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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (K)
Os filhos pródigos querem voltar

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas.

Nessa época, em que a cidade ainda permanecia como área de segurança nacional e sem o direito de escolher seus dirigentes municipais - precisamente em um domingo, 8 de maio de 1983 -, o jornal A Tribuna publicou esta matéria, que retrata bem a mentalidade dos santistas e seu relacionamento com a cidade em que nasceram:

Santos, teus filhos pródigos querem voltar para casa!

Texto de Luiz Dias Guimarães

O jornalista Carlos Monforte, na televisão
Fotos: Carlos Marques

"Bom dia, Brasil!"

Este cumprimento diário, logo pela manhã, através de rede nacional de televisão, é feito por um santista. Outro santista dirige, a partir de terça-feira, a maior cidade da América do Sul. O jornalista Carlos Monforte e o novo prefeito de São Paulo, Mário Covas Júnior, são apenas dois exemplos de uma grande multidão, na maior parte anônima, que se radicou na Capital ou sobe serra acima, em um grande comboio, todos os dias, a partir das 5 horas.

Santos gera filhos que não pode sustentar. Muitos deles sonham em um dia poder voltar para casa. E por isso defendem intransigentemente o retorno da autonomia político-administrativa da Cidade, a implantação de uma universidade e a revitalização de alguns setores econômicos que julgam fundamentais.

Um empresário, que pretende formar na Capital uma associação de santistas - mais de 12 mil - propõe um amplo debate e um plano regional dentro de um espírito do tipo "Santos Ano 2 mil". É agora ou nunca - diz ele - para que os filhos pródigos possam voltar e ninguém mais precise deixar o lar.

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Manhã, 5h15. Cresce o movimento na Estação Rodoviária. De todos os cantos vão surgindo, com os primeiros raios de sol, pessoas com olhos inchados de sono que se movimentam automaticamente. Muitos se conhecem pelos nomes e são amigos dos vendedores de passagens e dos motoristas, como Macart, "o motorista dos estudantes". Todos formam uma espécie de grande família, solidária no caminho serra acima. Muitos são estudantes, pequenos filhos de Santos indo estudar na Capital e na região do ABC.

Sandra Silvestre, 18 anos, espera impaciente sua amiga Rosy Neves, 19 anos. Rosy não tarda e juntas marcam a passagem, como todos os dias, preocupadas em chegar às 7h30 na Faculdade Ibero-Americana, onde estudam línguas. Sandra e Rosy estão dispostas, afinal, não é segunda-feira e não precisam enfrentar a fila no guichê de passagem que, no início da semana, toma grande parte da área de circulação da Rodoviária.

As duas meninas querem ser tradutoras-intérpretes e, por isso, dormem todos os dias às 21 horas e levantam às 4h30. "Temos só cinco horas diárias para cuidarmos da gente, tomar banho, comer..." Elas gastam, por mês, mais de 40 mil cruzeiros e fazem questão de discriminar as despesas, demonstrando muita preocupação financeira. Quanto ao futuro, elas têm um objetivo: arrumar um bom emprego. Mas sabem que em Santos será difícil: "Eu gostaria muito de poder ficar aqui", afirma Sandra, com expressão de lamento, antes de entrar no ônibus.

O estudante de Publicidade, Nívio Peres Filho, embarca no ônibus seguinte da ponte rodoviária. Mas antes reforça o sonho de Sandra: "Quando me formar, gostaria de ficar aqui, mas não tenho muitas ilusões..."

Os ônibus se sucedem, todos lotados, levando estudantes - parte do futuro de Santos - e profissionais - parte de seu presente.

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6h20. O ônibus deixa a estação e cada um dos passageiros inicia um típico ritual, a leitura do jornal. Eiji Umekawa está atrasado, pois normalmente sai às 5h30. Ele é auditor do Banco Mercantil, 33 anos, casado, um filho e realizado profissionalmente. Mas diz que gostaria de encontrar condições de trabalho em Santos. Por isso defende a expansão da atividade industrial e turística.

Ao seu lado viaja Vicente Cortês Araújo, 27 anos, solteiro, formado em Administração de Empresas. Possui residência em Santos e em São Paulo, para onde foi trabalhar há cinco anos. Vicente é gerente no Unibanco mas ainda não se considera realizado. "É muito cedo para isso e em São Paulo estou encontrando essa chance". Em Santos é mais difícil, concorda Vicente. "Como absorver tantos recém-formados?". Anualmente, só das faculdades de Santos saem cerca de 2 mil novos profissionais de nível superior.

Vicente defende a implantação de uma universidade e a reativação do porto e do comércio para que a Cidade se revitalize. "O fechamento de muitos bancos estrangeiros em Santos é um forte sintoma do esvaziamento da Cidade. Em São Paulo considera-se Santos uma praça falida, mas talvez não seja tanto assim".

