de Santos, Carlos Caldeira Filho, pedindo o seu apoio à causa da metropolização.
Na carta, eles esclarecem que os estudos para a metropolização já estão
suficientemente desenvolvidos e apreciados pelo Governo Federal.
"Entendemos que, esgotados os estudos e planos, o que a nossa região necessita, com
urgência, é de decisões efetivas para o seu desenvolvimento regional harmônico e integrado", afirmam.
A proposta do CDR-II é pela criação de uma metrópole regional englobando os 23
municípios que compõem, além da Baixada Santista, o Litoral Norte, o Sul e o Vale do Ribeira. Santos, "como município sede da região, se constitui
em centro polarizador do desenvolvimento regional, e a criação desse centro depende do esforço de integração governo-comunidade, tirando o maior
proveito possível para o respectivo progresso e desenvolvimento regional", concluem Serra e Pitombeira.
Região ainda sofre com a destinação do lixo
Governo não tem planos
Não existe nenhum estudo com vistas à implantação da
Região Metropolitana da Baixada Santista, nem pelo Ministério do Interior nem pela Secretaria de Assuntos Metropolitanos do Governo Estadual. O
secretário-geral do Ministério do Interior, Augusto César de Sá da Rocha Maia, além de afirmar que não elabora nenhum estudo, diz que a
metropolização traria mais encargos que vantagens aos municípios da Baixada, e que esses benefícios seriam relativos. Por sua vez, Mário Trindade,
secretário de Assuntos Metropolitanos do Estado de São Paulo, diz que o Governo Estadual não tem nenhum projeto objetivando a metropolização, e que,
se isto ocorrer no futuro, será decorrência do desenvolvimento natural da região.
As afirmações do secretário-geral do Minter constam de consulta feita por A Tribuna
ao Ministério do Interior, e as de Mário Trindade foram feitas durante o Congresso da Associação Paulista dos Municípios, realizado em maio, no
Guarujá.
As questões - Eis as questões respondidas pelo secretário-geral do Ministério
do Interior:
Pergunta - Esse ministério já recebeu ou está elaborando algum estudo sobre a
implantação da Região Metropolitana da Baixada Santista?
Resposta - O Ministério do Interior não está elaborando estudos com vistas à
implantação de nenhuma região metropolitana.
P - Como o Ministério do Interior encara a implantação do sistema de
metropolização da Baixada Santista, nos moldes das demais regiões metropolitanas do Brasil?
R - A Baixada Santista apresenta um processo de conurbação, como acontece
também em vários outros pontos do Brasil, que também não estão incluídos nas nove regiões metropolitanas estabelecidas por lei. Uma região
metropolitana não é a simples conurbação de cidades, mas resulta da definição de pontos com especial função dentro de uma política urbana nacional.
Assim, não corresponde à política urbana a classificação da Baixada Santista como região metropolitana, uma vez que está situada em área de
descompressão. Não há vantagem para as cidades integrantes nesta classificação, já que passariam a disputar recursos com as demais regiões
metropolitanas e não com as outras cidades médias, a exemplo de Vitória ou Florianópolis, que têm condições idênticas.
P - Quais, na opinião do ministro Mário Andreazza, os empecilhos da implantação
da metropolização da Baixada Santista, já que estudos nesse sentido remontam há 10 anos? Por que, enfim, Santos, Cubatão, São Vicente, Guarujá e
Praia Grande ainda não se transformaram em região metropolitana? O que falta para que isto aconteça?
R - Os problemas para incluir a Baixada Santista nas regiões metropolitanas são
os referidos no item 2. Cabe, ainda, considerar que essa posição de região metropolitana traria mais encargos que vantagens aos municípios, e seus
benefícios seriam relativos, uma vez que já existe, nessa área, a integração de serviços que a Lei Complementar 14 propõe.
Desenvolvimento natural - Mário Trindade, secretário de Assuntos Metropolitanos
do Estado, revelou que não é só a Baixada Santista que pleiteia a metropolização: também a região de Campinas está pensando nisso. E informou que
não há nenhum projeto no âmbito estadual objetivando a metropolização da Baixada Santista: "Se a metropolização ocorrer no futuro, será decorrência
do desenvolvimento natural da região", disse Trindade, reconhecendo que, no momento, há necessidade de coordenação de investimentos e administração,
em benefício da área.
Trindade ressalta que a metropolização traz aspectos positivos, e cita, entre eles, a
possibilidade de resolução dos problemas comuns das cidades abrangidas. "Entretanto, esta condição às vezes traz mais ônus que benefícios para as
áreas enquadradas. Recentemente, a Secretaria de Assuntos Metropolitanos recebeu o encargo de controlar as frotas de ônibus, na Grande São Paulo.
Isto significa mais responsabilidade para minha pasta, além de maiores gastos para o Governo Estadual". |