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7 horas. Na Praça dos Andradas, dois ônibus se preparam para partir. A Rápido São Paulo chama-os de "linhas da Caixa", e eles são afretados por profissionais que preferem evitar a ponte rodoviária. O nome "linha da Caixa" é explicado pelo fato de, ao chegar em São Paulo, o ônibus ir deixando grupos em diversos pontos, até atingir o prédio da Caixa Econômica do Estado. Os passageiros são mensalistas e, como esses dois ônibus afretados, saem outros, bem como peruas, conduzindo grupos de profissionais para empresas, órgãos públicos e faculdades do Planalto.

José Ricardo Soares Prado é o responsável por um dos ônibus da "linha da Caixa", ocupado por funcionários de bancos, seguradoras e financeiras, na maior parte, com formação universitária. José Ricardo formou-se em Direito, em Santos, e atualmente é chefe de recursos humanos do Banco Europeu para a América Latina. Está em São Paulo desde 76, é casado, tem filhos, e reconhece: "Seria bem mais cômodo se a gente tivesse condições para trabalhar em Santos. É a falta de campo de trabalho que nos obriga a ir para São Paulo". Noventa por cento dos companheiros de ônibus gostariam de voltar para Santos.

Como muitos, José Ricardo sonha com a autonomia. "Se elegêssemos nosso prefeito a situação poderia ser diferente. As autoridades municipais procurariam expandir a indústria e a construção civil. Seria um governo mais ativo, buscando verbas para a Cidade e organizando com um criterioso programa o nosso turismo, dependente de infra-estrutura".


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Não se sabe quantas pessoas formam o comboio diário da esperança e do sucesso. Mas José Ricardo lembra que, na época de inauguração do Metrô, na Capital, foram calculados 6 mil santistas. Fora tantos técnicos, intelectuais, executivos e empresários que sobem a Serra de automóvel próprio, carros de empresas e expressinhos. Essa situação, decorrente da falta de perspectivas profissionais na Cidade, cria duas situações: os santistas acabam formando conhecidas colônias em todos os campos de atividade na Capital. E a Cidade perde grande parte do que gera de melhor em capacidade, talento, poder e capital.

Um exemplo: há três anos a colônia representava cerca de um terço do quadro de professores do Curso de Jornalismo da Universidade de São Paulo. E a chamada "grande imprensa" de São Paulo conta com inúmeros santistas em posição de destaque. Uma situação que se repete em diversos setores - na indústria, no comércio, no mundo artístico. Por isso, essa matéria não se deterá em relacionar os filhos pródigos.

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Nas ruas e bares do dia e da noite paulistana os santistas estão sempre presentes. E é tal o número deles, que acabam transformando muitos pontos em uma extensão da terra natal. Um grupo ligado a Mário Covas Júnior e ao deputado Nélson Fabiano Sobrinho, entre outros santistas de nome, chegou a cogitar da criação do Clube do Jambolão, durante a recente campanha eleitoral. Jambolão, em referência às tradicionais árvores do Canal 3.

O carnaval de São Paulo tem, hoje, a escola de samba Filhotes da X-9. E quem for a qualquer ponto de atividade social e cultural da Paulicéia certamente vai encontrar santistas, comentando sobre como é mais agradável viver em Santos. "Quem sai de Santos percebe isso com nitidez", afirma Marcos Fonseca, responsável pela programação de reportagens da Rede Globo. Marcos saiu de Santos há dez anos e diz que voltaria caso a situação fosse outra.

Na sua opinião, a Cidade ainda não encontrou sua vocação econômica. Ele destaca o turismo e diz que "ninguém conseguiu transformá-lo em fonte de renda". "Santos possui um bom padrão de vida", comenta, "apesar de pagar-se 90 cruzeiros nos ônibus coletivos, e dispõe de bons equipamentos urbanos. Mas falta uma universidade, que catalisaria a inteligência santista, hoje em evasão. Antes a Cidade criava soluções que se tornavam modelo para outros municípios, ao contrário de agora".


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Também a falta de autonomia é criticada por Marcos, assim como pelo cartunista Geandré, que iniciou sua carreira com desenhos em A Tribuninha. Geandré destaca a vantagem cosmopolitana de São Paulo, mas reconhece que "em Santos a gente se sente muito bem". O santista é politicamente consciente e de mentalidade acessível, comenta Geandré, que deixou a Cidade em 72.

"Mas a Cidade está muito parada, inerte. A retirada da autonomia levou praticamente sua alma", diz o cartunista. Se tivesse que fazer uma piada, Geandré desenharia "uma ilha legal, aprisionada geograficamente, com o pessoal tentando se entender".

"Como gente desse tipo não é possível", comenta o psiquiatra Luiz Barreto de Souza, referindo-se a administradores que surgiram após o fim da autonomia. De tradicional família santista, Barreto deixou a Cidade para estudar ainda menino, e acabou se fixando em São Paulo, onde exerce a profissão e é sócio da Clínica de Repouso Alphaville. "Tenho muito amor por Santos e muitas coisas me prendem à Cidade, que aos poucos foi perdendo sua força por incúria, com administradores desvinculados da realidade santista".

Barreto considera essencial a implantação de um plano turístico eficiente, atraindo novamente o interior do Estado.


O novo prefeito de São Paulo, Mário Covas Júnior

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Já o ator Seraphim Gonzalez diz que turismo não é a grande saída e se deveria incrementar as atividades que hoje se acham meio desativadas. Ator de teatro e televisão, Seraphim não deixa de residir em Santos e viaja diariamente para atuar na peça Morte Acidental de um Anarquista, juntamente com Antônio Fagundes.

Contundentemente, Seraphim atribui os problemas de Santos à falta de autonomia. Evasão de artistas e demais profissionais para capitais como São Paulo e Rio existe em qualquer lugar, lembra ele. "Mas, em Santos vem ocorrendo uma piora em todos os aspectos. O teatro é um exemplo. Hoje não existem grupos atuantes permanentemente, o que se deve ao período de censura e à falta de autonomia do Município. É um absurdo, estamos de castigo como se fôssemos crianças. Se tivéssemos prefeito eleito, já teríamos uma universidade regional".

"Não tenho o menor respeito", diz Seraphim, "e acho que ninguém deve ter, pelos prefeitos que surgiram após a escolha de Esmeraldo Tarquínio. Desde lá Santos não foi dirigida e eu me sinto insultado". Ele considera o santista politizado, mas ressalta que "o povo está perdendo suas características, os jovens não demonstram mais tanto interesse e participação e não existem novos líderes e novas idéias".

Também a modelo fotográfico Sandra Salgado, 22 anos, fala do espírito do santista. "Ele é mais cabeça fresca e vejo muita displicência". Sandra é irmã da atriz Sílvia Salgado, e há dois anos e meio atua em publicidade como destacada modelo, em São Paulo. Ela formou-se em Psicologia em Santos e agora espera mudar para a Capital. "Prefiro São Paulo para trabalhar, mas como Santos não tem igual. Por isso, se pudesse trabalhar como psicóloga em Santos, deixaria a profissão de modelo, para assumir meu ideal". Ela também defende a criação de uma universidade e o estímulo às atividades econômicas em geral.

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A quantidade de santistas na Capital é tão grande que o empresário Roberto Chaddad pensa, juntamente com alguns amigos, em formar uma associação de santistas na Capital, reunindo parte de um contingente que ele estima em mais de 12 mil pessoas. Chaddad trabalha na Capital desde que sua indústria de confecção decidiu atingir todo o mercado brasileiro. "Hoje - diz ele -, estamos entre as dez maiores empresas de confecção de jeans do País".

Mas Chaddad não desiste de suas intenções, manifestadas já em 72, quando foi articulada a implantação de um Distrito de Indústrias Leves, o famoso DIL que nunca saiu dos planos. Ele diz que nunca obteve ajuda no Município e critica a falta de mentalidade industrial.

Agora, diz que é a grande oportunidade para uma mudança de mentalidade, aproveitando-se a presença de santistas no Governo Estadual, como Mário Covas Júnior e do deputado Castelo Branco que aqui morou durante muitos anos.

"Eu gostaria de discutir muito, gostaria que lançássemos uma nova mentalidade do tipo Santos Ano 2 mil e reuníssemos as cabeças pensantes". Sua proposta: a metropolização da Baixada, tendo em Santos a cidade-mãe, redistribuindo à região o ICM (N.E.: Imposto de Circulação de Mercadorias), de acordo com as necessidades de cada município; implantação do DIL; definição da arrecadação de impostos junto à Codesp, para aplicação desses recursos na infra-estrutura industrial, desapropriando áreas, se necessário; distribuição planejada das atividades, com implantação da indústria de peixe entre Bertioga e Guarujá; concessão de incentivos fiscais; e criação em Santos de uma empresa de economia mista ou privada para desenvolver lucrativamente um esquema de turismo na língua de praia, sem injunções políticas.

"Agora, disse, com o Governo Estadual e a perspectiva de um prefeito eleito, nós, santistas, temos a grande chance de nos desenvolvermos e podermos ficar aqui".


Alguns são personalidades consagradas, outros profissionais bem sucedidos ou estudantes esperançosos. Todos são santistas e muitos dizem do que a Cidade precisa para ficarem aqui

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